O inexistente Poder Moderador
Ao se manifestar contra a tese do poder moderador, o Ministro Gilmar Mendes disse que a Corte está "reafirmando o que deveria ser óbvio". "A hermenêutica da baioneta não cabe na Constituição. A sociedade brasileira nada tem a ganhar com a politização dos quartéis e tampouco a Constituição de 1988 o admite", afirmou. Também acompanharam o relator os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, André Mendonça e Gilmar Mendes. Nos derradeiros anos, especialmente durante anterior governo da República, o Artigo 142 da Constituição foi mencionado como justificativa para uma eventual interferência das Forças Armadas sobre as instituições democráticas
A maioria do STF afirma que as
Forças Armadas não são poder moderador. E, não existe no texto constitucional
qual trecho que autorize a referida interpretação, que credencie os militares
se intrometerem no funcionamento dos três Poderes do Estado brasileiro.
Na ADI 6.457, o PDT contestou
a interpretação de que as Forças Armadas podem atuar como poder moderador entre
o Executivo, o Legislativo e o Judiciário intervindo nesses poderes da
república. Tendo prevalecido o voto do Ministro relator Luiz Fux tendo sido
acompanhado pelos Ministros Luís Roberto Barroso, Flávio Dino, Luis Edson
Fachin, Nunes Marques e Gilmar Mendes.
PDT requereu que o Guardião da Constituição
limite o uso das Forças Armadas, nas destinações previstas no artigo 142 do
texto constitucional brasileiro vigente, aos casos de intervenção federal,
Estado de defesa e Estado de sítio.
Tais representam medidas
extraordinárias previstas constitucionalmente, buscando o restabelecimento e a
garantia da continuidade da normalidade constitucional ameaçada. Dessa forma,
esses instrumentos são estados de exceção, que devem ocorrer apenas quando
estritamente necessários e por um prazo temporal determinado, sob o risco de
darem espaço a impulsos autoritários.
É indispensável ressaltar a relevância do
respeito aos princípios da necessidade e o da temporariedade. Pois a violação
desses princípios, daria espaço as arbitrariedades, golpes de Estado e, até
mesmo a imposição de ditadura.
Em face disso existem estreitas hipóteses previstas taxativamente no texto constitucional vigente, e representam as únicas situações em que tais mecanismos poderão ser acionados.
O Estado de Defesa ou Sítio ou
Intervenção Federal[1]
são modalidades de Estado de Exceção, representa também uma circunstância
impeditiva de reformas constitucionais.
Em verdade, o Estado de Defesa
e o Estado de Sítio guardam certas similaridades pois permite certa confusão
entre os dois instrumentos. Realmente, o texto constitucional vigente possui um
título todo destinado a prover a Defesa do Estado e das Instituições
Democráticas (Título V, artigos 136 a 144), cujo primeiro dos três capítulos
são destinados aos Estado de Defesa e o Estado de Sítio.
Frise-se, novamente, que tais
instrumentos são previstos para corrigir eventuais anormalidades o que compõe
na dicção de Pedro Lenza o chamado Sistema Constitucional de Crises.
O Estado de Defesa[2] previsto no artigo 136 CF/1988
visa preservar ou prontamente restabelecer a ordem pública ou paz social, e há
duas hipóteses, a saber: 1. Grave e iminente instabilidade institucional; 2.
Calamidades de grandes proporções na natureza.
Há uma nítida delimitação das
situações em que o Estado de Defesa poderá ser acionado, devendo ser duas
restrições explícitas, e o Estado de Defesa ocorre em locais restritos e
determinados, o que antes, de sua decretação requer que haja oitiva do Conselho
da República e o Conselho de Defesa Nacional. Apesar de serem órgãos meramente
consultivos, não estando o Presidente da República obrigada a seguir e adotar
seus respectivos pareceres.
O Estado de Defesa poderá ser
acionado, por exemplo, em caso de rebeliões populares, ou ainda, perante um
desastre natural de grandes proporções que chegue ameaçar a ordem pública ou a
paz social. No caso do desastre da mineradora Samarco em Mariana (MG), caso a
Presidência da República considerasse haver a referida ameaça poderia ter feito
uso desse mecanismo (o que não aconteceu).
Ressalte-se igualmente que o
Estado de Defesa tem um prazo máximo de trinta dias, prorrogável apenas uma
única vez, por igual período. A limitação merece atenção, pois a persistência
da situação de crise mesmo após a prorrogação de prazo poderá possibilitar a
decretação do Estado de sítio.
Quanto aos procedimentos,
sublinhe-se que a decretação do Estado de Defesa é da competência do Presidente
da República por meio de Decreto Presidencial e que deverá prever:
O prazo de duração (garantindo
sua temporariedade); A área abrangida (obrigatoriamente um local restrito e
determinado); as medidas coercitivas adotadas (que analisaremos a seguir).
Uma vez emitido o Decreto
Presidencial, o Presidente deve enviar o ato, juntamente com suas justificativas,
ao Congresso Nacional, no prazo de vinte e quatro horas. Caso o Congresso
esteja em recesso, será convocado em um prazo de cinco dias, tendo um prazo de dez
dias para analisar a decisão presidencial.
Cumpre ainda esclarecer que há
duas possibilidades, a saber: de o Congresso Nacional rejeitar a decisão,
quando o Estado de Defesa será imediatamente interrompido, no caso de a
aprovação, obtida somente por maioria absoluta, deverá permanecer em
funcionamento até que se encerre o prazo fatal do Estado de Exceção.
Durante o Estado de Defesa o
Estado está autorizado adotar medidas coercitivas e até violentas, que em
situações de normalidade violariam os direitos do cidadão. E, tais medidas
somente devem ser adotadas quando necessárias para resolver aquela situação específica
e que estão explicitamente previstas constitucionalmente.
O Presidente da República não
poderá adotar qualquer medida não prevista no artigo 136 CF/1988 ou ainda que
não seja necessária para a solução da crise.
Assim, o Decreto Presidencial
pode prever a aplicação de uma ou mais das medidas abaixo: Restrições ao Sigilo
de Correspondência; Restrições ao Sigilo de Comunicação Telegráfica e
Telefônica; Ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese
de calamidade pública (nesse caso, a União deverá responder pelos danos e
custos decorrentes); Restrições aos Direitos de Reunião, mesmo que ocorridas no
seio de associações legítimas.
Durante a vigência do Estado de Defesa, por
uma rebelião que representasse grave e iminente instabilidade institucional, o
Governo poderia violar a correspondência de indivíduos que, justificadamente,
representassem ameaça à ordem pública ou à paz social.
Há, ainda, uma exceção ao art.
5º, inciso LXI da Constituição Federal, que prevê que, em regra, ninguém pode
ser preso, exceto em flagrante delito ou por ordem judicial.
Durante o Estado de Defesa,
havendo Crime contra o Estado, a prisão poderá ser determinada pelo executor da
medida, desde que informado à autoridade judicial competente para ratificação, sendo
proibida a incomunicabilidade do preso.
O Estado de Sítio é previsto
no artigo 137 CF/1988 e poderá ser acionado em três hipóteses, com aplicações
diferentes, a saber: Comoção grave de repercussão nacional (inciso I, primeira
parte); Fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o Estado de
Defesa (inciso I, parte final); Declaração de estado de guerra ou resposta a
agressão armada estrangeira (inciso II).
Da
mesma forma, novamente, para que no Estado de Defesa, o Estado de Sítio seja
decretado pelo Presidente da República, deverá
após ouvir os Conselhos da República e o Conselho da Defesa.
Outra
similaridade diz respeito à necessidade de relatar suas justificativas ao
Congresso Nacional, que deve decidir por maioria absoluta. Entretanto, uma
diferença significativa reside no fato de que, no Estado de Sítio, a
Constituição menciona a necessidade de autorização do Congresso.
Dessa forma, o Congresso é
consultado antes da decretação do Estado de Sítio, podendo impedir sua entrada
em vigor.
Há uma diferença percebida que
não menciona a necessidade de incidir sobre locais restritos e determinados.
Por abranger situações de repercussão ancional, tal restrição não faria o menor
sentido.
Na história do Brasil, cumpre
assinalar que a Presidência de Arthur Bernardes (1922-1926) se deu quase que
inteiramente sob a vigência do Estado de Sítio que fora renovado sucessivamente, o que demonstra que o Estado
de Sítio não representa uma inovação trazida pela Constituição Federal
brasileira vigente[3].
Com relação aos prazos, há
distinções para a decretação do Estado de Sítio. Pois quando a motivação para
sua decretação for comoção de grave repercussão nacional ou a existência de
fatos comprovadores da ineficácia de medida tomada durante o Estado de Defesa,
o prazo inicial é não mais de trinta dias, similar ao previsto para o Estado de
Defesa.
Mas, neste caso, inexiste o
limite para a quantidade de prorrogações, que deverão ser feitas por igual
prazo, até final normalização da situação nacional.
No caso do inciso II, em que
exista o estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira, o Estado
de Sítio poderá perdurar enquanto a guerra ou agressão perdurarem.
E, considerando não ser
possível prever a duração do conflito, o Decreto Presidencial não precisará
aludir ao prazo. O Estado de Sítio continua sendo temporário e tendo seu prazo
determinado, ainda que permaneça impreciso.
Para o Estado de Sítio,
diferentemente com que ocorre no Estado de Defesa, o Congresso Nacional precisa
ser consultado previamente. E, mesmo no caso de recesso este será convocado em
um prazo de cinco dias. Restam, ainda, duas possibilidades: uma do Congresso
Nacional rejeitar a decisão, então o Estado de Sítio não entrará em vigor, e em
caso de aprovação, por maioria absoluta, deverá permanecer em funcionamento até
que finde o Estado de Exceção.
Outra diferença existente
entre o Estado de Defesa e o Estado de Sítio. Pois na hipótese do inciso I, do
artigo 137 CF/1988, sete medidas poderão ser adotadas contra a população, mesmo
que não previstas.
São possíveis as seguintes
medidas: A obrigação de permanência em localidade determinada; A detenção em
edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns; Restrições
relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à
prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão,
na forma da lei; A suspensão da liberdade de reunião; A busca e apreensão em
domicílio; A intervenção nas empresas de serviços públicos e a requisição de
bens.
Na hipótese do inciso II, são
possíveis as suspensões de quaisquer garantias constitucionais, desde que
devidamente previstas no Decreto Presidencial, justificadas pelo Presidente da
República e autorizadas pelo Congresso Nacional.
Cumpre alertar que uma vez encerrado o Estado de Defesa ou o
Estado de Sítio, o Presidente relatará ao Congresso as providências adotadas,
com relação nominal dos atingidos e das medidas utilizadas. Comprovada a
ilegalidade em alguma das restrições adotadas, o Presidente poderá ser acionado
por Crime de Responsabilidade.
O artigo 142 da CF/1988
estabelece como funções das Forças Armadas a defesa da pátria, a garantia dos
poderes constitucionais e, ainda, a garantia da lei e da ordem (GLO[4]), por iniciativa de
qualquer um dos poderes.
O PDT ainda questionou os
dispositivos da Lei Complementar 97/1999 que regulamenta o uso das Forças
Armadas, sendo que no seu artigo primeiro define que como “instituições nacionais permanentes e
regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade
suprema do presidente da República”.
O pedido do PDT é para que
seja fixado que a autoridade suprema do Presidente da República se restrinja às
suas competências constitucionais, a saber: exercer a direção superior das
Forças Armadas; emitir decretos e regulamentos; definir regras sobre sua
organização e funcionamento; extinguir funções ou cargos ou provê-los; nomear
seus comandantes; promover seus oficiais-generais; e nomeá-los para cargos
privativos.
Também foram apontados pelo
PDT trechos do artigo 15 da referida lei complementar, que atribui ao
presidente da República a responsabilidade pelo uso das Forças Armadas nas suas
funções constitucionais e traz regras para a atuação na GLO.
Portanto, o PDT requereu a
restrição do emprego das Forças Armadas em suas três funções, seja na defesa da
pátria, onde requereu-se a limitação às situações de intervenção para repelir
invasão estrangeira e de Estado de Sítio para guerra ou resposta a agressão
estrangeira.
E, na garantia dos poderes
constitucionais, sugeriu-se que a limitação nos casos de intervenção, para
garantir o livre exercício de qualquer dos poderes nas unidades da Federação e
de Estado de Defesa para preservar ou prontamente restabelecer a ordem pública
ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional.
Quanto à GLO, rogou-se pela
limitação para abarcar as situações extraordinárias de defesa da autonomia
federativa, do Estado e das instituições democráticas bem como as hipóteses de
intervenção federal, Estado de Defesa e Estado de Sítio, sem a possibilidade de
aplicação as atividades ordinárias de segurança pública.
Enfim, o PDT alegou a
inconstitucionalidade do primeiro parágrafo do artigo 15 da Lei Complementar
que atribui ao Presidente da República a competência para decidir a respeito do
emprego das Forças Armadas — seja por iniciativa própria, seja em atendimento a
pedido dos outros poderes. O argumento da agremiação é que não há hierarquia
entre os poderes.
A tese de que os militares
podem ser empregados para moderar conflitos entre os poderes e conter um poder
que esteja extrapolando as suas funções é notoriamente defendida pelo advogado
e professor Ives Gandra da Silva Martins
No voto do Ministro Fux
reprisou-se os argumentos usados na sua decisão liminar de 2020 quando concedeu
parcialmente os pedidos feitos pelo PDT e deu interpretação conforme a
Constituição aos dispositivos trazidos pelo PDT.
O ministro estabeleceu quatro
pontos sobre o assunto:
1 — A missão institucional das
Forças Armadas não envolve o exercício de um poder moderador entre o Executivo,
o Legislativo e o Judiciário;
2 — Não é possível qualquer
interpretação que permita o uso das Forças Armadas para “indevidas intromissões”
no funcionamento dos outros poderes;
3 — A prerrogativa do
presidente da República de autorizar o emprego das Forças Armadas “não pode ser
exercida contra os próprios poderes entre si”;
4 — O uso das Forças Armadas
para a GLO não se limita às hipóteses de intervenção federal, estado de defesa
e estado de sítio, mas é voltado ao “excepcional enfrentamento de grave e
concreta violação à segurança pública interna” e deve ser aplicado “em caráter
subsidiário, após o esgotamento dos mecanismos ordinários e preferenciais de
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”,
por meio da atuação colaborativa entre as instituições estatais e sujeita ao
controle permanente dos demais poderes.
Esclareceu o Ministro Fux que
a garantia dos poderes constitucionais, prevista no artigo 142 CF/1988 não
comporta qualquer interpretação que admita o emprego das Forças Armadas para a
defesa de um poder contra o outro.
E, segundo o Ministro Fux, a
atuação dos militares é atinente à proteção de todos os poderes, contra as
ameaças alheias. Isto é, é uma forma de defesa das instituições democráticas
contra as ameaças de golpe, sublevação armada ou movimentos desse tipo.
O Ministro relator do STF
rejeitou a interpretação de que a atribuição de garantia dos poderes
constitucionais permite a intervenção das Forças Armadas nos demais poderes ou
na relação entre uns e outros. Pois isso, violaria a separação de poderes.
Advertiu o Ministro Fux que a
tese de o poder moderador das Forças Armadas pressupõe que elas têm
neutralidade, autonomia administrativa e distanciamento dos três poderes. Na
verdade, a própria Constituição define o presidente da República como o
“comandante supremo” das Forças Armadas.
Ou seja, considerá-las um
poder moderador[5]
seria o mesmo que reconhecer o Executivo como um superpoder, acima dos demais.
Essa interpretação está “dissociada de todos os princípios constitucionais
estruturantes da ordem democrática brasileira”.
Aliás, a previsão
constitucional de medidas excepcionais que podem ser aplicadas para soluções de
crise e não se observa dentro do texto vigente qualquer espaço favorável à tese
de intervenção militar nem tampouco a atuação moderadora das Forças Armadas.
Mesmo com a autoridade suprema
do Presidente da República, o mesmo Ministro ainda destacou que isso está
referente à hierarquia e à disciplina da conduta militar. E, tal autoridade não
poderá superar a superação e a harmonia entre os poderes.
Não viu o Relator razão para
limitar o exercício das missões constitucionais das Forças Armadas nos casos de
Intervenção Federal, Estado de Defesa e Estado de Sítio. E, caso aceitasse o
pedido do PDT, o STF teria feito um recorte interpretativo que o próprio texto
constitucional não efetuou.
A Constituição prevê as
medidas excepcionais que podem ser aplicadas para soluções de crises. Segundo
ele, “não se observa no arcabouço constitucionalmente previsto qualquer espaço
à tese de intervenção militar, tampouco de atuação moderadora das Forças
Armadas”.
Com relação à restrição do
espectro da defesa da pátria aos casos elencados pelo PDT, esvaziaria em muito
a previsão constitucional do artigo 142 e ainda reduziria a eficácia dos
dispositivos constitucionais que tratam da atuação internacional brasileira.
Assim, o Relator entendeu que
tais limitações impediriam a atuação de militares em outras missões relevantes
para o interesse nacional.
E, recordou que, dentro do
conceito de defesa da pátria, existe diversas possibilidades de uso das Forças
Armadas para a proteção das faixas de fronteiras e dos espaços aéreos e
marítimos, mesmo em períodos de paz. As
missões de controle do fluxo de migração na fronteira com a Venezuela são
exemplos disso.
Assim, de qualquer forma, o
ministro considerou relevante sublinhar que o emprego das Forças Armadas fora
das hipóteses de intervenção federal, Estado de Defesa e o Estado de Sítio deve
estar inscrito em limites constitucionais e legais que não podem ser
desconsiderados.
Recorde-se que tanto em
contexto de normalidade como em situações de guerra e defesa da soberania, o
Presidente da República não tem poderes absolutos sobre as Forças Armadas,
explicou o Ministro Relator.
O Presidente da República e
sua autoridade suprema se submete a “mecanismos de controle explicitamente
delineados no texto constitucional”. Por exemplo, só pode declarar guerra ou
celebrar a paz com autorização prévia do Congresso. Ou seja, os outros poderes
não são submissos ao Executivo.
O relator também não viu
inconstitucionalidade no dispositivo que atribui ao presidente a competência
para decidir a respeito do emprego das Forças Armadas.
Para ele, não há “razão
jurídica” para reduzir essa prerrogativa, uma vez fixado que o líder do
Executivo “exerce o poder de supervisão administrativo-orçamentária desse ramo
estatal” e que ele e os chefes dos outros poderes não podem usar as Forças
Armadas “para o exercício de tarefas não expressamente previstas na
Constituição”.
Ao aceitar o pedido do PDT
significaria admitir que o Chefe de qualquer poder tem ascensão e hierarquia
sobre as Forças Armadas, o que não se coaduna com a disciplina positivada
constitucionalmente.
O Ministro Flávio Dino
concordou com as conclusões de Fux, mas acrescentou a determinação para que o
acórdão do STF seja enviado ao Ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, para
ser difundido a todas as organizações militares, incluindo escolas de formação
e aperfeiçoamento.
Segundo o Ministro Dino, a
finalidade dessa medida é eliminar as desinformações que alcançaram alguns
membros das Forças Armadas, com escassos efeitos práticos, mas merecedores de
grande atenção pelo elevado potencial prejudicial à pátria.
Também o Ministro Gilmar
Mendes, entendeu que a íntegra do acórdão deverá ser enviado ao Ministro da
Defesa, para que seja efetivada a sua devida divulgação para todas as
organizações militares.
Aliás, em seu voto, o Ministro
Gilmar Mendes afirmou que não existe na Constituição previsão que autorize a
interpretação de que as Forças Armadas poderiam intervir no Executivo,
Legislativo e Judiciário.
O texto do artigo 142 CF/1988
não impõe ao intérprete nenhuma espécie de dificuldade hermenêutica. E, a
famélica hermenêutica da baioneta não caberá na Constituição. Pois a sociedade brasileira nada tem a ganhar
com a politização dos quartéis e tampouco a CF/1988 a admite, afirmou o
Ministro decano do STF.
De acordo ainda com o decano
do STF, a função institucional das Forças Armadas não acomoda o exercício de
poder moderador, nem admite qualquer interpretação que admita indevida
intromissão de militares nos poderes.
E, concluiu que a exagerada
utilização de missões de garantia de lei e da ordem[6] deu às Forças Armadas, o
protagonismo político, que serviu de base para a despropositada construção
teórica de que a Constituição brasileira autorizaria que os militares atuassem
como poder moderador.
A tentativa abjeta e infame de
invasão das sedes dos três poderes de oito de janeiro de 2023, não será
devidamente compreendida se dissociada desse processo de retomada do
protagonismo político das altas cúpulas militares, prosseguiu o Ministro.
O Ministro Gilmar Mendes,
ainda afirmou, de passagem que ainda hoje tem sido objeto de comemorações por
parte de grupos e indivíduos que insistem em fazer tábula rasa de nossa
história constitucional, como se o regime ditatorial instaurado em 1964 por
obra das Forças Armadas representasse algo ser celebrado ou como se a ordem
democrática instituída em 1988 justamente em contraposição a este estado
autocrático de coisas devesse conviver com o enaltecimento de golpes militares
e iniciativas de subversão ilegítima da ordem.
Em tempos recentes, aliás,
celebrações desse gênero contaram com o consentimento de parcela do poder
público, vindo a ser autorizadas e incentivadas pelo próprio Poder Executivo
-comportamento inconstitucional que ainda carece da devida correção e
reprimenda.
Ainda avaliou que as
manifestações dessa natureza não surgiram ou se intensificaram no vácuo. Pelo
contrário, constituem desdobramento de um fenômeno recente de retomada, por parte
das altas cúpulas militares, de considerável protagonismo político– processo
que se dá ao arrepio da norma constitucional e que tem como um de seus
principais objetivos ideológicos tornar preponderante a despropositada
interpretação do art. 142 da Constituição reeditada nos últimos anos e combatida nestes autos.
O texto constitucional de 1988
inseriu as Forças Armadas no âmbito do controle civil do Estado, como
“instituições nacionais permanentes e regulares”. Esses atributos qualificam as
Forças Armadas como órgãos de Estado, e não de governo, indiferentes às disputas
que normalmente se desenvolvem no processo político.
Essa perspectiva institucional
reflete-se nas funções substantivas destinadas às Forças Armadas, quais sejam:
a) a defesa da Pátria; b) a garantia dos poderes constitucionais; e c) por
iniciativa de qualquer dos três poderes, a garantia da lei e da ordem.
Trata-se de missão de
altíssima relevância para a sustentação material do Estado Democrático de
Direito, a ser realizada nos estritos termos dos procedimentos e dos limites
desenhados pela Constituição.
Tanto nos cenários de normalidade
institucional como em cenários extremos de guerra e defesa da soberania, os
poderes do Presidente da República sobre as Forças Armadas não são absolutos, submetendo-se
também a mecanismos de controle explicitamente delineados no texto
constitucional.
A título de exemplo, apenas
com prévia autorização do Congresso Nacional é que o Chefe do Executivo nacional
pode declarar guerra ou celebrar a paz (art. 49, II, da CRFB/88).
Inexiste no sistema
constitucional brasileiro a função de garante ou de poder moderador: para a
defesa de um poder sobre os demais a Constituição instituiu o pétreo princípio
da separação de poderes e seus mecanismos de realização.
O conceito de poder moderador,
fundado nas teses de Benjamin Constant sobre a quadripartição dos poderes, foi
adotado apenas na Constituição Imperial outorgada em 1824, em cuja conformação
imperial esse quarto Poder encontrava-se em posição privilegiada em relação aos
demais, a eles não se submetendo.
No entanto, nenhuma
Constituição republicana, a começar pela de 1891, instituiu o Poder Moderador.
Seguindo essa mesma linha e inspirada no modelo tripartite, a Constituição de
1988 adotou o princípio da separação de poderes[7], que impõe a cada um deles
comedimento, autolimitação e defesa contra o arbítrio, o que apenas se obtém a
partir da interação de um Poder com os demais, por meio dos mecanismos
institucionais de checks and balances expressamente previstos.
A Constituição de 1988 prevê
de forma taxativa as medidas excepcionais cabíveis para soluções de crises,
cuja interpretação deve se operar de forma restritiva, a fim de se assegurar o
mínimo de sacrifício de direitos fundamentais e o pronto restabelecimento da
normalidade da ordem constitucional.
Não se observa no arcabouço constitucionalmente
previsto qualquer espaço à tese de intervenção militar, tampouco de atuação
moderadora das Forças Armadas, em completo descompasso com desenho
institucional estabelecido pela Constituição de 1988.
Enfim, reconheceu o Ministro Fux que o emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem, embora não se limite às hipótese de intervenção federal, de Estado de Defesa e de Estado de Sítio, presta-se ao excepcional enfrentamento de grave e concreta violação à segurança pública interna, em caráter subsidiário, após o esgotamento dos mecanismos ordinários e preferenciais de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, mediante a atuação colaborativa das instituições estatais e sujeita ao controle permanente dos demais poderes, tudo conforme os estreitos ditames da Constituição brasileira vigente e da lei.
Referências
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Disponível em:
https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2024/03/voto-Fux-atuacao-constitucional-Forcas-Armadas.pdf
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https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2024/03/voto-Dino-atuacao-constitucional-Forcas-Armadas.pdf
ADI 6347 Voto G. Mendes.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2024/03/6021343.pdf
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de Direito Constitucional Contemporâneo. 12ª edição. São Paulo: Saraiva
Jur, 2024.
DE MORAES, Alexandre.;
MENDONÇA, André Luiz de Almeida. Democracia e sistema de justiça. Belo
Horizonte: Editora Forum, 2020.
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Supremo afirma que Forças Armadas não são "poder moderador". Disponível
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https://www.conjur.com.br/2024-abr-01/forcas-armadas-nao-podem-atuar-como-poder-moderador-diz-maioria-do-stf/
Acesso em 03.4.2024.
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Gonçalves. A separação dos poderes: a doutrina e sua concretização
constitucional. Disponível em:
https://www.tjsp.jus.br/download/EPM/Publicacoes/CadernosJuridicos/40c%2006.pdf
Acesso em 3.4.2024.
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Coleção Esquematizado. 27ª edição. São Paulo: Saraiva Jur, 2023.
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BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 12ª
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NOVELINO, Marcelo. Curso de
Direito Constitucional. Salvador: JusPODVM, 2024.
SILVA, Daniel Neves. Estado
de Sítio. Disponível em: https://mundoeducacao.uol.com.br/politica/estado-de-sitio.htm Acesso
em 3.4.2024.
Notas:
[1]
A intervenção federal não é uma
medida que pode ser realizada quando o Governo Federal bem decidir, uma vez que
o seu propósito não é suprimir os direitos constitucionais, apesar de ela
alterar ou suspender alguns direitos temporariamente. A intervenção só pode
ocorrer nos casos e limites estabelecidos pela Constituição Federal: quando
houver coação contra o Poder Judiciário, para garantir seu livre exercício;
quando for desobedecida ordem ou decisão judiciária; quando houver
representação do procurador-geral da República.
[2] Além disso, o Estado de Defesa está sujeito a controle e fiscalização dos atos decretados, sendo que o Congresso Nacional deve ser informado das medidas adotadas e pode sustá-las, se julgar necessário. A vigência do Estado de Defesa é temporária e deve ser prorrogada pelo Congresso Nacional, caso persistam as condições que justifiquem sua manutenção. No Brasil, o Estado de Defesa foi decretado em algumas ocasiões, como em 1968, durante o regime militar. Essa medida foi adotada visando reprimir movimentos sociais e manifestações contrárias ao governo da época. O Estado de Defesa no Brasil teve impactos significativos nos direitos individuais e na liberdade de expressão.
[3]
Ao longo de sua história, o
Brasil presenciou a imposição do estado de sítio por diversas vezes. O período
em que essa saída foi mais adotada ocorreu durante a Primeira República
(1889-1930). Ao longo desse período, os seguintes presidentes adotaram o estado
de sítio:
Floriano Peixoto: Estado de sítio em vigor por 295 dias;
Prudente de Morais: Estado de sítio em vigor por 104
dias;
Rodrigues Alves: Estado de sítio em vigor por 121 dias;
Hermes da Fonseca: Estado de sítio em vigor por 268 dias;
Venceslau Brás: Estado de sítio em vigor por 71 dias;
Epitácio Pessoa: Estado de sítio em vigor por 132 dias;
Artur Bernardes: Estado de sítio em vigor por 1287 dias;
Washington Luís: Estado de sítio em vigor por 87 dias.
Durante a Era Vargas, o estado de sítio também foi
utilizado por Getúlio Vargas como forma de controle social. Assim, de novembro
de 1935 até novembro de 1937, Vargas governou o país dentro dessa forma. Foi o
momento no qual ele preparou o golpe do Estado Novo.
Na Quarta República, tivemos dois momentos em que esse
expediente foi usado ou cogitado. Em 1955, na crise política que culminou no
Golpe Preventivo de 1955, o presidente Nereu Ramos solicitou pedido de estado
de sítio, e o país foi governado dentro desse aparato do fim desse ano até a
posse de Juscelino Kubitschek, em 31 de janeiro de 1956.
João Goulart solicitou a aprovação de estado de sítio ao Congresso, em 1963, por conta da crise política, além dos protestos que se espalhavam pelo campo no Brasil. O estopim para que o presidente fizesse o pedido foi uma declaração de Carlos Lacerda defendendo um golpe contra o presidente e solicitando a intervenção norte-americana na política brasileira. O pedido de Jango foi mal-recebido, e ele então retirou sua proposta.
[4] Segundo o Ministério da Defesa,
operações de GLO devem ocorrer quando há o esgotamento das forças tradicionais
de segurança pública, em graves situações de perturbação da ordem. O presidente
Luiz Inácio Lula da Silva disse que rejeitou decretar uma GLO no dia 8 de
janeiro do ano passado, data marcada pelos ataques golpistas na Esplanada dos
Ministérios, após um aviso da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja. A
declaração foi feita no documentário "8/1: A Democracia Resiste", da GloboNews.
[5]
Ao longo da história, o Poder
Moderador permaneceu de 1824 até 1889 e foi exercido por dois imperadores, Dom
Pedro I e Dom Pedro II. A constituição de 1824 durou 65 anos sendo substituída
pela constituição de 1891. A força do Poder Moderador, entretanto, diminuiu a partir
da década de 1850. Isso
porque D. Pedro II concordou com
a criação da Presidência do Conselho de Ministros, o que dava mais autonomia ao
poder executivo, já que haveria, de fato, um chefe administrativo.
[6] As missões de Garantia da Lei e da
Ordem (GLO) ocorrem nos casos em que há o esgotamento das forças tradicionais
de segurança pública, em graves situações de perturbação da ordem. Reguladas pela Constituição Federal, em seu
artigo 142, pela Lei Complementar 97, de 1999, e pelo Decreto 3897, de 2001, as
operações de GLO concedem provisoriamente aos militares a faculdade de atuar
com poder de polícia até o restabelecimento da normalidade. Nessas ações, as Forças Armadas agem de forma
episódica, em área restrita e por tempo limitado, com o objetivo de preservar a
ordem pública, a integridade da população e garantir o funcionamento regular
das instituições. A decisão sobre o
emprego excepcional das tropas é feita pela Presidência da República, por
motivação ou não dos governadores ou dos presidentes dos demais Poderes
constitucionais. No início de 2014, o
Ministério da Defesa publicou o Manual de GLO, confeccionado por assessores
civis e militares, com o objetivo de padronizar as rotinas e servir de
instrumento educativo e de doutrinação para as forças preparadas para atuar
nesse tipo de ação. Vide:
https://www.gov.br/defesa/pt-br/arquivos/2014/mes02/md33a_ma_10a_gloa_2eda_2014.pdf
Acesso em 3.4.2024.