O feminino em Machado de Assis. Entre a estória e a história
A importância das mulheres traçadas por Machado de Assis serve para entender e acompanhar as conquistas de direitos pelas mulheres com perspectiva histórica, social e cultural. A luta das mulheres por equidade e respeito na sociedade. No combate à estrutura patriarcal e a discriminação e misoginia. Somente em 1827 que as meninas foram liberadas para frequentar a escola, além da formação do primário. O primeiro Código Eleitoral e a Constituição de 1934 garantiu o direito político da mulher e contemplou o voto feminino. A lenta evolução dos direitos da mulher ainda hoje requer firme busca na afirmação e concretização contemporânea.
Os
personagens femininas nas obras machadianas, a começar por “Dom Casmurro”.
Cumpre observar o contexto histórico das obras, depois as principais
características dessas personagens e, as relações entre as mesmas com o fito de
entender a visão do escritor sobre o mundo feminino.
Reconhecido
como sendo o maior escritor brasileiro, Machado de Assis teve uma vida
relativamente estável e conheceu ainda em vida prestígio e fama que tanto lhe
cabiam e merecia. Era um mulato nascido no Morro do Livramento[1], em 1839, tinha todos os
requisitos para ser apenas mais um dos muitos cidadãos fracassados que habitam
o universo das periferias das grandes cidades.
Ao
morrer em 1908, recebeu honras fúnebres (na certidão de óbito foi considerado
branco) e, sua vida demonstrou a ascensão social alcançada pelo bruxo, conforme
chamou o poeta Carlos Drummond de Andrade[2], devido ao seu sincero
esforço permanente de captar a realidade e ainda mais por seu talento
insubstituível de transformar histórias em livros.
Não se
pode negar que o apelido só se popularizou com a publicação do poema de
Drummond “A um bruxo com amor”[3], em 28 de setembro de
1958, no Correio da Manhã, e republicado depois, com alterações, no livro
Poemas, de 1959. Curiosamente, no poema não aparece a expressão “bruxo do Cosme
Velho”, apenas as palavras “bruxo” e “Cosme Velho” em versos separados.
Ficou
órgão ainda criança, Machado vendeu doces na rua para ajudar no sustento da
família, ainda na juventude foi caixeiro numa livraria e tipógrafo, mais tarde
tornou-se jornalista, e tudo lhe encaminhou para a literatura.
Arranjou
um emprego de funcionário público e chegou fazer carreira, quando foi oficial
de gabinete de ministro, diretor de órgão público e, por ocasião da Proclamação
da República[4]em
1889, Machado cuidava da Diretoria do Comércio do Rio de Janeiro.
Outra
base sólida foi o seu casamento com a portuguesa Carolina de Novais, afirmam
alguns que em seus textos há firmes resquícios da influência de Carolina.
Opinou Afrânio Coutinho (2004) que no decurso de atividade literária
ininterrupta que foi iniciada no século XIX, quando seus primeiros versos foram
publicados na Revista Marmota Fluminense, até a publicação de seu derradeiro
livro, o “Memorial de Aires”, em 1908, representou no país, o primeiro e mais aperfeiçoado
modelo de homem autêntico voltado à arte de escrever.
Os
primeiros textos machadianos ainda escritos sob a influência[5] do Romantismo contrastam
muito com a parte mais significativa de sua produção literária, a chamada fase
da maturidade, que foi iniciada em 1881 com a publicação de “Memórias Póstumas
de Brás Cubas” e, consolidade mais tarde como “Quincas Borba” e “Dom Casmurro”
o que demonstrou que o escritor foi hábil em evoluir uma prosa realista,
permeada de complexos retratos psicológicos que se distanciavam muito da
idealização romântica e ainda dos exageros cientificistas dos demais escritores
do realismo-naturalismo[6].
As obras
da fase realista tem como contexto e cenário a cidade do Rio de Janeiro, no fim
do século XIX e início do século XX e, seus personagens são autênticos
representantes da sociedade burguesa vigente na época, suas narrações sempre
conduzidas por protagonistas masculinos, o que revela a visão do homem sobre a
condição feminina[7].
A
referida sociedade era marcadamente patriarcalista e, nesse contexto, a figura
feminina estava submissa ao homem, não sendo de se estranhar o fato de que na
maioria das vezes são atribuídas às mulheres muitas posturas negativas. Basta
ver a descrição de Capitu[8], uma personagem clássico
da obra Dom Casmurro que era adúltera, dissimulada e bastante sensual.
Cumpre
ainda assinalar que com a ascensão da burguesia trouxe para a sociedade
brasileira uma nova mentalidade, uma maneira diferente de organização social e
convivências familiares e domésticas. Eis que doravante há uma mulher que se
entrega mais facilmente à sensibilidade e também às novas formas de amor.
Essa “nova
mulher” da família burguesa foi marcada pela valorização da intimidade e
maturidade. Há sólido ambiente familiar, um lar acolhedor, filhos educados e a
esposa dedicada ao marido e aos filhos e desobrigada de qualquer trabalho
produtivo. As mulheres representavam assim o ideal de retidão, um tesouro
social. Era um mundo emblematicamente fechado, e a boa reputação financeira
e a proteção em face do mundo externo
que tanto marcaram a urbanização brasileira.
Então
esses novos tempos trouxeram mudanças políticas, sociais, econômicas e, a
mulher até então atrelada à família patriarcal ganhou certas liberdades e vem a
ocupar novos espaços e funções. Doravante a mulher tem que se ocupar do lar,
dos filhos e do marido e, ainda, ser sua companheira na vida social.
O
mundo familiar da fase romântica contrasta com o mundo da fase realista. Os
textos do escritor da primeira fase mostram mulheres solitárias, solteironas,
viúvas o tias que se procuravam de favorecer a felicidade de seus protegidos e
amados. Há ainda, as moças pobres que amam homens proibidos. Nessas relações há
sempre um óbice entre o amor e casamento. São sempre amores impossíveis,
improváveis e inatingíveis.
Já, os
romances machadianos a partir de 1891 trouxeram famílias basicamente urbanas e
formadas sempre pelo núcleo, a saber: marido, esposa e filhos. E, em tais
romances, há conflitos que são constância, a saber: triângulo amoroso,
sentimentos ambíguos, ciúmes, casamentos de conveniências e relações amorosas
monótonas e entediantes. E, a figura feminina é sempre a causadora do conflito,
sendo descrita por protagonistas masculinos, e na maioria das vezes, esquadrinhando-se
uma imagem negativa[9].
Alfredo
Bosi (2000) apontou outras características pertinentes no que tange à vida
social das mulheres criadas por Machado de Assis. Pois procuravam tirar
proveito das relações afetivas para vencer na vida, elas têm inicialmente uma
fase em que estão subordinadas a uma situação desfavorável, depois procuram dar
um salto prevendo-se aos casamentos de interesse.
Enfim,
a relação afetiva e amorosa era encarada como única via de ascensão social para
a mulher daquela época. É o caso de Guiomar, em “A Mão e A Luva”, e
parcialmente de Iaiá Garcia[10], no romance de mesmo
nome. Nos romances da fase realista, as personagens femininas já estão com status
elevado por terem conseguido casamentos sólidos, agora elas dão-se ao luxo de
arquitetar namoros adulterinos, casos de Virgília em “Memórias Póstumas de Brás
Cubas” e de Sofia em “Quincas Borba”. Nesse quesito, Capitu, personagem de “Dom
Casmurro”, é o grande mistério, não sabemos exatamente o que ela fez, se traiu
ou não o marido.
Sofia
em “Quincas Borba” é a sabedoria de uma mulher casada, mas muito vaidosa,
sempre necessitando do olhar do outro sobre sua beleza acentuada com os
vestidos e corpetes, fazendo-a mais deslumbrante com sua pele alva e jovial.
Mas a mulher que se orgulha de seu corpo, de seus ombros a mostra, que tantos
desejos despertam, adora valsar e quase trai o marido com um aventureiro apesar
da paixão de…a quem ela tem asco, só não realizando a traição porque seu amante, sedutor por profissão, a achou muito “fácil” e por isso a despreza.
Mas o
enigma da paixão e da traição estão no
personagem machadiano por essência, Capitu. Que lembra capitular, ceder,
portanto o que dizer de Capitu, afinal traiu ou não Bentinho? Resta esta dúvida
no livro inteiro o bruxo Machado enfeitiça tanto Bentinho quanto nós leitores,
mas, no final é cruel a revelação: o filho de ambos é a cara do amigo Escobar,
e quanto mais cresce mais parece com o amigo (pai?) ante a raiva silenciosa do
“pai” traído que odiava silenciosamente este filho bastardo que o amava pois
sempre o teve com o pai.
De
acordo com Domício Proença Filho[11], nos romances machadianos
há destaque para as figuras femininas[12]. Sendo, por vezes,
encarada com traços de mau caráter, apesar de ser dotada inteligência e
cultura. É o caso de Virgília e Sofia que representam mulheres ambiciosas e
interesseiras e capazes de serem adúlteras para satisfazer seus desejos
pessoais.
Virgília,
feminino de Virgílio poeta que influenciou Dante[13], que é seu guia nos sete
círculos do inferno na “Divina Comédia”. É
Virgília[14],
amante tão idolatrada e depois abandonada, a mulher que presencia a morte de
Brás Cubas e o faz lembrar dos tempos em que foram amantes.
Sim,
uma mulher casada, católica[15] a quem o desejo foi mais
forte, e a fez transgredir convenções sociais, pois além do amor platônico a
possível gravidez de Virgília demonstra que havia o ato sexual no cafofo dos
amantes. Somente com as fofocas e avisos do chifre do marido que este toma atitude,
pois a imagem social vale mais que a
verdade, e o marido traído, que todos sabem menos ele, não quer acreditar que o
amigo é amante de sua mulher.
Traição,
dissimulação e o sacro casamento, eis no desejo e no amante a resposta do
corpo, dos sexos ao simulacro do amor do
casamento burguês monogâmico, uma falsidade, pois se existe verdade ela
está na paixão, a verdade dos amantes.
Flora
é a adolescente apaixonada pelo gêmeos Esaú e Jacó, e amando a ambos não pode
escolher nenhum, por isso enlouquece febril em seus delírios, e morre tendo um devaneio da fusão dos dois irmãos
gêmeos em um homem só, último delírio que esta doença chamada paixão provocou
na jovem e virgem adolescente, afinal, paixão, vem da palavra grega pathos, de
patológico, doentio, pois a paixão é uma loucura que tira a razão de seu lugar
de senhor do corpo.
Para Flora
que queria um homem que fosse a fusão dos gêmeos, seu desejo só se realiza no
delírio, e já que na realidade isto não é possível, a morte é a saída para o
ideal romântico do amor tão ardente e real como impossível, o amor/desejo de
uma virgem que ao ser a mulher amada e desejada por dois irmãos, não sabe
escolher, e amando os dois não pode ter nenhum.
Fidélia, feminino da
opera “Fidélio” do grande maestro e compositor Beethoven[16] representa a fidelidade
da viúva, a qual Aires e a irmã apostam, se ela vai manter a fidelidade ao
marido amado morto. Pois viúva nesta época é para sempre. Mas, Fidélia é jovem
e mesmo ainda amando o marido morto tem a vida, o corpo e seus desejos.
É a única que não rompe o modelo social de
fidelidade, pois é normal uma viúva casar desde que espere o período de luto. Ser
viúva a vida inteira a seria uma infidelidade aos desejos e a vida de
Fidélia. Esta apesar de não confrontar a regra social, era objeto de desejo do
velho Aires, por isso ele a queria viúva, pois sempre poderia acontecer um
enlace com ele Aires, e se não fosse com ele que não seja com ninguém, mas o
desejo foi mais forte e ela se casou com um jovem como ela.
Já em “Quincas
Borba”, Sofia corresponde a uma mulher sedutora que atraiu Rubião para gozar de
seu prestígio, mas logo o abandona por ocasião de sua ruína. Enquanto Virgília em “Memórias Póstumas de
Brás Cubas”, é uma mulher pretensiosa e astuta e abandona Brás para se casar com
Lobo Neves devido ele seguir carreira política e ainda desfrutar de posição
social mais prestigiada e elevada. Porém, para atender seus interesses
pessoais, tornou-se amante do antigo namorado.
A
personagem Guiomar na obra “A Mão e Luva”, Guiomar, mulher que elege Luiz Alves
de forma racional, devido ao fato deste possuir as qualidades que lhe
possibilitaria satisfazer as ambições.
É mais
um exemplo de mulher interesseira que faz parte do elenco feminino machadiano. Dentre
as personagens da fase romântica de Machado de Assis, merece destaque à figura
de Helena, do romance homônimo, ela aproxima-se de Estácio fingindo ser sua
irmã com o propósito de receber parte da herança, é outro exemplo de personagem
feminina de Machado que se aproxima do sexo oposto por interesse.
A obra
selecionada para análise é Helena, que foi
publicada, pela primeira
vez, em18762. A história,
entretanto, se passa
no ano de 1859, século XIX, na cidade do Rio de
Janeiro (RJ), especificamente no bairro Andaraí, bairro que tivera a
sua face aristocrática, no
século XIX, conforme
estudo de Márcia
Leite e Maurício Fabão, que destacaram também que o
bairro já foi cenário de dois romances de Machado de Assis, a saber Helena
e Memorial de
Aires. Relevante recordar também que a cidade do Rio de Janeiro foi
capital brasileira de 1763 até 1960.
A obra
Helena, cuja personagem
principal dá nome
correspondente à obra, tratada
descoberta do amor proibido entre a adolescente e seu irmão, filho legítimado Conselheiro
que, por
testamento, deixou sua
vontade expressa para reconhecimento e acolhimento da filha
(Helena)junto à família,
que é composta
pelo filho Estácio
e a irmã solteira do Conselheiro, Dona Úrsula. A
trama se desenvolve
em meio à
imagem social da chegada
de uma filha
bastarda na nobre
família, fruto de uma aventura, contexto retratado logo no início da história, pois
para Úrsula, a chegada de Helena (era a entrada de uma pessoa estranha na
família).
Helena,
moça de dezesseis a dezessete anos (ASSIS, 1987, p.18), tivera sua imagem retratada como a
jovem que é dócil, afável, inteligente, além de ser portadora
de virtudes domésticas, trabalhos feminis. Helena, entretanto,
era portadora de complexas características que
escapavam à normalidade feminina
da época, conforme diálogo crucial para entendimento da desigualdade entre
homens e mulheres no século XIX no Brasil. (In: CASTRO, Lorenna Roberta
Barbosa; SIQUEIRA, Dirceu Pereira. Helena, de Machado de Assis, o Amparo
Constitucional de 1824, e a Constituição
de 1988: Direitos da Personalidade a todas. Disponível em: https://www.indexlaw.org/index.php/revistadireitoarteliteratura/article/view/6652/pdf
Acesso em 12.7.2023).
A mais
famosa personagem é Capitu que foi marcante no romance Dom Casmurro, era uma
menina pobre que procurou ascender socialmente à custa do casamento, e para
tanto usou de suas principais qualidades: calculista, complicada, interesseira,
dissimulada, sedutora, tendo um corpo forte, alto, moreno, olhos claros e
grandes, além do nariz reto e comprido. É mulher decidida e firma como as
demais personagens machadianas que têm presença determinante no evoluir do
enredo.
Capitu
vê seu casamento com Bento Santiago como a única maneira de subir na vida e
alcançar uma posição social que pudesse lhe conceder estabilidade financeira,
para isso não mede esforços e faz uso de artimanhas com o propósito de desafiar
as condições impostas às mulheres da época[17].
Os
olhos da personagem Capitu refletem muito de sua personalidade. Através deles
Machado de Assis constrói uma personagem múltipla e complicada, o que
consequentemente complica também a compreensão do leitor. É difícil afirmar se
ela é honesta ou desonesta, sabe-se apenas que se trata de uma figura humana
envolta em um universo de enigmas sutis a serem decifrados com opções contra e
a favor do seu possível adultério. Capitu é sem dúvida a principal personagem
feminina das obras realistas de Machado.
Capitu,
etimologicamente por sua vez, é hipocorístico de Capitolina, forma feminina de
Capitolino, do latim Capitolium, "relativa a Capitólio". ... A
forma latina Capitolium, por sua vez, provém de caput,
"cabeça". Daí, considerar-se a base substantiva de formação do nome
do personagem em questão e, desse modo, seu papel de determinado.
Capitu
representa todas as mulheres. Bentinho culpava Capitu pelas inseguranças que
eram e vinham dele. Vasculhava justificativas e enxergava motivos nas mínimas
coisas. Sentia ciúmes até do mar que Capitu olhava, por não saber o que se
passava em sua cabeça.
Toda
existência de Capitu foi usada contra ela, suas ações e até mesmo sua
existência física. Ela é culpada pelos seus olhos “de cigana oblíqua e
dissimulada” tal qual absurdamente hoje uma criança violentada é culpada por
ter um “olhar[18]
de mulher”.
O
sensualismo de Capitu marca a personagem que foi construída com grande sutileza
psicológica, apontando o apelo sexual no comportamento de uma mulher ainda adolescente.
E, esse sensualismo poderia ser constatado na cena quando Capitu seduz
Bentinho.
E, ao
falar sobre o olhar de Capitu traduz nossa miscigenação, nossa aparente
submissão, é lançado de forma erotizada. É o olhar que denuncia a marginal
vitória da mulher colonizada. De quem dissimuladamente aceita o jogo silente,
de carrasco e vítima. Jogo cruel e de aparente aceitação das diversas manifestações
do relacionamento humano.
O
Código Civil brasileiro daquele século sacramentava a inferioridade da mulher
casada em relação ao marido. Ao homem,
chefe da união conjugal, cabia a representação legal da família, a administração dos bens do
casal como também os particulares de sua
esposa. Isto é, essa ordem jurídica então vigente incorporava e legalizava o
modelo que concebia a mulher como
dependente e subordinada ao homem e este como senhor da ação. Vale dizer ainda que cabia ao marido
a administração e o usufruto de todos os
bens, inclusive dos que tivessem sido trazidos pela esposa no contrato de casamento.
A luta
dolorosa de Capitu é revelada pelo seu olhar porque ela é arremessada no campo
da dúvida. E, os mostram aquilo que desejamos ver por meio deles. É a projeção
de quem olha. E, representa as aspirações de mulheres de seu tempo no que se
refere à busca das mesmas por melhor espaço na vida social.
A
respeito de Capitu, sabemos que ela é uma personagem estável, não se modifica
no curso da estória. A problemática do olhar, o jogo de sedução permanece no
decorrer da narrativa. Com seus “olhos de ressaca” e de cigana oblíqua sai bem
de situações difíceis , exemplo do episódio do penteado e da inscrição no muro:
“Capitu
riscava sobre o riscado, para apagar bem o escrito (Cap XIII). Capitu compôs
depressa, tão depressa que, quando a mãe apontou a porta, ela abanava a cabeça
e ria. Nenhum laivo amarelo, nenhuma contração de acanhamento, um riso espontâneo
e claro” (Cap XXXIII).
Nota-se
que ela desde a adolescência já começa a preparar o salto social que deseja,
faz isso por meio do jogo de sedução e manipulação. A comparação entre os olhos
de ressaca com as ondas demonstra a capacidade que ambos têm de atrair e
atemoriza suas vítimas através do fascínio: “... olhos de ressaca? Vá, de
ressaca. É o que me dá ideia daquela feição nova. Traziam não sei que fluído
misterioso e enérgico, praia nos dias de ressaca.
Os
romances realistas de Machado de Assis, principalmente, “Memórias Póstumas de
Brás Cubas”[19]
e “Dom Casmurro”, são narrações construídas em flashback, há sempre
protagonistas masculinos já cinquentões e solitários relembrando as vivências
na tentativa de atar as duas portas da vida: Infância.
D.
Conceição, descrita nessa narrativa do autor não deixa de ser essa verdadeira
mulher, cheia qualidades e sentimentos que não estão visíveis diante todos, e
que esconde uma malícia sutil em seu íntimo. Não é bela, mas, também não é
feia, é vista pelo seu “eu” psicológico, como o autor inicia o conto com essa
frase enigmática com que insinua várias interrogativas diante do que se propõe
o enredo a respeito de “D. Conceição do Conto “A Missa do Galo”: (...) “Nunca
pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava
eu dezessete, ela trinta”.
Já na
personagem “Guiomar” de “A Mão e a Luva”, fica explícita a indecisão entre os
três pretendentes, Jorge, Luís Alves e Estêvão, esse último, o qual ela de uma
forma ou de outra lhes deu esperanças sem nunca ter revelado sua verdadeira
intensão e afeto, e era sempre uma incógnita sua atitude para com esse moço que
à amava muito. “(...) Guiomar, sorrindo, tirou a flor do cabelo, e deu-lha;
Estêvão recebeu-a com igual contentamento ao que teria se lhe antecipassem o
seu quinhão do céu.”
Helen
Caldwel (2002), propõe um questionamento importante à cerca da imagem de
adúltera comumente associada a personagem Capitu. Segundo o crítico, a
pesquisadora ficou muito preocupada com o fato de que a história tenha sido
contada pelo marido ciumento e rancoroso[20].
Sabemos
que a suspeita de que Capitu fosse uma pessoa capaz de enganar permeia todo o romance
e todo a expressão do próprio narrador. Nesse caso, hipoteticamente é possível
afirmar que o narrador tenha arquitetado o plano de mentir de propósito somente
para desqualificar a figura feminina, o que era aliás, comum para a ideologia da
época.
Nos
romances realistas de Machado há sempre uma voz narrativa, sempre um personagem
masculino, trazendo a sua própria visão e versão dos acontecimentos. E, o
personagem faz em tempo posterior dos fatos narrados. Já está velho, rancoroso,
magoado, entediado e expõe uma visão negativa da figura feminina[21].
O
ponto de vista é masculino moldado pela ideologia patriarcal vigente no século
XIX. Exemplificamos aqui, a personagem Capitu, o propósito da linha narrativa
de Bento Santiago é o de caracterizar de forma inequívoca a protagonista como
uma jovem voluntariosa, ativa, racional, calculista, que lida facilmente com
situações constrangedoras e que é disposta a tudo para conseguir seus
objetivos.
A
compreensão das personagens femininas na obra machadiana exige a princípio o
conhecimento do personagem narrador e o ponto de vista através do qual o mesmo
faz sua narrativa. Afinal, entender “Dom
Casmurro”, por exemplo, é entender o modo pelo qual Machado de Assis cria o
personagem Bento Santiago. Deve-se considerar que tudo está subordinado e tem
sua existência ficcional condicionada a um sistema narrativo que se baseia
exclusivamente numa visão masculina acerca do universo feminino.
As
mulheres de Machado jamais se anulam. Se algumas sucumbem, é porque resistem.
Aliás, algumas delas até conseguem virar o jogo e impor-se sobre os homens.
Mulheres de Machado é a prova da maestria do escritor, que cria textos breves e
com personagens imensas e inesquecíveis.
Verifica-se
que, pelo fundamento constitucional na proteção e preservação da dignidade
humana, previsto no artigo 1º, inciso III da CF/1988 as mulheres encontraram
amparo para a luta pela igualdade e tutela de sua identidade.
Há previsão específica para afirmar igualdade em
direitos e obrigações, proteger o mercado de trabalho para as mulheres,
disposições sobre a faixa etária para aposentadoria (artigo 40, §1º, inciso
III), isenção do alistamento militar obrigatório, titular no usucapião, sobre a
previdência social, reconhecimento da entidade familiar e, ainda, a igualdade
dos direitos e deveres na sociedade conjugal (artigo 226, §5º CF/1988).
Apesar
da ausência do mesmo amparo dado às mulheres na Constituição do Império do
Brasil de 1824, no plano constitucional tal lacuna fora suprimida pela
constituição democrática brasileira de
1988.
O princípio
da dignidade humana,
que também é o
fundamento dos direitos da personalidade, é o centro dos direitos da
personalidade feminina, referência,
então, aos atributos
e caracteres essenciais
do grupo vulnerável
mulher, que não possui
um rol exaustivo,
é decorrente de
parcela da dignidade
humana, são os
atributos indispensáveis às mulheres para que consigam se desenvolver,
se identificar, se desvencilhar da cultura machista e patriarcal que ainda as
cercam e as sufocam.
As
mulheres têm lutado pelo reconhecimento
de sua individualidade e relevância, a
sua identidade de ser mulher, que tem sido auxiliado pelos direitos da
personalidade. O preenchimento da omissão do passado é agora é uma ordem
constitucional, que ainda carece de plena efetividade, o que tem acontecido
paulatinamente, seja com
a liberdade das
mulheres de estudar,
trabalhar, votar, se inserir
no mercado de
trabalho, mas não se
resume a isso,
pois seria, no
mínimo, ingênua a colocação, o desenvolvimento das mulheres tem atingido
proporções equânimes.
Lembremos
que os direitos das mulheres se referem a um conjunto de normas e valores reivindicados
para as mulheres em diversos países[22].
Podendo
tanto ser direitos civis e políticos essenciais, como o direito à igualdade e à
liberdade. Podem ter caráter internacional e nacional, com a legislação
infraconstitucional dos países. Expressamente a vigente Constituição federal
brasileira prevê a igualdade entre homens e mulheres. E, proíbe a discriminação
de gênero e ainda prevê ampliação dos direitos civis, sociais, econômicos das
mulheres.
Segundo
a ONU[23] há doze direitos das
mulheres, a saber: Direito à vida; Direito
à liberdade e à segurança pessoal; Direito à igualdade e a estar livre de todas
as formas de discriminação; Direito à liberdade de pensamento; Direito à
informação e à educação; Direito à privacidade; Direito à saúde e à proteção
desta; Direito a construir relacionamento conjugal e a planejar sua família; Direito
a decidir ter ou não ter filhos e quando tê-los; Direito aos benefícios do
progresso científico; Direito à liberdade de reunião e participação política; Direito
a não ser submetida a torturas e maltratos.
No
Brasil, os direitos conheceram uma lenta evolução[24]. Na Constituição de 1824,
sequer se cogitava a participação da mulher na sociedade. A única referência
era especificamente da família real.
Já na
Constituição da República de 1889, a mulher somente era citada quando se referia
à filiação ilegítima. Isso demonstra a (des)importância da figura feminina na
época, que só interessava quando repercutia na esfera patrimonial.
No
início do século XIX, as mulheres evoluíram mais na organização para exigir
espaço na área da educação e do trabalho.
Outro
marco importante aconteceu em 1898, quando Myrtes de Campos se tornou a
primeira advogada do país. Enquanto isso, muitas mulheres trabalhavam em
condições desumanas, o que reforçou a mobilização por condições dignas de
trabalho e de segurança.
Em
1880, a dentista Isabel Dillon evocou na Justiça a aplicação da Lei Saraiva[25], que garantia ao detentor
de títulos o direito de votar. Alguns anos depois, em 1894, foi garantido em
Santos, município de São Paulo, o direito ao voto. Mas a norma foi derrubada no
ano seguinte. Foi apenas em 1905 que três mulheres votaram em Minas Gerais.
Em
1917, as mulheres passaram a ser admitidas nos serviços públicos. A primeira
prefeita foi eleita em 1928 em Lages, município do Rio Grande do Norte.
O voto
feminino se tornou direito pátrio em 1932. Eleita em 1933, Carlota de Queiroz
foi a primeira deputada federal e participou da Assembleia Nacional
Constituinte[26].
Após
mais de cem anos de constitucionalismo, homem e mulher foram colocados em pé de
igualdade na definição de cidadania. Isso aconteceu no texto constitucional de
1934. após esse marco constitucional, a licença-maternidade. O texto foi um
marco fundamental na luta pela igualdade de gênero.
Contudo,
o tempo da Constituição de 1932 foi pequeno. Em 1946, o casamento[27] voltou a ser
indissolúvel, o que significou um retrocesso.
No ano
de 1962 foi aprovado o Estatuto da Mulher Casada que garantia entre muitas
coisas que a mulher não precisaria mais pedir autorização ao marido para poder
trabalhar, receber herança e no caso de separação poderia solicitar a guarda
dos filhos. O referido Estatuto(Lei 4.121/ 27 de agosto de 1962), foi o
primeiro avanço para as mulheres na história do Brasil, já que, como falado
anteriormente, as mesmas passaram a ter direitos e deveres similares e/ou
igualitários a seus maridos.
A
Constituição brasileira de 1967 estabeleceu uma nova desequiparação, diminuindo
o tempo de serviço para a aposentadoria feminina. Nos anos 1960, surge a pílula
anticoncepcional, um marco significativo para as mulheres. Também o Estatuto da
Mulher Casada foi relevante marco para emancipação das mulheres.
Os grupos
feministas que pregavam um tratamento masculinizado às mulheres surgem na
década de 1970[28],
protestando por direitos e pendurando sutiãs.
Enfim,
promulga-se a “Constituição Cidadã”. A Lex Magna de 1988 menciona a
igualdade perante a lei e reafirma a igualdade de direitos e obrigações de
homens e mulheres.
No
âmbito familiar passam a ser assegurados: União estável[29]; Isonomia conjugal; Divórcio;
Princípio da paternidade responsável; Proteções, no ambiente familiar, contra
toda e qualquer forma de violência.
Importante
também mencionar o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) que garante à mulher negra a
total efetivação da igualdade de oportunidades, os direitos étnicos, sejam
individuais, coletivos e difusos e ainda prevê o combate à discriminação e
intolerância.
A Lei
Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) é uma legislação que criou mecanismos para
coibir e punir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Eis o que prescreve
o art. 1º da lei:
“Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para
coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos
do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados
internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a
criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e
estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de
violência doméstica e familiar”.
Há
cinco súmulas do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) muito importantes sobre
interpretação da Lei Maria da Penha. São elas: Súmula 536; Súmula 542; Súmula
588; Súmula 589; Súmula 600.
Em
2015, o STJ editou a Súmulaa 536, proibindo a concessão da suspensão
condicional do processo e da transação penal (benefícios da Lei 9.099/1995 –
Lei dos Juizados Especiais) nos delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha.
Também
no mesmo ano (de 2015), o STJ editou a Súmula 542, que assim fixa: A ação penal relativa ao crime de lesão
corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública
incondicionada.(SÚMULA 542, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe
31/08/2015). Significando que o Ministério Público independe de representação
da vítima para propositura da ação, uma vez que é titular da ação.
Já no
ano de 2017, o STJ editou a Súmula 588, que impossibilita a substituição da
pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos crimes ou
contravenções cometidos contra a mulher no ambiente doméstico, com violência ou
grave ameaça.
Foi a
edição da Súmula 589, que veda a aplicação do princípio da insignificância nos
crimes ou nas contravenções penais praticados contra a mulher no ambiente
doméstico, considerada a relevância penal da conduta.
Assim
preceitua a súmula: “É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou
contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações
domésticas. (SÚMULA 589, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/09/2017, DJe 18/09/2017)”.
No HC
184.990, o tribunal decidiu que, existindo relação íntima de afeto familiar
entre agressor e vítima, não é necessária a coabitação para a caracterização da
violência tratada nos dispositivos da Lei nº 11.340/2006.
Esse entendimento
está consolidado na Súmula 600, que assim versa: “Para a configuração da
violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei n. 11.340/2006 (Lei
Maria da Penha) não se exige a coabitação entre autor e vítima. (SÚMULA 600,
TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/11/2017, DJe 27/11/2017)”.
Enfim,
o Brasil retratado por Machado de Assis[30] foi aquele país que
perdeu o bonde da História, e ao manter o trabalho escravo onde já proliferava
os trabalhadores assalariados, entrou numa república frágil e despreparada. Por
isso, deu-se a criação de homens frágeis e perversos e de melhores que tentam a
todo custo a escapar da violência diária e do poder patriarcal[31].
Mais de um século depois da morte de Machado de Assis, sua obra é exemplo de superação de toda sua situação social, política e econômica. Sendo sua obra enriquecida por muitas interpretações, respaldadas pela busca de análise sobre o que motivou o escritor a encontrar respostas para questões, que, apenas aparentemente estavam respondidas.
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Notas:
[1]
É um acidente geográfico da cidade do
Rio de Janeiro. Localiza-se entre os Morros da Conceição e da Providência, área
central da cidade, próximo à região portuária. Com o desenvolvimento da cidade,
já era habitado antes de 1670, ano em que foi terminada a Capela do Livramento.
Nas terras que depois foram da família do senador Bento Barroso Pereira, nasceu
e foi criado o escritor Machado de Assis. O acesso ao local, no século XIX, era
à esquerda da rua da Saúde, pela rua das Escadinhas, que dá saída para as
Ladeiras do Livramento e do Monte. Em 1883 pertencia ao 2º Distrito da
Freguesia de Santa Rita.
[2]
Machado de Assis recebeu o mais célebre desses epítetos, o “Bruxo do Cosme
Velho”, sendo Carlos Drummond de Andrade, o “Gauche”, apontado frequentemente
como seu inventor. Trata-se, no entanto, de um equívoco que acabou se
popularizando e até hoje é repetido. “Devo reconhecer (...) que não me cabe a
paternidade da apelação 'bruxo do Cosme Velho’, dada a Machado de Assis”,
confessou o poeta mineiro na crônica de 11 de setembro de 1964, no Correio da
Manhã. Era uma resposta à referência que, meses antes, o acadêmico Alceu
Amoroso Lima lhe fizera no discurso de saudação a Gilberto Amado na Academia
Brasileira de Letras: “Mas de um despojamento diverso, igualmente, do empregado
pelo ‘bruxo do Cosme Velho’, como o denominou Carlos Drummond de Andrade no seu
poema imortal”. O poeta gaúcho Augusto Meyer já havia usado o tal apelido, mas
também não era o criador do epíteto. Ao ser consultado por Drummond, Meyer lhe
contou que outro gaúcho, o crítico literário Moysés Vellinho, em “um momento de
inspiração”, já o tinha registrado em um “antigo ensaio integrado em livro”.
[3] https://medium.com/ormando/a-um-bruxo-com-amor-carlos-drummond-de-andrade-837313f7ab58
[4]
O relatório do Fórum Econômico Mundial informa que o Brasil ocupa a 92ª posição
em um ranking com 153 países que mede a igualdade de gênero, figurando na 22ª
posição entre 25 países da América Latina e Caribe, representando uma das
piores colocações da região. Mesmo após a Proclamação da República (1889) e o
estabelecimento da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, em
1891, as mulheres continuavam esquecidas, não sendo citadas em nenhum momento.
Contudo, com o início do processo de industrialização impulsionado pela
Revolução Industrial no século anterior, as mulheres passaram a ingressar no
mercado de trabalho no país e a ocupar espaços que até então não tinham
ocupado.
[5]
Cogitam alguns estudiosos que Machado de Assis
seria nosso Flaubert e suas personagens femininas uma versão abrasileirada de Madame
Bovary. O escritor viveu numa sociedade aristocrática, conservadora e muito
religiosa. Alcunhado de Bruxo pois nas entrelinhas traçava uma crítica mordaz
aos costumes, à sociedade e à política do fim do Império brasileiro e o início
república brasileira. Revelou o Rio de Janeiro, a capital imperial e
republicana anterior a Brasília. Outra influência sofrida é a de Dostoievski
inferindo uma linguagem de folhetim.
[6]
Tanto o realismo como o naturalismo tem em comum serem contrários ao Romantismo
e a fuga da realidade, buscam o resgate de objetivismo com descrições detalhadas e sugerem a
representação mais fiel da realidade. Apontam falhas e propõem mudanças de
comportamentos humanos e das instituições e, substituíram os heróis românticos
por pessoas comuns e limitadas. O realismo sofreu influência dos movimentos
como materialismo, universalismo e cientificismo. O naturalismo sofreu
influência dos movimentos que buscaram o objetivismo científico e o
determinismo.
[7]
É nesse sentido que a Literatura diz muito sobre situações relacionadas à
condição humana como o medo da morte, o
amor, o ódio, a inveja, o ciúme. Neste artigo temos como proposta refletir sobre a representação feminina na
Literatura de Machado de Assis, por meio das personagens principais dos contos "Missa do
galo", "Uns braços", "A causa secreta" e "A
cartomante". Nos contos
mencionados, exceto o conto “A causa secreta”, observa-se que, geralmente, as personagens femininas são envolventes,
como serpentes, que atraem os seus amantes e os
enfeitiçam com suas qualidades, e mesmo que estes tentem escapar da
paixão que os cercam, seus esforços são
completamente em vão.
[8] “Capitu, aos quatorze anos, tinha ideias atrevidas, muito menos que outras que lhe vieram depois; mas eram só atrevidas em si, na prática faziam-se hábeis, sinuosas, surdas, e alcançavam o fim proposto, não de susto, mas aos saltinhos”, nota Bentinho, que vai destruir a vida da esposa porque acredita nas maledicências dos outros. O narrador vai sendo envenenado pelas observações e invenções de José Dias, para quem Capitu tem os olhos de “cigana oblíqua e dissimulada”.
[9]
Em suas obras e contos, Machado de Assis criou uma coleção insuperável de
homens superficiais e equivocados do seu tempo e seu lugar. É uma galeria de
seres ilustres que não valem um centavo, porém são admirados na sociedade que
se ancora na desfaçatez. Não escapa um: Betinho acredita tolamente nas maldades
de José Dias; Brás Cubas é o perverso mimado; Rubião é enganado porque não
entende como funciona o Rio de Janeiro; e Simão Bacamarte enlouquece achando
que os outros é que são loucos. Percebe-se que os personagens descritos por
Machado de Assis representam autênticas alegorias do Brasil Império e da passagem
para a República. Alguns leitores rejeitam essa leitura histórica, mas está
impressa nas mulheres inventadas pelo escritor que são muitas vezes mais
interessantes do que os homens. Esses, eram presos à uma realidade mesquinha
típico do período histórico, portanto, representaram a criação tupiniquim da
fusão do liberalismo com a escravidão.
[10]
A pianista de Machado de Assis Iaiá era filha de Luís Garcia, viúvo e
funcionário público, que nela concentrava todos os seus afetos, a fonte de toda
a alegria do pai. Luís Garcia tem uma amiga, também viúva, Valéria Gomes, mãe
de Jorge. Jorge está apaixonado pela filha de um ex-empregado de seu falecido
pai, Estela, que vive na mesma casa.
[11]
No trecho abaixo, pode-se notar como a
personagem tem consciência de como padrões sociais de determinado
momento interferiam de modo negativo na
situação da mulher: Conversamos sobre como nos sentíamos naqueles dias,
trocamos experiências sobre nossas
sensações de jovens adolescentes, da nossa expectativa de um bom casamento, com o homem que a gente amasse;
hoje percebo como éramos prisioneiras
das convenções e da coerção social. Enfim era o tempo que nos foi dado vivenciar. .
[12]
A riqueza das mulheres machadianas pode ser vista ainda na Sinhá Rita do conto
“O caso da vara” (1891). Nessa história extraordinária, uma senhora encarna o
poder da época e comanda a vida de todos que a cercam. Ela controla tudo e
ameaça quem está em volta com uma vara para castigos. O susto do leitor é ver
uma personagem feminina agindo da forma que se espera ver somente nos homens.
Entre o riso e o choque, Sinhá Rita expõe a perversidade constitutiva da
sociedade brasileira.
[13]
Dante Alighieri (1265-1321) foi um escritor, poeta e político florentino,
nascido na atual Itália. É considerado o primeiro e maior poeta da língua
italiana e definido como il sommo poeta, ou seja, o sumo poeta. Seu
nome, segundo o testemunho do filho Jacopo Alighieri, era um hipocorístico de
Durante. Nos documentos, era seguido do patronímico Alagheri ou do gentílico de
Alagheriis, enquanto a variante Alighieri afirmou-se com advento de Boccaccio.
Foi muito mais do que literato: numa época em que apenas os escritos em latim
eram valorizados, redigiu um poema, de viés épico e teológico, La Divina
Commedia ("A Divina Comédia"), o grande poema de Dante, que é uma das
obras-primas da literatura universal. A Commedia se tornou a base da língua
italiana moderna e culmina a afirmação do modo medieval de entender o mundo.
[14]
Wilton Cardoso, em seu livro "Tempo e Memória em Machado de Assis",
faz um comentário acerca da personagem
Virgília, mostrando que ela consegue
equilibrar-se entre o jogo social e a realização sentimental. Virgília é apenas uma criaturinha bela, de
uma beleza a princípio angélica, logo
apetitosa, que passivamente aceita um primeiro noivo, casa-se com o segundo, e se faz adúltera, entregando-se ao
primeiro amado, sem qualquer drama
íntimo, provavelmente sem paixão, como simples joguete de estimulantes vulgares.
[15]
No país que foi predominantemente católico prevaleceu o casamento religioso até
1861, quando diante do aumento de imigrantes e, ipso facto, pessoas que
professoravam outras religiões, surgiu lei regulando o casamento dos não
católicos, todavia, somente em 24.01. 1890, através do Decreto 181 que foi regulamentado
o casamento civil obrigatório, que foi consolidado pelo Código Civil brasileiro
de 1916 e mantido no atual Código Civil em seu artigo 1.512.
[16]
Ludwig van Beethoven (1770-1827) foi compositor germânico do período de
transição entre o classicismo e o romantismo. É reconhecido como um dos pilares
da música ocidental, pelo incontestável desenvolvimento, tanto da linguagem
como do conteúdo musical demonstrado nas suas obras, permanecendo como um dos
compositores mais respeitados e influentes de todos os tempos. Foi em Viena que
lhe surgiram os primeiros sintomas da sua grande tragédia, a surdez. Foi-lhe
diagnosticado, por volta de 1796, aos 26 anos de idade, a congestão dos centros
auditivos internos (que mais tarde o deixou surdo), o que lhe transtornou
bastante o espírito, levando-o a isolar-se e a grandes depressões.
[17]
O ser mulher no século XIX, no Brasil, foi traçado por firme discurso
ideológico, que reunia tanto os conservadores quanto os diferentes segmentos de
reformistas e que acabou por desumanizá-las como sujeitos históricos,
simultaneamente que cristalizava tipos de comportamento, convertendo-os em
rígidos papéis sociais. O conceito de que a mulher, à época, era em tudo,
"o contrário do homem", sintetizou a construção e difusão das
representações do comportamento feminino ideal, que reduziram muito suas
atividades e aspirações, para encaixá-la no papel de “rainha do lar",
sustentada pela composição mãe-esposa-dona de casa e rainha do lar.
[18]
De fato, Leonardo Da Vinci tinha razão ao afirmar que os olhos são as janelas
da alma e o espelho do mundo. O olhar não é somente um direcionar de olhos para
ver o que existe, é preciso enxergar. Significa também ater-se às emoções. E,
nem se limita a visão objetiva, pois o olhar explora o ilimitado e revela segredos,
pretensões, sonhos e paixões. Segundo Alfredo Bosi, in litteris: "Olhar
tem a vantagem de ser móvel, o que não é o caso, por exemplo, de ponto de
vista. O olhar é ora abrangente, ora incisivo. O olhar é ora cognitivo e, no
limite definidor, ora é emotivo e passional. O olho que perscruta e quer saber
objetivamente das coisas pode ser também o olho que ri ou chora, ama ou
detesta, admira ou despreza. Quem diz olhar diz, implicitamente, tanto
inteligência quanto sentimento". (In: BOSI, A. O enigma do olhar. São Paulo: Ática, 2000).
[19]
Vem das “Memórias póstumas de Brás Cubas”, o capítulo “Oblivion”, isto
é, o Esquecimento: o narrador envelhecido despede-se de Eros e justifica tanto
a mudança quanto o envelhecimento das coisas e dos seres como tarefa de “Oblivion”,
para divertir o planeta Saturno, símbolo eternal da melancolia. Os últimos
versos da estrofe remetem à peça teatral “A Tempestade”, e ao gênio dos ares,
Ariel, escravo de Próspero, de outro Bruxo, de Shakespeare. Drummond afirma:
Machado de Assis também é capaz de se dissolver no ar, assim como a metáfora da
visita se eclipsa aos hóspedes da ilusão, personagens criados por um Bruxo que
residiu na Rua do Cosme Velho, trazidas pela deusa Mnemósine, a mãe de todas as
memórias, de todas as Musas, dádivas de Zeus.
[20]
O ser mulher no século XIX, no Brasil, foi traçado por firme discurso
ideológico, que reunia tanto os conservadores quanto os diferentes segmentos de
reformistas e que acabou por desumanizá-las como sujeitos históricos,
simultaneamente que cristalizava tipos de comportamento, convertendo-os em
rígidos papéis sociais. O conceito de que a mulher, à época, era em tudo,
"o contrário do homem", sintetizou a construção e difusão das
representações do comportamento feminino ideal, que reduziram muito suas
atividades e aspirações, para encaixá-la no papel de "rainha do lar",
sustentada pela composição mãe-esposa-dona de casa e rainha do lar.
[21]
Um ponto em comum é o modo de construir os personagens, com seus perfis
reticentes, contraditórios e complexos, o que o diferencia do simples
personagem títere ou autômato. Tal particularidade é visível como mais um
elemento de divergência em relação ao que se entende como padrão romântico na
literatura brasileira, uma vez que o tipo de criação literária focaliza o
enredo e seus desenlaces ao invés de dar ênfase à constituição psicológica dos
personagens. O escritor era profundo conhecedor da natureza humana e sempre foi
louvado pela crítica com sagaz delineador de personagens femininas.
[22]
Os dez países europeus onde a média salarial entre gêneros é mais similar, de
acordo com as estatísticas mais recentes da Eurostat (de 2021), são:
Luxemburgo: com taxa negativa de -0,2%; Romênia: 3,6%; Eslovênia: 3,8%;
Polônia: 4,5%; Bélgica e Itália: empatados com5%; Espanha: 8,9%; Chipre: 9,7%;
Islândia: 10,4%; Malta: 10,5%; Croácia: 11,1%.
[23]
A ONU Mulheres foi criada, em 2010, para unir, fortalecer e ampliar os esforços
mundiais em defesa dos direitos humanos das mulheres. Segue o legado de duas
décadas do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM) em
defesa dos direitos humanos das mulheres, especialmente pelo apoio a
articulações e movimento de mulheres e feministas, entre elas mulheres negras,
indígenas, jovens, trabalhadoras domésticas e trabalhadoras rurais. São três
áreas prioritárias de atuação: liderança
e participação política, governança e normas globais; empoderamento econômico; prevenção
e eliminação da violência contra mulheres e meninas, paz e segurança e ação
humanitária.
[24]
Apenas em 1872, com a Lei Geral de 15 de outubro que as mulheres puderam
frequentar a escola além do nível primário. Já o acesso à universidade demorou
mais meio século, para finalmente acontecer apenas em 1879, que pode haver a
presença feminina nas universidades. Em 1910, a representatividade feminina na
política brasileiro se deu através do Partido Republicano que lutava pelo
direito ao voto e pela emancipação das mulheres. Em 1932, deu-se o direito ao
voto, garantido pelo primeiro Código Eleitoral brasileiro. E, em 1962 com o
Estatuto da Mulher Casada não precisariam mais de prévia autorização do marido
para trabalhar. Em 1974, surgiu a Lei de Igualdade de Oportunidade de Crédito
que garantiu o direito de ter um cartão de crédito, sem a necessidade de um
homem para assinar o contrato. Em 1977, o divórcio veio a ser uma opção legal
para dissolver o vínculo conjugal. Em 1979, as mulheres passara a ter acesso ao
futebol pois, na Era Vargas era proibida em razão da natureza feminina. Em
2002, o Código Civil que entrou em vigência abandonou a virgindade como
justificativa para anulação de casamento por parte do marido. Em 2006, através
da Lei Maria da Penha que veio a combater a violência contra a mulher. Em 2015,
a Lei de Feminicídio ampliou a punição para os homicídio em razão do gênero.
Sendo considerado um crime hediondo.
[25]
A Lei Saraiva, Decreto nº 3 029, de 9 de janeiro de 1881, foi a lei que
instituiu, pela primeira vez, o Título de Eleitor, proibiu o voto de
analfabetos e adotou eleições diretas para todos os cargos eletivos do Império
brasileiro: senadores, deputados à Assembleia Geral, membros das Assembleias
Legislativas Provinciais, vereadores e juízes de paz.
[26]
A Lei nº 9.100/1995, que estabeleceu quotas mínimas de 20% das vagas em
candidaturas nos partidos políticos do país para mulheres e o novo Código Civil
(2002), que garantiu o poder familiar e a capacidade civil plena da mulher,
conforme o art. 1.603, que permite que a mãe possa fazer o registro de
nascimento dos filhos, uma ação que antes competia apenas ao pai.
[27]
A tendência moderna é no sentido de atribuir ao casamento uma natureza híbrida,
conforme observa Eduardo dos Santos, citado por Sílvio Venosa, in verbis:
“contrato sui generis de caráter pessoal e social: sendo embora um contrato, o
casamento é uma instituição ético-social, que realiza a reprodução e a educação
da espécie humana”.
[28]
Ainda que as observações feitas neste artigo se refiram à especificidade do
feminismo que se inicia nos anos 1970, a história do feminismo no Brasil
registra significativas experiências anteriores, com características distintas,
destacando-se a mobilização feminina em torno do sufrágio, nas primeiras
décadas do século passado, objeto de análises comparativas, como as de Branca
Moreira ALVES, 1980; a esse respeito, ver também a síntese de Alves e Jaqueline
PITANGUY, 1981. Estudos como esses se desenvolvem no momento do ressurgimento
da questão feminista no Brasil, nos anos 1970, aqui analisado, que propiciou a
emergência de estudos sobre a mulher no âmbito acadêmico.
[29]
É a relação entre duas pessoas que se caracteriza como uma convivência pública,
contínua e duradoura e que tem o objetivo de constituição familiar. A
legislação não estabelece prazo mínimo de duração da convivência para que uma
relação seja considerada união estável. O Código Civil brasileiro, m seu artigo
1.723, traz o conceito de união estável e descreve os elementos necessários
para sua caracterização, quais sejam: “convivência pública, contínua e
duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. A lei não
exige mais um prazo mínimo de relacionamento para a configuração da união
estável.
[30]
O olhar do bruxo fechou o leque que escondia a verdadeira face, e revelou a
face da realidade nua e crua. Considerando este período histórico, o presente
trabalho tem como objetivo analisar a representação das figuras femininas
contidas nos textos ficcionais machadianos "Iaiá Garcia",
"Helena", "A mão e a luva", "Memórias póstumas de Brás
Cubas", "Quincas Borba", "Dom Casmurro” e os contos "A
cartomante" e Mariana, possibilitando um estudo mais aprofundado acerca do
papel da mulher nesta sociedade oitocentista patriarcal e burguesa, cuja
identidade é subjugada por conceitos e (pré)conceitos embasados na cultura
judaico-cristã e introjetados no meio social.
[31]
Na seara laboral a implementação da Portaria MTP 4.219/2022, modificou regras
anteriores. E, o assédio é tido como risco operacional e pertence a mesma categoria de acidentes de
trabalho, assim caberá aos empregadores prevenirem tal problema. Além disso existe
o crime de assédio sexual previsto no artigo 216-A, in litteris:
"Constranger alguém com o intuito de obter vantagem o favorecimento
sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição se superior hierárquico ou
ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena detenção
de um a dois anos. Existem quatro tipos
de assédio mais comuns: moral, sexual, stalking e bullying. Há também
outras infrações penais previstas em lei, como o crime de perseguição ou
stalking (Lei 14.132/2021), a violência psicológica contra a mulher, a Lei 14.188/2023 e a chantagem a
Lei 10.224/2001.