Responsabilidade civil da imprensa no Brasil
STF decidiu que a imprensa poderá ser punida por entrevistas com indícios de falsidade. Nesse momento, debate-se se há ofensa à liberdade de imprensa ou a liberdade de expressão. A decisão ainda poderá revista. O STF decidiu por 9 (nove) votos a 2(dois) que empresas jornalísticas de qualquer natureza podem ser responsabilizadas, na Justiça, por injúria, difamação ou calúnia por declarações falsas feitas por entrevistados
O
atual presidente do STF, Ministro Luís Roberto Barroso afirmou que a única
possibilidade de punir veículos de comunicação por falas ou afirmações de entrevistados
é quando houver má-fé.
Afinal
no amplo espectro da liberdade de expressão é punível a veiculação de má-fé por
intencionalidade e, ainda por prejudicar com negligência na apuração da
verdade.
Recentemente,
a Suprema Corte brasileira aprovou tese contendo regras para que veículos de
comunicação sejam responsabilizados civilmente por declarações de entrevistados
em reportagens jornalísticas[1].
A
empresa jornalística poderá ser responsabilizada quando houver publicação de entrevista em que o entrevistado
acusar falsamente outra pessoa sobre a
prática de um crime se:
“à época da divulgação da entrevista,
havia “indícios concretos” da falsidade da imputação; o veículo deixou de
observar o “dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”.
Os
ministros, enfim, definiram que a “regra geral” é que o veículo não é
responsável pela declaração que for dada
por um entrevistado, “a menos que tenha havido uma grosseira negligência” sobre a apuração de um “fato que fosse de
conhecimento público”.
“Se
uma pessoa foi absolvida, faz parte do dever de cuidado do jornalista dizer que
a pessoa foi absolvida”, afirmou o
ministro. “Não há nenhuma restrição à liberdade de expressão, não há censura
prévia”.
A tese
em repercussão geral aprovada foi a seguinte:
“A plena proteção constitucional à
liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade,
vedada qualquer espécie de censura
prévia, admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por
informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e
morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem
formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando
um espaço íntimo intransponível por
intromissões ilícitas externas”.
“Na
hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente
prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser
responsabilizada civilmente se: (1) à
época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (2) o veículo deixou de observar o dever de
cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de
tais indícios”. (Processo relacionado: RE 1075412)
Preocupa-me
os casos de entrevistas ao vivo, quando nem a imprensa, nem o jornalista poderá
prever, com segurança, o que será dito. Caberá ao entrevistador advertir o
entrevistado, caso ocorra excessos ou apenas sincericídio.
Tanto
a liberdade de imprensa como a liberdade de expressão são consideradas como
direitos fundamentais e garantidas pelo artigo 5º da vigente Constituição
Federal brasileira. Porém, há algumas distinções a serem observadas.
É
sabido que a liberdade de imprensa decorre do direito de informação. O que
possibilita ao cidadão ter ou criar acesso as diversas fontes de dados, tais
como notícias, jornais, sem a interferência do Estado. A liberdade de imprensa
descreve como liberdade de publicação e circulação de jornais ou meios
similares, dentro do território nacional.
Já a
liberdade de expressão está relacionada ao direito de manifestação do
pensamento, possibilidade da pessoa emitir suas opiniões e ideias ou expressar
atividades intelectuais, artísticas, científicas e de comunicação, sem
interferência ou eventual retaliação do governo.
O
artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos define esse direito como
a liberdade de emitir opiniões[2], ter acesso e transmitir
informações e ideias, por qualquer meio
de comunicação.
Importa
ressaltar que o exercício de ambas as liberdades não é ilimitado. Todo abuso e excesso, especialmente quando
verificada a intenção de injuriar, caluniar ou difamar, pode ser punido
conforme a legislação civil e penal.
A
nossa Constituição Federal de 1988 explicitou a liberdade de informação no art.
5º, incisos IV (liberdade de pensamento); IX (liberdade de expressão) e XIV
(acesso à informação) e no art. 220, § 1º (liberdade de informação propriamente
dita).
Em 30
de maio de 2009 foi revogada pelo STF a Lei de Imprensa criada em 1967[3]. Respeitados os limites
impostos pela Constituição, as formas de comunicação não sofrerão restrições
quanto ao processo ou veículo de divulgação. Igualmente, nenhuma lei pode constituir embaraço à plena
liberdade de informação jornalística.
É o
que dispõe o art. 220, caput e §1º, da Lei Fundamental. Afinal, é o povo quem tem o direito a consumir
informação independente e qualificada de
diversas fontes, a fim de que possa exercer seu exame sobre a vida pública. A liberdade de imprensa é apenas um meio para
que isso ocorra.
Toda
pessoa tem um direito individual a colocar diante do público suas opiniões,
porém, se publicar ou veicular algo que
é impróprio, malicioso ou ilegal, deve assumir a consequência de sua própria
temeridade. Nenhum direito é absoluto, por mais fundamental que seja. Assim, as informações, opiniões e críticas
jornalísticas encontram limitações para o seu exercício.
Frise-se,
novamente que a liberdade de expressão não é irrestrita[4]. Tal como a liberdade de
imprensa, compartilha a vedação do anonimato e a garantia do direito de
resposta e da reparação pelo dano à imagem, ao nome ou à honra, de forma
proporcional. A fundamentação jurídica é o mesmo artigo 5º, incisos IV e V, da
CF/1988.
São
estas, a saber: a vedação do anonimato; a preservação dos direitos de
personalidade, entre os quais se incluem a honra, a imagem, a privacidade e a
intimidade; a garantia do direito de
resposta e reparação; a vedação de
veiculação da crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar
a pessoa. o compromisso ético com a
informação verossímil[5].
Extraem-se
três deveres internos à liberdade de imprensa: o dever de cuidado, o dever de
pertinência pública e o dever de veracidade.
Ultrapassada as limitações ou violados os deveres, haverá ato ilícito, com a
consequente reparação no caso de dano.
Segundo
a CNN Brasil, o STF está disposto a rever pontos que pune a imprensa por
declarações de entrevistados. Alguns renomados juristas afirmam que a decisão
da Suprema Corte representa uma flexibilização da liberdade de imprensa, porque
deixa a critério do juiz a determinação de condições para haver publicação de
uma entrevista, verificando-se se foram ou não cumpridas.
Advirto
que nenhuma liberdade seja a de expressão ou a de imprensa é infinita e
incontida. Toda vez que usa a liberdade ferir a órbita jurídica de outrem dará
azo a responsabilização, uma vez preenchidos todos os requisitos previsto em
lei.
Uma fonte do STF, segundo a CNN Brasil, frisa que o acórdão da decisão, que vai ser escrito pelo Ministro Edson Fachin, só deve ficar pronto perto do dia 10 de março. Depois haverá tempo para os recursos. A expectativa é de que a decisão só entrará em vigor em meados do ano que vem, antes das eleições municipais.
Referências
ANGELO,
Tiago. STF define tese que admite responsabilização de jornal por fala de
entrevistado. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-nov-29/stf-define-tese-que-admite-responsabilizacao-de-jornal-por-fala-de-entrevistado/
Acesso em 2.12.2023.
BARROSO,
Luis Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise
crítica da jurisprudência. 5ª. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011.
CNN
Brasil. STF está disposto a rever pontos que pune imprensa por declarações
de entrevistados, dizem fontes. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/stf-esta-disposto-a-rever-pontos-que-pune-imprensa-por-declaracoes-de-entrevistados-dizem-fontes/
Acesso em 2.12.2023.
CNN
Brasil STF é um dos "principais guardiões" da imprensa e assegura
liberdade de expressão, diz Barroso. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/stf-e-um-dos-principais-guardioes-da-imprensa-e-assegura-liberdade-de-expressao-diz-barroso/
Acesso em 2.12.2023.
MENDES,
Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de
constitucionalidade: estudos de direito
constitucional. 4ª. ed. rev. ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.
MÜLLER,
Friedrich. A Positividade dos Direitos Fundamentais. (German) Perfect
Paperback, 1990.
MUNIZ,
Raiany. Conflito Entre a Liberdade de Imprensa e os Direitos da
Personalidade. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/conflito-entre-a-liberdade-de-imprensa-e-os-direitos-da-personalidade/1260442111
Acesso em 2.12.2023.
STF.
Brasil. STF fixa critérios para responsabilizar empresas jornalísticas por
divulgação de acusações falsas. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=520962&ori=1
Acesso em 2.12.2023
TÔRRES,
Fernanda Carolina. O direito fundamental à liberdade de expressão e sua
extensão. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/50/200/ril_v50_n200_p61.pdf/@@download/file/ril_v50_n200_p61.pdf
Acesso em 2.11.2023.
Notas:
[1]
Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu as condições em
que as empresas jornalísticas estão sujeitas à responsabilização civil, ou
seja, ao pagamento de indenização, se publicarem entrevista na qual o
entrevistado atribua falsamente a outra pessoa a prática de um crime.
[2]
Há de se atentar para a dicotomia de fato e opinião. Pois, a discriminação
entre fato e opinião é que uma é absoluta e outra relativa, ou seja, uma não
pode sofrer alterações, mas a outra está sujeita a mudanças. O fato, para ser
verdadeiro, não se submete ao crivo da sociedade, pois não possui vertentes relativas,
diferentemente da opinião, que é um direito derivado de cláusula pétrea e pode
ser afrontado. Diferentemente da opinião, que apesar de existir a possibilidade
de seu emissor sofrer responsabilidade civil e ainda passível de direito de resposta da vítima da opinião sendo
proporcional ao agravo, ainda assim o seu exercício é constitucional, e apesar
de que seja feita de modo a violar o
direito à honra de outro.
[3] A Lei 5.250/1967 foi assinada pelo ex-presidente Castelo Branco meses depois da outorga da Constituição de 1967, quando o endurecimento do regime militar se iniciava. Com o objetivo de controlar informações, de acordo com as previsões da norma, jornalistas e veículos de comunicação poderiam ser detidos ou multados caso publicassem algo que ofendesse a "moral e os bons costumes". A pena poderia ser aumentada se o conteúdo difamasse ou caluniasse alguma autoridade, como o Presidente da República.
[4]
Segundo Friedrich Müller, em sua obra "A Positividade dos Direitos
Fundamentais", in litteris: nenhum direito fundamental é garantido de
forma ilimitada, isso decorre da única restrição realmente imanente: a sua
natureza jurídica. Müller explica que essa "reserva da natureza jurídica
dos direitos fundamentais" é em razão do pertencimento dos direitos fundamentais
à ordem jurídica constitucional. (MÜLLER, 1990, p. 32).
[5]
O jornalista, o repórter ou outro profissional da área de comunicação social
tem o direito de divulgar os fatos e até exprimir juízo de valor sobre a
conduta de determinada pessoa, desde que tenha por fim informar a sociedade.
Todavia, exige-se que a veiculação da notícia seja feita de form escorreita e
precisa. Sendo vedado o sensacionalismo, as notícias ofensivas, injuriosas,
difamantes e falsas (fake news) que
ofendem a pessoa, seja física ou jurídica, seja atingindo a honra bem
como outros bens jurídicos (como credibilidade e, etc.).