Verdade jurídica em processos criminais no Brasil

A busca pela verdade no processo penal brasileiro reflete um equilíbrio entre a verdade real e a proteção dos direitos fundamentais do acusado, desafiando princípios como a presunção de inocência e a imparcialidade judicial

Fonte: Gisele Leite

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Verdade jurídica em processos criminais no Brasil


Vérité juridique dans les procédures pénales au Brésil


Resumo: Qualquer teoria epistemológica precisa de uma teoria da verdade. Enfim, nesse sentido, os filósofos geralmente buscam pelas condições necessárias e suficientes que nos autorizam afirmar que certa proposição é verdadeira, de forma que as diferentes teorias da verdade variam o conteúdo da verdade. A teoria da verdade como correspondência consiste no mais usual significado do conceito da verdade e tem como principal marco em Aristóteles: “Falso é dizer que o ser não é ou que o não-ser é”. Consequentemente, quem diz de uma coisa que é ou que não é, ou dirá o verdadeiro ou dirá o falso" (Metafísica Γ 7, 1011b26-27).


Palavras-chave: Filosofia do Direito. Processo Penal. Constituição Federal brasileiro de 1988. Verdade. Inquérito Policial.


Résumé: Toute théorie épistémologique a besoin d’une théorie de la vérité. Enfin, en ce sens, les philosophes recherchent généralement des conditions nécessaires et suffisantes qui nous autorisent à affirmer qu'une certaine proposition est vraie, de sorte que différentes théories de la vérité font varier le contenu de la vérité. La théorie de la vérité comme correspondance comprend le sens le plus courant du concept de vérité et son repère principal est Aristote : « Il est faux de dire que l'être n'est pas ou que le non-être est ». Par conséquent, quiconque dit d'une chose qu'elle est ou qu'elle n'est pas, dira soit ce qui est vrai, soit ce qui est faux » (Métaphysique Γ 7, 1011b26-27).


Mots-clés: Philosophie du droit. Procédure pénale. Constitution fédérale brésilienne de 1988. Vrai. Enquête policière.


No campo processual, no ordenamento jurídico brasileiro, a busca da verdade ocorre através de um processo baseado em reconstrução histórica. Procura-se saber, o fato ocorrido, se é considerado crime, quem foi que o cometeu para enfim realizar-se um julgamento.


A doutrina jurídica pátria denomina tal procedimento de busca da verdade real, conforme ilustres doutrinadores como Mirabete, Capez e Greco Filho apontam. É a concebida verdade dos fatos, como existisse uma peculiar verdade a ser desvendada pela sucessão de atos do processo penal.


A concepção da verdade no processo penal se contrapõe às formas de construção de verdade das ciências, pois, afinal, nestas a verdade é resultante de produção consensual entre aqueles que participaram da construção e a aceitam como tal.


Igualmente, se contrapõe à verdade formal que está presente no processo civil, onde as partes demandantes são as responsáveis pela produção das provas e o juiz deverá decidir de acordo com estas.


Atente-se que segundo o princípio da verdade real, o juiz poderá decidir quais são as provas a serem consideradas como verdadeiras ou não, sendo guiado por seu livre convencimento o que lhe atribui os poderes inquisitórios.


O princípio da verdade real no processo penal é uma regra que visa garantir que o juiz busque a verdade real e não se contente com as provas apresentadas pelas partes.


A verdade real é um alicerce para o ordenamento jurídico e é importante para a aplicação de princípios como o contraditório, a ampla defesa e a legalidade.


A busca pela verdade real é um norte para os juristas, que devem ter legitimidade e transparência nos autos do processo. O juiz deve se manter imparcial, mas sempre determinar a produção de provas para sua convicção.


A verdade real é diferente da verdade formal, que é aquela espelhada no processo, nas provas coligidas. A verdade formal delimita a prova utilizada na racionalização da decisão.


O princípio da verdade real possui como essência a concepção de provocar no juiz um sentimento de busca, oposto à passividade. Dessa maneira, o magistrado não deve satisfazer-se com a atividade probatória transitória apresentada pelas partes, mas sim, vislumbrar outras fontes possíveis de buscar a prova, para, dessa forma alcançar a denominada verdade real.


A luz do princípio, o juiz deve agir de forma ativa, buscando a prova a fim de encontrar a verdade dos fatos. Essa faculdade de perquisição por provas é atribuída ao magistrado com amparo no próprio Código de Processo Penal, consolidado como exemplo o já citado artigo 156.


Assim, explica Fernando Capez (2005): “No processo penal, o juiz tem o dever de investigar como os fatos se passaram na realidade, não se conformando com a verdade formal constante dos autos. Desse modo, o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir a sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante”.


Nota-se que o princípio da verdade real vigora de maneira errônea no ordenamento jurídico pátrio, na medida em que não guarda nenhuma relação com o alcance de uma verdade processual, tendo em vista sua utilização de forma a camuflar e amparar o caráter inquisitivo no Código de Processo Penal.


A persecução criminal trata-se de uma disposição político-criminal autoritária, vislumbrada no pensamento de Manzini (apud SALAH JUNIOR; MORAIS, 2015), para quem “o interesse fundamental que determina o processo penal é o de chegar à punibilidade do culpado, ou seja, de tornar realizável a pretensão punitiva do Estado contra o imputado, enquanto resulte ser culpado”, o qual escusamente remete-se ao princípio da verdade real em virtude do princípio do livre convencimento motivado.


E, ainda, segundo Manzini, é uma ilusão afirmar que as normas processuais penais são direcionadas para a tutela de inocência uma vez que tratada como presumida até a sentença condenatória não transitar em julgado, para o autor deve se mencionar o infrator somente como um indiciado não se retratando de inocente ou culpado.


Intitular a livre convicção equiparando-se a verdade real representa clara natureza inquisitória, assim como a possibilidade de o magistrado requerer provas quando apresentadas como úteis e necessárias ou no tocante a dirimir dúvidas no curso da instrução, ambos apoiados de maneira escusa na busca da verdade real.


Entretanto, discute-se sobre a real visão do juiz de enxergar perfeitamente todo o ocorrido na prática de fato criminoso pretérito.


A busca da verdade real resultou inúmeras práticas autoritárias e inquisitivas no âmbito processual penal, entretanto debate-se o caráter fictício de obtenção de uma verdade que não passa de uma real ilusão.


Pacelli (2015) traz com clareza a dimensão inquisitorial que tal princípio relevou no âmbito processual penal, a crença na qual a verdade encontrava-se nas mãos do Estado como meta de perseguição criminal, custando o custar. Como bem afirma o autor:


A busca da verdade real, durante muito tempo, comandou a instalação de práticas probatórias as mais diversas, ainda que sem previsão legal, autorizadas que estariam pela nobreza de seus propósitos: a verdade.


[...] O aludido princípio, batizado como da verdade real, tinha a incumbência de legitimar eventuais desvios das autoridades públicas, além de justificar a ampla iniciativa probatória reservada ao juiz em nosso processo penal. A expressão, como que portadora de efeitos mágicos, autorizava uma atuação judicial supletiva e substitutiva da atuação ministerial (ou da acusação) (PACELLI, 2015).


Salah Khaled Júnior (2013) aponta duas correntes doutrinárias acerca da busca pela verdade real. A primeira utiliza-se de uma estrutura que contraia que a verdade deve inflexivelmente ser buscada pelo juiz.


Enquanto o oposto seria a corrente que relativiza essa busca pela verdade, acreditando na inexistência da integralidade de absorção dessa verdade. O autor, em referência aos ditames de Rui Cunha Martins, aponta que a verdade é pautada por uma questão de lugar, trata-se de delimitar qual o regime de verdade adequado para o Processo Penal.


A visão de Salah Khaled Júnior (2013) é cristalina, a presunção de inocência deve ser objeto de defesa no âmbito processual penal, na busca por um sistema democrático, na luta contra o Processo Penal do inimigo, na luta conta a ambição de verdade.


É certo que a busca pela verdade real se choca frontalmente com muitos princípios como o da presunção de inocência, do in dúbio pro réu e o da imparcialidade. Uma vez que o sujeito é considerado inocente até se prove o contrário, a insuficiência de provas incapaz de corroborar na culpabilidade do imputado deve, com fulcro no princípio in dubium pro réu, existindo dúvidas, ser o agente beneficiado, ou seja, absolvido.


Ora, se o magistrado, durante a instrução do processo, não conseguiu formar sua visão da verdade, na medida em que opta na produção de material probatório, estaria o excelentíssimo de encontro com o princípio da imparcialidade, já que, de fato, estaria corroborando com uma das partes.


A verdade sempre foi e será motivo de muitos debates e posições divergentes e até paradoxais. Seja como conceito concreto, filosófico, antropológico e sociológico. A noção de verdade absoluta mesmo na contemporaneidade parece ser inatingível mesmo com o arsenal de câmeras e monitoramentos tecnológicos poderosos e invasivos.


Nesse sentido, eis o ensinamento de Luigi Ferrajoli (2002): A impossibilidade de formular um critério seguro de verdade das teses judiciais depende do fato de que a verdade “certa”, “objetiva” ou “absoluta” representa sempre a “expressão de um ideal” inalcançável. A ideia contrária de que se pode conseguir e asseverar uma verdade objetiva ou absolutamente certa é, na realidade, uma ingenuidade epistemológica.


É cristalina a posição do referido doutrinador, que em seu entendimento, apontou que a verdade absoluta ou verdade real traduz mera ingenuidade epistemológica, sendo totalmente inalcançável. Portanto, afastada a possibilidade de efetivar a verdade, para o jurista, é aceita unicamente a noção de uma verdade aproximada e contingente, baseada no conceito de verossimilhança.


É certo que não pode imperar uma verdade absoluta. A verdade real traduz uma pretensão utópica, mas deve-se buscar a verdade temporal e evolutiva, aquela extraída em matéria probatória na instauração do processo.


Pacelli (2015) registra, desde logo, um necessário esclarecimento: Toda verdade judicial é sempre uma verdade processual. E não somente pelo fato de ser produzida no curso do processo, mas, sobretudo, por tratar-se de uma certeza de natureza exclusivamente jurídica.


De fato, embora utilizando critérios diferentes para a comprovação dos fatos alegados em juízo, a verdade (que interessa a qualquer processo, seja cível, seja penal) revelada na via judicial será sempre uma verdade reconstruída, dependente do maior ou menor grau de contribuição das partes e, por vezes do juiz, quanto à determinação de sua certeza [...].


Diferentemente do Processo Civil, afirma o autor ser diferente o procedimento no tocante ao Processo Penal, pois, aquele admite uma certeza alcançada simplesmente pela ausência de impugnação dos fatos apresentados na petição inicial, sem nenhum prejuízo no tocante a iniciativa probatória do juiz; porquanto no Processo Penal, ainda que confessado o fato delituoso pelo transgressor, requer-se do magistrado a materialização da prova.


Ou seja, não se aceita a chamada verdade formal (decorrente de uma presunção legal) falando-se em verdade material. (PACELLI, 2015).


Guilherme de Souza Nucci (2015) enfrenta a questão da verdade no Processo Penal da seguinte maneira: “Material ou real é a verdade que mais se aproxima da realidade. Aparentemente, trata-se de um paradoxo dizer que pode haver uma verdade mais próxima da realidade e outra menos. Entretanto, como vimos, o próprio conceito de verdade é relativo, de forma que é impossível falar em verdade absoluta ou ontológica, mormente falíveis em suas análises e cujos instrumentos de busca do que realmente aconteceu podem ser insuficientes”.


Ainda assim, cogitar em verdade real implica provocar no espírito do juiz um sentimento de busca, de inconformidade com o que lhe é apresentado pela partes, enfim, um impulso contrário à passividade.


Afinal, estando em jogo direitos fundamentais do homem, tais como a liberdade, vida, integridade física e psicológica e até mesmo honra, que podem ser afetados seriamente por uma condenação criminal, deve o juiz sair em busca da verdade material, aquela que mais se aproxima do que realmente aconteceu.


Inúmeros são os pensamentos doutrinários acerca da polêmica “verdade real”. De fato, a verdade real só seria alcançável se realmente tudo que ocorreu no evento criminoso pudesse ser retratável de maneira fiel na reconstrução do delito. E mais, ser levado ao conhecimento do julgador a fim de que este não obtivesse apenas uma compreensão da transgressão, mas que demonstrasse exato domínio da verdade dos acontecimentos.


Pode-se crer que o processo não deve alçar construir uma verdade notória que se rebele às garantias individuais a fim de decifrar os acontecimentos pretéritos, uma vez que essa “verdade real” é de fato irreal e, quanto mais ambiciosa é a sua busca, mais longe da realidade aparenta estar.


O processo deve satisfazer como instrumento para ministrar as presunções alcançadas através do resultado do fato examinado pela tutela jurisdicional. Logo, as provas são uma exposição dos acontecimentos e não um meio de determinar a verdade, e sim indicá-la.


Resta, no entanto, que cada agente processual sustente seu papel, operando tão somente dentro de suas atribuições, principalmente o juiz, que se deve ater de forma imparcial perante as partes, não as substituindo em acusação e defesa, somente agindo de forma a equilibrar a relação processual, buscando igualar a fragilidade do acusado perante aquele que o acusa, resguardando os direitos e garantias fundamentais constitucionais.


O modelo de produção da verdade no direito é resultante do tipo de sistema processual penal que se adota, que poderá ser inquisitorial ou acusatorial. No primeiro modelo, o acusado se submete ao processo, sendo objeto da persecução do que propriamente sujeito de direitos.


Já no modelo acusatorial é fulcrado em princípios contraditório, da ampla defesa e da publicidade e se orientam todo o processo penal. O órgão julgador apresenta imparcialidade e o sistema de apreciação de provas é o do livre convencimento motivado.


Também existe um tipo misto que combina os dois modelos, tanto o inquisitorial (procedimento secreto e estrito) quanto o acusatorial (procedimento público dotado de garantia dos princípios do contraditório e a ampla defesa).


Para alguns doutrinadores, o modelo brasileiro é do tipo misto, posto que reúna o modelo inquisitorial na fase policial e, depois adote o modelo acusatorial na fase processual (Lopes Jr., 2008).


Apesar de parte da doutrina simplificar o sistema misto como uma mistura entre sistema inquisitório na fase investigativa e sistema acusatório na fase judicial, Jacinto Nelson de Miranda


Coutinho aborda de forma profunda a questão. Ora, como precitado, o nascimento dos sistemas processuais penais puros não se deu em função de bases filosóficas ou, pelo menos, não foram elas as forças motrizes das suas constituições, e sim opções políticas, tanto na Igreja Católica (quando do nascimento do Sistema Inquisitório, embora nela se soubesse da questão ligada ao pensamento aristotélico) quanto na Grã Bretanha de Henrique II, onde nasce, como hoje estruturado, o Sistema Acusatório, quando, por certo, sequer se cogitou sobre o assunto, dado estar a atenção quase que integralmente voltada para outros pontos, todos políticos.


[...] Desde uma visão mais adequada, os sistemas são mistos não por força da simples somatória dos elementos que os integram, mas, fundamentalmente, porque em sendo sistemas regidos pelo princípio inquisitivo, têm agregados a si elementos provenientes do sistema acusatório, como vai suceder com o sistema processual penal brasileiro em vigor e que tem por base o CPP de 1941; ou, em sendo regidos pelo princípio dispositivo, têm agregados a si elementos provenientes do sistema inquisitório, como vai suceder com o sistema processual penal norte-americano.


[...] Ora, faz-se uma opção política quando se dá a função de fazer aportar as provas ao processo seja ao juiz (como no Sistema Inquisitório), seja às partes, como no Sistema Acusatório, por evidente que sem se excluir (eis por que todos os sistemas são mistos) as atividades secundárias de um e de outros [...]


De acordo com Michel Foucault (2005) haveria duas histórias sobre a verdade. A primeira seria interna pois a verdade se corrige a partir de seus próprios princípios de regulação. É a história da verdade tal como se faz ou a partir da história das ciências.


A segunda história aponta que a verdade é constituída, onde um número de regras de jogo são definidas, a partir das quais nasce certas formas de subjetividade, certos domínios de objeto, certos tipos de saber e, por conseguinte, podemos, a partir daí fazer uma história externa da verdade, sendo as práticas judiciárias um bom exemplo disto (Foucault, 2005).


Nosso país adota o sistema de produção da verdade seguindo a tradição do civil law, lastreado numa lógica de decisão conflitiva em que o regime de verdade se sustenta no debate no espaço público, diferentemente do ocorre no common law, baseada na decisão consensual, em que o regime de verdade consiste na negociação entre os demandantes.


O campo jurídico constitui espaço de concorrência pelo monopólio do direito de dizer o direito, em que os agentes integrantes desse campo são investidos de competências sociais e técnica para interpretar um corpus de textos que consagram a visão legítima do mundo social (Bourdieu, 1989).


Michel Foucault se refere a esses agentes como "sociedades de discurso", cuja função é conservar ou produzir discursos, que são associados à prática de determinado ritual que estabelece os sujeitos que falam.


De acordo com Roberto Kant de Lima que destacou que a fase processual não corresponderia a um modelo acusatorial, existindo ainda o elemento inquisitorial, que reverte o sistema no que chamou de "lógica do contraditório". (Lima, 2010). E, tal lógica se explicita pela promoção de um dissenso infinito, o qual só se interrompe através de autoridade externa às partes, que lhe dá fim e declara uma tese vencedora e a outra vencida.


O que existe na lógica do contraditório são versões e fatos que se confrontam, pois por um lado, aquelas provas produzidas nos processos judiciais brasileiros, por outro lado, as versões do acusado que não ostentam o mesmo atributo, havendo nítida diferença com referência ao peso de cada versão. Assim, o inquérito policial desenvolvido de forma sigilosa, sem que o acusado possa se defender previamente.


Portanto, raramente contempla sua versão sobre os fatos. E, ao chegarmos na fase processual, em que tem essa oportunidade de relatar a sua perspectiva sobre o ocorrido sua versão é recepcionada com reservas. Para o doutrinador, a fase processual não é acusatorial porque não há de fato uma igualdade entre acusação e defesa, em que ambos partem do zero para disputarem a verdade.


A acusação goza de vantagem pois conta com o inquérito policial, dotado de atributos que vão pesar substancialmente na versão dos fatos e na acolhida da mesma como mais próxima da verdade.


Afirma-se que em nosso país existem dois regimes: no primeiro, o Estado que fiscaliza, sigilosamente, através de seus agentes, a sociedade. Assim, qualquer transgressão é investigada secretamente e ainda registrada por autoridade cartorária munida de fé pública.


Vige certa presunção de culpa que é acolhida posteriormente pelo promotor público ou representante do Ministério Público, já no segundo, o acusado ciente da acusação, mas dificilmente consegue realmente provar sua inocência, a não ser que confesse a culpa até para que sua pena seja atenuada. E, ainda nesse circuito há a delação premiada.


Registre-se que o silêncio na fase do inquérito policial poderá ser encarado como reconhecimento de culpa na fase processual. Vige nítida preferência do Estado e de seus agentes sobre a sociedade e seus componentes, especialmente, aqueles acusados de algum crime. (LIMA, 2010).


Cabe ao MP encampar o inquérito policial e realizar a denúncia a partir dos elementos levados pelo delegado de polícia, ou ainda, devolver o IP por considerar as provas insuficientes, abrindo, assim novos prazos. O IP fundamenta a peça processual, e de acordo com o Código de Processo Penal brasileiro vigente deveria ser estranho ao processo.


Nota-se a nítida centralidade do inquérito policial para os processos criminais, mas este só chega a ser objeto da justiça quando indicar a autoria e materialidade do crime. E, a maior taxa de elucidação é dos crimes resultantes em flagrantes e, não de cioso trabalho investigativo da polícia.


Em grande parte da literatura brasileira e da doutrina sobre a verdade jurídica enfoca a participação da polícia judiciária na produção dessa verdade, deixando de tratar da participação do policiamento ostensivo, particularmente, aquele enfocado em realizar prisões em flagrante delito na construção da verdade jurídica.


Em latim, flagrante significa flagrans, advindo do verbo flagare, queimar, ardente, que está em chamas, que está crepitando. A expressão flagrante delito significa o delito no instante no mesmo instante de sua perpetração.


A prisão em flagrante delito é uma medida cautelar que ocorre quando uma pessoa é detida por estar cometendo ou ter acabado de cometer um crime. A prisão pode ser feita por qualquer pessoa, mas deve ser comunicada imediatamente à autoridade policial.


A prisão em flagrante delito pode ser aplicada em diversas situações, como: Flagrante próprio: O agente é detido no momento do crime ou logo após; Flagrante impróprio: O agente é perseguido logo após o crime; Flagrante presumido: O agente é encontrado com objetos, armas ou papéis que indiquem que ele é o autor do crime.


A prisão em flagrante delito deve ser realizada sem o uso de meios ilícitos ou provocados. O agente não pode ser induzido a cometer o crime, caso contrário, a prisão é considerada nula.


Após a detenção, o preso em flagrante deve passar por uma audiência de custódia em até 24(vinte e quatro) horas. Nessa audiência, o juiz pode decidir se o preso deve ser libertado provisoriamente ou se deve permanecer preso preventivamente.


Flagrante delito é o exato momento em que o agente está cometendo o crime, ou, quando após sua prática, os vestígios encontrados e a presença da pessoa no local do crime dão a certeza deste ser o autor do delito, ou ainda, quando o criminoso é perseguido após a execução do crime.


Para ocorrer o flagrante é necessária a certeza visual ou evidência do crime. O flagrante pode ser impróprio, quando há perseguição, ou presumido, quando não há perseguição mas o criminoso é apontado pelo próprio ofendido ou é encontrado em situação que faça presumir sua culpabilidade. Ver artigo 301 e seguintes do Código de Processo Penal.


O artigo 302 do Código de Processo Penal brasileiro, ao regular a prisão em flagrante, descreve as situações em que a pessoa pode ser considerada como em flagrante delito. O mencionado artigo prevê 3 modalidades:


Flagrante Próprio que é previsto nos incisos I e II: ocorre quando a pessoa é pega quando pratica a infração penal ou logo após de ter cometido o crime.


Flagrante Impróprio que é previsto no inciso III: é quando a pessoa é perseguida logo após a ocorrência do crime, em situação na qual aparente ser a autora do delito.


Presumido que é previsto no inciso IV: nessa hipótese a pessoa é encontrada logo depois do crime, portando instrumentos, armas ou ferramentas que demonstrem ser a possível autora da infração penal.


Importa ressaltar que, a doutrina elenca outros tipos de flagrante que não estão previstos na lei, tais como: preparado, forjado, esperado e prorrogado.


Conforme o texto do artigo 306 do CPP, a prisão de qualquer pessoa deve ser comunicada ao juiz competente no prazo de 24 horas, além de também ter que ser informada ao Ministério Público, família do preso ou pessoa que ele indique.


Com a alteração trazida pela Lei nº 13.964, de 2019, após o juiz receber o auto de prisão, deve marcar audiência de custódia, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas para avaliar a legalidade do ato de restrição de liberdade.


Frise-se que a prisão em flagrante é uma medida cautelar de natureza processual que dispensa ordem escrita da autoridade judicial. Aquele que está cometendo o crime, acabou de praticar a infração, que é perseguido em situação que se faça presumir ser o autor do crime, ou que é encontrado com instrumentos, armas ou demais objetos do delito, encontra-se em flagrante delito próprio, impróprio, quase flagrante ou flagrante presumido e deve ser preso pelas autoridades ou pode ser detido por qualquer um do povo. Vide artigos 301 e 302 do Código de Processo Penal.


As prisões em flagrante delito são majoritariamente realizadas por policiais militares, durante patrulhamento de rotina, ou motivados por anônimas denúncias. Esses agentes são os mesmos que depois figuram nos processos na qualidade de testemunhas dos casos dos quais atuaram.


É com base nos relatos dos policiais que efetuaram o flagrante que os autos serão produzidos e a classificação penal será definida. Afinal estes, conduzem as narrativas presentes no flagrante. E, nos casos envolvendo drogas, a narrativa policial é central, e muitas vezes, é a única existente.


O CPP vigente elenca regras que trata do comportamento dos operadores do direito, a saber: 1. toda decisão deverá ser fundamentada com base em provas; 2. prova é somente aquilo que é produzido sob o crivo do contraditório e da ampla defesa; 3. o juiz tem a prerrogativa do livre convencimento para julgar a qualidade das provas.


A audiência de instrução e julgamento pode ser considerada basicamente como o momentum consagrado para revisão de provas produzidas no inquérito policial.


Diante da denúncia feita pelo MP, o juiz decidirá se é caso ou não de justiça criminal. E, analisará se presentes estão todas as condições para a ação penal. Verificará a previsão legal da conduta narrada, verificando a tipicidade aparente, o interesse de agir, isto é, a punibilidade concreta, e a justa causa processual, ou seja, a titularidade da parte e, a justa causa processual penal que são as provas mínimas mas suficientes para indicar a autoria e materialidade delitiva.


E, depois da manifestação técnica da defesa do denunciado, ou seja, a resposta à acusação contida na denúncia, poderá receber ou então rejeita a peça acusatória, ou até, absolver sumariamente o denunciado.


Somente depois do recebimento da denúncia por meio da decisão judicial motivada, onde indica fatos e fundamentos jurídicos, é que se instaura regularmente a situação processual penal, adquirindo o denunciado a condição de réu.


Ressalte-se que todas as inquirições já feitas pelas autoridades policiais serão refeitas em juízo para produzirem o efeito legal e, até as testemunhas deverão ser novamente ouvidas, e poderá haver novas testemunhas que serão incluídas no processo e, o acusado tem a oportunidade de se manifestar diante do juiz.




Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Verdade jurídica processo penal Brasil presunção de inocência inquérito policial

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