O fenômeno das milícias no Brasil

O fenômeno das milícias remonta à Roma Antiga, perpassa pelas Cruzadas, aporta no Brasil Colônia através dos capitães do mato e, encontrou fértil terreno durante a ditadura militar brasileira. Não se tem notícia de ditador da era Vargas ou mesmo agente do governo que tenha sido punido nem processado por práticas milicianas. A impunidade quanto aos métodos das milícias e a fragilidade na segurança pública só fazem prosperar as milícias brasileiras

Fonte: Gisele Leite

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As milícias, historicamente, segundo o professor e antropólogo Luiz Eduardo Soares, autor da obra intitulada "Desmilitarizar: Segurança Pública e Direitos Humanos”, lançada em 2019 são policiais ativos e inativos que dominam certo território e, trabalham com a imposição de taxas ilegais sobre as atividades econômicas praticadas nessa região. Inclusive o acesso à terra também é mediado por milicianos.

A regra é: "Quem desobedece, morre", resume o professor citado, que lembra que os grupos milicianos mudaram a abordagem depois da CPI das Milícias[1] ocorrida em 2008 e liderada pelo então Deputado estadual Marcelo Freixo.

Anteriormente a referida CPI ninguém havia sido preso e se dizia que as milícias representavam a autodefesa comunitária, uma vez que o Estado não oferecia a segurança. Uma afirmação que já integrou o discurso do ex-Presidente da República e também do ex-prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia.

Com o tempo, as políticas se elegeram com o firme apoio de milícias e sua presença na política brasileira se tornou um referencial. Estabelecendo-se relações próximas e orgânicas tanto com partidos políticos como com candidatos. Aliás, o atual Senador Flávio Bolsonaro condecorou diversos milicianos que depois foram condenados,

De fato, as milícias são organizações armadas que constroem um poder paralelo e exercem atividades não autorizadas de repressão e de aplicação da força.

A prática das milícias possui profunda raiz histórica, pois era existente na Roma Antiga, também presente no medievo da Europa e, atualmente presente nas principais capitais no mundo, trazendo à baila um dos centrais temas sobre a criminalidade e, caracterizando modos de atuação muito específicos e dominando diferentes regiões de influência.

No Brasil, o começo da atuação das milícias remonta à década de sessenta e, particularmente, na década posterior no Rio de Janeiro. Afinal, na busca de proteção contra bandidos e traficantes de tóxico[2] que atuavam nas regiões, moradores e comerciantes de tais áreas contratavam o serviço de proteção de membros das mais diversas carreiras policiais e semelhados que podiam ou não ser membros de corporações oficiais.

Em decorrência de tamanha fragilidade e ineficiência do aparato do Estado em promover a segurança pública, os mesmos agentes do Estado, doravante na posição de milicianos, passaram ofertar tais serviços de segurança. E, não tardou para que tais grupos escalassem na violência, formando os famosos grupos de extermínio.

Assim, aquilo que começara como uma maneira alternativa de fornecer proteção para as comunidades (sobretudo contra os traficantes de drogas que já dominavam algumas regiões da cidade) rapidamente tornou-se mais uma organização criminosa como as outras que já existiam.

Assim, além de suas formas já conhecidas de financiamento por meio da extorsão dos moradores e comerciantes e da venda ilegal de gás e de televisão a cabo (gatonet)[3], das receitas com os jogos de azar e o empréstimo de dinheiro a juros abusivos (agiotagem), as milícias passaram a atuar também no comércio de drogas.

Se no início as milícias poderiam até parecer um mal menor frente àquele despertado pelos traficantes de drogas, com a ampliação de sua atuação, a distinção perdeu o sentido e ambos os grupos hoje são violentas facções criminosas que disputam o domínio sobre as atividades ilegais na cidade do Rio de Janeiro.

Deve-se creditar a grande ascensão das milícias brasileiras basicamente a dois fatores, a saber: a narrativa de que estariam enfrentando maior perigo oferecido pelo tráfico de drogas, as milícias receberam franco apoio da população e, com isso, se propagaram como sendo um sistema político oficial, tendo apoio de líderes locais ou mesmo elegendo seus próprios líderes para cargos oficiais.

E, sua presença é trivial na Câmara Municipal do Rio de Janeiro e na Assembleia Legislativa do Estado os casos de emprego de milicianos nas funções de assessoria parlamentar de gabinete de vereadores e deputados.

E, outra razão, reside no fato de como a maioria das milícias são ou foram membros das forças públicas de segurança, o enfrentamento contra os traficantes de drogas por parte do Poder Público continuou forte, enquanto era feita vista grossas às atividades das milícias, deixando livres para ocuparem esses espaços.

A raiz das milícias está nos grupos de extermínio – gangues de policiais e ex-policiais que passaram a vender serviços de “proteção privada” a comerciantes na década de 1960. Eram assassinos de aluguel que agiam sob as bênçãos da ditadura militar.

Trata-se da maior onda de saques da história do país, que teve início em Duque de Caxias e se espalhou por toda a Baixada Fluminense.

Em meio à inflação, à fome e a uma greve geral, o quebra-quebra aos gritos de "Queremos comer" e "Saque" deixou ao menos 42 (quarenta e dois) mortos, 700 (setecentos) feridos e mais de dois mil estabelecimentos atingidos, muitos dos quais nunca se recuperaram.

"A respeito dos distúrbios, o então prefeito Adolfo David declararia ao Jornal do Brasil que tinha assistido a uma verdadeira batalha, onde mulheres, homens e crianças gritavam que preferiam morrer lutando, a morrer de fome", relatam Rogério Torres e Newton Menezes, no livro Sonegação, Fome, Saque (1987), que relata os acontecimentos de 5 de julho de 1962.

Em resposta ao episódio, comerciantes da Baixada Fluminense passaram a patrocinar grupos armados para proteger suas lojas. Segundo pesquisadores, os grupos conhecidos como Brigada de Defesa da Família Caxiense e Turma do Esculacho marcam a origem das milícias na região.

Em 2019, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro estimava que as milícias atuavam em quatorze cidades do Estado do Rio e em vinte e seis bairros da capital, com mais de dois milhões de pessoas vivendo sob o jugo de paramilitares.

E agosto de 1961, com apenas sete meses de mandato, Jânio Quadros renunciou à presidência da República em meio a uma crise política, numa tentativa de voltar nos braços do povo, com mais poderes. O tiro saiu pela culatra, e a renúncia foi prontamente aceita pelo Congresso.

O vice-presidente João Goulart estava na China, numa missão oficial armada por Jânio, e militares tentaram impedir a posse dele como presidente. O governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, liderou o movimento pela legalidade, conseguindo impedir o golpe.

Mas o Congresso apenas permitiu a posse de Jango, em setembro daquele ano, sob um regime parlamentarista, tendo Tancredo Neves como primeiro-ministro. Foi uma forma de limitar os poderes do político percebido pelos militares e setores da sociedade civil como "subversivo" e "comunista".

"João Goulart assume, mas a estrutura social, econômica e política do país estava numa crise profunda. O próprio Jango expressava todo um movimento crítico a essa realidade.

Ele pregava grandes mudanças, com uma base política vinda do trabalhismo e com apoio de movimentos sociais e sindicais, que cresciam muito nessa época", lembra José Cláudio Souza Alves, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e autor do livro “Dos barões ao extermínio: Uma história de violência na Baixada Fluminense” (2020), em entrevista à BBC News Brasil.

Naquele início dos anos 1960, uma série de fatores contribuíam para uma crise econômica profunda. Entre eles: um endividamento externo crescente, herdado das políticas desenvolvimentistas do governo Juscelino Kubitschek (1956-61); elevados déficits comerciais e redução da capacidade de importação do país; e um aumento da inflação que se agravava desde o final dos anos 1950.

Em 1960, a inflação acumulada foi de 25,4%; no ano seguinte, de 34,7%. Em 1962, o ano do grande saque, a alta de preços chegaria a 50,1% e a 78,4% em 1963.

Há uma inflação galopante, um aumento acelerado de preços das mercadorias da cesta básica", afirma Marlúcia Santos de Souza, coordenadora geral no Centro de Referência Patrimonial e Histórico de Duque de Caxias (CRPH/DC).

"Começa então uma pressão dos movimentos feministas no Brasil inteiro, incluindo São Paulo e Rio de Janeiro. Os movimentos de mulheres 'Panela Vazia', contra o custo de vida, contra a carestia vão pressionar o governo no sentido de controlar os preços dos alimentos."

Com preços tabelados pela Cofap (Comissão Federal de Abastecimento e Preços), comerciantes retiravam mercadoria das prateleiras, para vendê-las a preços mais altos no mercado paralelo.

"Faltava arroz, pão, feijão, enfim, raro foi o dia em que um ou mais produtos não entraram no 'index' dos sonegadores. Parecia que o país vivia em clima de racionamento de guerra. Como sempre, mais uma vez o governo Jango era responsabilizado pela carestia e pela falta de gêneros", escrevem Torres e Menezes.

Em meio à pressão crescente da sociedade civil, o primeiro-ministro Tancredo Neves renúncia e João Goulart indica San Tiago Dantas[4] para substituí-lo. Dantas tinha o apoio da esquerda do Congresso e do movimento sindical, mas sua indicação foi vetada pelos setores conservadores.

Em resposta ao veto e à indicação para o cargo do conservador Auro de Moura Andrade, o movimento sindical convocou uma greve geral para o dia 5 de julho.

Numa padaria na Av. Presidente Vargas, dezenas de pessoas que saíam com produtos saqueados foram atacadas por outras que esperavam do lado de fora.

O dono de uma loja de materiais de construção que, armado, tentou defender uma padaria vizinha, foi morto com um paralelepípedo. Um comerciante português atingiu um menor de idade ao atirar contra a multidão, sendo posteriormente linchado.

Após um jovem de quatorze anos ser ferido durante tiroteio, o dono de uma boate foi atacado a pedradas e todos os móveis do estabelecimento empilhados na rua e incendiados.

"Nós ouvimos a quantidade de pessoas que vinham na frente, gritando 'Quebra! Quebra!', e os outros que vinham atrás já saqueando tudo, quebrando todas as portas", recordou a aposentada Maria Concebida, em entrevista sobre suas memórias daquele 5 de julho, ao documentário 1962: O Ano do Saque (2014), de Rodrigo Dutra e Victor Ferreira.

"Onde tivesse uma porta fechada que fosse de comércio, quebrava. E carregava de tudo. Então meu marido [falou]: 'Eu vou entrar, porque nós vamos passar fome'", contou Concebida.

"Nós levamos arroz, feijão e farinha. Era a única coisa mais fácil para carregar. Não roubava as coisas de dentro das casas, não. Era só alimento. No fim, os bebuns começaram a carregar as outras coisas: cachaça, bebida, tudo."

A greve geral e a onda de saques sem precedentes estamparam as capas e páginas internas de todos os jornais na sexta-feira, 6 de julho de 1962.

Sob a manchete "Explosão popular no Estado do Rio: setecentas vítimas e dano de 1 bilhão", o Jornal do Brasil reportava: "O Palácio do Ingá [então sede do Governo Fluminense] informou ontem à noite que 42 pessoas morreram, e setecentas foram feridas em quatro Municípios do Estado do Rio, onde a população se revoltou e, ganhando as ruas, invadiu um a um todos os armazéns, empórios e mercadinhos, num saque sistemático que causou prejuízos de Cr$ 1 bilhão [um bilhão de cruzeiros]. (...) A manifestação foi a maior dessa espécie já verificada no País."

José Cláudio, da UFRRJ, conta que muitos estabelecimentos comerciais da Baixada nunca se recuperaram desse episódio, segundo Carrança. Num relatório interno, a Associação Comercial e Industrial de Duque de Caxias concluiu que 30% dos comerciantes saqueados não se restabeleceram, 50% voltaram em condições precárias e apenas 20% retornaram em condições normais, cita o professor, em seu livro.

"Os processos de indenização eram complexos, pois eram necessárias regularizações e documentações para acessar. Então os comerciantes mais dinâmicos, mais organizados, mais poderosos conseguiram obter recursos volumosos e reestruturam seus mercados.

 quando surgem supermercados como Sendas e Casa da Banha", diz Marlúcia, do CRPH/DC, sobre o processo de concentração do varejo em grandes redes, após a onda de depredação.

Outra consequência do levante popular de 5 de julho foi um reforço na segurança por parte dos comerciantes através de grupos armados.

O delegado convocou voluntários para o policiamento da cidade. Estes, em grupo de doze, formariam a Brigada de Defesa da Família Caxiense. Surgia assim uma força paramilitar da qual faziam parte muitos jovens que pertenciam a famílias abastadas da cidade", escreve José Cláudio.

Eronides Batista, presidente da Associação Comercial, assim justificou a criação da milícia, em reportagem da revista Fatos & Fotos, de 21 de julho de 1962:

      "Milícia é forma de expressão. Não há comando militar. Eles apenas procuram evitar novos saques e perturbações; e até hoje não houve incidentes entre eles e o povo. Nós não somos favoráveis, é evidente, à fome. Mas não somos responsáveis por ela", defendeu Batista.

O professor da UFRRJ avalia que essa milícia nascente é diferente por exemplo, do grupo de Tenório Cavalcanti, político de Caxias conhecido como o "Homem da Capa Preta"[5], vestimenta que usava para esconder a submetralhadora que sempre carregava, chamada “Lurdinha”.

"Cavalcanti tinha um grupo de capangas, mas de âmbito privado, pessoal. O que acontece em 1962, que é a indicação de algo diferenciado, é a formação de grupos de vigilantes, homens que vão pegar em armas para proteger o comércio, muitos deles ligados à classe média, como a Turma do Esculacho", cita José Cláudio.

Ele destaca que muitos desses "playboys armados" se projetam politicamente a partir de sua ação nas milícias, caso, por exemplo de Hydekel de Freitas, genro de Tenório Cavalcanti, que depois se tornaria prefeito de Duque de Caxias e deputado federal.

"Surge daí a ideia da formação de uma estrutura de segurança contra uma ameaça que são os próprios populares da cidade, ao passarem necessidade e fome. É o embrião de uma estrutura apoiada pelo Estado, financiada pelos comerciantes e tendo por trás um apoio político que a mantém", diz o pesquisador, sobre os paralelos com a milícia atual.

Mas os resultados da greve geral não foram apenas negativos. Foi dessa mobilização da classe trabalhadora que nasceram conquistas como o 13º salário.

Para José Claudio, passados sessenta anos, as desigualdades sociais do país se intensificaram, com um fator inédito: a pandemia de Covid-19, que penalizou ainda mais as camadas vulneráveis. Ele cita ainda a volta da inflação e da fome, como elementos que permitem um paralelo entre agora e então.

"Mas, naquela época, havia um movimento popular e grupos sindicais muito fortes, que queriam modificações na sociedade. Esses grupos estavam se organizando e se movimentando. Hoje, não há um movimento forte por parte das camadas populares para sanar as desigualdades sociais e uma organização política desses grupos dentro do campo da esquerda", avalia o sociólogo.

"Ao contrário, há um crescimento de grupos de extrema direita. Movimentos que querem manter essa população controlada a partir de discursos conservadores, moralistas e que apoiam o extermínio, como 'bandido bom é bandido morto'[6]."

O pesquisador observa que as milícias e os grupos de extermínio se mantiveram ao longo da ditadura militar, aprofundando suas relações políticas, econômicas e territoriais.

"Eles começam a se eleger nos anos 1990, como vereadores, prefeitos e deputados estaduais nessa região da Baixada. Até que, a partir de meados dos anos 1990, as milícias vão se configurar como são hoje, uma estrutura mais ampla, com vários mercados de bens e serviços que eles vão monopolizar nas áreas que controlam", diz o professor.

"O poder desses grupos hoje é muito mais expressivo do que aquele grupo da Turma do Esculacho, que pegava em armas. Hoje já superamos isso em muito: são mais de dois milhões de habitantes atingidos pela milícia somente no Rio de Janeiro, quatorze municípios com presença maciça de milicianos, um território de trezentos e quarenta e oito quilômetros quadrados onde eles estão atuando e, na cidade do Rio, 57% do território ocupado por grupos criminais está na mão de milícias. Então isso mudou muito e, a meu ver, piorou muito, daquele momento para o atual."

Ainda no Brasil colonial havia os capitães-do-mato que em geral eram homens pobres que trabalhavam para os senhores de engenho, bem como para os homens livres e os escravos libertos que possuíam cativos, encontrando-se entre os pardos e forros entre estes.

Tais capitães exerciam serviços como a perseguição de fugitivos, principalmente, na captura e resgate de escravos. E, tal prática vario conforme as capitanias, pois em Minas Gerais, onde havia expressiva população escrava fora instituído o Regimento dos Capitães-do-mato em 1716 e que deu lugar a outro editado em 1722.

Sua remuneração variava conforme o modo de aprisionamento de escravos, como local, tempo utilizado e a origem dos mesmos e, etc. O Capitão do mato era conhecido também como capitão-de-assalto-e-entrada, entre outros termos. Sua principal função era a de caçar gente, principalmente escravos fugidos das fazendas e minas pertencentes a seus senhores.

Eram os personagens mais contraditórios da cultura brasileira e possivelmente são os que melhor sintetizam a ausência de referência cultural que caracterizou muitos brasileiros ao longo de nossa formação étnica.

Tidos como traidores da raça por alguns ou inescrupuloso e repulsivo por outros, o fato é que se trata de um tipo que para ser melhor compreendido requer uma análise não apenas de sua personalidade, mas principalmente do contexto cultural que permitiu a sua eclosão como um fenômeno tipicamente brasileiro.

O choque mais comum causado pela presença desse personagem, ao mesmo tempo desprezado e odiado pelas duas partes entre as quais se encontra, naturalmente está no fato de se tratar de um ex-escravo, que experimentou na pele as agruras da condição cativa, e ainda assim se dedicar a perseguir aqueles que teoricamente são os que lhe deviam estar mais próximos.

Tinham a virtude, se assim se pode chamar, de conhecer as habituais formas de fuga de seus ex-companheiros de cativeiro como principal moeda de troca com seus empregadores, o que na maior parte das vezes se efetivava no bom aproveitamento que em geral apresentavam ao se embrenhar mata a dentro para recuperar “quilombolas”, como então se chamavam os escravos que ousavam escapar de sua dura rotina, se juntando a outros na mesma situação.

Mas não se pode apontar o caráter duvidoso do negro, pobre e ex-escravo que é o capitão do mato sem incluir a própria elite colonial que se utilizou da relativa comodidade que os serviços por ele prestados propiciava.

Afinal, o título militar que era conferido a esses “servidores” não era uma mera nomenclatura, uma vez que as atividades de caráter “policial” que devia estar livre para desenvolver precisavam estar abrigadas numa autoridade legal, daí a patente de capitão.

Uma situação que forçava os homens mais ricos e abastados da colônia a de alguma forma conviver com seus capitães, ainda que lhes devotassem um inegável desprezo, como se pode ver em muitos documentos históricos recolhidos durante a escravidão no Brasil.

Essa situação faria com que os capitães adquirissem relativa importância na manutenção da ordem, o que faria deles figuras constantes não apenas nas fazendas, mas também nas cidades mais desenvolvidas, tornando-o, de uma forma ou de outra, um membro da comunidade, figurando entre os homens de peso e prestígio.

Mas sempre visto e julgado negativamente, como se pode presenciar através de muitas manifestações, principalmente nas proximidades do século XIX, quando as ideias que mais tarde culminariam na abolição começam a se tornar relevantes sobretudo para as elites intelectuais e culturais.

É o caso, por exemplo, do intelectual abolicionista Joaquim Nabuco, que em discurso na sessão legislativa em 1887 perguntava: “Há profissão mais alta e mais honrosa do que a profissão de soldado? Há profissão mais baixa e degradante do que a de capitão do mato?”, sugerindo uma clara distinção entre militares que serviam a pátria e aqueles que utilizariam suas patentes para o infame serviço da opressão.

Se por um lado a ética do capitão do mato é realmente indefensável, por outro se trata de um tipo que reflete bem o vale-tudo que na maior parte das vezes foi a vida num remoto Brasil.

Ele não tinha problemas em atuar como um perseguidor daqueles que estavam na condição em que ele próprio esteve um dia, e também pouco se afetava pelo desprezo de que normalmente era alvo por parte daqueles que o utilizavam e se beneficiavam de seus serviços, desde que conseguisse o que, na realidade do Brasil colônia[7], não deixava de ser um lugar ao sol.

Os ecos do capitão do mato ainda estão de certa forma presentes em muitos de nós que deixam pra segundo plano a realidade de seu pertencimento a um grupo ou a uma causa e esquecem qualquer tipo de ética a não ser a de se dar bem, ainda que sobre o infortúnio de muitos. Qualquer semelhança com o Brasil de hoje não é mera coincidência![8]

Nos finais do século XV, longe ia o contexto do aparecimento das Ordens Militares, ocorrido na Idade Média Plena, quando os cluniacenses difundiam o ideal de um monaquismo vigoroso, a cavalaria se estabelecia enquanto grupo cristianizado e a Cruzada procurava a libertação dos lugares santos e o afastamento da ameaça islâmica sobre a Cristandade.

No quadro peninsular, onde estas milícias se estabeleceram desde o século XII para combater os muçulmanos na Reconquista[9], conseguimos observar na charneira para a modernidade a sua faceta marcial, nem sempre considerada pela historiografia para esse tempo de transição bélica.

Tomando por objeto a Guerra da Sucessão de Castela de 1475-1479, procuraremos compreender  com base em fontes portuguesas, castelhanas e aragonesas  o papel (ativo) que as Ordens Militares assumiram nos preparativos e nas operações da campanha que D. Afonso V conduziu no reino vizinho, com ponto alto na Batalha de Toro (1476), bem como na defesa da raia portuguesa; na Castela dos Reis Católicos, caracterizadas pela volatilidade de posições e pela conflitualidade interna, estas milícias protagonizaram, como veremos, as mais diversas ações militares, revelando-se determinantes na evolução da contenda.

Ao final do século XV, bem sintetizou Miguel Angel Ladero Quesada, as milícias monástico-militares foram implantadas em Castela e, eram Santiago, Calatrava, Alcântara e S. João (do Hospital) representavam grande potencial econômico e social e de caráter bélico.

Eles senhoreavam mais de cinquenta mil quilômetros quadrados de território, compreendendo mais de quatrocentos povoados e trezentos e cinquenta mil habitantes e ainda arrecadavam mais de duzentos e cinquenta mil ducados de rendas, quando chamadas às armas, entre homens de armas, lanceiros e espingardeiros, mobilizavam facilmente cerca de cinco mil combatentes, isto é, mais de vinte e cinco por cento das forças das hostes nobiliárias.

Durante a Guerra da Sucessão de Castela, as Ordens Militares tornaram-se desde cedo preciosas para ambas as facções.

É sintomático que poucas semanas após sobre a entrada de D. Afonso V em Castela, os futuros Reis Católicos, por carta dada em Ávila em 16 de Junho de 1475, se tenham dirigido aos “maestres de las Ordenes, priores e comendadores” nos seguintes moldes: referindo a invasão do rei português, procuravam captar estas organizações para a sua causa e estimular incursões destas sobre Portugal, prometendo “donaçion, pura, perfecta e non revocada, a cada uno de vos, de las villas, e lugares y castillos e fortalezas, que cada uno de vos tomare del dicho reyno”.

No contexto político do conflito, as informações acerca das Ordens de S. João do Hospital, de Santiago, de Calatrava e de Alcântara caracterizam-nas, ao nível interno, por várias cisões e, ao mesmo tempo, pela volatilidade de alianças.

Capazes das mais heterogéneas operações, do ponto de vista bélico, as Ordens Militares castelhanas destacar-se-iam decisivamente enquanto agressoras do território português e dos senhorios dos apoiantes de D. Afonso V em Castela.

À semelhança da tendência que temos verificado nas demais Ordens Militares, é um dado adquirido que também a milícia de S. João se dividiu. O estudo de Humberto Baquero Moreno e Isabel Vaz de Freitas conclui que o hospitalário Juan de Valenzuela (senhor de Fuentelapeña, Bóveda e Vadillo), que se intitulava prior da Ordem em Castela, se encontrava entre os apoiantes de D. Afonso V na Batalha de Toro. A referência deste cavaleiro, a quem o Africano terá prometido a chefia da milícia, no célebre combate em campo aberto de 1 de março de 1476 é, desde logo, a única associação conhecida de um hospitalário à causa do monarca português, pelo que cremos que o apoio que lhe foi prestado por parte desta milícia terá sido residual. Já em relação ao bando dos Reis Católicos, as informações sugerem o inverso.

Por fim, terá sido entre os cavaleiros da Ordem de Calatrava, apesar da oposição do conde D. Afonso de Ribagorça, que D. Afonso V conseguiu, numa fase inicial, um apoio mais explícito de entre as milícias monástico-militares castelhanas, mormente através do seu mestre, D. Rodrigo Téllez Girón.

É sabido que este primo do marquês de Vilhena, em dezembro de 1474, não enviara quaisquer procuradores a jurar fidelidade a D. Isabel e que, aquando da entrada do rei português em Castela, segundo atestam os cronistas Andrés Bernáldez e Fernado del Pulgar, se apresentou como um dos principais seguidores de D. Joana, sendo referido junto de D. Afonso V aquando do seu casamento em Plasência.

É, portanto, provável que os seus combatentes tenham tomado parte nos cercos e escaramuças que o rei português travou ao longo de 1475 entre Zamora e Burgos.

Contudo, a milícia dos freires de Calatrava sofreu como grande condicionante o fato de as suas terras se encontrarem isoladas, nas proximidades de Madrid, tendo os castelos da Ordem sido alvo de frequentes ataques isabelinos, como aquele violento, na viragem para 1476, em que o “mestre de Sanctiago, per mandado delrei dom Fernando fez guerra ao mestre de Calatraua (…) pelo que ho mestre nam pode vir em pessoa, nem mandar sua gente a elrei dom Affonso por ter della necessidade pera guarda de suas terras”. A par, as acções do intrépido “Clavero don Garcia López de Padilla”, seguidor do conde de Ribargoça, subtraíram a D. Rodrigo Téllez Girón grandes extensões de “pastos y rentas”, no dizer de Jerónimo de Zurita.

Neste contexto, de acordo com Fernando del Pulgar, o mestrado de Calatrava acusou especialmente a perda da fortaleza de Ciudad Real. O Africano, mais apostado em manter as posições no Douro, acabou por deixar de receber reforços significativos daqueles cavaleiros, sem conseguir auxiliar aquele mestrado tão distante.

Talvez a falta de apoio do rei português, que não acedia em entrar para o interior do reino, explique mesmo a secessão que se deu naquela Ordem Militar, na qual, acossado pelos constantes e violentos ataques, o seu comendador-mor, Fernán Gómez de Gúzman, rejeitou o mestre vigente na viragem para 1476. Fragilizado, não tardou a que D. Rodrigo, para se conservar à frente do mestrado, chegasse a um pacto com D. Isabel e D. Fernando em maio do mesmo ano, no qual os jovens monarcas não deixaram de impor o seu ascendente sobre a milícia, ao seu serviço nos três anos de conflito seguintes.

Mais tarde, na Espanha, as Milícias Operárias e Camponesas Antifascistas (Espanhol: Milicias Antifascistas Obreiras e Campesinas, MAOC) eram um grupo de milícia fundado na Segunda República Espanhola em 1934. O seu propósito era de proteger os líderes do Partido Comunista de Espanha (PCE) e da Juventude Socialista Unificada (JSU) dos ataques de grupos de milícias Fascistas como os Camisas Azuis da Falange.

 As MAOC estiveram especialmente ativas nos poucos meses anteriores ao golpe de 1936 e nos primeiros meses da Guerra Civil Espanhola. Muitos dos membros do Quinto Regimento do Exército Popular durante a guerra pertenciam às Milícias Operárias e Camponesas Antifascistas.

Em Portugal[10], ao tempo da peleja com os Reis Católicos, as Ordens de Avis e de Santiago eram lideradas pelo próprio príncipe herdeiro, a milícia de Cristo por um sobrinho do rei, o duque D. Diogo de Viseu, e a do Hospital por um membro de uma das linhagens mais próximas do monarca, a dos Ataídes.

A participação das milícias monástico-militares no diferendo com D. Fernando e D. Isabel foi, portanto, uma inevitabilidade que, de resto, remontou à discussão nas instituições régias para tomar a decisão quanto ao conflito.

Aconselhando a preparação do exército, observámos como as Ordens Militares – fruto da sua vida militar ativa – eram profundas conhecedoras em matéria de armamento (ofensivo e defensivo), não lhes escapando a importância das armas de fogo.

No que toca ao recrutamento, os seus cavaleiros aprestaram-se para responder à convocatória régia, decerto enquadrando outros combatentes dos seus domínios, acabando por se destacar em várias operações da campanha de 1475-1476, entre as quais a própria Batalha de Toro. Questiona-se: quais os efetivos que representavam os corpos das Ordens Militares na hoste régia?

No reino de Castela, onde as Ordens Militares vinham representando para a Coroa um expressivo apoio marcial, comprovámos a tendência divisionista das milícias no contexto da disputa do trono castelhano deixado vago por D. Henrique IV em dezembro de 1474.

Esta fratura institucional prendia-se, em grande medida, com o culminar de um processo a que Enrique Rodríguez-Picavea Matilla chamou de aristocratização das Ordens, cujos mestres ou pretensos mestres, cada vez mais senhores laicos da confiança régia, percepcionavam aquelas organizações quase como uma extensão dos seus direitos e património.

Protagonizando combates em campo aberto, escaramuças, golpes de mão, razias e cercos, as Ordens de Santiago, Calatrava, Alcântara e S. João revelaram-se determinantes na evolução militar da contenda, destacando-se a sua ação ao serviço de D. Isabel com exércitos seus ou enquadrando outro tipo de forças – no combate aos apoiantes castelhanos de D. Afonso V, cuja sintomática ausência se sentiria na Batalha de Toro, bem como nas entradas em território luso.

Cientes da importância do domínio das milícias, não admira que, finda a Guerra da Sucessão, os Reis Católicos se tenham apressado em obter a administração perpétua dos mestrados de Calatrava (1486), Santiago (1493) e Alcântara (1498) para a Coroa.

Analisando as motivações das Cruzadas, percebe-se que tal movimento de ordem religiosa e militar surgiu no Velho Continente com intuito de resolver uma série de entraves que tomavam a Europa medieval.

Realmente, os cruzadistas tinham franco interesse em expulsar os muçulmanos da Terra Santa, mas por outro lado, visavam novas terras que pudessem atender à crescente demanda econômica da população.

A conquista de terras e o controle da cidade de Jerusalém foram galgados por tropas cristãs, porém o êxito teve breve duração em face das sucessivas vitórias que reposicionaram a Terra Santa sob a administração muçulmana e as reconquistas dos domínios orientais tomados pelos cristãos e, ao final, os reinos latinos estabelecidos nas primeiras cruzadas foram mitigados a algumas meras porções da Palestina e da Síria.

Mesmo assim, as Cruzadas tiveram importante função para que a civilização europeia alcançasse novos rumos e, os saques promovidos no Oriente permitiram que uma expressiva quantidade de moedas adentrasse a economia feudal.

E, assim, os comerciantes tiveram boas condições para criar as companhias de comércio que transitavam entre o Ocidente e Oriente. E, assim, o terror das terras longínquas perdera vez para um novo espírito empreendedor.

O mesmo tempo em que houve o contato entre as culturas, não podemos esquecer que a intolerância religiosa também foi outro importante signo deixado pelas Cruzadas.

Do ponto de vista histórico, a perseguição aos judeus e aos muçulmanos se fortaleceu com essas situações de conflito. Não por acaso, podemos notar que os reinos ibéricos, por exemplo, empreenderam uma forte campanha contra indivíduos não cristãos na passagem da Idade Média para a Idade Moderna.

As Cruzadas demonstram que as consequências das ações humanas nem sempre se concretizam conforme seus anseios e expectativas. Contudo, foi essa mesma imprevisibilidade que nos indicou a constituição de novos rumos que romperam o ordenamento feudal.

De fato, é praticamente impossível não pensar na contribuição profunda deste evento histórico para que a Europa Moderna ensaiasse os seus primeiros passos."

Ressalte-se que a América do Sul contemporânea enfrenta muitos problemas de ordem social e econômica, como crises sucessivas, a falta de trabalho e oportunidade, as desigualdades sociais e diversos outros problemas que são comuns em todos os países que integram tal parte da América.

O narcotráfico faz parte de toda nação, a comercialização de drogas é o segundo ramo de atividade econômica do planeta, sendo superada somente pelo comércio de armas, gerando uma receita de aproximadamente 500 bilhões de dólares anual.

As atividades citadas estão diretamente ligadas ao tráfico de drogas e à criminalidade em geral, além de guerras e terrorismo. O narcotráfico é uma atividade que se enquadra no mundo do crime, atua na produção, comercialização e distribuição de drogas em suas diversas formas e substâncias.

As drogas são substâncias tóxicas que levam o consumidor das mesmas a desenvolver comportamentos anormais, provocando um estágio de dependência tanto física quanto mental, o uso tem promovido em milhares de famílias diversos problemas, pois desestrutura a instituição, que além de retirar o usuário do setor produtivo gera gastos para o tratamento.

Nos últimos meses, governos de vizinhos brasileiros como Colômbia, Peru e Paraguai registram casos de sequestros e resgates de crianças de acampamentos guerrilheiros, de adolescentes em fuga do recrutamento forçado para guerrilha e paramilitares e até de menores infiltrados por Forças Armadas regulares. Arrancados de suas famílias, os meninos-soldados sul-americanos são submetidos a treinamento militar com armas pesadas e a doutrinamento ideológico por radicais à esquerda e à direita.

Quando conseguem escapar, são obrigados a viver escondidos por programas de inserção social ou em abrigos de fundações internacionais que oferecem ajuda em zonas de conflito.

Além de ser encontrada nas fileiras das Farc, a prática de envolver "niños, niñas y adolescentes" - como são identificados crianças e jovens em documentos e relatórios oficiais sobre os conflitos armados da América hispânica - é relatada também em outros grupos em guerra.

Na Colômbia, há relatos de casos no ELN (Exército de Libertação Nacional) e em milícias contrarrevolucionárias, os temidos esquadrões paramilitares, como as Bacrim (Bandas Criminales).

No Peru, a guerra de propaganda política e ideológica, a favor e contra, abastece as redes sociais da internet com vídeos de meninos e meninas com idades em torno de dez anos gritando palavras de ordem contra o "imperialismo" e defendendo a "revolução comunista", o projeto de conquista do poder do Sendero Luminoso, braço radical do Partido Comunista Peruano (PCP-SL).

De orientação maoísta, o Sendero voltou recentemente a dominar amplas zonas do vale do Vraem, no estado de Ayacucho, nos Andes, depois de ter sido quase extinto nos anos 90 e 2000.

À época, ofensivas das Forças Armadas prenderam o principal líder senderista, Abimael Guzman, condenado à prisão perpétua na cadeia de Callao, vizinha da capital, Lima, e reduziu as atividades guerrilheiras no país. Mas a partir de 2008, o exército reativou suas bases de combates na região senderista.

Nesse mesmo sentido, segue o Paraguai. Basta acompanhar o cotidiano da Força Tarefa Conjunta (FTC), agrupamento especial do Exército e Polícia Nacional, como fez o Estadão em setembro, quando esteve na zona de conflito, em Concepción, a cento e cinquenta quilômetros da fronteira com o Brasil, para ver o sofrimento de famílias de adolescentes de 15, 16 e 17 anos presos ou abatidos nos tiroteios com o Exército do Povo Paraguaio (EPP), organização que se autodenomina revolucionária marxista.

Em todos os países sul-americanos, o discurso das esquerdas radicais para sustentar as ações de guerrilha e a busca por menores de idade é o mesmo. Para estes, quem escraviza e maltrata meninos, meninas e adolescentes, e a população em geral na América Latina, são governos "capitalistas" da região, que "impõem", segundo eles, a pobreza e a falta de acesso a serviços públicos de qualidade, impedindo as famílias de terem oportunidade de vida melhor. Tudo perpetrado, costumam repetir, "pelas elites locais e pelos Estados Unidos".

Na opinião da cineasta Marta Nehring a ditadura militar brasileira foi uma pré-milícia quando o assassinato fora banalizado bem como a perpetuação da tortura como método de investigação.

A referida cineasta tinha apenas seis anos de idade quando seu pai, Norberto Nehring, com apenas vinte e nove anos fora assassinado por torturadores durante a ditadura militar em 1970.

O pai Norberto Nehring, como define Juca, era um ídolo da sua adolescência e foi a primeira morte enfrentada pelo jornalista quando tinha 20 anos. Norberto foi assassinado sob tortura durante a ditadura pela Operação Bandeirante, no DOI-Codi de São Paulo. “Dessas mortes com as quais jamais me acostumarei.

Até hoje diariamente penso nele. Além de ter sido meu ídolo de adolescência e de juventude, é uma figura que tenho como paradigma para minha vida”, disse Juca, sobre o professor da Faculdade de Economia da USP e que militava na organização Ação Libertadora Nacional (ALN) no enfrentamento à ditadura.

A estrutura miliciana fora herdada pela ditadura pois jamais fora autorizada a tortura no país, nem execução tampouco a pena de morte.

A ditadura militar brasileira era uma pré-milícia. Os torturadores pertenciam ao Esquadrão da Morte[11]. Essa estrutura miliciana do Brasil nunca deixou de existir[12]. Ela continua no jagunço que mata liderança camponesa, que mata líder indígena”, diz a cineasta.

“Essa coisa dessa violência subjacente à questão social e a quem levanta a cabeça por cima da lama sempre existiu no Brasil. Então, os crimes da ditadura foram crimes cometidos na ilegalidade, disfarçados com um manto de legalidade pelos médicos legistas, pelos falsos atestados de óbito. Todo protocolo da burocracia policial era cumprido.”

A documentarista lembra que no atestado de óbito do pai constava enforcamento num hotel do centro de São Paulo. “Era muito difícil conviver com isso. “Você me pergunta das minhas memórias de infância: ainda é um atestado de óbito onde diz que meu pai se enforcou com uma gravata fantasia, não esqueço isso, num hotel da Alameda Nothman.” Requinte de crueldade, o hotel alegado no falso atestado era vizinho ao antigo prédio do Dops onde torturadores também agiam livres.

O corpo de Norberto só foi entregue à família três meses depois de seu assassinato. A exumação comprovou a morte por asfixia mecânica nos porões da ditadura e a mentira impressa no atestado de óbito.

Marta, a cineasta, ouviu do diretor-executivo do Instituto Vladimir Herzog[13], Rogério Sottili, que a entidade está empenhada em reabrir uma discussão sobre a Lei de Anistia.

“Entendemos que o Brasil é um país violento porque nunca produziu as condições necessárias para que seja feita justiça, promovendo o fim da impunidade (dos torturadores)”, critica Sottili, ex-secretário especial de Direitos Humanos.

“Estamos com uma campanha Reinterpreta Já, STF, que tenta mobilizar a sociedade brasileira para que o Supremo Tribunal Federal retome essa discussão. Se o Brasil não assumir a responsabilidade pelos acordos e pactos internacionais que consideram os crimes de lesa-humanidade como crimes não passíveis de anistia, que não podem prescrever, não conseguiremos virar a página da história do Brasil. E, continuaremos convivendo com isso que estamos vivendo hoje: a violência, o desrespeito ao Estado de direito, à democracia.”[14]

Infelizmente, não temos notícia de ditador ou funcionário arbitrário da era Vargas que tenha sido punido, nem processado. A história de impunidade da tortura no Brasil é uma história que vem desde sempre.

E se perpetua como um modo de operar, um modo de dominação social. O lado da alegria é nosso respiro contra a violência, o respiro que a população encontrou para sobreviver.”, disse Marta.

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Notas:

[1] O envolvimento de políticos com milícias foi um dos principais pontos tratados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou o tema há quase dez anos na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). No relatório final, em 2008, a comissão pediu o indiciamento de 266 pessoas, entre elas sete políticos, suspeitas de ligação com grupos paramilitares no RJ. Segundo a Secretaria de Segurança, em 2009, ano seguinte ao da CPI das Milícias, 246 milicianos foram presos no estado. Esse número é três vezes maior do que o observado no ano anterior: 78. A partir de 2010, no entanto, o total de prisões caiu, atingindo o ponto mais baixo em 2013: 55 prisões. Em 2017, último ano com dados disponíveis, 133 milicianos foram presos no RJ. Cinco parlamentares foram citados nessa sugestão do relatório da CPI. Deles, três foram condenados pela Justiça, mas nenhum chegou a ser punido pelo Legislativo ao qual pertencia. Veja abaixo a situação de cada um deles: Natalino José Guimarães (DEM); Jerônimo Guimarães Filho (MDB), o Jerominho; Vereador Josinaldo Francisco da Cruz (DEM), o Nadinho de Rio das Pedras; Vereador Luiz André Ferreira da Silva (PR), o Deco; Vereador de São Gonçalo Geiso Pereira Turques (PDT), o Geiso do Castelo; Carmen Glória Guinâncio Guimarães (PTdoB), a Carminha Jerominho; Cristiano Girão Matias (PMN). De lá para cá, foram assassinados a tiros pelo menos 53 milicianos cujos nomes constavam na investigação parlamentar, encerrada em 14 de novembro de 2008.... Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2018/04/16/em-dez-anos-53-milicianos-citados-em-cpi-foram-assassinados-no-rio.htm?cmpid Acesso em 3.2.2024

[2] O crime de tráfico de drogas está previsto no artigo 33 da Lei 11.343/2006, que descreve diversas condutas que caracterizam o ilícito, proibindo qualquer tipo de venda, compra, produção, armazenamento, entrega ou fornecimento, mesmo que gratuito, de drogas sem autorização ou em desconformidade com a legislação pertinente. A pena prevista é de 5 a 15 anos de reclusão e pagamento de multa de 500 à 1500 dias-multa.

[3] A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) aplicou, pela primeira vez, uma multa de R$ 7,68 mil a uma pessoa física pela venda dos chamados “TV Boxes”, os receptores clandestinos para sinal de TV e streaming, que ficaram popularmente conhecidos como “gatonet”. A Lei nº 9.610/1998, dispõe que as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive cinematográficas, são obras intelectuais protegidas aos seus criadores. “Considerando que o TV Box não homologado transmite conteúdos de canais e aplicativos por assinatura, sem autorização e o devido pagamento ao provedor, sua comercialização é crime, nos termos do artigo 184, §3º, do Código de Penal, com pena de reclusão de dois a quatro anos, e multa”.

[4] Francisco Clementino de SAN TIAGO DANTAS (1911-1964) Deputado Federal nas Legislaturas 1959-1963 e 1963-1967. Em 22 de agosto de 1961, foi nomeado pelo Presidente Jânio Quadros Embaixador do Brasil na ONU, mas, devido à renúncia de Jânio três dias depois, não chegou a assumir o cargo e tampouco pôde reassumir o mandato parlamentar, pois sua renúncia ao mesmo já estava consumada. Com a instituição do regime parlamentarista de governo, foi escolhido para Ministro de Relações Exteriores, cargo que exerceu de 11 de setembro de 1961 a 25 de junho de 1962. Tendo previamente sido um dos formuladores da chamada "política externa independente", como Chanceler promoveu o reatamento das relações com a União Soviética, discordou da proposta dos Estados Unidos de expulsão de Cuba da Organização dos Estados Americanos (OEA) e chefiou a delegação brasileira à Conferência de Desarmamento em Genebra, onde o Brasil se definiu como "potência não-alinhada". Em junho de 1962, o Presidente João Goulart o indicou para Primeiro-Ministro em substituição a Tancredo Neves, que havia renunciado, mas seu nome foi rejeitado pelo Congresso. Reeleito Deputado Federal em outubro de 1962, foi, logo após a volta do País ao regime presidencialista, nomeado Ministro da Fazenda, exercendo o cargo de 24 de janeiro a 20 de junho de 1963. Morreu no Rio de Janeiro em 6 de setembro de 1964.

[5] Antiga área de loteamentos e especulações de terra, a Baixada Fluminense (RJ) carrega em sua história recente, principalmente a partir da abertura da rodovia Washington Luís (Rio-Petrópolis), em 1928, um legado de assassinatos políticos e disputas de poder que envolvem grupos rivais, famílias tradicionais, milicianos e até traficantes de drogas. Parte da região metropolitana do Estado, a Baixada já foi uma área próspera, com papel relevante na produção agrícola do país (ciclos do café e da laranja). Porém, aos poucos, seus domínios sofreram processo de desocupação. Após as décadas de 50 e 60, houve grande fluxo migratório em direção ao Rio, e muitas pessoas em busca de terra e trabalho se estabeleceram na Baixada Fluminense. Tenório chegou ao RJ durante a década de vinte para atuar na empresa que fazia a Estrada Washington Luís. E, já se deparou com intensa disputa de terras e começou a agir como grileiro. Seu perfil foi de Rei da Baixada até deputado pistoleiro. Em 1950, após a eleição para deputado federal do RJ dominou a cena e a política local tendo seu nome associado há mais de vinte homicídios violentos.

[6] A função da frase aponta para a direção de se conceder ao autor de crime um tratamento inferiorizado, humilhante e causador de sofrimento. Se é bandido, não pode ter uma vida tranquila, mesmo que preso. O slogan “Bandido bom é bandido morto” foi criado por José Guilherme Godinho quando em 1986, candidatou-se à Deputado Estadual no extinto Estado da Guanabara. O Delegado Sivuca, como era conhecido, foi da Policia Especial- guarda pessoal do ditador Getúlio Vargas, cujo chefe era Gregório Fortunato, o “Anjo Negro”,

[7] O escravismo e o surgimento de um grupo social significativo de libertos e homens de cor livres constituem eixos centrais do meu modelo de análise. Neste terreno, observo que existem mais regularidades estruturais, planos de conexões, que "singularidades" nos processos de desenvolvimento social pernambucano e mineiro. A estrutura e volume do tráfico de escravos africanos - tão explosivos após o arranque da economia de plantation pernambucana, depois de 1600, como após a corrida do ouro mineira, depois de 1700 - e a dinâmica do processo de constituição de suas camadas de homens de cor livres e seu peso relativo no universo da população negra constituem aspectos que mais aproximam que distanciam aquelas configurações sociais. Por outro lado, e rompendo com o limitado, porém inevitável, procedimento comparativo, é importante destacar que as distintas capitanias da América portuguesa refletiam-se umas nas outras como espelhos, uma vez que indivíduos ou grupos de indivíduos situados em diferentes posições de sua hierarquia social utilizavam exemplos do processo sociogênico ou de desenvolvimento social de outras capitanias, observados alhures, muitas vezes in loco, de modo a justificar seus procedimentos político-administrativos, suas demandas por posições, cargos, privilégios, graças ou isenções nos termos do Antigo Regime, ou à medida que procuravam criar instituições ou estabelecer parâmetros para sua gestão e governação. Este recurso foi amplamente utilizado não apenas por governadores e capitães generais, como é frequentemente notado, mas também por pardos e pretos adscritos em variadas posições dos terços auxiliares e, depois, dos regimentos milicianos. Adiante procuro demonstrar esta asserção e examinar o modo pelo qual exemplos, alusões ou meras referências a instituições de outras capitanias constituíam recurso recorrente nas representações e demandas elaboradas ao longo do século XVIII.

[8] Carlos Alexandre da Silva Braga, o Carlinhos Três Pontes ou CL era ex-criminoso originário da comunidade Três Pontes, da zona oeste do RJ. Há informações que era da facção TCP, mas que debandou para milícia tempos depois, se tornando o homem de confiança do ex-PM Toni Aguiar. Ficou conhecido como o primeiro miliciano a realizar aliança entre a milícia e as facções de tráfico de drogas, sobretudo TCP, um fenômeno conhecido como a narcomilícia, no RJ. Morreu em uma operação policial em 2017, quando seu irmão Wellington da Silva Braga, o Ecko, assumiu o comando da milícia no mesmo ano. A milícia, nessa ocasião, não se chamava mais de Liga da Justiça e, sim, A Firma, ainda no comando de Carlinhos. Ecko teve seu fim em uma operação policial no dia 12 de junho de 2021, dia dos Namorados. Segundo os policiais, Ecko estava visitando uma namorada no dia em que foi localizado na comunidade Três Pontes. Baleado, ele ainda foi socorrido para o hospital, mas no trajeto ele reagiu e tentou pegar a arma de uma policial civil, ocasião em que foi morto. A morte de Ecko leva a ascensão de mais um membro da Família Braga, como costumam nomear a família dos irmãos milicianos. Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, assume o comando da organização após a morte de Ecko. Zinho era conhecido por ser responsável pela contabilidade da milícia na época do comando de seus outros irmãos. Com a ascensão de Zinho, a guerra eclarada com a quadrilha de Tandera, que estava fria, sem conflitos mútuos, toma outro rumo. Tandera então trava uma guerra contra Zinho, chegando inclusive ao ponto de várias vans serem queimadas na Zona Oeste, em setembro de 2021. Segundo a polícia, sete vans foram queimadas por ordem de Tandera.

[9] A “Reconquista Ibérica” ou “Retomada Cristã” foi um processo histórico, militar e religioso no qual os reinos cristãos retomaram os territórios da Península Ibérica que haviam sido tomados pelos muçulmanos. O processo ocorreu aproximadamente entre os anos 718 e 1492, com a conquista do reino de Granada. A reconquista de todo o território peninsular durou cerca de cinco séculos, só ficando concluída em 1492, com a tomada do reino muçulmano de Granada pelos reis Católicos. Em Portugal, a reconquista terminou antes, com a conquista definitiva da cidade de Faro, pelas forças de D. Afonso III, em 1249.

[10]   Desde a Idade Média até ao século XIX, as milícias tiveram uma importância primordial na organização militar portuguesa. Na Idade Média, as milícias municipais, mantidas pelos concelhos constituíram sempre o maior componente do Exército Português, ajudando a consolidar a centralidade do poder real, dado que diminuía a importância da ajuda prestada pelas tropas senhoriais. A Legião Portuguesa (LP) GOC GCA constituiu uma organização nacional, integrando uma milícia, que funcionou durante o período do Estado Novo em Portugal. A LP era um organismo do Estado, normalmente dependente do Ministério do Interior. Em caso de guerra ou de emergência grave poderia passar para a dependência do ministro da Defesa Nacional. Podiam pertencer à LP os Portugueses, de ambos os sexos, com mais de dezoito anos de idade que tomassem, sob juramento, o compromisso de servir a Nação de harmonia com os intuitos do movimento gerador da organização. Os membros da LP formavam o movimento nacional legionário. Os legionários com instrução militar e fazendo parte das forças da LP constituíam a milícia legionária. Criada em 1936 com o objetivo de "defender o património espiritual da Nação e combater a ameaça comunista e o anarquismo", a partir da década de 1940 a LP passou a ser essencialmente uma organização de defesa civil. A LP foi extinta no próprio dia do 25 de abril de 1974.

[11] Em geral, os seus integrantes eram políticos, membros do Poder Judiciário, policiais civis e militares e era mantida, via de regra, pelo empresariado. Uma organização paramilitar surgida no final dos anos 1960 cujo objetivo era perseguir e matar pessoas tidas como perigosas para a ditadura militar. Começou no antigo Estado da Guanabara comandado pelo detetive Mariel Mariscot, um dos chamados " Doze Homens de Ouro da Polícia Carioca", e se disseminou por todo o Brasil. Em geral, os seus integrantes eram políticos, membros do Poder Judiciário, policiais civis e militares e era mantida, via de regra, pelo empresariado. A mais famosa organização foi a "Scuderie Le Cocq", cujo nome homenageava o detetive Milton le Cocq, que foi perdendo importância ao longo da década de 1990 no estado do Rio de Janeiro devido a ação de membros que agiam sem controle, bem como faziam a segurança de contraventores.

[12] “Segundo Hélio Bicudo jurista da Faculdade de Direito (FD) da USP, e militante de direitos humanos , o Esquadrão da Morte da cidade de São Paulo foi um grupo formado por policiais que, liderados por Sérgio Fleury, executaram sumariamente em torno de 200 pessoas, além de terem envolvimento com tráfico de entorpecentes, prostituição, corrupção e proteção de quadrilhas de traficantes”.

[13] O nome de Vladimir tornou-se central no movimento pela restauração da democracia no país após 1964. Militante do Partido Comunista Brasileiro, foi torturado e assassinado pelo regime militar brasileiro durante a ditadura nas instalações do DOI-CODI, no quartel-general do II Exército, no município de São Paulo, após ter se apresentado voluntariamente ao órgão para "prestar esclarecimentos" sobre suas ligações com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Vladimir Herzog nascido Vlado Herzog (1937-1975) foi jornalista, professor e dramaturgo brasileiro.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Segurança Pública Milícias Violência Urbana Direitos Humanos Expansão Áreas de Milícias

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