Prisão após confirmação da condenação em Segunda Instância: por que saiu das pautas dialéticas da sociedade após última decisão do STF?

Por Leonardo Sarmento

Fonte: Leonardo Sarmento

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Viemos tratar do tema político, jurídico e social, nessa ordem de importância na forma que foi enfrentado pelas vestes do poder, que ficou esquecido e temos nossas dúvidas se fará parte da história desse país ou será lacrado e sepultado para que jamais se apresente em voga para discussão.


O início da execução da pena após decisão definitiva em segunda instância, entendimento que o Supremo decidiu por maioria de 2016 restou decapitado em novembro de 2019 pelo próprio Supremo por um quórum de 6x5, com repercussão geral, em favor da impunidade, em especial aos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, os crimes de colarinho branco.


Desse retrocesso jurídico-moral com repercussões sociais, a elite de poder impediu o desmantelamento do sistema de poder em seu viés carcomido pelos incontáveis desvios de todas as ordens. Político presos, grandes empresários patrocinadores do sistema de desvios de finalidades da boa gestão que estavam presos restaram soltos. A colaboração premiada em boa parte desmoralizada, confissões desprezadas, enfim, o que se pôde fazer nulo em proveito da reintegração do sistema desviado e em desfavor dos princípios da Moralidade e Eficiência se fez e de uma só vez, de uma só tacada.


A partir de agora alguns argumentos que nos dão a tranquilidade na defesa irrenunciável de um passado curtíssimo (2016-2019), que nos deu a esperança do surgimento de um país onde o crime não compensaria como antes, de um país onde o poder não mais conferiria o status de quase "Deus". Traremos os fundamentos que guarnecem o início da execução da penas transitada a segunda instância como a medida acordada com o espírito democrático da Constituição e com o verdadeiro interesse público republicano.


Como ponto inicial, procurando uma linguagem acessível para comunicarmos com todos, importa destacar, que a análise das provas e dos fatos processuais só devem ocorrer nos dois primeiros níveis do Judiciário, e é neles que se define a responsabilidade criminal dos réus. Os recursos aos tribunais superiores (onerosos e repleto de requisitos) têm um campo de discussão muito mais encurtado, relaciona-se em regra à aplicação técnica das leis, e por isso não deveriam impedir o cumprimento das penas. É no segundo grau de jurisdição que se encontra o devido exaurimento da justiça da decisão no tocante às questões de fato e probatórias. A partir daí são recursos puramente jurídicos, em que se examina se existe alguma nulidade, se foram observados ou cerceados os direitos de defesa. Vale dizer, foram nesses pontos que o Supremo com alguns claros malabarismos jurídicos, muitos destes sem qualquer beleza apta a realçarmos, deu fim à operação Lava Jato e anulou condenações que inclusive já havia sido confirmadas pelo Superior Tribunal de Justiça ( STJ).


É fato que a Constituição normatiza a presunção de não culpabilidade até o trânsito em julgado. Não significa porém, que a Constituição veda a prisão de alguém que foi condenado em primeiro grau e a sentença foi confirmada pelo tribunal em segundo grau.


Na hermenêutica Constitucional as normas constitucionais não se interpretam isoladamente, e sim sistematicamente. A Constituição garante o "due process of law" (devido processo legal), que se faz presente em conformidade com as leis processuais que estabelecem que os recursos ao STJ e ao STF, que NÃO POSSUEM EFEITO SUSPENSIVO, e assim autorizam o início do cumprimento da sentença condenatória.


A medida que o processo caminha, por uma questão de lógica jurídica, caso o réu reste condenado em primeira instância e a condenação confirmada em instância, esta colegiada, em segundo grau de jurisdição, a presunção de inocência após a análise de todos os fato e provas reduziu-se drasticamente. Em nossa opinião, há sim um looping processual, ocasião em que a presunção de não culpabilidade não mais se sustenta. Não podemos desmerecer instâncias jurisdicionais como se fossem protocolar, em especial às instâncias ordinárias que se debruçam no processo para a análise das minúcias dos fatos e provas, instâncias que dão consistência ao processo, para tão apenas iniciar os efeitos processuais de tais decisões quando tribunais superiores observarem se questões de ordem técnica, de nulidades restaram atendidas. 


É preciso ao analisar a questão reverberar a repercussão de só permitir o cumprimento de penas após exauridos os recursos nas instâncias superiores, quando cabíveis, a partir de um histórico que se prende em inúmeras circunstâncias por furto famélico e se mantém em liberdade até as instâncias extraordinárias por desvios de centenas de milhões de reais, desvios que impedem muitas vezes a disponibilidade de verbas suficientes para construções de escolas, hospitais e para garantia do direito de ir e vir do cidadãos em meio à violência aberta de um Estado ausente, ineficiente.


A Constituição é aberta para interpretação, e assim por vontade do poder constituinte originário. Uma norma deve ser interpretada nos termos do espírito sistemático da Constituição e sim, levando-se em consideração a realidade presente da nossa soberania, sob pena de não cumprir de papel neoconstitucionalista de irradiar suas normas para o ordenamento jurídico hierarquicamente inferior nos termos da pirâmide de Kelsen, sob pena de não se conseguir respeitar a supremacia da Constituição por restar interpretada de forma míope e literal sem seu poder persuasivo. A Constituição Brasileira de 1988 for pensada e realizada pelo Poder Constituição Originário para promover um olhar sistemático para o todo, não podendo se apequenar às literalidades que se afiguram incompatíveis com sua interpretação sistemática, e mesmo com a ordem democrática mundial como paradigma, afim de não restarmos isolados e perdermos nossos argumentos democráticos, núcleo fucral fundamental da nossa ordem constitucional.


Pois vejam: a quase totalidade dos países democráticos do mundo autorizam o início da execução da pena após a decisão em primeira instância. O réu é preso e os recursos são possibilitados da cadeia. Assim por exemplo, Canadá, Espanha, Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Argentina (...). Em algumas dessas soberanias há a possibilidade de fiança á depender do caso concreto e do cumprimento dos requisitos legais.


E veja bem, aqui mencionamos apenas algumas democracias que permitem o início da execução da pena a partir da primeira instância. A decisão degolada de 2016 em 2019 referendada uma ideia mais garantida quando exigia que a decisão de primeira instância fosse confirmada em segunda instância para que tivéssemos uma maior segurança jurídica, para que de fato as questões fáticas e probatórias restassem vistas e revistas pelas instâncias jurisdicionais ordinárias, as com atribuições para tal mister.


Vemos com extremo pesar após o Supremo Tribunal Federal haver entendido pela possibilidade de início de execução da pena após acórdão definitivo em segunda instância, seu retorno ao "status quo" de impunidade contemplando as castas de privilégios. Lamentamos, que o garantismo penal seja utilizado em especial no tribunais superiores, que com o excessivo número de possibilidades recursais procrastinatórias quando não logram êxito através de nulidades processuais extremamente peculiares, em grande parte casuísticas, da mesma forma quando não conseguem arquivamentos de fundamentos "jurídicos" em quase sua essência tomados não pela "fumaça do bom direito", mas pela "fumaça do cumpadinhamento político", alcançam livramento de seus malfeitos por alguma das formas de prescrição. 


Consabido, que a espera do trânsito em julgado para o início da execução da pena não privilegia o cidadão comum. Esse cidadão, que não ostenta meios financeiros para patrocinar seus processos até às Cortes Superiores, tem de forma comezinha seu trânsito em julgado prematuramente, por vezes ainda em primeiro grau de jurisdição, o que denota realidades muito díspares, inclusive no Judiciário, que deveria buscar justiça, ainda que limitado em boa parcela aos autos do processo, entre a grande maioria da população e a minoria encastelada detentora do poder.


A Operação Lava Jato, exterminada pelo Supremo Tribunal Federal por "excessos" rotineiramente praticados no nosso Judiciário e até então permitidos como uma necessidade da prática jurisdicional, como a comunicação entre o magistrado e o promotor para além da audiência, de fato incomodou a política e o poder quando chegou nas mais altas esferas. Passou-se pela primeira vez na história deste país a prender criminosos de colarinho branco. A impunidade dos políticos e grandes detentores do capital financeiro, que alimentam o sistema de poder, começou a se ver ameaçada, desmascarados, e os até então inatingíveis, blindados pelo sistema que funciona na "Praça do Três Poderes" se perceberam vulneráveis. 


Desta feita, medidas de sufocamento, em uma união de esforços de todos os seguimentos de poder, conseguiram emudeceu a opinião pública despreparada para o debate e a imprensa por vezes cooptada, por vezes cumprindo seu papel de papagaio sem a capacidade para discernir o joio do trigo, à partir de uma força que poucas vezes na história se viu tão unida e focada nos mesmos objetivos, que girava em torno do retorno ao "status quo" em favor dos aglutinadores do poder.


Leonardo Sarmento

Leonardo Sarmento

Professor constitucionalista

Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Direito Processual Civil, Direito Empresarial e com MBA em Direito e Processo do Trabalho pela FGV.


Palavras-chave: Prisão Confirmação Condenação Segunda Instância Pautas Dialéticas Sociedade STF

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