Prisão cautelar de parlamentares brasileiros

A recente detenção dos supostos mandantes do homicídio da vereadora Marielle Franco (Psol) ocorrido em 2018 abastece o debate a respeito da possibilidade ou não da prisão cautelar de parlamentares. 

Fonte: Gisele Leite

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A recente detenção dos supostos mandantes do homicídio da vereadora Marielle Franco (Psol) ocorrido em 2018 abastece o debate a respeito da possibilidade ou não da prisão cautelar de parlamentares. O texto constitucional brasileiro expressa que deputados federais e senadores só podem ser presos em flagrante delito de crime inafiançável, mas o STF já flexibilizou a regra para viabilizar a prisão preventiva de políticos.

A Constituição Federal brasileira de 1988, no artigo 53, parágrafo 2º, proíbe a prisão de deputado federal e senador, salvo se em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos são enviados à casa parlamentar para que decida se mantém ou relaxa a prisão.

Foi o Ministro Alexandre de Moraes que determinou em 23.3.2024 a prisão preventiva do deputado federal Chiquinho Brazão, do conselheiro do Tribunal de Contas do RJ e do delegado de polícia civil Rivaldo Barbosa.

Os três indiciados foram apontados pela Polícia Federal como os supostos mandantes dos assassinatos de Marielle e Anderson Gomes. São suspeitos de praticarem homicídio e pertencimento a organização criminosa e obstrução das investigações policiais. A medida foi referendada pela Primeira Turma do STF em 25.3.2024.

Tal entendimento fora reafirmado pelo STF no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.526, em 2017. Quando fixou que, após a expedição do diploma, um congressista somente poderá ser preso em flagrante delito por crime inafiançável, sendo incabível a prisão temporária ou preventiva. O STF também estabeleceu que medidas cautelares contra parlamentares exigem aval das casas legislativas caso impossibilitem, direta ou indiretamente, o exercício do mandato.

Frise-se que a imunidade formal de origem constitucional somente permite a prisão de parlamentares em flagrante delito e por crime inafiançável, sendo portanto, incabível aos políticos eleitos, desde a expedição do diploma, a aplicação de qualquer espécie de prisão cautelar, inclusive a prisão preventiva positivada no artigo 312 do CPP.

Como fundamentação da prisão preventiva de Brazão há dois precedentes judiciais do STF, foi o caso da prisão do deputado federal Daniel da Silveira e do senador Delcídio do Amaral.

Outro aspecto relevante é que o artigo 53, segundo parágrafo do texto constitucional vigente apenas permite a prisão em flagrante delito de parlamentares por crimes inafiançáveis, correspondendo a hipótese analisada. Pois nos termos do artigo324, IV do CPP não será autorizada a fiança quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva. Isto é, por não haver razoabilidade nem lógica, em que uma vez presentes os requisitos exigidos para a decretação da prisão preventiva, fosse possível a concessão de liberdade provisória, mediante fiança.

Ipso facto, a presença de tais requisitos justificadores da prisão preventiva afastaria a afiançabilidade do delito, como é o caso de Brazão, avaliou o Ministro Alexandre de Moraes no Inquérito 4.781.

Após o deputado Silveira ser condenado a oito anos e nove meses de reclusão pelos crimes de coação no curso do processo (artigo 344 do Código Penal) e tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União (artigo 23 da Lei de Segurança Nacional — Lei 7.170/1973), o então Presidente da República Jair Bolsonaro (PL) concedeu a ele a graça. Contudo, o STF anulou o perdão por desvio de função.

Já o senador Delcídio do Amaral (PT-MS) foi o primeiro parlamentar detido no exercício do mandato desde a promulgação da Constituição de 1988. Ele foi preso cautelarmente por ordem do ministro Teori Zavascki — decisão referendada posteriormente pela 2ª Turma do Supremo — por tentar atrapalhar as investigações da “lava jato”.

O petista era acusado de integrar organização criminosa e obstruir as investigações. O primeiro é um crime permanente que a jurisprudência do STF reconhece como autônomo, por isso o flagrante pode ser feito a qualquer tempo. Já o segundo estava sendo praticado pelo senador ao supostamente agir para evitar investigações da “lava jato”.

Em sua decisão, Zavascki (morto em acidente aéreo em 2017) defendeu a possibilidade da prisão provisória de parlamentares. “O tom absolutista do preceito proibitivo de prisão cautelar do artigo 53, segundo parágrafo, da Constituição Federal da República de 1988, não se coaduna com o modo de ser do próprio sistema constitucional: se não são absolutos sequer os direitos fundamentais, não faz sentido que seja absoluta a prerrogativa parlamentar de imunidade à prisão cautelar.

Essa prerrogativa, embora institucional, é de fruição estritamente individual e, lida em sua literalidade, assume, na normalidade democrática do constitucionalismo brasileiro, coloração perigosamente próxima de um privilégio odioso”.

Portanto, ao autorizar a prisão em flagrante de congressistas, afirmou o Ministro, que a Constituição brasileira admitiu que fossem encarcerados antes do trânsito em julgado da condenação, desde que diante da certeza visual ou quase visual do crime. Ao exigir que o delito fosse inafiançável, a Carta Magna condicionou o cabimento da prisão em flagrante a um mínimo de gravidade da conduta do parlamentar.

Conclui-se que não existe vedação peremptória à prisão cautelar de parlamentares, cumprindo essa prisão sua natureza, apenas havendo a cautela da Constituição em reservar a prisão cautelar ao parlamentar nas hipóteses de maior gravidade e de maior clareza probatória, conforme afirmou o saudoso Ministro Zavascki.

Sendo cabível a prisão preventiva de congressista desde que elevada a clareza probatória da prática de crime e dos pressupostos requeridos para a custódia cautelar, em aproximação com os critérios legais da prisão em flagrante (  vale lembrar, as hipóteses legais de quase-flagrante e flagrante presumido, em que o ato delituoso não é visto por quem prende), e (ii) estejam preenchidos os pressupostos legais que autorizam genericamente a prisão preventiva nos dias de hoje (artigo 313 do Código deProcesso Penal) e os que impunham inafiançabilidade em 2001”, concluiu o ministro em seu voto no Referendo na Ação Cautelar 4.039.

A debatida imunidade dos parlamentares é condição basilar para o exercício do mandato legislativo e que é a expressão maior do sistema democrático e não importa o crime nem suposto criminoso, a garantia destina-se ao funcionamento regular da essencial instituição democrática que é o Legislativo. De forma que se recomenda que se apurem, com toda firmeza e rigor, os crimes, mas se preservem as garantias democráticas principalmente quanto à liberdade do parlamento enquanto não formada a culpa.

A polícia federal não apresentou provas sobre a reunião entre Lessa e Brasão e, o relatório dos investigadores é fulcrado por delação do ex-PM, mas não apontou elementos probatórios para comprovar o encontro.

Afirmou que a concatenação de fatos trazidos pelos colaboradores, notadamente Ronnie Lessa e, ainda, a profusão de elementos indiciários revestidos de singular potencial incriminador dos irmãos Brazão são aptos a atribuí-los a autoria intelectual dos homicídios ora analisados.

A defesa de Domingos Brazão afirmou que a delação de Ronnie Lessa não tem valor probatório. Outro autor de delação premiado é o ex-PM Élcio Queiroz que dirigia o Cobalt usado no crime. Outro suspeito é o ex-bombeiro Maxwell Simões Correia, conhecido como Suel e, seria dele a responsabilidade de entregar o carro usado por Lessa para desmanche. Assim, segundo as investigações todos têm envolvimento com milícias.

Os advogados do ex-policial militar Ronnie Lessa abandonaram sua defesa após o anúncio pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, na noite desta terça-feira (19.3.2024), de que o assassino da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes fechou um acordo de delação premiada, já homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A maior bancada da Câmara, com 95 integrantes, o PL votou em peso por libertar Brazão. Ao todo, 83 deputados do partido se manifestaram, dos quais apenas sete defenderam manter Chiquinho preso: Antonio Carlos Rodrigues (SP), Delegado Caveira (PA), Junior Lourenço (MA), Roberto Monteiro Pai (RJ), Robinson Faria (RN), Rosana Valle (SP), Silvia Cristina (RO). Outros cinco integrantes da legenda se abstiveram.

Registre-se que a Comissão de Ética abriu processo de cassação contra Chiquinho Brazão. O comando do Conselho escolherá um relator entre os seguintes integrantes: Bruno Ganem (Podemos-SP); Ricardo Ayres (Republicanos-RO); e Gabriel Mota. (Republicanos-RR).

Seguindo o regimento interno da Câmara, não participaram do sorteio deputados do mesmo estado de Brazão, nem membros do PSOL, autor do pedido de cassação.

Por 277 a 129 votos, Câmara mantém Brazão preso por assassinato de Marielle Plenário da Câmara referendou decisão do STF de prender o deputado apontado como mandante do assassinato de Marielle. decisão de manter o deputado preso surpreendeu parlamentares do centrão que articularam um movimento para o esvaziamento da votação com o objetivo de não atingir o quórum necessário para manter a determinação do STF.



Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Prisão cautelar Constituição Federal Código Processo Penal

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