Revelia no processo penal brasileiro

Há como equivocado o entendimento de que, no processo penal, inexistiria a revelia. Em verdade, a revelia, no processo penal, incide com muito menos vigor se comparado ao processo civil. Neste, revel o suplicado, os fatos alegados serão tidos como verdadeiros, ante a ausência de contestação (art. 341 do Código de Processo Civil – Lei n. 13.105/2015). No processo penal, ao revés, não se cogita da imposição da pena de confissão ao réu revel ou, em outras palavras, a revelia do acusado não libera a acusação de fazer prova sobre o que alega, nos termos do disposto no art. 156 do codex. Mas, fincadas tais premissas, não cabe afirmar que inexistiria revelia no processo penal. Esta existe, tanto que poderia até culminar com a decretação da prisão do acusado[1]. Demais disso, sua ausência injustificada libera o juízo de intimá-lo para os atos subsequentes do processo, em hipótese menos provável de ocorrer atualmente, em virtude da concentração, em audiência única, de atos processuais

Fonte: Gisele Leite

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A origem etimológica da palavra revelia advém do latim rebellis e corresponde a rebeldia, contumácia[2], o ato de se opor a algo. No juridiquês, consiste na condição do réu que apesar de citado regularmente, não comparece para o oferecimento da defesa, e a falta de contestação por parte do réu em relação à ação proposta por este.

No direito romano, a inatividade[3] do réu era vista como desobediência. No período das legis actiones, o processo não se instaurava senão com a presença de ambas as partes, por isso, a ius in vocatio, ou seja, o chamamento do réu tinha sempre caráter firmemente coativo (in: ARU, Luigi. Il processo civil contumaciale. Studio di diritto romano. Roma Anonima romana, 1934, p. 15-6); RISPOLI, Arturo. Il processo civile contumaciale. Milano: Libraria, 1911, p.229).

Percebe-se a curiosa redação da primeira Tábua da Lei das XII Tábuas que indicava bem a imprescindibilidade do comparecimento do réu para o processo.

No direito italiano, que em termos de inatividade e extinção do processo influenciou nossa atual redação do art. 485, incs. II e III, do CPC/2015 (principalmente com a redação do art. 201, inc. V, do CPC/1939 e, posteriormente, com o art. 267, incs. II e III, do CPC/1973), notava-se uma tendência em compreender a contumácia como um “fato voluntário das partes”.

A principal justificativa para o abandono dessas teorias voluntarísticas foi o constante interesse do Estado na rápida solução do litígio, impondo uma marcha processual que não comportava mais paradas ou retrocessos, tratava-se, portanto, da supremacia do interesse público sobre o privado.

Os efeitos da revelia diferem conforme se aplique no direito processual civil, seja no direito processual penal, no primeiro há efeitos materiais e formais, isto é, além de não ser mais intimado para os posteriores atos do processo, com exceção da sentença condenatória, ainda vige a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor.

E, nesse derradeiro efeito, conhecido por ser um efeito material, não é aplicável no processo criminal posto que fere de morte importantes princípios constitucionais que tutelam as garantias individuais do réu durante o processo, além de corresponderem também aos basilares princípios do processo penal acusatório, que possui dentre as suas características identificar o réu também como sendo titular de direitos e, não apenas mero objeto de investigação e, ainda, respeitar sua presumida inocência.

Outro importante direito é de permanecer em silêncio para evitar eventual produção de provas contra si mesmo, também conhecido como sendo o princípio da inexigibilidade da autoincriminação.

Portanto, a revelia de forma íntegra e absoluta revela-se incompatível com processo penal brasileiro, o que é corroborado por doutrinadores como Aury Lopes Junior que afirma não existir no processo penal à revelia em seu sentido próprio, porém, apenas seus efeitos formais.

Relevante mencionar que uma vez concretizada a citação, o acusado resta vinculado ao processo, ou seja, devendo participar de todos os atos do processo. E, se este for citado e deixar de apresentar a resposta à acusação, ou mudar de endereço sem previamente comunicar o juízo de seu novo endereço, o processo correrá à sua revelia.

O mesmo se dá quando o acusado apesar de notificado pessoalmente, deixar de comparecer a qualquer ato do processo sem a devida justificativa.

Divide-se a revelia em dois aspectos: materiais e formais. O primeiro consistente na inversão de cargas, ou seja, serão presumidos como verdadeiros os fatos alegados pela acusação. E o segundo aspecto, meramente processual, se trata apenas da não intimação do réu para os atos posteriores até a sentença.

Frise-se que só se exige intimação para a sentença, quando essa for condenatória proferida no primeiro grau de jurisdição, pois somente relativo a ela é que o acusado revel possui capacidade postulatória para interpor recurso.

Portanto, no processo penal inexiste a aplicação do efeito material da e revelia, pois de acordo com o princípio da presunção de inocência, jamais o réu será tido a priori como culpado antes que transite em julgado a sentença condenatória. Sendo assim, o único efeito da revelia no processo penal é a não intimação do acusado para os demais e posteriores atos do processo.

Observemos os casos de revelia mediante a citação com hora certa, ex vi o artigo 362 CPP, parágrafo único e, quando o acusado não vier a comparecer para qualquer ato, nesse caso, será nomeado defensor dativo, ou então, caso o réu seja citado ou intimado pessoalmente e, vier a deixar de comparecer sem haver justo motivo ou ainda, mudar de residência sem previamente comunicar ao juízo de seu novo endereço, ex vi o artigo 367 CPP, e, o MP deverá se desincumbir de seu ônus probatório, caso contrário, seu pedido condenatório poderá ser julgado improcedente, pois em ambos os casos, não se cogita em confissão ficta ou presumida no processo penal, ocorrendo a consequente presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor.

A Lei 11.689/2008, o artigo 457 dispõe que o julgamento do Júri não será mais adiado, no caso de o acusado solto e for intimado não vier a comparecer ao julgamento, por isso não representa impedimento para que se dê a suspensão do julgamento pela prática de crime inafiançável e, assim, prosseguirá normalmente.

Sublinhe-se que anteriormente a retromencionada lei, não era possível em face do fato do julgamento ter que ser realizado perante ao acusado. Isto é, na sua presença.

Convém diferenciar que no processo civil brasileiro não depende de provas, os fatos alegados por uma parte e confessados pela outra parte, ou ainda, aqueles admitidos no processo como sendo fatos incontroversos.

Diferentemente, no processo penal brasileiro não serão presumidas as alegações como verdadeiras por serem afirmados pelo autor, mesmo que o réu não vier a contestar a ação, isto é, não há a presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor mesmo no caso de revelia.

E, a razão de tal consequência se deve ao respeito ao princípio da presunção de inocência ainda que o acusado confesse a autoria do delito, e subsiste o ônus da acusação em comprovar a imputação constante em peça acusatória, a denúncia.

E, assim, ainda que a revelia venha a ser decretada com base no artigo 367 do CPP, o MP deverá cumprir seu ônus[4] probatório, caso contrário seu pedido condenatório e, poderá ser julgado improcedente.

Conclui-se que a única consequência da revelia no processo penal é a desnecessidade de intimação do acusado para os seguintes atos do processo até a sentença, pois essa deve ser realizada sob qualquer circunstância, de acordo com o artigo 392 CPP, que prevê a intimação do réu para a sentença. Isso se deve ao fato de o acusado permanecer com a capacidade postulatória para interpor recurso, mesmo estando revel.

Entretanto, após decretada à revelia, as intimações passarão a ser feitas apenas ao advogado, pois conforme já mencionado, o acusado não será mais notificado ou intimado para nenhum termo do processo, com exceção da sentença.

Na hermenêutica dos Tribunais Superiores pátrios, a intimação da sentença, a que se refere o artigo 392 CPP, só é exigível quando se tratar de sentença condenatória de primeiro grau de jurisdição, por isso é só nesse caso que o réu tem capacidade postulatória para interpor recurso.

Desta forma, em caso de decisão de segundo grau jurisdição ocorre com a publicação da decisão no órgão oficial de imprensa, sem prejuízo da prerrogativa do defensor nomeado, prevista no artigo 370 § 4° CPP.

Em qualquer momento que o acusado comparecer, cessam- se os efeitos da revelia, e ele passa a participar normalmente do processo, no estado em que ele estiver.

Existem várias teorias e correntes doutrinárias que disputam a explicação sobre a natureza jurídica[5] da revelia. E, a primeira destas, foi penal, a qual entendia a contumácia que até então era considerada como sinônima de revelia e, que consistia em rebelião contra o poder do juiz, sendo um desacato à autoridade judiciária. E, tal teoria permaneceu enquanto o processo tinha caráter privatística.

E, com a extinção da litis contestatio[6], ou seja, a obrigação da presença física dos litigantes nos atos do processo deixou de ser indispensável para que esse prosseguisse.

Então, passou a ser entendido que a revelia não poderia impedir que o revel tivesse a proteção jurisdicional. E, a partir dessa mudança, veio a teoria da renúncia, a qual postulava que a revelia era uma renúncia ao direito de se defender.

Essa teoria foi muito criticada na época, porque se o revel renunciou seu direito de se defender, ele não poderia voltar a juízo, pois com isso, estaria revogando sua declaração de vontade.

A teoria atual é a da inatividade de Giuseppe Chiovenda[7], inspirada na teoria da autodeterminação, passou a encarar a revelia mais objetivamente, desprezando o elemento subjetivo da voluntariedade para a concretização desta, sendo analisado apenas o ato do não comparecimento do acusado, independentemente da sua vontade de ser ou não contumaz.

Ou seja, à revelia deixa de ser analisada subjetivamente, para ser analisada simplesmente, como inatividade.

No direito processual civil brasileiro, à revelia é disciplinada como ato-fato processual, consistente na ausência de apresentação da contestação tempestiva, isto é, se trata de um estado de fato gerado pela ausência de contestação do réu no tempo certo.

Basicamente, possui dois efeitos, o material que consiste na inversão de cargas, ou seja, os fatos afirmados pelo autor serão relativamente presumidos como verdadeiros, tal efeito é tido como presunção de veracidade ou confissão ficta, os prazos contra o réu revel que não tenha advogado constituído fluem a partir da publicação da decisão, possibilidade de julgamento antecipado da causa. E, o formal o réu não poderá alegar algumas matérias de defesa, exceto aquelas do art. 342 CPC.

Frise-se que o efeito material da presunção de veracidade foi mitigado pelo vigente Código de Processo Civil (Código Fux), pois com sua entrada em vigor criou - se a necessidade de verossimilhança dos fatos alegados pelo autor, para que haja tal presunção, portanto ela não equivale ao reconhecimento da procedência do pedido.

E formal que consiste na desnecessidade da intimação do réu para novos atos do processo, mas a qualquer momento que ele aparecer, poderá participar do  processo dali em diante, e na preclusão que ocorre desfavorável ao réu não poderá  alegar algumas matérias de defesa, exceto aquelas do art. 342 CPC, que são as  hipóteses em que é permitido o réu alegar mesmo depois da contestação: “relativas a direito ou a fato superveniente; II - competir ao juiz conhecer delas de  ofício; III - por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer  tempo e grau de jurisdição”.

Com a revelia decretada, o réu revel continua sendo intimado, só que na figura de seu patrono, para os atos posteriores do processo. Já o prazo para o revel que não tem advogado constituído, fluirá da data de publicação do ato decisório no órgão oficial.

Portanto, seus efeitos se restringem a parte formal, como mostra o artigo 367 CPP:  O processo seguirá sem a presença do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o novo endereço ao juízo.

Uma vez ajuizada a ação através da queixa-crime, proposta pela vítima ou seus sucessores, ou de denúncia feita pelo MP, o julgador promoverá a citação do réu, de acordo com o artigo 396 do CPP, para que ele tome ciência de que há contra ele uma imputação de uma prática delitiva e, no prazo de dez dias ofereça defesa.

O Código de Processo Penal brasileiro, as formas de citação são: pessoal, por carta rogatória, por edital, carta precatória e, com a Reforma de 2008, foi instituída a citação por hora certa, pela Lei 11719/2008.

Para ficar autorizada a citação com hora certa, é indispensável que haja certeza de que o réu se oculta e, assim, o oficial deverá fazer constar da certidão todas as diligências promovidas, dias e horários, e quais os fatos que autorizaram a conclusão de que o acusado está se ocultando.

A citação preferencialmente usada é a pessoal, na qual o oficial de justiça entrega nas mãos do acusado o mandado. Além do mais não se admite citação entregue a procurador, a não ser que o acusado seja inimputável, nesse caso a citação será entregue ao curador.

Caso o réu não seja encontrado, será utilizada a citação por edital, com o prazo de quinze dias. Já se ele estiver se omitindo para não ser encontrado, e isso se verifica quando o oficial de justiça vai à residência do acusado algumas vezes e percebe que ele está se ocultando para não ser citado, será aplicada a citação por hora certa.

No caso de citação por carta precatória que é usada para comunicar o réu que esteja em outra comarca, enquanto que na carta rogatória é usada para comunicar o réu que esteja em outro país.

No caso de o acusado ter sido pessoalmente citado, e deixe de comparecer à audiência, sem haver motivo justificado ou não comunique seu novo endereço ao juízo, no caso de mudança de residência, o processo criminal seguirá sem a devida participação do réu, concretizando à revelia.

Diante da citação ficta, por meio de edital ou por hora certa, será nomeado um defensor dativo, posto que o julgador poderá determinar a produção de provas urgentes, e esse defensor acompanhará toda a produção probatória conforme prevê o artigo 366 do CPP.

Caso o acusado esteve ausente para a citação ou foragido, a presença do defensor é obrigatória, para a instrução do feito ou para a realização de provas consideradas urgentes. Nesse sentido, Tourinho Filho (2008), assevera que:

   “Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312 do CPP”.

Entretanto, no processo penal vigente, não há mais o extremo rigor de outros tempos, quando se proclamava que contumax pro convicto et confesso habetur (o contumaz – o que não atende ao chamamento – é tido e havido como confesso). Não.

É apenas esta: o réu não mais será intimado de qualquer ato do processo (salvo condenação – art. 392), nem notificado. O fato de ser ele tido como revel não significa deva ser considerado culpado.

No mesmo sentido está o entendimento de Eugênio Pacelli de Oliveira (2008): “Advirta-se que, em processo penal, à revelia, verificada a partir da ausência injustificada do acusado por ocasião da realização de qualquer ato relevante do processo, tem como única consequência a não intimação dele para a prática dos atos subsequentes, exceção feita à intimação da sentença, que deverá ser realizada sob quaisquer circunstâncias”.

Destaque-se ainda que revelia no processo penal significa a quebra da fiança, isto é, a perda de metade do valor pago à título de fiança e, mesmo que seja absolvido, ao final do processo criminal, não se dará a devolução do integral valor pago a título de fiança, vide artigos 338 e 339 do CPP.

Não há de se cogitar em presunção de veracidade de fatos em caso de ausência do réu, como ocorre no processo civil brasileiro vigente, vez que ainda que haja a condenação, tal decisão judicial deverá ser fundada em constantes provas nos autos, em razão da ampla defesa e do contraditório.

Também não ocorre a inversão do ônus da prova, e há ainda o direito ao silêncio e de não produzir provas contra si mesmo, o que impede os efeitos materiais da revelia no processo criminal.

Corrobora tal entendimento o doutrinador Nestor Távora (2015) que afirma que não há hipótese de efeito material da revelia, pois a presunção de veracidade dos fatos acusatórios por se defrontar com jus libertatis que é princípio inadiável e indisponível.

A não ocorrência dos efeitos materiais da revelia no Processo Penal, ele enfrenta resistências, como a de Guilherme de Souza Nucci (2017), ressaltando que o réu citado, que não comparece para ser interrogado, não se interessando por sua defesa, como os direitos são sempre indisponíveis, nesse caso, terá defensor nomeado pelo juiz, nos termos do art. 261 do CPP.

Portanto, o que ocorre na esfera penal é a simples ausência do processo, consequência natural do direito de audiência. O réu pode acompanhar a instrução pessoalmente, mas não é obrigado. É indispensável a presença de seu defensor, ainda que seja ad hoc, não poderá ser considerado revel.

In litteris, leciona Aury Lopes Júnior (2017): “Não existe, no processo penal, revelia em sentido próprio. A inatividade processual (incluindo a omissão e a ausência) não encontra qualquer tipo de reprovação jurídica. Não conduz a nenhuma presunção, exceto a de inocência, que continua inabalável”.

Devem estar presentes Ministério Público e defensor dativo caso haja a necessidade de práticas instrutórias de natureza urgente, principalmente relativo a provas periciais e testemunhais, para isso devem estar.

Outro detalhe necessário a ser ressaltado, é que com base no art. 366 do CPP, o juiz pode decretar prisão preventiva, desde que estejam presentes os requisitos presentes nos artigos 312 e 313 do CPP[8], pois devido sua natureza cautelar, ela é uma medida de urgência.

Esclarece se que o processo não fica suspenso para sempre, mas o prazo para perdurar essa suspensão se encontra seu limite nos prazos previstos para o reconhecimento da prescrição da pena in abstrato, conforme está previsto no artigo 109 CP.

Nesse mesmo sentido, o STJ corrobora tal pensamento, com a Súmula n° 415: “O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada”.[9]

Pairou dúvida diante da nova redação que poderia ser aplicável em processo em andamento, por crimes praticados anteriormente a Reforma do CPP de 2008, e ainda se questiona se seria possível a retroação in mallam partem, ou seja, à prejuízo do réu.

Foi decidido que esse dispositivo não seria aplicado a crimes passados. O STF reconhecendo a ligação com o direito material, firmou a não aplicação deste dispositivo a crimes já ocorridos, sendo a justificativa de que tal aplicação seria prejudicial, não é exato, pois para isso é necessário conferir se no caso concreto.

O artigo 366 CPP não se aplica a crimes de lavagem de dinheiro, por haver na sua lei o artigo 2°, §2º, que prevê a não aplicação do artigo 366 CPP, embora parte da doutrina considere essa não aplicação inconstitucional.

Tal artigo existente na lei de Lavagem de Dinheiro[10] com foco nas condições pessoais dos agentes que praticam a criminalidade macroeconômica, sendo, portanto, injustificável um “tratamento desigual destinado aos acusados de crime de lavagem”.

É interessante acrescentar a prisão preventiva, que mesmo na hipótese de o acusado não comparecer e não constituir advogado, ela não ocorre de maneira automática, pois este tipo de prisão não ocorre se a infração for contravenção ou crime culposo.

A preventiva ao revel deve ser motivada como em qualquer outro caso, com base nos artigos 312 e 313 CPP. Repara-se que no processo penal pátrio não existe distribuição de cargas probatórias, pois o réu é presumidamente inocente, assim, não tem a princípio qualquer dever de atividade processual.

E, além disso, da sua inércia, deverá acarretar prejuízo jurídico-processual. E, desta forma, toda a carga estará em mãos do acusador.

E, de outro viés, é inegável que existe por parte do réu, a assunção de riscos decorrentes de sua inércia e quando surge uma oportunidade, nas diferentes situações processuais que poderão ser probatórias ou defensivas, não se atribui nenhuma carga ou ônus, senão apenas riscos.

É inegável que existe para o réu, a assunção de riscos inerentes e decorrentes de sua inércia, quando assim, o não agir probatório como no caso do exercício do direito ao silêncio, e se recusa a participar de acareação, de reconhecimentos e, etc., isto não conduz a nenhuma punição processual a elisão da presunção de inocência. Não existe propriamente dever de agir para o réu ou acusado, para que seja punido em decorrência dessa omissão.

 Assim, o art. 367 CPP permite que o processo prossiga sem a presença do réu citado, essa omissão processual gera apenas riscos. Não se trata de prejuízo processual, pois não possui carga, de modo que não se pode presumir nada diverso de sua inocência.

Portanto, não há que se cogitar de revelia no processo penal, pelo menos no sentido próprio da palavra, incluindo omissão e ausência, não encontra nenhuma reprovação jurídica.

Ressalte-se que a presença técnica, ainda que o acusado esteja ausente (ou seja, citado não comparece, nem constitui defensor) é uma imposição inarredável fruto de uma opção constitucional por um procedimento em contraditório, que a produção dos efeitos.

Nesse sentido, endossa Nucci (2017) que desconsidera a existência da revelia no direito processual penal, argumentando que o réu que é citado e não comparece para oferecer defesa, por tratar-se de direitos indisponíveis, será nomeado ao mesmo defensor, o qual deverá realizar sua defesa de forma eficiente sob pena de ser substituído por determinação judicial.

Vale lembrar que revelia confronta com o princípio contido no art. 5°, LVII da CF/1988: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória”.

Como se refere Capez: (2001): “Vemos uma aplicação prática deste princípio na proibição expressa de execução provisória na Legislação Brasileira, pois em regra toda prisão deve acontecer após o trânsito em julgado.”

Porém, o STF modificou seu posicionamento a respeito deste tema recentemente, relativizando este princípio, pois o seu órgão Pleno deliberou que após confirmação da condenação penal por tribunal, no segundo julgamento, pode iniciar a execução de pena de forma provisória, antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Tal julgado foi oposto aos entendimentos antes firmados, que somente admitia a prisão provisória se comprovado o requisito da cautelaridade, quesito presente no art. 312 CPP e é visto como um (subprincípio da necessidade).

Este julgado foi alvo de várias críticas doutrinárias, pois confronta com o princípio da presunção de inocência.

No entanto, STF reconheceu a reafirmação da jurisprudência, afirmando que  a execução provisória de pena[11] não ofende o princípio de presunção de inocência,  nem o artigo 283 CPP, que expressa a seguinte norma: “Ninguém poderá ser preso  senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade  judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em  julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão  temporária ou prisão preventiva”. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 1º As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 2º A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 1º As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 2º A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

O princípio da presunção de inocência se dissemina por todo processo penal brasileiro, de modo que deve haver redobrado cuidado para tomar medidas cautelares durante a persecução penal, tais como a quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico, busca e apreensão domiciliar, ou até a simples apresentação do indiciado ou réu na mídia social ou meios de comunicação, pois é possível o prejuízo à sua imagem e até de sua família.

Outra questão, a revelia não mancha a presunção de inocência pois não ocorre a incidência dos efeitos materiais da revelia.

É inegável que existe por parte do réu, a assunção de riscos decorrentes de sua inércia. Um bom exemplo, é quando o art. 367 CPP permite que o processo prossiga sem a presença do réu citado, essa omissão processual gera apenas riscos.

Não se trata de prejuízo processual, pois não possui carga, de modo que não se pode presumir nada diverso de sua inocência. Portanto, não há que se cogitar de revelia no processo penal, pelo menos no sentido próprio da palavra, incluindo omissão e ausência, não encontra nenhuma reprovação jurídica.

Uma vez que admitir à revelia e seus efeitos, seria absolutamente incompatível com o processo penal contraditório.

A presença técnica, ainda que o acusado esteja ausente (ou seja, citado não comparece, nem constitui defensor) é uma imposição inarredável fruto de uma opção constitucional por um procedimento em contraditório, que a produção dos efeitos.

Delmanto Júnior (2004) complementa: “Sua aplicação afigura-se por si só, totalmente assegurados da ampla defesa e do silêncio[12], de outro. Pois à revelia no penal não constitui uma censura ou verdadeiro prejuízo ao réu que não comparece ao interrogatório ou por exemplo: não permite que lhe seja extraído material genético para que seja realizada a perícia”.

Pode-se concluir que geraria um processo penal contumácia, totalmente incompatível com o contraditório, assegurado no inciso LV do art. 5° CF/1988 e com respaldo no art. 261 CPP. Esta frisa o caráter irrenunciável e indisponível da defesa técnica, postulando que se o réu estiver desprovido de advogado, ainda que seja revel, deverá o juiz nomear um defensor dativo ou público. Caso esta norma não seja cumprida, o processo será contaminado de nulidade absoluta, por afronta a ampla defesa (art. 564, III, c).

Em consonância com tal pensamento, temos a Súmula 708 do Supremo: “É nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação nos autos da renúncia do único defensor, o réu não foi previamente intimado para constituir outro.

Tal nulidade se dá devido ao direito que o acusado tem de escolher seu próprio advogado, este direito constitui um desdobramento do princípio da ampla defesa.

Portanto perante a renúncia do único defensor, o juiz não pode nomear outro defensor, pois tal nomeação só é possível mediante a inércia do acusado quando intimado regularmente e não constitui advogado, nem realiza sua autodefesa, caso tenha habilitação para tal.

Lembremos do vigente texto constitucional brasileiro que: "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". (artigo 5º, LV CF/1988). E, “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CF/1988, art. 5º, LIV).

Portanto, desdobra-se em dois aspectos: a defesa técnica, exercida por profissional habilitado (indispensável – CPP, art. 261), e a autodefesa, desempenhada pela própria parte (dispensável a critério do acusado), e que se manifesta no interrogatório, no direito de audiência com o juiz (audiência de custódia e comparecimento em juízo), na possibilidade de interpor, por si, recurso etc. a própria ausência leciona Fernando Capez poderá ser tida, pelo acusado, como a forma de defesa mais adequada à situação concreta.

É indispensável, todavia, sob pena de nulidade absoluta, que ele seja validamente citado ou então intimado a comparecer em juízo, deixando-se a sua discricionariedade a análise da conveniência de fazê-lo ou não, pois essa é a própria essência da autodefesa.

O julgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado solto, do assistente ou do advogado do querelante, que tiver sido regularmente intimado (art. 457, § 1º) e, no caso da não condução do acusado preso, admite-se o adiamento do julgamento, autorizando-se, no entanto, o pedido de dispensa de comparecimento subscrito por ele e seu defensor (art. 457, § 2º).

Com isso, passou-se a admitir o julgamento sem a presença do acusado preso, propiciando a ele, juntamente com o seu defensor, a discricionariedade na análise da conveniência ou não de comparecer a esse ato.

Saliente-se ainda que não é dado ao juiz, no caso de ausência injustificada do réu validamente cientificado, decretar-lhe a prisão preventiva, em vez de mandá-lo conduzir a sua presença, visto que o encarceramento provisório possui pressupostos próprios, de natureza cautelar.

A partir das alterações promovidas pela Lei 10.792/2003, o Código de Processo Penal passou a prever expressamente que:

    “Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe foram formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa”. Sobre isso, falaremos mais por ocasião do interrogatório.

Se regularmente citado ou validamente intimado a comparecer em juízo, o réu deixar de fazê-lo sem motivo, o processo seguirá à sua revelia, tornando-se desnecessário proceder a sua posterior intimação para qualquer ato do processo, salvo da sentença.

O mesmo efeito verificar-se-á na hipótese de o réu, depois de citado, mudar de residência ou dela ausentar-se por mais de oito dias, sem comunicar à autoridade processante o lugar onde possa ser encontrado. O subsequente comparecimento do acusado enseja a revogação da revelia.

Em face dos princípios acima aduzidos (direito ao silêncio[13], devido processo legal), conjugados com o da presunção de inocência, fácil é notar que a revelia no processo penal não possui os mesmos efeitos do processo civil, porquanto não importa confissão ficta.

Em caso de citação por edital e posterior desatendimento do chamamento a juízo, sem constituição de defensor, o processo e o prazo prescricional da pretensão punitiva serão suspensos, podendo o juiz determinar a produção antecipada de provas urgentes, bem como decretar prisão preventiva, desde que presentes, neste último caso, os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal (cf. CPP, art. 366).

Convém ressalvar que, no caso em que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de justiça certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida nos arts. 251 a 254, do CPC, não havendo mais que se cogitar em citação por edital, com os efeitos do art. 366 (cf. CPP, art. 362).

No caso, completada a citação com hora certa, se o acusado não comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo, devendo o processo tramitar sem a sua presença (CPP, art. 362, parágrafo único).

Verifica-se a jurisprudência in litteris:

"Não é aceitável que o acusado, após a mudança de endereço sem informar ao Juízo, venha a arguir a nulidade em razão da revelia, porquanto a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium) aplica-se a todos os sujeitos processuais do Direito Processual Penal". Órgão Julgador: STF| Data da Decisão: 28/02/2023.

A regra que veda o comportamento contraditório (venire contra factum proprium) aplica-se a todos os sujeitos processuais. Não é aceitável, portanto, que, após o desinteresse em acompanhar o processo, com a mudança de endereço sem informar o endereço ao Juízo, venha o acusado agora arguir a nulidade da revelia.

Outra jurisprudência, in verbis: 1/04/2020 - JUNTADA DE ACÓRDÃO (Desembargador Eugenio Achille Grandinetti - 3ª Câmara Criminal) TJPR. Ata do Julgamento: 21/04/2020; Data da Publicação:  21/04/2020

Ementa

PELAÇÃO CRIME. RECEPTAÇÃO (ART. 180, CAPUT, DO CP). SENTENÇA CONDENATÓRIA. TESE DE NULIDADE POR AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO ACUSADO PARA A AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. INOCORRÊNCIA. RÉU QUE NÃO ATUALIZOU O ENDEREÇO APÓS CITAÇÃO PESSOAL. CORRETA A DECRETAÇÃO DA REVELIA. ART. 367, CPP. OBRIGAÇÃO DO ACUSADO DE COMUNICAR O JUÍZO EVENTUAL MUDANÇA DE ENDEREÇO. PRECEDENTES. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. DESCABIMENTO. ÔNUS DA PROVA QUE SE INVERTE COM A APREENSÃO DO BEM NA POSSE DO ACUSADO. CONJUNTO PROBATÓRIO APTO A ENSEJAR A CONDENAÇÃO. AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE DEMONSTRADAS NAS PROVAS COLIGIDAS NOS AUTOS. DOLO SUFICIENTEMENTE COMPROVADO. DOSIMETRIA ESCORREITA. DESNECESSIDADE DE QUALQUER ALTERAÇÃO DE OFÍCIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS EM FAVOR DO DEFENSOR DATIVO, COM BASE NA RESOLUÇÃO CONJUNTA Nº 15/2019 - PGE-SEFA, A SEREM SUPORTADOS PELO ESTADO DO PARANÁ.RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO, COM FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS AO DEFENSOR NOMEADO.

Noutra jurisprudência, literalmente: Nulidade em ação penal por falta de citação do réu ainda que tenha havido participação de advogado que atuou no inquérito.

Origem: STJ - Informativo: 580 

Ementa Oficial

PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE CITAÇÃO PESSOAL OU POR MEIO DE EDITAL.

PROCESSO QUE SE DESENVOLVEU ENTRE O ADVOGADO CONTRATADO NA DATA DA PRISÃO EM FLAGRANTE, O JUIZ E O PROMOTOR. NÃO COMPARECIMENTO DO ACUSADO A NENHUM DOS ATOS DO PROCESSO. INEXISTÊNCIA DE PROVA INEQUÍVOCA DA CIÊNCIA DA DENÚNCIA. DECLARAÇÃO DA NULIDADE, DE OFÍCIO, PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. POSSIBILIDADE. PREJUÍZO À AUTODEFESA. RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO PROVIDO.

1. Não ocorre a violação do art. 619 do CPP quando o acórdão, apesar de contrário à pretensão da parte, se manifesta expressamente sobre a matéria controvertida.

2. Em matéria de nulidade, aplica-se o princípio pas de mullet sans grief[14], segundo o qual não há nulidade sem que o ato tenha gerado prejuízo para a acusação ou para a defesa, o que, em alguns casos, pode ser evidente, por raciocínio lógico do julgador.

3. Deve ser mantido o acórdão estadual que, de ofício, reconheceu a irregular constituição do processo, desenvolvido sem a presença do réu, pois a citação pessoal foi frustrada e, determinada sua realização por meio de edital, a diligência também deixou de ser cumprida.

4. A citação é pressuposta de existência da relação processual e sua obrigatoriedade não pode ser relativizada somente porque o réu constituiu advogado particular quando foi preso em flagrante. O fato de o Juiz ter determinado a juntada, nos autos da ação penal, de cópia da procuração outorgada ao advogado no processo apenso, relacionado ao pedido de liberdade provisória, bem como que o causídico apresentasse resposta à acusação, não supre a falta de citação e nem demonstra, sem o comparecimento espontâneo do réu a nenhum ato do processo, sua ciência inequívoca da denúncia e nem que renunciou à autodefesa.

5. O prejuízo para a ampla defesa foi registrado no acórdão estadual, não havendo falar em violação do art. 563 do CPP. A ampla defesa desdobra-se na defesa técnica e na autodefesa, esta última suprimida do réu, pois não lhe foram oportunizadas diversas possibilidades, tais como a presença em juízo, o conhecimento dos argumentos e conclusões da parte contrária, a exteriorização de sua própria argumentação em interrogatório etc.

6. Recurso especial não provido.

(REsp 1580435/GO, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/03/2016, DJe 31/03/2016)

Na verdade não é erro e sim sugestão de adicionar o seguinte julgado do STF de 2017 com situação semelhante, mas que se diferencia pelo fato de que houve a citação por edital. (seria interessante a inclusão, pois no MPE-PI foi cobrada questão atinente a esse julgado do STF e nos concursos ensejou bastante discussão, pois o raciocínio da maioria foi no sentido do julgado do STJ do Info 580).

E, novamente, a jurisprudência nos ensina:

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DO RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. HOMICÍDIO. ACUSADO CITADO POR EDITAL. ADVOGADO REGULARMENTE CONSTITUÍDO NOS AUTOS. RENÚNCIA DOS PODERES 3 (TRÊS) MESES APÓS O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO PRAZO PRESCRICIONAL. INAPLICABILIDADE DO ART. 366 DO CPP. NOMEAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA PATROCINAR A DEFESA DO ACUSADO. IMPOSSIBILIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO ACUSADO PARA CONSTITUIR NOVO DEFENSOR. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE.

1. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal e as Turmas que compõem a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.

2. A teor do art. 366 do CPP, a suspensão do processo penal e do prazo prescricional, somente é possível quando o acusado, após citado por edital, não comparece e não constitui advogado nos autos.

3. No caso, embora o paciente tenha sido citado por edital, constituiu, desde a fase inquisitorial, advogado nos autos com amplos poderes, o que demonstra que conhecia da imputação contra ele dirigida.

4. A renúncia do advogado deu-se 3 (três) meses após o recebimento da denúncia, inexistindo ilegalidade na decisão do Juízo de primeiro grau que determinou o prosseguimento do feito com a nomeação da Defensoria Pública para patrocinar a defesa do acusado, uma vez que não seria possível intimá-lo pessoalmente para constituir defensor de sua confiança, tendo em vista encontrar-se em lugar incerto e não sabido. 5. Habeas corpus não conhecido. (HC 338.540/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 14/09/2017, DJe 21/09/2017).

Há inclusive doutrinadores que entendem que decretar o réu como revel no processo penal é incompatível com a Constituição Federal.

Além disso, é importante ressaltar que a revelia no processo penal não implica a ausência de defesa. Mesmo na condição de réu revel, o acusado ainda tem o Direito de ser representado por um defensor, seja um advogado particular ou um defensor público nomeado pelo tribunal.

A revelia em situações específicas, conforme estabelecido pelo Código de Processo Penal (CPP). Vejamos algumas circunstâncias em que se pode decretar a revelia:

Artigo 366 CPP: estabelece que caso o acusado citado por edital não compareça nem constitua advogado, o juiz ordenará a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional, podendo determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva;

Artigo 367 CPP: pode-se decretar a revelia quando o acusado, mesmo sendo citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixa de comparecer sem motivo justificado.

É possível contestar a revelia quando a sentença for proferida sem que tenha sido citado o réu, ou num caso em que a citação foi inválida, ou infrutífera, podendo o réu propor demanda autônoma para impugnar a sentença.

Referências

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HADDAD, Carlos Henrique Borlido. Conteúdo e contornos do princípio contra a autoincriminação. Campinas: Ed. Bookseller, 2005.

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LEITE, Gisele; HEUSELER, Denise. Análise da revelia e seus efeitos. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/analise-sobre-a-revelia-e-seus-efeitos-parte-i/#google_vignette Acesso em 9.2.2024.

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PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao código de processo civil.  Rio de Janeiro: Forense, 1983.

STJ. Súmula 415 do STJ "A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo".

Súmula 415 - O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada.  Data da Publicação – DJ em 16-12-2009.

REZENDE FILHO, Gabriel José Rodrigues. Curso de direito processual civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1950.

TUCCI, Rogério Lauria. Da contumácia no processo civil brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1964.

TOURINHO, Filho da Costa, Fernando. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2015.

Notas:


[1] A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a revelia de réu não basta para que seja decretada a prisão preventiva dele. A pessoa denunciada por crime tem o direito de não comparecer a interrogatórios e cabe a ela decidir se quer suportar as consequências de não participar dos atos processuais e da construção da sentença. Processo (s) Relacionado (s): STJ: HC 104617

[2]  “Contumácia, ou revelia, é o não comparecimento em juízo da parte - autor, réu, ou ambos, - omitindo-se totalmente na efetivação de suas pretensões” (TUCCI, Rogério Lauria. Da contumácia no processo civil brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1964. p. 97); PASSOS, José Joaquim Calmon de. Da revelia...cit. p. 13-14; REZENDE FILHO, Gabriel José Rodrigues. Curso de direito processual civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1950. p. 124. v. II.

[3] A inatividade da parte deve ser encarada como a não observância de um ônus – imperativo do próprio interesse – que acarreta uma desvantagem, excluindo-se, ao menos a priori, o caráter subjetivo da omissão. Num primeiro momento, não importa a voluntariedade da ausência, o que realmente interessa é a verificação do fato dessa ausência no processo.

[4] O ônus difere do dever, pois este seria um imperativo fixado para a satisfação de interesse alheio ou público. A não observância de um dever implica um ilícito, importando em uma sanção jurídica, quando a não observância de um ônus implica tão só em efeitos econômicos negativos. O ônus e o dever têm em comum o elemento formal, consistente no vínculo à vontade, mas divergem no elemento substancial, na medida em que neste, o vínculo é posto para satisfação do interesse alheio, enquanto naquele, é posto para satisfação do interesse próprio.

[5] No magistério de Guilherme Tambarussi Bozzo e Eduardo Espínola o termo “revelia” também é igualmente equívoco. Alguns autores entendem se tratar apenas da inatividade do réu em contestar ou responder. Outros, mais antigos, utilizam o termo revelia tanto para a inatividade do autor, como para a inatividade do réu. Etimologicamente, todavia, o termo deriva do latim, rebellis, ou seja, rebelde, desobediente. A desvantagem da compreensão etimológica é remeter o estudioso aos problemas da vontade na omissão dos atos processuais.

[6] Para a adequada compreensão do significado da litis contestatio no processo romano é necessário analisar individualmente cada um dos sistemas processuais que se sucederam na época - as legis actiones, o processo formular e a cognitio extra ordinem.

[7] Tal tese é reforçada pela atual previsão do artigo 485, sexto parágrafo do CPC/2015, no sentido de ser possível ao réu optar entre a extinção ou a prosecuzione do processo, como já ocorria através da Súmula 240 do STJ.

[8] Segundo a relatora, a prisão preventiva só pode ser decretada quando forem preenchidos os requisitos do artigo 312 do CPP e não como decorrência automática do artigo 366. Ela avaliou que, a não ser a gravidade do crime, não há demonstração concreta de que, solto, o denunciado colocará em risco a ordem pública. Processo (s) Relacionado (s): STJ: HC 104617

[9] Conclui-se que, decorrido o tempo máximo de suspensão, para o réu revel citado por edital, nos termos da Súmula 415 do Superior Tribunal de Justiça, deve ser retomado apenas o curso do prazo prescricional, mantendo-se a suspensão do processo, pois determinar o prosseguimento da marcha processual sem a citação pessoal do réu seria albergar um abrandamento dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, o que não pode ser admitido no Estado Democrático de Direito.

[10] A Lei nº 9.613 de 1998 descreve o crime de “lavagem” ou ocultação de bens, muito conhecido como lavagem de dinheiro, que consiste no ato de ocultar ou dissimular a origem ilícita de bens ou valores que sejam frutos de crimes. A denominação de lavagem de dinheiro surgiu, pois o dinheiro adquirido de forma ilícita é sujo, e necessita ter uma aparência de legalidade; ou seja, precisa ser lavado para parecer limpo. Um exemplo desse tipo de crime é a compra, com dinheiro ilícito, de obras de arte ou produtos de luxos para revendê-los em seguida, para dar a aparência de uma operação comercial legal.   A pena prevista é de 3 até 10 anos de reclusão e multa. A Lei prevê penas maiores para os casos nos quais o crime ocorra de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa.

[11]  De forma geral, podemos dizer que a execução provisória é aquela que executa a pena provisoriamente, ou seja, o juiz do conhecimento manda cumprir a decisão judicial condenatória não transitada em julgado enquanto ainda se aguardam o julgamento de recursos e a chegada de uma decisão certa, definitiva. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 43, 44 e 54, modificou o entendimento até então vigente, para firmar orientação no sentido de que a prisão, para fins de cumprimento de pena, somente é permitida após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, salvo se presentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, quando, então, poderá ser decretada a prisão preventiva. Acórdão 1269675, 00147318820178070016, Relator: DEMETRIUS GOMES CAVALCANTI, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 6/8/2020, publicado no DJE: 17/8/2020.

[12] No âmbito penal, corroborando os abusos no exercício de um direito, abstraem-se as disposições dos excessos das excludentes de ilicitude. Um exercício irregular de um direito, como uma legítima defesa exercida além de seus limites. Sobre o excesso, os resultados que dizem respeito às condutas praticadas nos limites permitidos por essa excludente estão amparados por essa causa de justificação; os outros resultados que surgiram em virtude do excesso, por serem ilícitos, serão atribuídos ao agente, que por eles terá que ser responsabilizado. Tais excessos poderiam ser dolosos ou culposos: mas sempre imputáveis ao agente que incorreu no excesso, ou seja, abusou dos limites das excludentes entregues pela lei. No processo penal, há algumas pessoas que não poderão fazer uso do direito previsto ao réu, direito esse que possui caráter constitucional. Há, no ordenamento jurídico, previsão normativa da obrigação de falar. Mais: obrigação de dizer a verdade, em um interrogatório, sob pena de incorrer em crime.

[13] A origem do direito ao silêncio ou do direito de não autoincriminação emana da presunção de inocência: "Tais conseqüências - direito individual de não produzir provas contra si mesmo, de um lado, e obrigação estatal de não tratar qualquer pessoa como culpada antes do trânsito em julgado da condenação penal, de outro - qualificam-se como direta emanação da presunção de inocência, hoje expressamente contemplada no texto da vigente Constituição da República (CF/1988, art. 5º, inciso LVII).  A máxima latina nemo tenetur prodere se ipsum, conexa à nemo tenetur se detegere, não possui suas origens no direito romano, mas sim no Ius Commune europeu. O direito da Europa Medieval – Ius Commune – era um direito culto, formado por dois direitos: i) o direito civil, originário das compilações do Corpus Iuris Civile de Justiniano; ii) o direito canônico, cujos ditames estavam nas coleções que viriam a formar o Corpus Iuris Canonici. A princípio, o direito canônico se destinava à administração interna da Igreja Católica Apostólica Romana. Entretanto, gradualmente, sua jurisdição estendeu-se para atingir: i) objetivamente, qualquer matéria concernente à fé; e ii) subjetivamente, qualquer leigo que possuísse relação com a Igreja.

[14] Trata-se, então, de se voltar a atenção não aos efeitos jurídicos dos atos processuais, mas sim às finalidades alcançadas, mesmo por efeitos jurídicos diversos, inesperados, imprevisíveis ou colaterais dos atos questionados. Pas de nullité sans grief não significa que a nulidade só será declarada se for demonstrado o prejuízo. Seu sentido é outro. Quer dizer que não se declara a nulidade se for possível demonstrar a inocorrência de prejuízo.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Direito Processual Penal Brasileiro Revelia Constituição Federal de 1988 Efeitos da Revelia

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