A discriminação positiva como mecanismo de atendimento ao princípio da dignidade da pessoa humana
Júlio Cezar Dalcol, Advogado militante inscrito na OAB/PR, Professor do curso de Direito das faculdades de Telêmaco Borba (FATEB) e Jaguariaíva (FAJAR).
Júlio Cezar Dalcol ( * )
RESUMOEste artigo pretende demonstrar através de exemplos e dispositivos legais a maneira como é utilizado o mecanismo da discriminação positiva e sua estreita relação com a dignidade da pessoa humana.
PALAVRAS-CHAVE: Discriminação. Dignidade da pessoa humana.
1. INTRODUÇÃO
A dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III da CF/88) e uma das bases mestras do estado democrático de direito que se encontra estabelecido.
Por sua vez, são objetivos da República (art. 2º, CF/88), construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
A título de exemplo, quando o legislador constituinte originário tratou da erradicação da marginalização o contexto foi de necessária inclusão através de mecanismos que reduzissem as desigualdades até então existentes. Acabar com a marginalização implica em tratamento equilibrado, igualitário, isonômico, respeitadas as peculiaridades de cada grupo, indivíduo, região, enfim, tratamento igual para aqueles que se encontram em condições iguais.
A dignidade da pessoa humana, como corolário e ao mesmo tempo princípio do Estado Democrático de Direito, está diretamente relacionada à observância de diversos dispositivos constitucionais e também infralegais, porém com uma atenção toda especial àquilo que está posto no Título II da Constituição que, não por acaso, abarca os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos (o festejado art. 5º), Direitos Sociais, Direitos da Nacionalidade e ainda os Direitos Políticos.
2. DISCRIMINAÇÃO POSITIVA COMO INSTRUMENTO DE ISONOMIA MATERIAL
Oportuno salientar que nos termos do texto magno "todos são iguais perante a lei" (art. 5º, caput) e que não resta dúvida que tratamentos discriminatórios são abominados e passíveis de severas punições acaso constatados. Ademais, a discriminação, no sentido laico da expressão, denota algo sempre negativo quando na realidade existe mecanismo que se convencionou denominar discriminação positiva, ou seja, uma espécie do gênero que ao contrário do que se possa imaginar, não apenas é permitido como foi utilizado amplamente pelo legislador constituinte originário como instrumento de promover a igualdade material.
Da Constituição Federal brotam conceitos e princípios que, efetivamente, objetivam discriminar positivamente para que seja possível atingir a igualdade de fato e não apenas a igualdade de direito que, desde sempre, está posta no ordenamento pátrio.
Acerca da desigualdade na lei e das diferenciações normativas não consideradas discriminatórias, relevante a lição trazida por Alexandre de Moraes.
A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, tornar-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. (MORAES, 2008, p. 37)
É simples ao operador do direito, assim como ao laico, concluir que o atingimento da dignidade da pessoa humana passa, necessariamente, pelo respeito à vida, à propriedade, à inviolabilidade (seja do próprio indivíduo, seja do seu domicílio) o direito ao voto, o direito ao trabalho, o direito à cidadania, entre outros tantos que a academia nos apresenta tornando-os comuns. Porém, difícil é compreender, mesmo aos técnicos da área jurídica, os mecanismos de discriminação positiva, a forma como devem ser elaborados, sob pena de afrontarem o princípio da igualdade e, mais que isso, interpretar o ordenamento positivado sob a ótica dessa diferenciação que já está inserida e, de maneira contumaz utilizada, mas, que por diversas vezes é alvo de críticas, sejam tais críticas fruto da laicidade, sejam fruto da falta de bom senso do intérprete e do operador do direito.
De bom tom, como forma de tornar mais clara a abordagem, antes de citar alguns poucos exemplos de discriminação positiva inseridos em nosso ordenamento, frisar que é necessário que dito mecanismo exista e seja aplicado em razão de questões relevantes, que sua utilização vise, efetivamente, garantir direitos que sem ele seriam inviabilizados.
Neste diapasão, fica evidente o mecanismo da discriminação positiva no tratamento entre homens e mulheres no que respeita às relações de trabalho e, em que pese a previsão constitucional de igualdade, dito tratamento diferenciado se justifica para que o acesso das mulheres aos postos de trabalho não seja obstado em razão de questões que apenas à elas são, fisiologicamente, possíveis, no caso em comento, o estado gravídico. Se não, vejamos:
1. É garantida a licença maternidade e a conseqüente garantia de emprego, sendo vedada qualquer espécie de exigência prévia que vise aferir o estado de gravidez no ato de admissão. A lógica de tal proibição reside no fato de que se fosse permitido, ao empregador, verificar e exigir que o postulante ao posto de trabalho, se mulher, comprovasse ser solteira, não estar grávida, ou mais que isso, ser cirurgicamente estéril, estaríamos diante de grave afronta ao princípio da igualdade formal, do tratamento não discriminatório, pois, todos são iguais perante a lei e, por via reflexa, não estaria sendo proporcionada e perqüirida a dignidade da pessoa humana, haja vista que o trabalho dignifica o homem (no sentido lato da expressão) e tal conduta do empregador, acaso permitida, configuraria óbice às mulheres galgarem postos de trabalho que aos homens seriam de livre acesso. Neste contexto, fica evidente a necessidade do mecanismo de discriminação positiva como forma de proporcionar igualdade material.
2. Aos idosos é garantido - pelo Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) - entre outras coisas, a prioridade de tramitação em processos judiciais (art. 71) o que se faz por razões óbvias e dignas de aplausos, pois a mora processual é uma das feridas que ainda persistem no Judiciário e, ao idoso, é devida maior celeridade para que a tutela jurisdicional lhe seja entregue enquanto ainda vive e, mais que isso, parece que o legislador pretendeu com tal previsão de prioridade possibilitar ao idoso vivenciar o resultado, quando positivo, da demanda em que figurou como parte, assim como assistir ao desfecho da lide.
3. A Lei nº 8.036/1990 - Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) - prevê em seu artigo 20 as situações em que trabalhadores poderão movimentar a conta vinculada fazendo uso da discriminação positiva em favor de determinadas minorias, neste caso específico quando os trabalhadores, ou qualquer de seus dependentes forem pessoas portadoras de neoplasia maligna (inciso XI) ou ainda portadores do vírus da AIDS (inciso XIII).
Desnecessário citar, mas sempre de bom tom, ser vedada qualquer espécie de discriminação quanto a essas pessoas, porém evidente que o tratamento diferenciado neste caso se justifica plenamente, o direito à vida se sobrepõe aos demais e, através dessa previsão legal observamos respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.
3. CONCLUSÃO
Através desta diminuta abordagem busca-se fomentar a pesquisa e a interpretação do ordenamento de forma a vislumbrar onde estão inseridos dispositivos de discriminação positiva, pois, ao operador do direito a interpretação, antes de qualquer outra atividade, deve ser prática cotidiana e a busca incansável pelo respeito à dignidade da pessoa humana pode estar, como demonstrado acima, no espírito da lei e na forma como deve ser aplicada a norma, não apenas em tese, à determinado contexto fático.
4. REFERÊNCIAS
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional / Alexandre de Moraes. - 23. ed. - São Paulo : Atlas, 2008. 900 p.
Notas:
* Júlio Cezar Dalcol, Advogado militante inscrito na OAB/PR, Professor do curso de Direito das faculdades de Telêmaco Borba (FATEB) e Jaguariaíva (FAJAR). [ Voltar ]