O poder da interpretação conforme a Constituição Federal brasileira pelo STF

A interpretação conforme à Constituição exige que se tenha prévia compreensão prévia do conteúdo do texto constitucional sendo necessária sua interpretação; tendo essa compreensão prévia, que o intérprete verifique até qual ponto caberá ao legislador a livre concretização dos valores constitucionais expostos por meio de normas jurídicas; que o julgador conheça os seus limites, procurando no texto da norma o sentido compatível com a compreensão verificada da norma constitucional. Em face de sua origem e desenvolvimento nem sempre é a interpretação mais adequada à legislação brasileira, notadamente a nossa Constituição Federal vigente que é explicitamente analítica.

Fonte: Gisele Leite

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O STF tem reconhecido tanto o literal sentido da lei como também a vontade do legislador pátrio tendo apenas como limites o uso da interpretação[1] conforme a Constituição.  Já ocorreu vezes, como no julgamento da Representação 1.417, quando o Plenário optou por não aplicar a técnica, sob pena de atuar como legislador positivo ao ultrapassar o sentido literal do texto normativo e a vontade presumida do legislador pátrio.

Naquele momento, afirmou-se que: "se a única interpretação possível para compatibilizar a norma com a Constituição contrariar o sentido inequívoco que o Legislativo lhe pretendeu dar, não se poderia aplicar o princípio a interpretação conforme a Constituição que implicaria, em verdade, na criação de norma jurídica, o que seria privativo do legislado positivo.

Assim, aquela postura restritiva e cautelosa fora adotada pela Suprema Corte num primeiro momento, quando foi verificada igualmente em outro julgamento da relatoria do Ministro Moreira Alves. E, na ementa da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI-MC) 1.344, consignou-se a impossibilidade, na espécie, de se dar interpretação conforme a Constituição, pois essa técnica somente é utilizável quando a norma impugnada admite, dentre as várias interpretações possíveis, uma que melhor compatibilizar com o texto constitucional vigente, e não quando o sentido da norma é unívoco, como sucede nesse caso. ADI-MC 1.344, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 19.4.1996.

Para chegar a essa conclusão, o Ministro afirmou em seu voto:

          “Em face do que se acentuou na parte inicial desse voto, é relevante a fundamentação jurídica da arguição de inconstitucionalidade desse dispositivo no tocante às gratificações, existentes na data da publicação dessa Lei Complementar estadual, que não têm o caráter de vantagens pessoais, como as gratificações pelo exercício de função gratificada, pelo exercício de cargo em comissão, de produtividade, e de representação.

Tendo em vista, porém, que é inequívoca a mens legis no sentido de que esse preceito visa a alcançar indistintamente  todas as vantagens e gratificações de qualquer natureza que excedam ao teto nele referido, não é possível dar-se-lhe outra interpretação, para reduzir o seu alcance, e, assim, torná-lo conforme à Constituição Federal, porque a técnica da interpretação[2] conforme só é utilizável quando a norma impugnada admite, dentre as várias interpretações possíveis,  uma que a compatibilize com a Carta Magna, e não quando o sentido da norma é unívoco, como sucede no caso presente.”

Com o tempo, essa postura adotada fora, progressivamente, sendo relativizada. Sendo desafiador identificar as razões pelas quais causaram a mudança, porém, observa-se na contemporaneidade que a Suprema Corte em assumido cada vez mais um papel proativo e ativista dentro do cenário político brasileiro.

Verifica-se ainda que na jurisprudência da Suprema Corte as controvérsias surgiram porque os Ministros teriam se afastado da aplicação da interpretação conforme e que foram solucionadas justamente com fulcro nesse mecanismo.

A interpretação conforme à Constituição tem sua origem entre os modernos métodos interpretativos constitucionais desenvolvido pelo Tribunal Alemão do pós-guerra e, os princípios de interpretação constitucional com os quais se relaciona, como o da presunção de constitucionalidade, da rigidez e supremacia constitucional, da segurança jurídica, a compatibilidade vertical das normas, da unidade, da eficiência e da conservação da norma.

Ademais lembremos que a Constituição alemã não é do tipo analítica, ao revés, mostrava-se sintética.

A interpretação constitucional é espécie de interpretação jurídica, porém, a esta não se limita, constituindo-se em uma interpretação autônoma, em face de particularidades de seu objeto, isto é, a Constituição Federal. Com essa interpretação é possível atualizar o texto constitucional e concretizar suas normas além de aprimorar o sistema jurídico. Também envolve a interpretação de normas infraconstitucionais, o que se relaciona com o sistema de controle de constitucionalidade e do exercício da jurisdição constitucional

Tendo surgido após a Segunda Grande Guerra Mundial, na Alemanha com o fito de preservar no sistema jurídico as normas infraconstitucionais que, com o uso de métodos puramente formais, apresentavam-se como inconstitucionais.

O que poderia acarretar uma sua nulidade, e, ipso facto, na sua exclusão do ordenamento jurídico. Dá ensejo ao surgimento de vácuo normativo, isto é, a repristinação de lei antiga que não mais se coaduna com a realidade fática atual, o que traz sensíveis prejuízos para todo o sistema jurídico.

Há cinco formas de interpretação, a saber: a interpretação conforme à Constituição; a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto; a declaração de constitucionalidade da norma em trânsito para a inconstitucionalidade; o apelo ao legislador; e a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade.

Com a aplicação da interpretação conforme à Constituição permite que o intérprete alargue ou restrinja, o sentido da norma jurídica, de forma que a mesma se torne compatível com a Constituição.

E, ainda possibilita a manutenção da lei infraconstitucional no ordenamento jurídico com um sentido que seja compatível com o Texto Constitucional, atendendo, portanto, ao princípio da segurança jurídica, uma vez que evita todos os males advindos do surgimento do vácuo normativo. Assim, tende-se a examinar o conteúdo, a finalidade e os limites referentes ao emprego da interpretação conforme à Constituição dentro do vigente sistema constitucional pátrio.

As modernas formas de interpretação constitucional hodiernamente usadas elos tribunais e cortes constitucionais pelo mundo, também a interpretação conforme à Constituição tem sua origem nas decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional Alemão no exercício do controle de constitucionalidade das leis. E, está relacionada ao vetusto princípio da jurisprudência norte-americana segundo o qual os juízes devem interpretar as leis em harmonia com a Constituição.

Aliás, consigne-se que o sistema constitucional norte-americano influenciou diretamente o sistema alemão do pós-guerra. E, por suas vezes, elaborou um sistema constitucional distinto do primeiro, mas que continha alguns valores essenciais do direito norte-americano.

Assim, a interpretação conforme à Constituição representa uma renúncia ao formalismo jurídico pois é dotada de prodigiosa flexibilidade, além de se fulcrarem-se no princípio da segurança jurídica. O Tribunal Constitucional Alemão fez uso destas técnicas tanto para declarar a consonância da lei com a Constituição, como também para colmatar as lacunas.

Trata-se de técnica que visa integrar a lei à Constituição, conforme o significado já interpretado desta, constituindo-se, assim, uma das consequências da interpretação constitucional.

Observa-se que para se fazer uso de tal técnica é indispensável que a norma quando examinada comporte uma pluralidade de interpretações ou uma miríade de sentidos, devendo-se perquirir quais destes seria constitucional, ou seja, conforme à Constituição e, portanto, compatível com finalidade da norma jurídica

É permitido ao intérprete ampliar ou reduzir o seu sentido. Devendo os sentidos incompatíveis com o texto constitucional, ou que estejam em contrariedade com este, serem imediatamente afastados.

Os sentidos não compatíveis com o Texto Constitucional, ou seja, em contrariedade com este devem ser de pronto afastados. A Corte Constitucional declara a constitucionalidade da lei com aquele sentido conforme à Constituição, afastando, assim, todos aqueles que se encontrem em desconformidade com o seu teor.

Na jurisprudência do Tribunal constitucional Alemão o emprego dessa técnica é acompanhado do uso da expressão “seit”, que significa “desde que”. Isso significa que a lei é constitucional “desde que” interpretada da maneira fixada pelo Tribunal Constitucional.

De acordo com o grande doutrinador José Gomes Canotilho a interpretação conforme à Constituição só é legítima quando a norma comportar espaço de decisão, no qual se admite várias interpretações.

Portanto, a interpretação em comento está relacionada com o controle de constitucionalidade das leis, o que implica no exame de atos normativos infraconstitucionais em face do texto constitucional, para se aferir a sua conformidade com aquele.

Tal técnica busca um sentido da norma que venha ser compatível com a Constituição, e, deve ser usada no controle das constitucionalidades das leis e, a maioria dos doutrinadores já a consideram como sendo autêntica técnica de decisão.

É muito mais que uma simples técnica de decisão, na medida em que se constitui em um verdadeiro método de interpretação. Para Joaquim José Gomes Canotilho ela é um princípio de controle de constitucionalidade que “ganha relevância autónoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentre os vários significados da norma” (CANOTILHO, 1991).

A possibilidade de aferição da constitucionalidade das leis tem, assim, dois pressupostos: a rigidez e a supremacia constitucional.

Desprende-se que a partir da rigidez constitucional advém o princípio da supremacia da Constituição, o que determina a compatibilidade vertical das normas jurídicas. Outro notável doutrinador Jorge Miranda leciona que a interpretação conforme à Constituição não é uma regra de interpretação, mas sim, um método de fiscalização da constitucionalidade das leis. (Miranda, 200, p. 267)

De fato, a interpretação conforme pode ser tanto entendida como método de interpretação como também uma técnica de decisão no controle de constitucionalidade. E, assim, para o seu emprego é necessário que pelo menos uma das normas seja constitucional do contrário, declarar-se-á a inconstitucionalidade da mesma, ou seja, se a norma comportar um único sentido e se for incompatível com a Constituição, deverá tal norma ser declarada inconstitucional e expulsa do ordenamento jurídico.

Assim, se a única interpretação que a norma jurídica admite for constitucional, não se cogita em emprego da interpretação conforme à Constituição, porque a solução pode ser galgada pela simples e mera interpretação da norma, sem necessidade de alargar=se ou restringir o seu sentido.

A interpretação conforme à Constituição só é utilizável naqueles casos em que a inteligência da norma jurídica dá ensejo às dúvidas. Do contrário entende Celso Bastos a interpretação conforme à Constituição seria absorvida pelo princípio da supremacia constitucional

A natureza da Constituição como lei fundamental, superior a todos os demais atos normativos, impõe a necessidade de se interpretar o conjunto desses atos em conformidade com as normas constitucionais. Isso decorre do fato de a mesma constituir-se no fundamento de validade de todo a ordem jurídica, garantindo a sua unidade através da ordenação de um conjunto de valores materiais que o informam. 

Francisco Fernandez Segado, ao tratar da interpretação conforme à Constituição, ressalta que a interpretação das normas deve ser feita conforme o Texto Constitucional e no sentido mais favorável para a efetividade dos direitos fundamentais que é a manifestação primária dessa ordem axiológica sobre a qual deve descansar todo o conjunto do ordenamento (SEGADO, 1992).

Convém ressaltar que Willis Santiago Guerra Filho trata da interpretação conforme à Constituição como um princípio de interpretação constitucional, na medida em que qualquer intérprete deve interpretar a lei em conformidade com o Texto Constitucional (GUERRA FILHO, 2001).

Em síntese, não se pode atribuir à norma um significado que seja contrário ao Texto Constitucional.

Dentro das várias interpretações comportadas pela norma jurídica, uma que seja compatível com a Constituição, de maneira que o texto da lei permanece intacto. Neste aspecto, Joaquim José Gomes Canotilho faz alusão ao princípio da exclusão da interpretação conforme à Constituição contra legem, que impõe ao aplicador de uma norma o dever de não contrariar a letra e o sentido dessa norma através de uma interpretação conforme à Constituição, mesmo que através desta interpretação consiga uma concordância entre a norma infraconstitucional e as normas constitucionais (CANOTILHO, 1991, pp.235-236).

Deste modo, se o sentido da lei parecer duvidoso, e se ela comportar várias interpretações e uma delas for constitucional, deve-se fazer uso dessa interpretação em nome do princípio da presunção de constitucionalidade das leis. Há que se levar em conta que a função do legislador é a de produzir normas válidas e conformes a Constituição (TEIXEIRA, 1991). Não se pode partir do pressuposto que o intuito do legislador é o de elaborar uma lei que viole o teor da Constituição. Isso seria uma teratologia.

O princípio da maximização da eficácia dos atos normativos, também impõe a aplicação da interpretação conforme à Constituição, toda vez que a norma comporte uma interpretação em consonância com a Lei Maior. Deve-se, igualmente, evitar a declaração de inconstitucionalidade da norma.

A maximização da validade da norma implica tanto no alargamento como na restrição do sentido da norma, para que esta se torne compatível com a Lei Maior, preservando-se assim a norma dentro no ordenamento jurídico.

A interpretação conforme à Constituição tem aplicação no sistema jurídico brasileiro. Todavia, sofre algumas alterações em relação ao sistema adotado pelo Tribunal Constitucional alemão. A primeira delas concerne à propositura, perante o Supremo Tribunal Federal, de ação direta de inconstitucionalidade, prevista no art. 102, I, “a” da Carta Magna, tendo em vista uma lei que comporta a interpretação conforme à Constituição. 

Nessa hipótese, a Corte Suprema decidirá pela improcedência da ação, pois a norma é constitucional desde que interpretada com o sentido por ela determinado. No sistema jurídico brasileiro, a interpretação conforme à Constituição resulta sempre da declaração de constitucionalidade da lei (MENDES, 1998).

Entretanto, na Alemanha, a interpretação conforme à Constituição leva a procedência parcial da ação de inconstitucionalidade, pois se declara a inconstitucionalidade de qualquer interpretação contrária a conferida pelo Tribunal Constitucional. 

A segunda distinção decorre do fato de nas decisões proferidas pela Corte Constitucional Alemã a parte dispositiva da decisão, é dizer, os fundamentos do acórdão são determinantes na decisão proferida. Já no Brasil, isso não ocorre, pois a decisão sobre a inconstitucionalidade da lei faz coisa julgada e os fundamentos do acórdão servem apenas como um aviso para evitar-se a aplicação da norma com um sentido inconstitucional.

Em sede de interpretação conforme à Constituição, a Corte Constitucional declara a constitucionalidade da lei atuando, deste modo, como legislador negativo na medida em que elimina a utilização das demais interpretações possíveis da norma incompatíveis com o Texto Constitucional. 

Os efeitos da aplicação da interpretação conforme à Constituição no sistema de controle de constitucionalidade pátrio dão ensejo a algumas discussões. Isso em virtude de os fundamentos da decisão não vincularem os juízes e tribunais inferiores que poderiam continuar aplicando a norma objeto de ação direta de inconstitucionalidade com os sentidos tidos por inconstitucionais. Já em se tratando da propositura de uma ação declaratória de constitucionalidade, prevista no art. 103, da Constituição da República, dar-se-á pela procedência da mesma.

Esta decisão, por sua vez, tem eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo. com o advento da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1.999, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. 

Em seu art.28, parágrafo único, ficou estabelecido, in verbis: “A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal”.   Portanto, o emprego destas duas técnicas de decisão passou a ter efeito vinculante, o que implica no fato de que todos os tribunais, bem como à Administração dos entes da Federação estão obrigados a respeitá-la.  Esta inserção na lei trouxe, fora de dúvida, muito mais segurança, posto que agora a interpretação conforme à Constituição dada pelo Supremo Tribunal Federal em obiter dictum passa a igualmente integrar o decisum, conferindo previsibilidade às futuras controvérsias atinentes à mesma matéria.

Escreve Elival da Silva Ramos, com base nas lições de Vezio Crisafulli: “Por sinal, ‘habitualmente, a interpretação verdadeira e não inconstitucional vem precisada na motivação da sentença, a qual o dispositivo faz sempre alusão com a dicção nos sentidos e nos limites da motivação ou no sentido da motivação’.

Já as segundas (sentenças interpretativas de acolhimento) importam na anulação, com eficácia erga omnes, “daquela específica norma inferior da fórmula legislativa, julgada pela Corte constitucionalmente ilegítima”. Como as sentenças de rejeição não produzem os mesmos efeitos, muitas vezes opta o Tribunal Constitucional por acolher a arguição [sic] para poder extirpar do sistema jurídico uma determina interpretação de norma legislativa contrária à Constituição, preservando o texto-base no que toca ao conteúdo normativo compatível com esta” (RAMOS, 1994).

A interpretação conforme à Constituição, como todas as demais modernas formas de interpretação, encontra os seus limites na expressão literal da lei e na vontade do legislador (MENDES, 1998).

Noutros termos, não é permitido o emprego desta técnica, se como resultado desta interpretação o texto da norma seja completamente alterado ou a vontade do legislador violada. Ao assim proceder-se se está, na realidade, criando uma nova norma jurídica.

No Brasil, no controle de constitucionalidade das leis, o Poder Judiciário atua como legislador negativo, sendo-lhe vedado atuar como legislador positivo, pois se assim o fizer estará levando a efeito uma violação ao princípio da separação dos poderes.

Ademais, cabe ao Poder Legislativo a função precípua de legislar. Isto está a significar que não pode o Poder Judiciário atuar como legislador positivo. Incumbe sim ao Poder Judiciário afastar do ordenamento jurídico as normas que contrariam o Texto Constitucional.

Não é admissível que o órgão jurisdicional leve a efeito qualquer espécie de alteração no conteúdo normativo da lei, modificando a sua finalidade de maneira a criar uma nova lei. A elaboração de leis é tarefa precípua do Poder Legislativo e não do Poder Judiciário.

Jorge Miranda defende a posição de que a interpretação conforme à Constituição implica em uma posição ativa e quase criadora do controle de constitucionalidade e ainda de relativa autonomia das entidades que a promovem em relação aos órgãos legislativos.

Assevera Elival da Silva Ramos que: “é evidente que há limites para a utilização do princípio da interpretação pró-constitucionalidade, porquanto não se admite o desvirtuamento semântico do texto legal.

Assim ‘quando a mens legis é clara e, na sua eloquência [sic], colida com a lei suprema, não é lícito aos tribunais recorrer a uma interpretação forçada ou arbitrária para tornar a lei válida” (RAMOS, 1994).

Ainda  afirmou Zeno Veloso que: “Doutrina e Jurisprudência ressaltam, conforme mostramos que esta técnica de controle de constitucionalidade ‘deve ser utilizada sem expansões e excessos, não podendo o Judiciário, com o propósito de salvar a lei, transbordar dos limites do razoável, oferecendo uma interpretação exótica, fingida, que signifique uma inovação, uma alteração ou reforma da lei, dando-se, afinal, um sentido contrário ao determinado na expressão literal do preceito, falseando ou contrariando os inequívocos objetivos do legislador” (VELOSO, 1999).

Deve considerar ainda como limite a interpretação conforme à Constituição, a natureza jurídica, ou melhor dizendo, o caráter do ato normativo a ser objeto de interpretação.

Assim é que em se tratando da interpretação conforme à Constituição de uma Emenda Constitucional, tem-se que levar em conta que não se trata de uma atividade legislativa que tenha por finalidade concretizar a Constituição. 

Em muitos casos, ainda que a mesma pretenda alterar um único dispositivo constitucional, essa alteração pode implicar em uma mudança do próprio sentido do Texto Constitucional. Esta situação encontrará o seu limite nas cláusulas pétreas.

Em resumo, a sua constitucionalidade deve ser aferida com fundamentos nos princípios presentes nas cláusulas pétreas, para que só depois de verificada a sua consonância com as mesmas, possa a Emenda à Constituição ter eficácia sobre todo o Texto Constitucional (MENDES, 1998).

Portanto, é vedado ao Poder Judiciário conferir à lei um significado que viole o sentido objetivo de sua finalidade e que não decorra de sua interpretação. É dizer, não é permitido ao Poder Judiciário conferir uma interpretação à norma jurídica que seja contra legem.

Adverte-se também que a interpretação conforme à Constituição de toda e qualquer regra do ordenamento tem uma correlação lógica com a proibição, que deve se considerar implícita, de qualquer construção interpretativa ou dogmática que implique em um resultado direta ou indiretamente contraditório com os valores constitucionais.

Afirma Eduardo García de Enterría que: “As normas constitucionais são, pois, “normas dominantes” frente a todas na concreção do sentido geral do ordenamento”.

Já o Ministro Luís Roberto Barroso, neste mesmo passo, explica que: “Para salvar a lei, não é admissível fazer uma interpretação contra legem. Tampouco será legítima uma linha de entendimento que prive o preceito legal de qualquer função útil. Atente-se, por relevante, que o excesso na utilização do princípio pode deturpar sua razão de existir. Isso porque, ao declarar uma lei inconstitucional, o Judiciário devolve ao Legislativo a competência para reger a matéria. Mas ao interpretar a lei estendendo-a ou restringindo-a além do razoável, estará mais intensamente interferindo nas competências do Legislativo, desempenhando função legislativa positiva” (BARROSO, 1996).

Na hipótese de se obter um resultado interpretativo de uma norma jurídica inequivocamente em contradição com a lei constitucional, deve-se rejeitá-la, por inconstitucionalidade, ficando proibida a correção, pelos tribunais dessa norma tida como inequivocamente inconstitucional.

De igual modo deve-se afastar a aplicação da interpretação conforme à Constituição quando em lugar do resultado desejado pelo legislador, se obtém uma regulação nova e distinta (CANOTILHO, 1991).

A interpretação conforme à Constituição, como visto, constitui-se em uma técnica interpretativa decorrente do princípio da presunção da constitucionalidade das leis, criada pelo Tribunal Constitucional da Alemanha (BONAVIDES, 2000).

A polissemia inerente à linguagem reflete-se no mundo do Direito quando um preceito normativo possa ter mais de um resultado exegético possível – caso isto ocorra, o sujeito cognoscente deve escolher, dentre as possibilidades verificadas, qual interpretação melhor se amolde à Constituição, ou seja, ao complexo normativo constitucional, incluídos seus princípios e seu espírito imanente, excluindo-se as demais da possibilidade de aplicação.

A interpretação conforme à Constituição guarda semelhança com a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, entretanto, dela difere porque aqui a Corte Constitucional determina que, dentre as diversas hipóteses de sentido abarcadas pela norma, a única constitucional é aquela conferida pelo tribunal,  há, portanto, grande restrição ao âmbito interpretativo, posto que ocorra a fixação de um sentido único para que se possa admitir a norma como constitucional (ainda que, como já se disse, possa ele ser alterado pelo próprio tribunal posteriormente, dada à plurivocidade das locuções constitucionais).

Na declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, o pretório excelso, verificando as possibilidades interpretativas trazidas pela norma impugnada, determinará qual (ou quais) será inconstitucional, deixando caminho aberto para outras interpretações, sem fadá-las à inconstitucionalidade, como ocorre naquela outra técnica. 

A interpretação conforme à Constituição pode ser instrumento de grande valia para os casos de impugnação de normas pré-constitucionais – uma norma pode ser considerada recepcionada pela nova ordem vigente se, e somente se, for tomada pelo prisma significativo que o Tribunal entenda ser a ela conforme.

O Supremo Tribunal Federal no exercício da jurisdição constitucional também tem empregado a interpretação conforme à Constituição, como um método de interpretação que possibilita a manutenção do ato normativo atacado de inconstitucionalidade no ordenamento jurídico com uma interpretação fixada pela Corte e que se mostra plenamente compatível com o texto da Constituição. 

Nesse vetor semântico, o emprego desse método de interpretação é perfeitamente compatível com o nosso sistema constitucional na medida em que se fundamenta no princípio da supremacia da Constituição, da unidade e da presunção de constitucionalidade das leis.

O emprego desse método evita os efeitos danosos da declaração de inconstitucionalidade, como o surgimento do vazio normativo e a repristinação de uma lei anterior que não se mostra mais apta para regular a situação na atualidade. 

O emprego da interpretação conforme à Constituição tem evitado eficazmente os efeitos danosos da declaração de inconstitucionalidade do ato normativo para o sistema jurídico e preservado o princípio da segurança. 

A missão da interpretação conforme à Constituição é o de manter o ato normativo infraconstitucional no ordenamento jurídico com a interpretação que o coadune com o Texto Constitucional.

Não se deve declarar a inconstitucionalidade de um ato normativo, sem antes esgotar todas as possibilidades de sentido que a norma comporta, é dizer, todos os meios capazes de mantê-la no ordenamento jurídico. A declaração de nulidade da lei só deve ser feita em casos de patente e manifesta inconstitucionalidade.

Portanto, o emprego destas duas técnicas de decisão passou a ter efeito vinculante, o que implica no fato de que todos os tribunais, bem como à Administração dos entes da Federação estão obrigados a respeitá-la.

O guardião da Constituição deve mesmo zelar por supremacia e incidência em toda infraconstitucionalidade, por isso, a interpretação conforme a Constituição pode ser a ultima ratio para preservar a unidade do ordenamento jurídico pátrio.

Referências

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 1996.

BASTOS, Celso Ribeiro.  Hermenêutica e interpretação constitucional. 2ª.ed.  São Paulo: Celso Bastos Editor / Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª.ed.  São Paulo: Malheiros, 2000.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5ª.ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1991.

COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais.  Brasília: Brasília Jurídica, 2002.

ECO, Humberto. Interpretação e Superinterpretação. (Trad., MF) São Paulo: Martins Fontes, 1993.

ENTERRÍA, Eduardo Garcia. La Constitucion como norma y el tribunal constitucional. 3ª.ed. Madrid: Editorial Civitas, 1985. 

FRANÇA, R. Limongi. Hermenêutica jurídica. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais.  2ed.  São Paulo: Celso Bastos Editor / Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 2001.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica E Aplicação Do Direito. 19ª ed.  Rio de Janeiro: Forense, 2002.

MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional.  São Paulo: Saraiva, 1998;

MIRANDA, Jorge.   Manual de Direito Constitucional. t. II.  4ª.ed.  Coimbra: Coimbra Editora, 2000

RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das leis: vício e sanção.  São Paulo: Saraiva, 1994.

SEGADO, Francisco Fernández. El sistema constitucional español.  Madrid: Dykinson, 1992.

VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade.  Belém: Cejup, 1999.

Notas:


[1] A interpretação, quanto à origem, pode ser autêntica, jurídica e doutrinal. Quanto aos meios, elementos, métodos ou processos, há divergências, a maioria falando em interpretação gramatical, lógica, sistemática e histórica; alguns, acrescentando a interpretação teleológica e suprimindo a interpretação histórica. Pode-se concluir que interpretar conteúdo jurídico é fazer uma profunda análise seja do texto legal ou decisões, de modo que possa compreender o seu significado ou o seu preciso sentido. É com o olhar da hermenêutica que deve-se utilizar para interpretar tais escritos, de modo a obter o pensamento e o sentido que o legislador quis dar. Nela estão encerradas todas as regras e os princípios que devem ser juridicamente utilizados para a interpretação dos textos legais. É, portanto uma teoria da interpretação.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Interpretação Constituição Federal de 1988 Pacote Anticrime Controle de Constitucionalidade

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