Rompimento de Adutora no RJ
A falha na prestação de serviço acarretou o rompimento de adutora em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro e, causou inúmeros prejuízos aos consumidores, o que atrai a responsabilização não apenas da concessionária mas, também, do Estado. Além de afetar o meio social pela interrupção do serviço de saneamento, de natureza essencial
Em 28
de novembro de 2023, em Nova Iguaçu, deu-se o rompimento de adutora que afetou centenas
de pessoas, gerando desabastecimento em dezenas de bairros da Cidade do Rio de
Janeiro, além de Nilópolis e São João de Meriti. A Concessionária Águas do Rio tem como órgão regulador a Agência Reguladora
de Energia e Saneamento Básico do Estado do RJ (AGENERSA), que possui a
atribuição de fiscalizar e regular o serviço de energia e saneamento básico,
conforme estabelecido pela Lei Estadual nº 4.555/2005.
Não é
a primeira vez que esse tipo de acidente acontece. A referida falha na
prestação de serviço aos consumidores trouxe além do desabastecimento de água, inúmeros
prejuízos materiais e morais.
Até o
presente momento ainda não ficou evidenciada a causa do rompimento da adutora
nem tampouco qual será o procedimento a ser adotado para concretizar o
ressarcimento dos bens afetados pelo acidente, nem o prazo para tanto.
Os
relatos de moradores da região onde se localiza a adutora revelaram a
existência de vazamento antes do rompimento de adutora, portanto, aparentemente,
era uma tragédia anunciada.
O
diretor executivo da Águas do Rio, Felipe Esteves, revelou que não há informações
sobre o alegado vazamento e que há a prioridade para minimizar os impactos
causados pelo acidente.
A
responsabilidade civil, no caso, decorre das condutas praticadas por agentes
públicos, no exercício de suas funções,
que causem prejuízo a terceiros, devendo ser imputadas ao Estado (lato sensu).
Segundo
Federighi, in litteris:
“O
Estado, em sentido amplo, sendo pessoa jurídica de direito público, é obrigado a praticar vários atos, para o
regular funcionamento da máquina
administrativa, bem como para prover a sociedade dos serviços públicos necessários a seu bem-estar.
Se, em decorrência de um ato de um
agente público, ou de uma omissão da Administração, vem a ocorrer um prejuízo a um sujeito de
direito, nasce aí o dever do Estado de
ressarcir o prejuízo sofrido”. (FEDERIGHI, 2001)
A
responsabilidade civil do Estado é, assim, o dever estatal de ressarcir particulares por prejuízos civis e
extracontratuais experimentados em decorrência de ações ou omissões de agentes públicos no exercício de
sua função administrativa.
Os
tipos de danos que podem decorrer dessa responsabilidade são os materiais, morais e também os estéticos; estes últimos
bastante trazidos à baila quando se trata da responsabilidade civil.
Hely
Lopes Meirelles definiu a responsabilidade civil do Estado como sendo:
“a que impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes
públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las.
É
distinta da responsabilidade contratual e da legal. Celso Antônio Bandeira de
Mello, por seu turno, definiu a
responsabilidade civil como “a obrigação que lhe incumbe [ao Estado] de reparar
economicamente os danos causados a
terceiros e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos
comissivos e omissivos, materiais ou jurídicos”
(MELLO, 1980).
Verifica-se
a teoria do risco integral. Hely Lopes Meirelles lembrou, a propósito, que se trata de […] modalidade
extremada da doutrina do risco administrativo, abandonada, na prática, por conduzir ao abuso
e à iniquidade social.
Por
essa fórmula radical a Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros,
ainda que resultante de culpa ou dolo da
vítima. (MEIRELLES, 2015).
A
teoria da responsabilidade objetiva demanda três requisitos: a) ato ou omissão
do agente público; b) ocorrência efetiva
de dano; c) nexo causal entre um e outro. Exige tal teoria apenas um fato do serviço, causador
de danos ao particular.
Há
casos em que o Estado deixa de agir, não logrando impedir um resultado lesivo. É o denominado dano por omissão, em oposição
ao dano por ação de agente público
Há vários
exemplos a respeito do tema podem ser lembrados, no que tange à
responsabilidade civil do Estado, em geral. Assim, recorrentes são os casos de
enchentes, em época de chuvas fortes,
quando então ocorrem os alagamentos, com as consequentes perdas materiais sofridas pela população; tais
alagamentos usualmente ocorrem pela confluência
dos fatores chuvas fortes e falta de obras adequadas para conter os seus efeitos, como a limpeza de bocas-de-lobo,
piscinões etc.
Também
é comum a queda de árvores, muitas vezes
ligada à referida época de chuvas, mas, na maioria das vezes, à falta de tratamento adequado dessas árvores,
usualmente tomadas por cupins e outras pragas
que as enfraquecem.
Podem
ser lembrados os conhecidíssimos buracos na via pública, que infernizam a vida
de todos os motoristas, bons e maus; e, mesmo em se tratando de
responsabilidade civil médica, a omissão
de socorro; a falta de controle do funcionamento de máquinas de suporte de vida, entre outras
O
pedido administrativo de indenização pode ser formulado, mas não é necessário que a parte esgote as vias administrativas
para levar a sua pretensão a Juízo. O art. 5º, inciso XXXV, da CF/1988, é bem objetivo ao
dispor no sentido de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça
a direito”.
Indaga-se:
É cabível o ajuizamento de ação indenizatória diretamente contra o agente causador do dano?
O STF
sempre entendeu que não (vide RE 327.904/SP, j. 15.08.2006, entre outros). A responsabilidade civil, in casu, há
de ser do ente público para o qual o agente, causador efetivo do dano, trabalha.
Assim
como o Código Civil prevê a responsabilidade do patrão ou comitente pelos atos de seus empregados,
serviçais ou prepostos, “no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele” (art.
932, III, do Código Civil de 2002), assim deve ser com relação aos danos causados por agentes
públicos, em face da teoria do risco administrativo, sendo descabido o ajuizamento de ações
indenizatórias diretamente contra este.
Alexandre
Mazza (2017) aponta, por outro lado, que há uma posição isolada da 4ª Turma do STJ, que admitiu o ajuizamento de
ação direta de indenização contra agente público (REsp 1.325.862/PR), entendendo que é
possível que o particular, vítima de ato danoso causado por agente público, venha a
ajuizar ação de indenização contra: a) o Estado; b) o agente público; c) ambos, em
litisconsórcio passivo.
O
Código Civil Brasileiro de 1916 já oferecia alguns parâmetros para a composição
do dano, em especial nos seus artigos
1.538 a 1.540. O Código Civil de 2002 traz algumas inovações sobre a matéria, nos artigos 944/
945 e 949 a 951.
O
primeiro afirma que a indenização se mede pela extensão do dano, podendo o juiz
reduzir equitativamente a indenização,
no caso de haver desproporção entre a gravidade da culpa e o dano (parágrafo único).
O art.
945 disciplina a culpa concorrente, abordada anteriormente neste artigo; tendo a vítima concorrido culposamente
para o evento danoso, será reduzida a culpa
do autor do dano.
É
possível fixar-se um valor substancialmente inferior àquele que seria devido, a título de indenização, caso o
conjunto probatório aponte no sentido de ter a própria vítima concorrido para o resultado
danoso.
Diante da jurisprudência pacífica, resta a
caracterização da responsabilidade objetiva do Poder Público em casos de
alagamento ou inundações, o que somente
pode ser afastado mediante prova inequívoca em contrária, sob pena de ser
condenado a pagar pelos danos ambientais individuais sofridos pelos moradores.
A responsabilidade civil do Estado[1] em casos de rompimento de
barragens ou adutoras é um tema complexo e controverso. Ainda assim, evidencia-se
que a responsabilidade do Estado é objetiva, mesmo que se trate de
omissão. Infelizmente, as pesquisas
indicam a incapacidade do Estado para realizar seu papel como agente controlador e
fiscalizador de maneira efetiva.
Especificamente no caso do rompimento da adutora em Nova Iguaçu, em 28/11/2023, todos aqueles usuários atingidos em maior ou menor escala, por tal evento, em tese, possuem direito de ação contra a Concessionária Águas do Rio, eis que esta deve ressarcir não somente os prejuízos materiais porventura existentes, quanto, nos casos em que houve lesão a direito não patrimonial, ou seja, à esfera moral do indivíduo, causando-lhe tristeza, dores espirituais e transtornos que o retire da tranquilidade, o chamado dano moral, como já consolidado pelo Poder Judiciário.
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Nota: