Ação de indenização. Estabelecimento prisional.

Custódia. Perda de membro inferior.

Fonte: Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.

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Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.

EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ESTABELECIMENTO PRISIONAL - CUSTÓDIA - PERDA DE MEMBRO INFERIOR- RESPONSABILIDADE DO PODER PÚBLICO - REDUÇÃO INDENIZAÇÃO - HONORÁRIOS - CUSTAS PROCESSUAIS - CORREÇÃO MONETÁRIA. ''Em se tratando de dano moral, o conceito de ressarcimento deve abranger o caráter punitivo, visando castigar o causador do dano pela ofensa que praticou e o caráter compensatório, que proporcionará à vítima algum bem em contrapartida ao mal sofrido''. ''O valor fixado a título de dano moral tem como objetivo minimizar a dor e a aflição suportada pela vítima, não podendo constituir fonte de enriquecimento ilícito.''

APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO N° 1.0452.03.009992-6/001 - COMARCA DE NOVA SERRANA - REMETENTE: JD 1 V CV CR INF JUV COMARCA NOVA SERRANA - APELANTE(S): ESTADO MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): SEBASTIÃO MARCOS BERALDO - RELATOR: EXMO. SR. DES. ALVIM SOARES

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REFORMAR PARCIALMENTE A SENTENÇA, NO REEXAME NECESSÁRIO, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO.

Belo Horizonte, 06 de outubro de 2009.

DES. ALVIM SOARES - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. ALVIM SOARES:

VOTO

Perante a Primeira Vara Cível, Criminal e da Infância e Juventude Comarca de Nova Serrana e litigando sob os auspícios da assistência judiciária, Sebastião Marcos Beraldo aviou em desfavor do Estado de Minas Gerais, a presente ação de indenização por danos materiais e morais relatando que, em 16/06/2002, estava apreendido na cadeia pública local, onde houve um grande incêndio na cela 4, deixando duas vítimas fatais e outras feridas gravemente, dentre elas o requerente, que teve amputada sua perna direita na altura da coxa, perda parcial dos movimentos da perna esquerda e queimaduras por todo o corpo que deixaram marcas e cicatrizes; ao longo de sua peça exordial, asseverou que as autoridades policiais responsáveis por aquele presídio, negligentemente, permitiram que o detento que provocou o incêndio tivesse acesso a uma garrafa plástica de 2 litros contendo substância inflamável; além disso o requerente estava cumprindo pena em cadeia pública, por sinal, em péssimas condições, e não em penitenciária; sustenta que o detetive plantonista encontrava-se em sua residência, o que causou demora na abertura das celas para libertação dos presos, agravando a situação; além disso, por não ter Corpo de Bombeiros no município, foi improvisado um caminhão tanque da Prefeitura, sem equipamento ou mão-de-obra especializada, até a chegada do Corpo de Bombeiros de Divinópolis; aduziu que o requerente ficou inválido para o trabalho e dele dependem economicamente sua companheira e duas filhas menores; buscou, em razão do alhures descrito, a responsabilidade do suplicado, com o pagamento de pensão vitalícia ou até completar 65 anos (se paga de uma só vez) no valor de um salário mínimo, bem como, das despesas médicas no importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), totalizando R$ 89.240,00, além de indenização pelos danos morais sofridos no valor de mil salários mínimos (R$ 240.000,00); juntou documentação.

Citado devidamente, o Estado-réu ofertou sua contestação às fls. 48/TJ, alegando que não pode ser responsabilizado, eis que os danos ao requerente foram causados por outro preso e não por ato omissivo ou comissivo de agente estatal; discorda também dos valores pleiteados pelo autor à título de dano moral e material.

As partes agiram com bastante desenvoltura no transcorrer do processo, produzindo provas documentais e testemunhais; o MM Juiz de Direito a quo prolatou a decisão vergastada que se encontra lastreada às fls. 114/119TJ, julgando procedente, em parte, o pedido contido na inicial, condenando o município ao pagamento de indenização no valor de R$ 465.000,00 e pensão no importe de um salário mínimo, até que o requerente complete 65 anos de idade.

Inconformado, rebelou-se o Estado de Minas Gerais (fls. 122/128TJ), buscando a reforma do decidido para diminuir o valor da condenação e decotar a indenização pelos danos materiais ou a fixar como termo inicial da pensão a data do reconhecimento da invalidez pelo INSS, bem como, para incidir correção monetária a partir da data da condenação, reduzir honorários, isentar as custas e fixar os juros de mora em 0,5%, em relação ao período anterior à vigência do Código Civil de 2002; contra-razões ofertadas às fls. 132/136TJ.

Reexame necessário e recurso voluntário principal de que se conhece, eis que presentes os pressupostos de suas admissibilidades.

Data maxima venia, após analisar com o exigido cuidado todo o contexto probante carreado aos autos, cotejando o recurso apelatório com o decidido na instância inaugural, tenho que a decisão monocrática merece ser reformada, em parte.

No caso em comento, sobressai-se de forma incontrastável a responsabilidade do Estado e mais que isso, se envolve perda de membro inferior, a responsabilidade civil pela teoria objetiva, seja por ato comissivo ou omissivo, responde o Poder Público, na concepção do parágrafo sexto do artigo 37 da Carta Magna.

Os detentos em custódia exigem uma completa vigilância dos responsáveis pelo estabelecimento; ao permitir que um deles tivesse acesso a recipiente com substância inflamável, o Estado deu causa ao incêndio no presídio; enfim, deveria o Estado agir com maior eficiência em seu poder de custódia.

Na lição de RUI STOCCO (in Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial):

"A omissão configura a culpa in omitendo e a culpa in vigilando. São casos de inércia, casos de não-atos. Se cruza os braços ou se não vigia, quando deveria agir, o agente público omite-se, empenhando a responsabilidade do Estado por inércia ou incúria do agente. Devendo agir, não agiu"

Nesse sentido:

"Comprovado que as causas do evento danoso decorreram de omissão de quem deveria providenciar as condições de segurança necessárias, indeclinável é a sua obrigação de indenizar" (TJSP - 4ªCC. Rel. Des. Olavo Silveira, RT607/55).

Ora, a partir do momento em que a vítima foi colocada sob a guarda e responsabilidade das autoridades policiais, que se obrigaram pelas medidas tendentes à preservação da sua integridade corporal, protegendo-a de eventuais violências é de se considerar ser o Estado responsável pelos danos que porventura lhe sobreviesse, em razão da desídia por parte daqueles a quem competia o resguardo da sua segurança.

Trago a baila o ensinamento de CRETELLA JÚNIOR:

"Pessoas recolhidas a prisões comuns ou a quaisquer recintos sob a tutela do Estado têm o direito subjetivo público à proteção dos órgãos públicos, cujo poder de polícia se exercerá para resguardá-las contra qualquer tipo de agressão, quer dos próprios companheiros, quer dos policiais, quer ainda de pessoas de fora, que podem, iludindo a vigilância dos guardas, ocasionar danos aos presos"

Mais:

"Cumpre observar que, no caso de morte, é irrelevante para fins de responsabilidade civil do Estado, pois pela teoria objetiva ou teoria do risco integral, acolhida hoje, sem reservas no direito brasileiro, quer o preso tenha sido morto, quer tenha cometido suicídio, espontaneamente ou motivado, a pessoa jurídica pública responde pela morte, no mínimo, por culpa in vigilando, aplicando-se à espécie, o art. 107 da Constituição de 1969 (atual art. 37, §6º da CF/88)"

Outro, não é o entendimento desta Corte:

EMENTA: INDENIZAÇÃO - MORTE DE PRESO - CULPA "IN VIGILANDO"- CARACTERIZAÇÃO - DANO MORAL - FIXAÇÃO - PARÂMETROS - JUROS MORA - LIMITE - EXECUÇÃO - PROCEDIMENTO

"O Estado tem o dever de indenizar a morte de preso, ocorrida no interior de cadeia pública, quando verificada a desídia dos seus prepostos no exercício das suas funções. Na fixação do dano moral puro considerar-se-á um montante indenizatório que possa proporcionar à ofendida algum lenitivo para sua dor, bem como elemento de punição eficaz ao ofensor. (TJMG - Ap. nº 1.0000.168.809-2/000 - Rel.: Des. Lucas Sávio)

"Indiscutível a responsabilidade do réu por culpa in vigilando, pois que a vítima se achava sob custódia e direta proteção do Poder Público. Há evidente culpa dos funcionários, respondendo a pessoa jurídica de direito público, da qual é servidor, pela indenização cobrada pela família do morto, nos termos da lei" (JM, 108/242)

Aflorou-se assim, toda a responsabilidade civil do Estado-réu que, desidiosamente, por seus agentes policias, negligenciaram na guarda e proteção do detento; logo, por ser procedente o pleito indenizatório, não havendo que se falar em ausência nexo de causalidade para afastar o direito ao recebimento da pensão, tampouco, em sua fixação a partir do reconhecimento da invalidez pelo INSS, uma vez que restou devidamente comprovada nos autos ausência de capacidade laborativa do requerente a partir do evento danoso.

No pertinente ao quantum, é da sabença geral que, em se tratando de dano moral, o conceito de ressarcimento deve abranger o caráter punitivo, visando castigar o causador do dano pela ofensa que praticou e o caráter compensatório, que proporcionará à vítima algum bem em contrapartida ao mal sofrido; o valor fixado a título de dano moral tem como objetivo minimizar a dor e a aflição suportada pela vítima, não podendo constituir fonte de enriquecimento ilícito.

É o escólio de Maria Helena Diniz:

"Na reparação do dano moral, o juiz determina, por eqüidade, levando em conta as circunstâncias de cada caso, o quantum da indenização devida, que deverá corresponder à lesão e não ser equivalente, por ser impossível, tal equivalência. A reparação pecuniária do dano moral é um misto de pena e satisfação compensatória. Não se pode negar sua função: penal, constituindo uma sanção imposta ao ofensor; e compensatória sendo uma satisfação que atenue a ofensa causada, proporcionando uma vantagem ao ofendido, que poderá, com a soma de dinheiro recebida, procurar atender a necessidades materiais ou ideais que repute convenientes, diminuindo, assim, seu sofrimento"

No caso em comento, tenho que os danos morais foram fixados, ao meu entender, de forma exagerada tendo em vista a repercussão do fato na vida do requerente e o grau de culpa do apelante; após, sopesadas as provas de maneira prudente, afigura-se-me mais bem dosada, a condenação a título de danos morais no valor correspondente a R$232.500,00 (duzentos e trinta e dois mil e quinhentos reais).

Quanto aos honorários advocatícios, atento ao que dispõe o artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil, fixo os honorários advocatícios em 23.250,00 (vinte e três mil e duzentos e cinqüenta reais).

A correção monetária referente à indenização por danos morais deve incidir a partir da condenação, nos termos da Súmula 362 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça.

No que concerne aos juros de mora, não há que se falar em aplicação do percentual de 0,5% no período que antecedeu a vigência do Código Civil de 2002, uma vez que o evento danoso ocorreu após a sua entrada em vigor.

Outra reforma que entendo necessária é na parte referente à condenação do requerido ao pagamento das custas processuais; ora, os Estados estão liberados em arcar com as custas processuais e recursais, em virtude da disposição contida no artigo 10, I, da Lei Estadual nº 14.939/03 que isenta as autarquias da União, do Estado e dos Municípios do pagamento das custas devidas ao Estado de Minas Gerais, quer em primeiro, quer em segundo graus; assim, estando a dispensa do pagamento das custas processuais devidamente arrimada em dispositivo legal, a reforma da sentença neste particular se impõe.

Ante o exposto, em reexame necessário, reformo, em parte, a decisão hostilizada, para reduzir o valor da condenação ao equivalente à R$ 232.500,00 (duzentos e trinta e dois mil e quinhentos reais), fixar os honorários advocatícios em R$23.500,00 (vinte e três mil e quinhentos reais), isentar o requerido do pagamento das custas processuais, nos termos da Lei 14.939/03, e determinar a incidência da correção monetária relativa a indenização por dano moral a partir da condenação; prejudicado, via de conseqüência, o recurso voluntário.

Custas recursais, na forma de lei.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): EDIVALDO GEORGE DOS SANTOS e WANDER MAROTTA.

SÚMULA: REFORMARAM PARCIALMENTE A SENTENÇA, NO REEXAME NECESSÁRIO, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO.

Data da Publicação: 30/10/2009

Palavras-chave: indenização

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