As corporações e o direito

Francisco Carlos Távora de Albuquerque Caixeta, Advogado/PA. Artigo elaborado em setembro de 2007.

Fonte: Francisco Carlos Távora de Albuquerque Caixeta

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Francisco Carlos Távora de Albuquerque Caixeta ( * )

RESUMO BILÍNGÜE: Abordar-se-á neste artigo aspectos históricos e jurídicos da origem e ascensão da moderna Corporação de Negócios, analisando precipuamente o modo como o Direito foi usado como instrumento para legitimar e servir os interesses escusos dessa que é a Instituição mais poderosa do capitalismo contemporâneo, e o que pode ser feito para mudar esse quadro alarmante.

One will approach in this article historical and legal aspects of the origin and ascension of the modern Business Corporation, analyzing especially the way as the Right was used as instrument to legitimize and to serve the suspicious interests of that it is the most powerful Institution of the contemporary capitalism, and what it can be made to change this alarming picture.

PALAVRAS-CHAVE: Corporação. Lei. Direito Autoral. Propriedade Intelectual. Patentes

SUMÁRIO: 1. Intróito, 2. O que é uma corporação?, 3. A origem das corporações, 4. Pessoa jurídica ou "frankenstein jurídico"?, 5. Análise psicológica da "personalidade" da corporação, 6. O direito à serviço das corporações, 6.1 "Parabéns pra você", 6.2. "A água é nossa", 6.3 Direito da propriedade intelectual: patentes, 7. As corporações e os governos, 8. A responsabilidade social das corporações, 9. As corporações e o meio ambiente, 10. O direito contra-ataca, 11. Conclusão, 12. Bibliografia.

1. INTRÓITO:

Há um século e meio, as Corporações eram pequenas instituições de pouco ou nenhum valor. Hodiernamente, elas exercem uma forte ingerência no cotidiano das pessoas, determinando o que se deve comer, ver, usar, onde trabalhar e o que fazer.

A Corporação se tornou uma instituição poderosa e capaz de influenciar a história ao longo dos tempos, tal como outrora aconteceu com o Comunismo, a Igreja e a Monarquia.

O mundo contemporâneo é o mundo corporativo. Nesse complexo contexto, iremos analisar as repercussões da hegemonia das Corporações na sociedade em que vivemos, de que forma elas se tornaram a instituição mais importante do moderno capitalismo e o modo - por vezes deturpado - como elas se relacionam com a legislação em vigor e com o próprio Direito.

2. O QUE É UMA CORPORAÇÃO?:

A Corporação é uma forma de controle do negócio, constituindo-se num grupo de pessoas trabalhando em conjunto com diversos objetivos, sendo o principal deles auferir lucros crescentes para os donos do negócio.

3. A ORIGEM DAS CORPORAÇÕES:

Para melhor compreender o caminho percorrido pela Corporação desde seu background humilde até sua "rapsódia final", ou seja, o ponto em que se tornou a instituição mais poderosa e dominante do mundo, é imperioso atentar para o modo como através dos anos, ela manejou e compeliu a tudo e a todos para se desembaraçar de seus confinamentos legais, objetivando se comportar nos moldes de uma entidade moral.

O nascimento da moderna Corporação remonta a era industrial, a qual iniciou em 1712 quando o inglês Thomas Newcumen inventou uma bomba a vapor para retirar água de uma mina para os mineiros ingleses tirarem mais carvão em vez de água da mina. Tratava-se de produtividade; mais carvão por homem/hora.

Nos dias de hoje, trata-se de mais chips por homem/hora. O sistema é o mesmo, produzindo produtos mais sofisticados.

Basicamente, o papel predominante das Corporações no cotidiano das pessoas é um produto do século passado.

No princípio, eram grupos licenciados pelo Estado para uma tarefa. Existiam poucos desses grupos nos Estados Unidos da América (E.U.A.) e os que existiam tinham regras muito claras criadas pelo Estado, operando pelo tempo que durasse o valor do próprio capital. Suas operações eram bem claras e inocentes, v.g. uma Corporação não podia possuir outra Corporação e seus acionistas podiam ser pessoalmente responsabilizados. Tanto perante a lei quanto a cultura, as Corporações eram consideradas um presente do povo para servir ao bem público.

Então, os advogados corporativos perceberam que necessitavam de mais poder de atuação e almejaram remover parte das restrições historicamente impostas às Corporações. A grande oportunidade surgiu com a promulgação da 14ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América, após o término da Guerra Civil norte-americana. Essa Emenda objetivava conceder direitos iguais aos negros para impedir que os Estados os prejudicassem como haviam feito por tanto tempo, dispondo que:

"Nenhum Estado pode tirar de qualquer pessoa a vida, a liberdade ou a propriedade sem um processo jurídico adequado".

Diante disso, os advogados corporativos foram à Justiça sustentando que a Corporação também é uma pessoa e surpreendentemente, a Suprema Corte Norte-Americana aceitou.

Um dado curioso e sintomático da situação é que entre 1890 e 1910, dos 307 casos julgados envolvendo a 14ª Emenda, 288 eram de Corporações e apenas 19 de afro-americanos.

4. PESSOA JURÍDICA OU "FRANKENSTEIN JURÍDICO"?:

Se uma pessoa não deseja ser pessoalmente responsabilizada enquanto sócia de uma empresa, ela pode incorporar para conseguir responsabilidade limitada.

Quando um grupo de pessoas quer investir dinheiro numa empresa, pode-se pedir uma licença para ser uma Corporação. O Governo concede essa licença e a Corporação passa a operar legalmente como uma pessoa. Não é um grupo de pessoas; sob a lei é uma pessoa jurídica.

Dessa forma, a Corporação adquire vários direitos de uma pessoa natural, podendo comprar e vender propriedades, fazer empréstimos, processar e ser processada, etc. Torna-se um membro da comunidade.

Todavia, tendo obtido os direitos de uma "pessoa", vale indagar que tipo de "pessoa" é uma Corporação.

A Corporação é uma pessoa sem consciência moral cuja única preocupação é com os acionistas, o que é determinado pela lei.

Quer dizer, toda Corporação foi estruturada através de medidas legais para ter uma característica perturbadora: a lei exige que os interesses financeiros dos donos estejam acima dos demais interesses. De fato, uma Corporação é obrigada por lei a pôr seus interesses acima de tudo, até do bem público, em função do lucro dos acionistas, fazendo com que os demais paguem pelo seu impacto na sociedade. Os economistas denominam isso de "externalidade". Externalidade é o efeito da transação de duas pessoas sobre outra que não consentiu ou participou da transação. Assim, a Corporação é tida como uma máquina externalizadora, pois é pressionada para apresentar resultados a curto prazo e externalizar qualquer custo permitido pelo público incauto ou indiferente.

Em síntese, a Corporação tem um mandato legalmente definido para exercer suas atividades de forma implacável, perseguindo, sem exceção, seus próprios interesses não obstante as conseqüências freqüentemente nocivas que podem causar aos outros. Isto é, um rosário de aberrações e irregularidades jurídicas tais como falsear a verdade, roubar, sonegar e inclusive matar, não são atitudes raras, mas o dever da Corporação quando isso serve aos interesses de seus acionistas.

Dentro desse contexto, obedecer ou não à lei é uma questão de custo/benefício. Caso a chance de ser descoberto e a multa a ser paga forem menores que o custo de seguir a lei, a Corporação vê isso como uma decisão de negócios, puramente comercial.

É impossível não fazer uma associação com a famosa narrativa do monstro do Dr. Frankenstein(1). Logo, a Corporação se constitui num verdadeiro "Frankenstein Jurídico" criado pelo próprio Direito (uma criatura abominável que tende a se voltar contra seu criador).

5. ANÁLISE PSICOLÓGICA DA "PERSONALIDADE" DA CORPORAÇÃO:


É possível elaborar um diagnóstico psicológico da "personalidade" da Corporação tendo como base casos típicos de males causados a terceiros retirados do universo de atividades corporativas, a saber:





Como se percebe, ao analisar uma Corporação como uma "pessoa jurídica" não é difícil estabelecer a transição entre a psicopatia no indivíduo e a psicopatia na Corporação. Analisando os elementos que definem esse distúrbio, a Corporação teria todas as características, sendo considerada um psicopata prototípico. Em suma, tendo a lei concedido à Corporação o status de uma "pessoa", ela deve ser reconhecida pelo que realmente é: um psicopata nato.

Diante disso, há que se questionar: "Quem é o responsável moral pelas ações da Corporação"?

Uma Corporação é simplesmente uma estrutura legal artificial, porém seus membros, acionistas, executivos, CEOs(2) e funcionários são quem têm responsabilidades morais sobre ela.

6. O DIREITO À SERVIÇO DAS CORPORAÇÕES:

No decorrer dos séculos, cada vez mais coisas foram colocadas sobre a tutela pública. Contudo, nas últimas três ou quatro décadas, o processo se inverteu. Por exemplo, o Corpo de Bombeiros nos Estados Unidos da América iniciaram como empresas particulares. Caso a pessoa não tivesse um contrato com uma brigada de bombeiros e sua casa incendiasse, os bombeiros nada fariam. Gradativamente, evoluiu-se para um sistema que oferecia segurança num nível específico, não se pensando mais em colocar os bombeiros de volta ao Mercado para ver se isso os tornaria mais eficazes.

Contrario sensu, há aqueles de defendem que um dia tudo seja privado, não só bens, mas direito humanos, serviços humanos, serviços essenciais (educação, saúde pública, assistência social, pensões, habitações) ar e água.

No capitalismo, a riqueza só é criada quando possuída privadamente. Para Elaine Bernard, Diretora-Executiva do Programa de Sindicato nos E.U.A., isso não é criação de riqueza é usurpação de riqueza.(3)

Por sua vez, Ira Jackson (Ex-Diretor do Centro de Negócios e Governo, da Kennedy School, Universidade de Harvard, e Autor de "Profits with Principles") sustenta que o capitalismo é inegavelmente amoral, mas emergiu como nossa nova teologia global. Uma teologia global sem moralidade, sem uma Bíblia, que só oferece um manual de transações para criação de riqueza e alocação eficiente de capital. Para esse executivo, ninguém deve duvidar dos benefícios do capitalismo e essa é uma das razões porque o capitalismo sobrepujou os demais "ismos", acabando com o comunismo, fascismo, totalitarismo e socialismo. O fato curioso é que o capitalismo sendo um sistema derivado e conduzido pela competição, não tem hoje competidor, e isso é muito perigoso para qualquer "ismo" bem-sucedido ou Corporação.(4)

Abordaremos agora a utilização do Direito como instrumento à serviço das Corporações para a transformação em propriedade privada de coisas triviais como música, passando por recursos naturais vitais como a água, até atingir organismos vivos patenteados.

6.1."PARABÉNS PRA VOCÊ".

A empresa AOL/TIME WARNER tem os direitos autorais da canção "Feliz Aniversário". No passado, ela exigia US$ 10.000,00 (DEZ MIL DÓLARES) para permitir que essa música fosse cantada num filme.

6.2."A ÁGUA É NOSSA".

A perspectiva de que 2/3 da população mundial não terão acesso à água pura em 2025 iniciou o confronto mundial pelo controle do recurso mais vital do planeta.

Quando a Bolívia procurou recursos para seu serviço de água, o Banco Mundial exigiu sua privatização. Foi assim que a empresa THE BECHTEL CORPORATION de São Francisco, E.U.A.., assumiu o controle sobre a água da cidade de Cochabamba, até a da chuva.

Os contratos proibiam as pessoas de coletar água da chuva. As contas de água não pagas davam o direito à empresa de se apropriar da casa do devedor, leiloando-a.

A privatização da indústria petrolífera, da companhia aérea, das empresas de energia e de telefonia foi o preço pago pela Bolívia pelos empréstimos do Banco Mundial.

Não obstante, o Governo daquele país não conseguiu convencer o povo de que a água é uma commodity(5)como outra qualquer.

Então, o povo boliviano saiu às ruas para protestar com o lema "La Agua és Nuestra, ¡Carajo!". Contudo, o Governo boliviano estava decidido a defender o direito da Corporação de cobrar de famílias que viviam com US$2,00 (DOIS DÓLARES) por dia cerca de 1/4 de sua renda pela água, fato esse que tornou os confrontos muito mais violentos.

No apogeu da luta, o Exército permaneceu no quartel e a Polícia nas Delegacias. Os congressistas se omitiram e o governador renunciou. Não havia, portanto, autoridade legal constituída. A única autoridade legítima era o povo reunido na praça tomando decisões em grandes assembléias. No fim, o povo boliviano decidiu sobre a questão da água numa "Consulta Pública Popular". O povo acabou herdando uma empresa estatal de água com vários problemas técnicos, financeiros, legais e administrativos, mas os está solucionando.

6.3. DIREITO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL: PATENTES.

O "caso Chakrabarty" é um marco da história jurídica mundial e durante seu desenrolar o público de nada sabia.

In casu, a GENERAL ELETRIC e o Professor Dr. Chakrabarty pleiteavam patentear um micróbio que ingere vazamentos de petróleo. Eles alegaram ter modificado o micróbio em laboratório e por isso era uma invenção. O Escritório de Patentes dos Estados Unidos da América e o governo daquele país negaram o pedido sob a alegação de que patentes não cobrem seres vivos, não constituindo uma invenção.

A G.E. e o Professor Dr. Chakrabarty apelaram ao Tribunal de Apelação dos E.U.A. e revogaram a decisão do Escritório de Patentes, o qual, por sua vez, recorreu asseverando que não se pode patentear vida. Todavia, por motivos que permanecem obscuros até a presente data, decorridos alguns anos, o mesmo Escritório de Patentes emitiu um decreto aduzindo que:

"É possível patentear qualquer ser vivo, menos um ser humano".

A Suprema Corte dos Estados Unidos da América acabou estabelecendo que organismos vivos produzidos em laboratórios podem ser patenteados.

Na seqüência, pesquisadores da Universidade de Harvard manipularam os genes de ratos para gerarem filhotes mais suscetíveis ao câncer, patenteando "o rato de Harvard" nos E.U.A., Europa e Japão. Porém, no Canadá, a Suprema Corte entendeu de forma inversa ao determinar que ratos geneticamente modificados não são passíveis de serem convertidos em patentes, pois formas de vida não são invenções da indústria.

Faz-se mister alertar para o fato de que a permissão dessa modalidade de patenteamento permite que Corporações sejam donas de estruturas de vida. Isso levou a uma prospecção biológica com cientistas e indústrias farmacêuticas "scaneando" o Planeta em busca de genes (DNA) que possam ser comercializados, dando origem a biopirataria, que tem como um dos alvos principais a biodiversidade de fauna e flora da Floresta Amazônica.

Para agravar a situação, após o mapeamento do genoma humano, vê-se uma corrida entre as empresas de genoma, de biotecnologia, de biologia e de química para achar o item mais valioso do mapa, os genes individuais que formam a raça humana. Toda vez que isolam um gene, essas empresas reivindicam sua propriedade intelectual (v.g. o gene do câncer de mama, da fibrose cística, etc.). Caso essa perspectiva não mude, certas empresas globais serão donas diretamente ou por meio de licenças dos genes responsáveis pela evolução da nossa espécie.

Na Era da Biologia, pretendendo patentear os genomas de todos os seres vivos da Terra, as Corporações defendem que a vida é um produto de mercado como qualquer outro.

7. AS CORPORAÇÕES E OS GOVERNOS:

Será o narcisismo das Corporações que as leva a procurar seu reflexo nas estruturas militarizadas dos regimes despóticos e/ou de exceção? A verdade é que as Corporações têm uma longa história de tolerância à tirania.

Existe uma conexão entra a ascensão do fascismo na Europa e a consciência dos extremistas no tocante ao poder corporativo, em virtude da percepção de que o fascismo aumentou na Europa com a ajuda de grandes empresas. Mussolini era admirado em diversos segmentos (os empresários o adorava, os investimentos subiram). Nessa esteira, quando Hitler assumiu o poder, o mesmo se sucedeu na Alemanha. Ele controlava os trabalhadores, livrou-se dos esquerdistas perigosos e fomentou as oportunidades de investimentos.

Houve também o conluio entre empresas, precipuamente dos Estados Unidos da América, e a Alemanha nazista de Hitler. Primeiramente, as corporações norte-americanas ajudaram a reconstruir a Alemanha e apoiaram o regime nazista. Posteriormente, quando a 2ª Guerra Mundial começou, essas empresas descobriram uma forma de continuar funcionando. A GENERAL MOTORS manteve as vendas da OPEL. A FORD permaneceu com suas operações. A empresa IBM forneceu máquinas, idealizou sistemas e prestou assessoria técnica para que as operações nazistas corressem perfeitamente (v.g. com os cartões perfurados das máquinas Hollerith, os nazistas localizavam suas vítimas). Até a Companhia de Refrigerantes americana COCA-COLA inventou um refrigerante denominado Fanta Laranja especialmente para poder ficar no mercado consumidor da Alemanha e obter lucros.

Não se pode olvidar que a contínua busca das Corporações pelo lucro se sobrepõe a qualquer bandeira nacional. Nesse sentido, várias Corporações norte-americanas foram multadas por negociar com inimigos do próprio país, incluindo terroristas, tiranos e regimes despóticos.

Para a grande Corporação o despotismo pode ser útil para garantir mercados estrangeiros e lucrar. Smedley Darlington Buttler, um dos generais americanos mais condecorados, ajudou a pacificar o México para petrolíferas americanas, o Haiti e Cuba para o NATIONAL CITY BANK, a Nicarágua para a BROWN BROTHERS BROKERAGE, a República Dominicana para interesses açucareiros, Honduras para companhias de frutas e a China para a STANDARD OIL.

Contemporaneamente, não é mais necessário um golpe de Estado para uma Corporação dominar um Governo. As Corporações se tornaram globais, por essa razão os governos perderam parte do controle sobre elas. De fato, os Governos não detêm sobre as Corporações o mesmo poder que possuíam 50 ou 60 anos atrás.

Alfim, o capitalismo transferiu para os CEOs o papel preponderante que pertencia anteriormente a Política e aos políticos. Hoje em dia, os CEOs corporativos se constituem no principal protagonista do capitalismo, sendo tidos como os novos sumos sacerdotes e oligarcas dirigentes do nosso sistema, influenciando o poder decisório de questões governamentais de vários países e até de interesse global.

8. A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS CORPORAÇÕES:

Nos últimos anos, o tema da responsabilidade social se tornou um modismo na comunidade de negócios. As Corporações começaram a competir entre si para saber qual delas se "importa mais" e realiza um maior número de atividades direcionadas para questões sócio-ambientais. Esse comportamento, que há algum tempo era inimaginável, virou objeto inclusive de campanhas publicitárias veiculadas em todos os tipos de mídia. Entretanto, o que está por trás disso? Será uma atitude sincera e verdadeira, um engodo ou uma nova estratégia de mercado para auferir mais lucros?

O papel desempenhado pelas Corporações em nossa sociedade requer medidas de prestação de contas por parte dela. Contudo, essa prestação está no mercado, com os acionistas, com a percepção pública e imagem que projetam, pois se as empresas não agem como deveriam são punidas pelo mercado.

Agora existe um novo mercado a ser explorado: o mercado da responsabilidade social e ecológica. É uma tática voluntária, uma reação a um determinado nicho de mercado. Não se sabe se as empresas realmente almejam ser socialmente responsável ou simplesmente querem ser identificadas e parecer como tal. O que é sabido é que as Corporações só fazem isso porque entendem que o mercado está pedindo e que há vantagem competitiva nisso. O objetivo final é se tornar a Corporação predileta dos consumidores.

Ocorre que definir responsabilidade social não é função das Corporações, elas estão extrapolando sua área de atuação. Um CEO não é um político eleito pelo povo para governar em prol do bem comum. Isso é papel dos Governos de cada Nação.

Até quando a preocupação das Corporações em projetos de responsabilidade social e ambiental vai perdurar? Enquanto houver interesse por parte dos consumidores. Nada impede que as Corporações retomem o modelo de atuação anterior.

9. AS CORPORAÇÕES E O MEIO AMBIENTE:

A típica empresa do século XX é extrativa, abusiva e linear em seus processos de produção, retirando da terra, fabricando, desperdiçando e retornando seus produtos à biosfera (v.g. poluição de rios, detritos para um lixão, etc.). Não há uma indústria no Planeta, de nenhum tipo, que seja sustentável.

Nessa direção, inexiste um único documento científico escrito nos últimos 25 anos que contradiga o fato de que todos os sistemas de vida da Terra e todo sistema de suporte à vida (os quais juntos formam a biosfera) estão em declínio.

A destruição do meio ambiente pelas Corporações e o legado de destruição da biosfera para gerações vindouras é cognominado por alguns de "Tirania Intergeracional", isto é, uma forma de imposto sem representação arrecadado por gerações futuras.

Nesse quadro alarmante, salta aos olhos o exemplo dado por Ray Anderson, CEO da INTERFACE (maior fabricante mundial de tapetes comerciais), o qual no "outono de sua carreira" decidiu mudar totalmente de mentalidade e paradigma, passando a conduzir sua empresa de um modo mais ecológica e socialmente consciente.

Durante 21 anos, Ray Anderson nunca pensou no que a INTERFACE tirava da Terra ou fazia a ela ao produzir seus produtos. Então, em 1994, começou a ouvir perguntas dos clientes acerca do que a empresa fazia pelo meio ambiente. Aí, ele percebeu que conduzia a INTERFACE conforme um saqueador e que algum dia no futuro isso será ilegal e pessoas como ele acabarão presas.

Atualmente, esse CEO mudado faz palestras defendendo uma maior conscientização e mudanças no sistema de produção das empresas. Entre as principais idéias defendidas por ele estão:

- Todos os CEOs são "saqueadores do Planeta" (inclusive ele mesmo);

- A 1ª Revolução Industrial fracassou, é insustentável, não funciona, é um erro;

- Tem-se que partir para uma nova revolução industrial e acertar dessa vez;

- A empresa tem que cortar o elo com a Terra na extração de matéria-prima. Ela pegaria a matéria-prima já extraída e a reutilizaria usando energia renovável, alcançando a sustentabilidade;

- Uma empresa sem desperdícios, nos moldes da natureza, tem que ser conduzida através de processos com energia renovada, porém antes é necessário reduzir esse consumo de energia a um mínimo irredutível, por intermédio da eficácia para ter como custear os investimentos renováveis de energia.

- Alguns produtos não devem ser fabricados. Só se deve produzir produtos de forma sustentável.(6)

10. O DIREITO CONTRA-ATACA:

Existem inúmeras formas de se enfrentar a Corporação, tais como litígio, ação direta, educação, boicotes, investimentos sociais, etc.

Nesse diapasão, vale ressaltar algumas vitórias jurídicas contra essa poderosa Instituição. Por exemplo, no caso da patente da árvore nim(7), quando a patente do Governo dos Estados Unidos da América e da WR GRACE (uma das maiores empresa químicas do mundo) sobre o nim foi anulada por uma ação conjunta com os Verdes do Parlamento europeu e o Movimento Internacional de Agricultura Orgânica. Em outro caso, anulou-se 99% da patente do arroz Bastami pertencente a gigante do ramo alimentício RICE TEK.

11. CONCLUSÃO:

Prima facie, como sói acontecer em qualquer análise crítica comprometida com a realidade factual e com a lógica jurídica, faz-se mister estabelecer uma distinção entre as pessoas, geralmente de boa índole, que trabalham para as Corporações e a estrutura original dos dirigentes que conduzem as ações de cada pessoa dentro de cada Corporação.

Ademais, não se pode olvidar que apesar do grande poder que as Corporações adquiriram e da aparente impotência dos governos constituídos para controlá-las, elas continuam sendo fruto da própria criação do ser humano e dependem das leis para terem sua existência continuada. Por conseguinte, da mesma forma que o Direito criou o monstro da Corporação do jeito que ele se encontra hoje, compete ao próprio Direito por intermédio de todo seu aparelho normativo (leis, doutrinas e jurisprudências) o poder e o dever de controlar e mitigar o enorme potencial causador de danos das Corporações.

É um equivoco supor que apenas o poder do protesto popular é capaz de ajudar a modificar essa situação; porém, um erro ainda maior é acreditar que as Corporações podem se transformar em entidades morais socialmente cientes da obrigação de colocar o meio ambiente, a comunidade, e o bem-estar da população acima do escopo de auferir lucros. Sobretudo, deve-se perceber que as Corporações e suas ideologias subjacentes movidas por um conceito vil e destrutivo da natureza humana contradizem os valores supremos da compaixão, da igualdade, da justiça social e da democracia.

O problema não se restringe àqueles interessados no mundo dos negócios, ao contrário, diz respeito a toda sociedade, pois os valores sociopatas e patológicos da Corporação estão determinando o tipo de mundo em que se vive e que será repassado para as futuras gerações. Há várias décadas já impende sobre nossas cabeças a Espada de Dâmocles. Até quando ela não despencará?(8)

12. BIBLIOGRAFIA:

·
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2. ed. ref. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

· BAKAN, Joel. The corporation: the pathological pursuit of profit and power. UK: Constable and Robinson, 2004.

· BASSO, Maristela. Direito internacional da propriedade intelectual. Rio Grande do Sul: Livraria do Advogado, 2000.


Notas:

* Francisco Carlos Távora de Albuquerque Caixeta, Advogado/PA. Artigo elaborado em setembro de 2007. [ Voltar ]

1 - Frankenstein ou o Moderno Prometeu, mais conhecido apenas por Frankenstein, é um romance de terror gótico com inspirações do movimento romântico, de autoria da escritora britânica Mary Shelley. O romance relata a história de Victor Frankenstein, um estudante de ciências naturais que constrói um monstro em seu laboratório, o qual acaba subjugando-o. São temas principais da obra, o segredo da criação da vida a partir de matéria inanimada como sendo de natureza divina e o poder exercido pela humanidade sobre a Natureza por intermédio da ciência e da tecnologia. Outros temas são abordados com menos ênfase, v.g. amizade verdadeira, preconceito, ingratidão, injustiça, inveja, inevitabilidade do destino, etc. Frankenstein é o antigo nome de uma velha cidade na Silésia, local de origem da família Frankenstein. (Fonte: site www.wikipedia.com.br). [Voltar]

2 - Chief Executive Officer (Chefe do Setor Executivo), mais conhecido como CEO, é um termo anglo-saxão para designar a pessoa com a mais elevada responsabilidade ou autoridade numa organização ou corporação. Apesar de ser teoricamente possível existir mais de um CEO numa empresa, comumente o posto é ocupado por apenas um indivíduo, com o receio que esse compromisso gere confusão dentro da organização sobre quem tem o poder decisório. Todos os demais executivos prestam contas ao CEO. Devido a crescente globalização da economia e dos negócios, a expressão vem sendo igualmente usada em países não anglo-saxões (Fonte: site www.wikipedia.com.br). [Voltar]

3 - Depoimento retirado do Documentário internacionalmente multi-premiado "The Corporation", inspirado no best-seller de Joel Bakan intitulado "The Corporation: The Pathological Pursuit of Profit and Power?". [Voltar]

4 - Depoimento retirado do Documentário internacionalmente multi-premiado "The Corporation", inspirado no best-seller de Joel Bakan intitulado "The Corporation: The Pathological Pursuit of Profit and Power". [Voltar]

5 - Termo inglês para artigos de consumo, mercadorias. [Voltar]

6 - Depoimento retirado do Documentário internacionalmente multi-premiado "The Corporation", inspirado no best-seller de Joel Bakan intitulado "The Corporation: The Pathological Pursuit of Profit and Power". [Voltar]

7 - Neem (Azadirachta indica) é o nome de uma árvore da família Meliaceae, única no seu gênero botânico. O nome científico dela faz alusão ao seu país de origem, a Índia. Igualmente conhecida como Nim ou Amargosa, é uma árvore "multiuso" ou "pau para toda a obra", pois tem várias utilidades. Suas folhas, frutos, sementes, casca e madeira têm diversas aplicações, tanto como fonte de materiais usados pela medicina, veterinária, cosmética, como na produção de adubos e no controle de pragas. (Fonte: site www.wikipedia.com.br). [Voltar]

8 - Dâmocles se constitui numa figura participante de uma anedota moral que foi uma adição tardia para a cultura grega clássica. A personagem pertence mais propriamente a um mito que à mitologia grega. Parece que Dâmocles era um cortesão muito bajulador na corte de Dionísio I de Siracusa (um tirano do século 4 A..C. em Siracusa, na Sicília). Ele dizia que, como um grande homem de poder e autoridade, Dionísio era verdadeiramente afortunado. Então, Dionísio ofereceu-se para trocar de lugar com ele por um dia, para que ele igualmente pudesse se sentir desse jeito. À noite, um banquete foi realizado, no qual Dâmocles adorou ser servido como um rei. Apenas ao fim da refeição olhou para cima e percebeu uma espada afiada suspensa por um único fio de rabo de cavalo, diretamente sobre sua cabeça. Imediatamente perdeu o interesse e abdicou de seu posto. A espada de Dâmocles é uma alusão freqüentemente usada para remeter a este conto, representando a insegurança daqueles com grande poder (devido à possibilidade deste poder lhes ser tomado repentinamente) ou, mais genericamente, a qualquer sentimento de iminente danação. Na linguagem forense, costuma-se dizer da pessoa que está correndo perigo iminente. (Fonte: site www.wikipedia.com.br). [Voltar]

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