Breve análise da teoria do risco

Davi do Espírito Santo, Bacharel em Direito pela Faculdade Dinâmica das Cataratas - UDC - Foz do Iguaçu - PR. E-mail: davi.m@uol.com.br.

Fonte: Davi do Espírito Santo

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Davi do Espírito Santo ( * )

O movimento que originou as teorias objetivas da responsabilidade civil teve como um dos principais fatores de propulsão uma questão social, qual seja, o grande número de vítimas de acidente do trabalho de reparação do dano sofrido. A revolução industrial serviu como pano de fundo para esse processo, pois, deu ensejo ao fenômeno social do êxodo rural, provocado pela grande oferta de emprego nas fábricas localizadas nas cidades.

O que os camponeses não tinham noção é que estariam sujeitos a péssimas condições de trabalho, colocando em risco sua saúde e sua vida ao manipular o maquinário industrial, convivendo em um meio ambiente do trabalho insalubre e muitas vezes perigoso. Os novos operários não tinham experiência com o trabalho repetitivo, característica da atividade industrial, e nem para isso foram capacitados pelos empregadores, que os consideravam como mera engrenagem da sua cadeia produtiva(1).

A Revolução Francesa consagrou os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, dando origem ao liberalismo jurídico e econômico, em que o Estado se abstinha de regulamentar as relações entre particulares ficando adstrito a coibir os pactos que contrariassem a ordem pública. Quando o infortúnio laboral se concretizava, a culpa era atribuída ao empregado, sempre tachado de imprudente, desatencioso ou negligente, no manuseio das ferramentas e do maquinário(2).

A demonstração da culpa do patrão, de acordo com a teoria clássica da responsabilidade civil, era difícil, senão impossível. Diante do inegável quadro de injustiça social, o Estado teve de adaptar o ordenamento jurídico à realidade econômica e social, admitindo a responsabilidade civil sem culpa, consagrando legalmente o entendimento doutrinário e jurisprudencial já dominante à época, vez que, um dos principais fatos desencadeadores do surgimento da teoria do risco foi o efeito nefasto do acidente do trabalho(3).

Antes de se adotar a teoria da responsabilidade civil objetiva, no entanto, os rigores da responsabilidade civil baseada na culpa foram amenizados com a inversão do ônus da prova, por meio dos processos interpretativos, doutrinários e jurisprudenciais, passando o encargo probatório da vítima para o ofensor.

A responsabilidade civil objetiva, no que se refere aos acidentes do trabalho, foi explicada por várias teorias, dentre elas pode-se destacar a teoria do risco profissional, a teoria do risco de autoridade e a teoria do risco social:

a. Pela teoria do risco profissional, aquele que tira proveito da atividade industrial, perigosa por natureza, e para tanto cria riscos, responde pelos eventuais danos causados aos operários em razão de acidentes do trabalho independentemente de culpa.

b. A teoria do risco de autoridade ampliou o raio de ação da teoria do risco profissional para abarcar também os empregados do comércio e da agricultura. Considerava que o empregador era responsável pelos efeitos dos infortúnios laborais pelo simples fato do estado de subordinação jurídica dos seus empregados; a responsabilidade se definia pelo exercício do poder de comando do empregador.

c. Pela teoria do risco social, a sociedade, representada pelo Estado, deve assumir a responsabilidade pelos danos causados pelos acidentes do trabalho resguardados o direito de regresso contra o culpado direto que não adotou as medidas preventivas necessárias(4).

A efetivação dessa responsabilidade estatal se daria com o estabelecimento dos seguros obrigatórios, considerando o grau de periculosidade de cada atividade.

O risco é inerente a atividade empresarial e industrial, decorrente ou não da vontade do empregador mas da utilização dos próprios bens voltados à produção, tais como ferramentas, máquinas, equipamentos, edificações, instalações e técnicas de trabalho.

O exercício da atividade, muito embora tenha finalidade de lucro, é fator determinante para o progresso de toda a sociedade e a todos beneficia, pelo produto da atividade, pelos empregos diretos e indiretos, pelos tributos e por toda riqueza gerada e movimentada.

Neste sentido, o empenho que se deve exigir para evitar o acidente de trabalho, é coletivo e não individual. Do empregador, cobrar-se-á uma série de medidas preventivas que, se não adotadas, impor-lhe-ão responsabilidades pelo acidente. O mesmo se verifica em razão do trabalhador e de todos quantos participem da atividade.

Com vistas a possibilitar o atendimento desse imperativo jurídico, de prevenção do acidente como decorrência do risco criado, mister se faz que o empregador promova algumas ações específicas, voltadas à segurança no trabalho.

É preciso identificar as fontes de risco e tentar minimizá-las, quando não for possível eliminá-las totalmente. Em se tratando de riscos ambientais, que equipamentos de proteção coletiva não solucionem, deve fornecer equipamentos de proteção individual (EPIs), às suas expensas. E esses equipamentos devem ser eficazes e de boa qualidade. E o próximo e mais importante passo, após fornecer os EPIs, é tornar obrigatório o uso e fiscalizar sua utilização. O simples fornecimento dos EPIs não exime responsabilidades se o empregador é conivente com a não utilização dos mesmos.

A saúde, a vida e a integridade física do trabalhador são bens jurídicos indisponíveis e não podem ser objeto de descaso. O trabalhador que não usa os equipamentos protetores por falta de hábito, orientação ou por desídia, deve ser orientado, estimulado ou punido disciplinarmente, conforme o caso. Outra providência relevante a adotar é a capacitação do profissional, que se atinge por meio de orientação e treinamento, que devem ser materializados para servir de prova em futura ação indenizatória(5).

Caio Mario Pereira retrata a teoria do risco da forma que mais se aproxima da responsabilidade objetiva:

... se alguém põe em funcionamento qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de conduta, e assim se configura a "teoria do risco criado".(6)

Essa espécie de risco, criado por aquele que exerce a atividade econômica, ganha os contornos do risco proveito, quando dela aufere lucro e faz do risco e do perigo para outrem a expressão do seu benefício pessoal, em virtude do qual deve ser responsabilizado pelos danos decorrentes desse mesmo risco.

O princípio de que aquele que cria o perigo concreto de dano, no âmbito da teoria do risco, é obrigado a suportar o prejuízo daí resultante, independente de culpa.

É o que preleciona Alvino Lima:

A teoria do risco não se justifica desde que não haja proveito para o agente causador do dano, porquanto, se o proveito é a razão de ser justificativa de arcar o agente com os riscos, na sua ausência deixa de ter fundamento a teoria. (7)

Com efeito, o artigo 7°, inciso XXVIII, da Constituição Federal de 1988 reza que o empregador responderá por indenização por acidente do trabalho quando incorrer em dolo ou culpa. Já aqui a responsabilidade é subjetiva, dependente de culpa do empregador, e a nova regra do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil mais uma vez não inova, porquanto, sendo norma infraconstitucional, não pode modificar a regra esculpida na Carta Magna, face ao princípio da supremacia da ordem constitucional, fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico; lei posterior inferior (Lei 10.406/02, Código Civil, 2002) não revoga lei superior anterior (artigo 7°, XXVIII, da Constituição Federal de 1988), ou seja, o critério hierárquico lex superior derogat inferiori sobrepõe-se ao critério cronológico. Não só pela abrangência imprimida pela imprecisão dos termos do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil de 2002, mas, sobretudo porque já há manifestações no meio jurídico acerca deste tema, algumas, permissa vênia, incompreensivelmente pondo em dúvida a permanência do regime constitucional da responsabilidade civil subjetiva nas ações de indenização contra os empregadores por acidente do trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAIRO JÚNIOR, José. O Acidente de Trabalho e a Responsabilidade Civil do Empregador. São Paulo: LTr, 2004.

COL, Helder Martinez Dal. Responsabilidade Civil do Empregador: Acidentes de Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

LIMA, Alvino. Culpa e Risco. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002.



Notas:

* Davi do Espírito Santo, Bacharel em Direito pela Faculdade Dinâmica das Cataratas - UDC - Foz do Iguaçu - PR. E-mail: davi.m@uol.com.br. [ Voltar ]

1 - CAIRO JÚNIOR, José. 2004. [Voltar]

2 - Id., 2004. [Voltar]

3 - CAIRO JÚNIOR, José. 2004. [Voltar]

4 - CAIRO JÚNIOR, José op. cit. 30. [Voltar]

5 - Col, H.M. Dal. 2005. [Voltar]

6 - PEREIRA, Caio Mario. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 270. [Voltar]

7 - LIMA, Alvino. Culpa e Risco. 2. ed. São Paulo: RT, 1999, pág. 198. [Voltar]

Palavras-chave: teoria do risco

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