Com coerência STF reafirma o poder de investigação criminal do MP - fundamentos

Em sessão realizada nesta quinta-feira (14), o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a legitimidade do Ministério Público (MP) para promover, por autoridade própria, investigações de natureza penal e fixou os parâmetros da atuação do MP.

Fonte: Leonardo Sarmento

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Por maioria, o Plenário negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 593727, com repercussão geral reconhecida. Com isso, a decisão tomada pela Corte será aplicada nos processos sobrestados nas demais instâncias, sobre o mesmo tema.

Entre os requisitos, os ministros frisaram que devem ser respeitados, em todos os casos, os direitos e garantias fundamentais dos investigados e que os atos investigatórios – necessariamente documentados e praticados por membros do MP – devem observar as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição, bem como as prerrogativas profissionais garantidas aos advogados, como o acesso aos elementos de prova que digam respeito ao direito de defesa. Destacaram ainda a possibilidade do permanente controle jurisdicional de tais atos.

O julgamento foi retomado hoje com a apresentação do voto-vista do ministro Marco Aurélio, que deu provimento ao recurso por considerar que o Ministério Público não possui legitimidade para, por meios próprios, realizar investigações criminais. Afirmou Marco Aurélio:  “O MP, como destinatário das investigações, deve acompanhá-las, exercendo o controle externo da polícia”.

A ministra Rosa Weber, no entanto, filiou-se à corrente que negou provimento ao RE (majoritária). Para ela, a colheita de provas não é atividade exclusiva da polícia, contudo o poder de investigação do Ministério Público deve ter limites, “que têm sido apontados em fartas manifestações de precedentes da Corte”. Do mesmo modo votou a ministra Cármen Lúcia, que reconheceu a competência do MP para promover investigações de natureza penal. “As competências da polícia e do Ministério Público não são diferentes, mas complementares”, ressaltou ao acrescentar que “quanto mais as instituições atuarem em conjunto, tanto melhor”. Já o ministro Dias Toffoli acompanhou o voto do relator, ministro Cezar Peluso (aposentado), pelo provimento parcial do recurso, reconhecendo a atuação do MP em hipóteses excepcionais.

O ministro Celso de Mello, destacou partes de seu voto proferido em junho de 2012 e propôs a tese fixada pelo Plenário acerca do tema. Ele ressaltou que a atribuição do Ministério Público de investigar crimes deve ter limites estabelecidos e fez considerações sobre alguns requisitos a serem respeitados para tal atuação. A tese acolhida foi: “O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo , notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição”.

Dessa forma, os ministros Gilmar Mendes (redator do acórdão), Celso de Mello, Ayres Britto (aposentado), Joaquim Barbosa (aposentado), Luiz Fux, Rosa Weber e Cármen Lúcia negaram provimento ao recurso, reconhecendo base constitucional para os poderes de investigação do Ministério Público. Votaram pelo provimento parcial do RE o relator, ministro Cezar Peluso (aposentado), e os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, que reconheciam a atribuição do MP em menor extensão. Já o ministro Marco Aurélio (“o divergente por essência”) concluiu pela ilegitimidade da atuação do parquet em tais casos.

Seria de fato um retrocesso inominável, à nosso sentir, o impedimento do MP de sua competencia para investigações criminais. A eficiência das investigações policiais, por uma série de razões, é muito baixa, e a aprovação da exclusividade para investigar agravaria mais ainda a impunidade. 

Não é demais lembrar que apenas o Ministério Público conta com as garantias constitucionais que asseguram sua independência em face de autoridades do Poder Executivo nas diversas esferas, assim como nos poderes de requisição do órgão. 

Em verdade, o MP nunca procurou a exclusividade no poder investigatório, quem sempre patenteou esta ideia foi a Polícia por uma questão de ego e o Poder Executivo por uma questão de “busca pela impunidade”.

O papel do MP não é o de pegar uma arma com o objetivo de fazer diligências, papel exclusivo da polícia. Seu papel é o de investigar crimes de colarinho branco, requisitar dados sigilosos, apurar casos de corrupção, isso pode ser feito, com economia de recursos, com a estrutura do Ministério Público, liberando-se a polícia para atuação em outros casos e/ou conjuntamente com o Ministério Público.

Podemos firmar que, a atuação em parceria da polícia ao lado do Ministério Público com vistas à persecução criminal, aparelhando as duas instituições com material tecnológico/instrumental e humano é o que se espera de um Estado Democrático de Direito.

Mas onde está o fundamento constitucional do poder investigatório do Ministério Público para que não se advoque que a decisão do STF teria extrapolado suas atribuições em mais um ativismo judicial não autorizado?

A legitimidade dos poderes investigatórios dos membros do Ministério Público está assentada em bases constitucionais e infraconstitucionais, revelando-se indubitável a compatibilidade de sua atuação direta na atividade investigatória com as finalidades da Instituição, previstas nos incisos I a VIII do artigo 129 da Constituição Republicana. O inciso IX do dispositivo constitucional em comento encarrega-se de abrir uma válvula de escape, após enumerar as funções institucionais do Ministério Público, fixando norma de encerramento segundo o qual lhe cabe “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com suas finalidades”.

Observa-se, da análise desse preceito, que a atividade investigatória se coaduna com as finalidades da instituição, cuidando-se, deveras, de um poder que se encontra implícito na função acusatória que lhe foi conferida constitucionalmente.

Este entendimento legitimador da atuação ministerial vem corroborado com a lei Complementar nº 75/93 (Estatuto do Ministério Público) que prevê, sem restringi-las ao âmbito civil, diversas atividades investigatórias do Parquet, no seu artigo 8º, incisos I, II, IV, V,VI, VII, VIII e IX, destacando-se as atribuições de “realizar inspeções e diligências investigatórias”, “expedir notificações e intimações” e “requisitar informações, perícias, e documentos”. A mesma legislação, no artigo 5º, inciso VI, prevê a possibilidade de o Órgão Ministerial “exercer outras funções previstas na Constituição e na lei”, e no inciso XIV, lhe outorga o encargo de “promover outras ações necessárias ao exercício de suas funções institucionais”.

A partir destas anotações apenas confirmadas pelo Supremo Tribunal Federal, não há que se falar em monopólio das investigações por parte da Polícia Judiciária. Defendemos inobstante, na forma que sustentamos em outro artigo de nossa lavra, uma maior autonomia à Polícia Federal para que em momento algum sinta-se refém do Poder Executivo.

Livros: 

Em edição:
"Controle de Constitucionalidade e Temáticas Afins" (Editora Lumen Juris).

Lançados:
"A Efetividade dos Direitos Fundamentais e a Eficácia das Políticas Públicas"
"A Judicialização da Política e o Estado Democrático de Direito".


Leonardo Sarmento

Leonardo Sarmento

Professor constitucionalista

Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Direito Processual Civil, Direito Empresarial e com MBA em Direito e Processo do Trabalho pela FGV.


Palavras-chave: MP STF Penal Luiz Fux Gilmar Mendes

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