A inconstitucionalidade da limitação da Competência Legislativa dos Estados nas aposentadorias especiais dos servidores públicos

O presente artigo discorre sobre a inconstitucionalidade da limitação da Competência Legislativa dos Estados nas aposentadorias especiais dos servidores públicos

Fonte: Bruno Sá Freire Martins

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As inúmeras reformas constitucionais promovidas nos Regimes Próprios de Previdência Social, alteraram significativamente o dispositivo relativo a concessão de aposentadoria especial aos servidores públicos.


A última modificação promovida estabeleceu que:


§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:


I portadores de deficiência;


II que exerçam atividades de risco;


III cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.


Em que pese as substanciais alterações no texto constitucional, uma coisa permaneceu intacta, a necessidade de edição de norma infraconstitucional para a regulamentação dos critérios e requisitos para a concessão das aposentadorias especiais.


No texto original exigia-se a edição de lei complementar, estabelecendo os requisitos diferenciados para a concessão de aposentadorias especiais nos casos de exercício de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas.


Com a edição da Emenda Constitucional n.º 20/98, manteve-se a exigência de lei complementar, permitindo-se a diferenciação de critérios e requisitos, nos casos de atividades exercidas exclusivamente sob condições especiais que prejudicassem a saúde ou a integridade física do servidor.


A novel redação introduzida pela Emenda Constitucional n.º 20/98, ensejou o entendimento de que se fazia necessário a elaboração de norma federal de caráter geral, regulando os critérios e requisitos para a concessão de aposentadorias especiais.


Esta lei complementar é de natureza nacional, tendo, assim, caráter impositivo para todas as esferas administrativas, federal, estadual, distrital e municipal. [1]


Com a intenção de amenizar o impacto decorrente da sobredita interpretação o constituinte derivado promoveu nova alteração, abrandando as exigências, mantendo, contudo, a delegação à lei complementar, para a regulamentação da matéria.


Independentemente do texto em vigor, até o presente momento não fora editado qualquer regramento complementar de natureza federal dispondo sobre a concessão do benefício nas hipóteses  previstas nos incisos I e III, levando o Supremo Tribunal Federal a determinar a observância das normas do  Regime Geral na análise do pedido formulado pelos servidores públicos.


A Carta Magna estabeleceu em seu artigo 24, que a competência para legislar sobre previdência social é concorrente entre União, Estados e Distrito Federal, ou seja, cabe a primeira editar normas de caráter geral e aos segundos, regular as especificidades que possuam sobre o assunto.


No âmbito da legislação concorrente, a doutrina tradicionalmente classifica-a em cumulativa sempre que inexistirem limites prévios para o exercício da competência, por parte de um ente, seja a União, seja o Estado-membro, e em não cumulativa, que propriamente estabelece a chamada repartição vertical, pois, dentro de um mesmo campo material (concorrência material de competência), reserva-se um nível superior ao ente federado União, que fixa os princípios e normas gerais, deixando-se ao Estado-membro a complementação.


A constituição brasileira adotou a competência concorrente não-cumulativa ou vertical, de forma que a competência da União está adstrita ao estabelecimento de normas gerais, devendo os Estados e o Distrito Federal especificá-las, através de suas respectivas leis. [2]


Entretanto, o legislador constituinte, prevendo a possibilidade de mora legislativa por parte da União, estabeleceu nos §§ 2º e 3º, do mesmo artigo 24, que:


§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados;


§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.


A Constituição de 1988 abandonou a tradição de falar-se em competência complementar ou supletiva que deu margem a controvérsia quanto a saber se eram ou não sinônimas ou que sentido teriam uma e outra. Usa agora o termo competência suplementar a qual significa o poder de formular normas que desdobrem o conteúdo de princípios ou normas gerais ou que supram a ausência ou omissão destas. [3]


Portanto, a inércia da União em regulamentar as matérias constantes do art. 24 da Constituição Federal não impedirá ao Estado-membro ou ao Distrito Federal a regulamentação da disciplina constitucional. Note-se que, em virtude da ausência de Lei Federal, o Estado-membro ou o Distrito Federal adquirirão competência plena tanta para a edição de normas de caráter geral, quanto específico. [4]


Sendo possível concluir que enquanto não sobrevier a legislação de caráter nacional, é de admitir a existência de um espaço aberto à livre atuação normativa do Estado-membro, do que decorre a legitimidade do exercício, por essa unidade federada, da faculdade jurídica que lhe outorga o art. 24, § 3º, da Carta Política [5],  ou seja, a mora legislativa da União autorizaria os Estados e o Distrito Federal a editar norma local dispondo sobre a aposentadoria especial de seus servidores.


Ocorre que dentro do pacote de medidas reformadoras enviado ao Congresso Nacional ainda em 1998, foi aprovada a Lei n.º 9.717/98, posteriormente alterada pela Medida Provisória n.º 2.187-13/2001, prevendo o seguinte:


Art. 5º - ...


Parágrafo único. Fica vedada a concessão de aposentadoria especial, nos termos do § 4o do art. 40 da Constituição Federal, até que lei complementar federal discipline a matéria.


Em que pese o dispositivo vedar apenas a concessão do benefício, na verdade, proibiu-se, de forma implícita a edição de norma estadual dispondo sobre a concessão de aposentadorias especiais.


Isto porque, com que critério a lei federal poderia retirar força de ato praticado, pelo ente federado, com base em legislação local, cujo fundamento de validade reside no texto constitucional, senão a invalidação de seu próprio fundamento, qual seja, a norma local.


Então, quis a lei federal impedir a edição de norma estadual dispondo sobre a aposentadoria especial, tendo-o feito de forma transversal. E alcançado seu objetivo, impondo aos Regimes Próprios, para obtenção do Certificado de Regularidade Previdenciária – CRP, a observância do impedimento da concessão de tal benesse, consequentemente, e, frise-se, de forma transversal, a sua regulamentação pelo ente federado.


Daí a mora na edição da legislação aplicável aos casos de aposentadoria especial não poder ser suprida pelos entes federados, com a edição de lei regulando a matéria, isto porque o artigo 5˚, da Lei n. 9.717/98 veda a concessão de benefícios com base no presente dispositivo constitucional e o § 2˚, do artigo 16, da Portaria n. 4.992/99 proíbe a edição de legislação estadual, distrital ou municipal acerca do tema até a edição da norma federal. [6]


Entretanto, o exercício da competência legislativa prevista no texto constitucional constitui-se como um dos principais alicerces da autonomia dos entes federados, a qual fundamenta o pacto federativo que, por sua vez, também, encontra guarida no texto constitucional (art. 18), sendo este, inclusive, considerado cláusula pétrea.


Pois, a autonomia dos entes integrantes demonstra que são eles dotados de independência dentro dos parâmetros constitucionais e que as competências para eles traçadas na Constituição apontam para a inexistência de hierarquia entre eles. Gozam, pois, do que se denomina de poder de autodeterminação. (7)


Portanto qualquer tentativa de limitação, seja do exercício da competência legislativa fixada na Carta Magna, seja da prática de ato cuja legislação encontre supedâneo na mesma, caracteriza, por si só, afronta ao texto constitucional.


Notas:


1 - Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28ª edição. Ed. Malheiros, 2001.


2 - Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. 20 ª edição. Ed. Atlas, 2006.


3 - Silva. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20ª edição. Ed. Malheiros, 2002.


4 - Martins, Bruno Sá Freire. Direito Constitucional Previdenciário do Servidor Público. Ed. LTr, 2006.


5 - STF – Pleno – Adin n. 903-6/MG. Rel. Min. Celso de Mello. DJ 24/10/1997.


6 - Martins, Bruno Sá Freire. Direito Constitucional Previdenciário do Servidor Público. Ed. LTr. 2006.


7 - Filho, Manoel Gonçalves Ferreira. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. I. Saraiva. 1990.


Bruno Sá Freire Martins

Bruno Sá Freire Martins

Servidor Público efetivo do Estado de Mato Grosso; advogado; pós-graduado em Direito Público e em Direito Previdenciário; professor da LacConcursos e de pós-graduação na Universidade Federal de Mato Grosso, no ICAP – Instituto de Capacitação e Pós-graduação (Mato Grosso), no Instituto Infoc - Instituto Nacional de Formação Continuada (São Paulo), no Complexo Educacional Damásio de Jesus - curso de Regime Próprio de Previdência Social (São Paulo); fundador do site Previdência do Servidor (www.previdenciadoservidor.com.br); Presidente da Comissão de Regime Próprio de Previdência Social do Instituto dos Advogados Previdenciários – Conselho Federal (IAPE); membro do Cômite Técnico da Revista SÍNTESE Administração de Pessoal e Previdência do Agente Público, publicação do Grupo IOB; escreve todas as terças-feiras para a Coluna Previdência do Servidor no Jornal Jurid Digital (ISSN 1980-4288) endereço www.jornaljurid.com.br/colunas/previdencia-do-servidor, autor dos livros DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO, A PENSÃO POR MORTE e REGIME PRÓPRIO – IMPACTOS DA MP n.º 664/14 ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS, todos da editora LTr e do livro MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO da editora Rede Previdência/Clube dos Autores e de diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.


Palavras-chave: Inconstitucionalidade Limitação Competência Legislativa Aposentadorias Especiais Servidores Públicos

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