O dia de hoje... E o hoje, sem dia
Entender o porquê tantos pedidos de impeachment acompanhados de tantas denúncias de crimes de responsabilidade do atual Presidente da República não foram analisados, significa avaliar ciosamente a natureza jurídica desse instituto, bem como, todos os meandros jurídicos e políticos de tão delicada questão.
Enfim, mais um governo de coligação ou
coalizão que representa um gabinete governamental sustentado por vários partidos
que cooperam, o que reduz sensivelmente o domínio de qualquer uma das partes
dentro dessa coalização. Curiosamente, a coligação política por ser um pacto
entre dois ou mais partidos políticos, requer que haja, ao menos, ideias
comuns, para se ter alguma governabilidade consistente.
Porém, no Brasil, a federação partidária
corresponde mesmo à configuração de uma coligação política mais duradoura e,
nem sempre contendo maior unidade ideológica. E, com a vigência da cláusula de
barreira[1] prevista desde 2006, as federações
partidárias já eram alvos de debate desde 2003.
O cronômetro do impeachment está
funcionando. O Presidente da Câmara dos Deputados acredita piamente que, pode
ignorar todas as acusações contra a Presidente da República por um prazo
indeterminado.
Convém sublinhar que o Presidente da
Câmara julga ter um poder que não existe na Constituição Federal brasileira vigente
nem mesmo na Lei do Impeachment, a Lei 1.079/50. Aliás, o artigo 19 da
referida lei, sequer menciona a figura do Presidente da Câmara dos Deputados, sendo
evidente que ao mencionar que a denúncia recebida será lida e despachada à Comissão
Especial de Impeachment.
A Constituição brasileira vigente atribui
o controle político sobre os processos contra o Presidente da República, seja
por crimes[2] comuns como também por
crimes de responsabilidade, ao plenário da Câmara de Deputados e, não à pessoa que
ocupa a Presidência da Casa Parlamentar.
De sorte que Arthur Lira deve ser mero
despachante de papéis que reúnem as denúncias recebidas na seção de protocolo e
encaminhá-las à Comissão especial de impeachment. Em tempo, prevê o
Regimento Interno da Câmara dos Deputados outorga ao Presidente da Casa poderes
para rejeitar as denúncias manifestamente improcedentes.
É o caso daquelas que descrevem conduta
descrita que claramente não caracteriza crime de responsabilidade, conforme
ocorreu na acusação contra Itamar Franco por haver dançado ao lado da modelo Lilian
Ramos em um camarote no carnaval de 1994.
Ou por faltar peças processuais deixando
de preencher todos os requisitos formais exigidos por lei, como, por exemplo, a
prova de quitação eleitoral dos denunciantes.
O poder de indeferir o pedido de impeachment
e de mandar arquivá-lo, é completamente diferente do poder de ignorá-lo. Não é
demais ressaltar que a decisão de arquivar eventual denúncia contra o
Presidente da República é um poder do Presidente da Câmara, porém, mas não a
sua eliminação.
O suposto poder de ignorar denúncias que
esvaziem os pedidos de qualquer efeito jurídico possível, só pode ser efetivado
por meio de decisão do plenário.
Em suma, nem o texto constitucional
brasileiro vigente, nem a Lei do Impeachment, nem o Regimento Interno da
Câmara dos Deputados outorgam poder ao Presidente da Casa Legislativa de ser o
senhor absoluto e incontrastável dos destinos do impeachment.
Historicamente, antes da Constituição Federal de 1988, o sepultamento político de denúncias costumava ser realizado pela
Comissão Especial de Impeachment da Câmara de Deputados. O primeiro
presidente brasileiro a sofrer grave acusação de crimes de responsabilidade foi
o Marechal Floriano Peixoto que fora poupado pela Comissão. E, o mesmo ocorreu,
mais tarde, com Getúlio Vargas que igualmente escapou do impeachment
pouco antes de seu suicídio, em 1954.
Até a gestão de Eduardo Cunha, como
Presidente da Câmara dos Deputados, que tinha o hábito de rapidamente despachar
as denúncias que recebiam, salvo uma ou outra exceção. E, arquivaram-se, mas,
ao fazê-lo, também se submetiam ao plenário.
Já nos governos de Fernando Henrique
Cardoso (FHC), por três vezes, no governo de Lula, por seis vezes, o plenário
da Câmara de Deputados deliberou sobre os recursos apresentados por deputados
contra as decisões da Presidência da Casa que haviam negado seguimento as
denúncias.
Aliás, depois da catastrófica entrevista
dada por Pedro Collor à revista Veja, em maio de 1992, o então Presidente da
Câmara, o Deputado Ibsen Pinheiro, recebeu vinte e três denúncias contra o então
Presidente Fernando Collor de Mello.
Registre-se que apenas uma destas
demorou pouco mais de duas semanas para galgar um despacho que lhe selasse o
destino. Com exceção da acusação apresentada pelo saudoso Barbosa Lima Sobrinho
e Marcelo Lavenère Machado que redundaria com a condenação do então presidente,
todas as demais tiveram seguimento negado em poucos dias.
A denúncia de Roberto Jefferson que
deflagrou o escândalo do mensalão, em meados de 2005, a Câmara dos Deputados
que era presidida pelo folclórico Severino Cavalcanti que na ocasião, recebera
oito acusações contra o Presidente Lula e, jamais demorou mais de noventa dias
para apreciar qualquer] uma destas.
E, quando Michel Temer e Aécio Neves
presidiram a Câmara dos Deputados no tumultuoso segundo mandato[3] de Fernando Henrique
Cardoso, foram igualmente expeditos em despachar as acusações apresentadas.
Somente em duas ocasiões, Temer demorou
mais de noventa dias para despachar as denúncias recebidas durante sua gestão.
Mas, o autêntico recorde na tardança foi de Aécio Neves, afinal, como fiel
correligionário de FHC, tanto quanto é Lira em relação ao Bolsonaro,
contabilizou-se a demora em apenas cinquenta e sete dias.
A personagem que mais nos fez crer no
poder absoluto do Presidente da Câmara no que tange ao impeachment, foi
Eduardo Cunha, regendo segundo seus caprichos e conveniências e, violando o
autêntico espírito republicano e democrático. Em sua gestão, recebera cinquenta
e sete pedidos e, lidou com cada um segundo os benefícios pessoais e vantagens
políticas que imaginava poder ter no momento.
E, somente em sua gestão, foram
apresentadas cinquenta e quatro denúncias contra Dilma Rousseff, quando ignorou
vinte e seis e, curiosamente, foi célere na apreciação das acusações somente no
segundo semestre de 2015, quando a base governista estava dilapidada pela
Lava-Jato e, o próprio Cunha que sofria para conseguir apoio no processo a que
respondia no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar[4] da Câmara. E, enfim, a
denúncia culminou a condenação e respectiva remoção de Dilma e, que fora
despachada por Cunha em apenas quarenta e dois dias.
Rodrigo Maia, quando Presidente da
Câmara, cultivou ciosamente a arte de ignorar as denúncias, e instaurou o
arbitrário poder durante o governo de Temer, quando então a opinião pública
estava mais voltada à denúncia por crime comum e que fora apresentada pelo
Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, contra o então Presidente.
Somente entre 2016 a 2017, Maia recebera cerca de trinta e uma denúncias por crimes de responsabilidade[5] presidenciais. Apenas com a exceção de uma, todas as demais foram devidamente arquivadas apenas em 2019, ainda no governo Bolsonaro quando evidentemente, já não mais fazia sentido, posto que Temer já não era mais presidente da República.
Mas, o campeão no estoque de denúncias
na gaveta é mesmo Arthur Lira, além de medalha de ouro para Bolsonaro que é
atualmente o presente que mais acusações sofreu na história brasileira. E,
Rodrigo Maia, foi o Presidente da Câmara que mais ignorou peremptoriamente as
denúncias de crimes cometidos por presidentes da República. Além das trinta e
uma denúncias contra Temer, ignorou também as sessenta e seis acusações
apresentadas contra Bolsonaro.
Infelizmente juristas, doutrinadores e
alguns políticos parecem ter se conformado com o suposto poder absoluto do
Presidente da Câmara para definir se e quando o pedido de impeachment
deverá ser analisado, como se fosse uma decorrência natural da definição de impeachment
como mero julgamento político.
Apesar do impeachment ser
necessariamente político, não deve ser confundido com mero joguete da baixa
politicagem, ou embate de interesses escusos e regionais. A grande política é
amplamente compatível com as garantias de direito, devendo decidir e não apenas
esconder ou ignorar. O direito não exige tanto, ou seja, tem que haver uma
decisão, seja qual for, além da fundamentação que é alma mater de toda
atividade decisória jurídica.
A interpretação das normas
constitucionais e legais está distante de ser a mais restritiva para o papel do
Presidente da Câmara de Deputados, tanto que o STF até já definiu que o Regimento
Interno da Câmara é compatível com a Lei do Impeachment e, ainda, já
firmou que o Presidente da Câmara não tem concretamente qualquer missão
relevante que é o simples dever de enviar todas as denúncias à Comissão Especial.
Porém, isto não está acontecendo.
Mesmo quando o Presidente da Câmara
indeferir o recebimento da denúncia, caberá recurso ao plenário da Câmara e, se
somente quando não houver recurso, que então a denúncia é arquivada.
Mas, diante do recurso, a decisão passa
a ser do plenário e, não mais apenas do Presidente da Câmara. Acatado o
recurso, deverá ser constituída a Comissão Especial para analisar a denúncia e,
se for recusado o recurso, a denúncia sofre o devido arquivamento.
Em tempo, as regras do Regimento Interno
da Câmara dos Deputados foram devidamente analisadas pelo STF em 2015, por
ocasião do impeachment de Dilma, com a grande virtude de clareza nos
procedimentos, além de manter o caráter político das deliberações. O que não
coaduna com qualquer poder individual e absoluto.
A respeito do prazo que o Presidente da Câmara tem para decidir, dependerá se estiverem presentes todos os requisitos constitucionais, legais re regimentais para a denúncia, o Presidente da Câmara deverá colocá-la na pauta na sessão seguinte, eis o que consta do regimento da Câmara, em seu artigo 218, §2º[6].
Define-se sessão seguinte[7] aquela que imediatamente
sucede à data do protocolo da denúncia. E, a mesma solução é da Lei de Impeachment.
Há o entendimento de que é possível a análise do preenchimento dos requisitos
constitucionais e legais, além dos regimentais que poderá levar algum tempo e,
a inserção na pautar somente se daria na sessão seguinte ao término dessa
análise, que é feita individualmente pelo Presidente da Câmara.
O busilis é que o Regimento Interno
da Câmara não estabeleceu prazo, mas o direito lida geralmente com essa
situação. E, então se requer que o poder público atenda e despache em tempo
razoável, o que dista de uma proposital tardança ou simples ignorância das
denúncias feitas e abandonadas no fundo de uma gaveta.
Calcado em boa-fé objetiva prazo
razoável não poderá exceder ao mandato do presidente da República tão
regiamente denunciado. Segundo o artigo 20 da Lei de Impeachment
confere-se à Comissão Especial de impeachment um prazo de dez dias para
emitir parecer de mérito sobre se a denúncia deve ou não ser objeto de
deliberação, quando a análise é fruto de juízo sumário. Portanto, a conduta
tanto de Maia como de Lira não tem respaldo jurídico sustentável.
De fato, Lira não inova tanto quanto seus antecessores mais recentes, e insiste na prática de abuso de poder[8] ao se omitir. Lembremos, em tempo, que descumprir intencionalmente o Regimento Interno da Casa parlamentar, constitui quebra de decoro, prevista no Código de Ética da Câmara, em seu artigo 3º, II, e 5º, X, e qualquer cidadão poderá então apresentar a representação contra o Presidente da Câmara no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar.
É bem veraz que as representações feitas
e apresentadas à tal Conselho, mui raramente, acarretam alguma punição, porém, tal
movimentação forçaria os outros parlamentares, pelos integrantes do Conselho, a
assumirem o ônus de se posicionarem publicamente diante da omissão praticada.
A Comissão igualmente não tem poder de
ordenar o Presidente da Câmara decidir ou despachar, tampouco, de pautar o
referido pedido em seu lugar, porém, possui plenos poderes para afirmar e
definir se seu comportamento viola ou não as regras regimentais da Casa
Parlamentar.
Por outro caminho, poderia ser,
naturalmente, da mais alta Corte Judicial do país, o STF, a quem compete
conhecer, julgar e mandar corrigir ilegalidades praticadas pelo presidente da
Câmara dos Deputados.
Infelizmente, nosso STF tem
jurisprudência inconstante, porém, majoritariamente contrária às intervenções
judiciais para a correção de desrespeitos aos regimentos internos das casas do
Congresso Nacional.
Mas, já existiram exceções, como as
decisões que em 2015, puseram frio às manobras malabaristas tentadas por
Eduardo Cunha, logo no início da tramitação do processo contra Dilma
Enfim, a questão não se limita somente
ao Regimento Interno da Câmara dos Deputados, pois, afinal é a Lei do Impeachment
que exige que a denúncia seja lida ostensivamente na sessão seguinte e
devidamente despachada à Comissão Especial. Não se trata de mera questão interna
corporis[9],
na qual o tribunal entende não pode intervir. E, sim, decisões que não são
tomadas constituindo uma afronta direta à lei brasileira.
Mas se é a lei (e não apenas o Regimento
Interno) que estabelece o dever que tem sido descumprido, reiteradamente, pelo Presidente
da Câmara, fica difícil encontrar argumentos hábeis para justificar a
impossibilidade de apreciação judicial desse descumprimento.
O processo de impeachment e seu
respectivo procedimento continuam a gerar polêmicas e dúvidas. Enquanto alguns,
os alcunham de “golpe de Estado”, outros, por sua vez, alegam integrar a
democracia.
Ambos os lados defendem que o impeachment
que se trata de um julgamento mais político que propriamente técnico, ou
seja, jurídico. Porém, há um lado jurídico que deve prevalecer para servir de
base técnica e amparar a devida legitimidade.
E, de fato, deve cumprir todos os
requisitos constitucionais, em decorrência do chamado crime de responsabilidade
que são listados na Lei 1.079/1950. A
existência de tais crimes não se dá por mera motivação política.
O conceito de crime de responsabilidade, igualmente, é questão favorável ao lado político do rito[10] do impeachment, pois não se refere meramente aos delitos comuns tão presentes no Código Penal brasileiro, mas sim, a uma vasta lista de malfeitorias que um governante pode cometer[11].
Nesse sentido, o professor de Direito
Constitucional Cláudio Colnago apud Blume, prevê que o crime de responsabilidade
significa o proceder de modo incompatível com dignidade, a honra e o decoro do cargo.
Verifica-se, que considerarmos só as declarações bolsonarianas, já teríamos
inúmeros crimes de responsabilidade cometidos. A crassa falta de respeito à
liturgia do cargo é fonte inesgotável de memes.
Em verdade, para o legislador da Lei do Impeachment
previa que o Congresso Nacional poderia julgar de forma diferenciada do
Judiciário, poder que deve sempre se distanciar das paixões políticas ou não.
Em 30 de junho de 2021, protocolou-se um superpedido[12] de impeachment que foi entregue ao Presidente da Câmara dos Deputados, resultante de uma articulação conjunta de partidos políticos de oposição e também por ex-aliados do governo e, apontou mais de vinte crimes contra a Lei da Responsabilidade[13]. O superpedido reuniu todos os argumentos expostos em todos os cento e vinte e dois pedidos já anteriormente protocolados e jamais despachados.
Como signatários do superpedido tiveram
quarenta parlamentares de dez diferentes partidos e, algumas figuras políticas
que antes apoiavam o governo, como Joice Hasselmann, Alexandre Frota e Kim
Kataguiri. Curiosamente, Hasselmann, recentemente, pareceu agredida
recentemente em seu apartamento funcional, sofrendo fraturas na face e, até
perda de dente, fato que ainda está sendo alvo de investigação da polícia legislativa.
De qualquer forma, a bem da saúde do
Estado Democrático de Direito precisamos estar atentos para que a democracia
legítima prevaleça e seja preservada para conseguirmos galgar uma adequada
gestão diante da crise sanitária presente[14].
Referências
BLUME, Bruno André. Processo de
impeachment: julgamento político ou jurídico? Disponível em: https://www.politize.com.br/processo-de-impeachment-politico-juridico/
Acesso em 23.7.2021.
MAFFEI, Rafael; DA SILVA, Virgílio
Afonso. Controlando o tempo do impeachment. Revista Piauí. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/controlando-o-tempo-do-impeachment/?utm_campaign=a_semana_na_piaui_67&utm_medium=email&utm_source=RD+Station Acesso em 23.7.2021.
RIBEIRO, Renato Ventura. Considerações
sobre o decoro parlamentar e os limites legais. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2007-ago-31/decoro_parlamentar_quais_limites_legais Acesso em 23.7.2021.
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Impeachment. Tomo Direito Administrativo e Constitucional. Edição 1. abril de 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/103/edicao-1/impeachment Acesso em 23.7.2021.
[1] Também conhecida como patamar eleitoral ou barreira constitucional, cláusula de exclusão ou cláusula de desempenho refere-se a um dispositivo limitador da atuação parlamentar de um partido que não alcançar um determinado percentual de votos. Tal exigência de votação mínima pode ser feita pela legislação eleitoral de diversas formas. No sistema proporcional, a cláusula de barreira exige que um partido ou coligação eleitoral de partidos tenham um grau mínimo de votação para obter a representação parlamentar. O percentual pode ser exigido em nível nacional ou no mais restrito (departamento, Estado ou município). A cláusula de barreira não é algo recente no Brasil. Em 1995 uma medida semelhante foi aprovada pelo Congresso Nacional, porém no ano em que de fato passaria a valer (em 2006), foi impedida pelos ministros do STF. O motivo por tal recusa dada pelo Supremo Tribunal Federal foi de que a lei prejudicaria os pequenos partidos, o que seria inconstitucional.
[2] Tanto nos crimes comuns quanto nos crimes de responsabilidade o recebimento da denúncia contra o Presidente da República não ocorre pelos órgãos da jurisdição, mas sim no âmbito do Poder Legislativo, através da aprovação de 2/3 dos membros da Câmara dos Deputados em ambas as modalidades do gênero “crime”, sendo que o processo e julgamento é realizado pelo Supremo Tribunal Federal na espécie “crime comum” e pelo Senado Federal na espécie “crime de responsabilidade”, neste último caso no exercício de uma função atípica do Legislativo, em consonância com o disposto no artigo 86 da Constituição Federal. Afinal, a investidura de um mandato representativo submete os agentes públicos ao exercício do múnus, ou seja, a um conjunto de deveres e responsabilidades, em benefício da coletividade. Trata-se de uma decorrência do princípio republicano, o qual é o alicerce do Estado brasileiro. Em outras palavras, ao longo do exercício do mandato popular, os representantes podem ser responsabilizados por atos praticados no decorrer deste mesmo mandato.
[3]
Para os chamados agentes políticos não se aplica a regra da continuidade
administrativa, incidente apenas para os agentes públicos que possuem vínculo
profissional com o Estado. Para eles, a habilitação técnica os qualifica a
entreter relação que se prolonga no tempo, sem qualquer descontinuidade.
Portanto, a reeleição do Presidente da República não viabiliza a
responsabilização político-administrativa do Presidente da República por ato
pretérito, praticado no primeiro mandato. Isso não significa que o Presidente
da República seja absolutamente irresponsável pelos atos pretéritos, mas isso
ocorre em outros ambientes do Direito estranhos ao campo da infração
político-administrativa de Impeachment, situações em que podem ser
aplicadas a ele sanções até mais graves que a perda do mandato.
[4] A definição é importante, porque o procedimento incompatível com o decoro parlamentar pode acarretar a perda do mandato do Deputado ou Senador (CF/1988, artigo 55, II). Assim, somente após a delimitação do conceito é que se saberá em quais casos pode haver a perda do mandato. Porém, a delimitação legal do conceito de decoro parlamentar é incompleta, gerando dúvidas na sua aplicação. A Constituição Federal (artigo 55, parágrafo 1º) prevê como falta de decoro o abuso das prerrogativas pelo parlamentar, percepção de vantagens indevidas e atos definidos como tal nos regimentos internos. E os regimentos internos não vão muito além da redação do texto constitucional.
[5]
O crime de responsabilidade submete-se, na expressão de Luís Roberto Barroso, a
um “regime de tipologia constitucional estrita”,79 cabendo ao legislador ordinário
tão-somente explicitar as práticas que se subsumam aos tipos
constitucionais. O fato de o julgamento
do crime de responsabilidade decorrer do exercício de uma função política do
Estado não é alvará para que se atente contra os direitos fundamentais e o
Estado de Direito. Por essa razão é que a aplicação de sanções no processo do
crime de responsabilidade demanda o atendimento de requisitos para sua
incidência válida. Além disso, voltamos a frisar, os sistemas de garantias
próprio do Direito penal e do processo penal devem, no que couber, ser
aplicados ao processo e julgamento do crime de responsabilidade, em especial a
regra da modalidade dolosa, o princípio in dubio pro reo e, ainda, a
interpretação restritiva. Assim é que, por exemplo, qualquer dúvida em
faculdade polissêmica deve ser resolvida em favor do acusado. Efetivamente, é
preciso que seja cotejada a salvaguarda da Constituição, a observância do
princípio republicano, a probidade na administração e os demais valores em
cena. Entretanto, é preciso que se tenha em mente que a Constituição conferiu
ao Presidente da República todas as garantias do regime
republicano-representativo, sem o qual estaria inviabilizado o exercício da
relevante função pública de chefia do Estado e do governo, imunizando-o de
oportunismos ilegítimos.
[6]
Art. 218. É permitido a qualquer cidadão denunciar à Câmara dos Deputados o Presidente
da República, o Vice-Presidente da República ou Ministro de Estado por crime de
responsabilidade.§ 1º A denúncia, assinada pelo denunciante e com firma
reconhecida, deverá ser acompanhada de documentos que a comprovem ou da
declaração de impossibilidade de apresentá-los, com indicação do local onde
possam ser encontrados, bem como, se for o caso, do rol das testemunhas, em
número de cinco, no mínimo.§ 2º Recebida a denúncia pelo Presidente, verificada
a existência dos requisitos deque trata o parágrafo anterior, será lida no
expediente da sessão seguinte e despachada à Comissão Especial eleita, da qual
participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os
Partidos.
[7]
O pedido é lido na sessão seguinte da casa, pela Comissão Especial, que a
partir da manifestação do denunciado, tem o prazo de 5 a 10 sessões para
oferecer o parecer, que será lido no expediente seguinte da câmara. Após 48
horas da publicação do parecer no diário oficial da câmara, ele será incluído
na ordem do dia da sessão seguinte. Na sessão, o parecer é submetido à votação
dos deputados. Sendo o parecer aprovado na votação, a Câmara apresenta denúncia
ao Senado, que cuidará do julgamento.
[8]
O Abuso de Autoridade é crime e abrange as condutas abusivas de poder, conforme
a explicação abaixo. O abuso de poder é gênero do qual surgem o excesso de
poder ou o desvio de poder ou de finalidade. Assim, o abuso de poder pode se
manifestar como o excesso de poder, caso em que o agente público atua além de
sua competência legal, como pode se manifestar pelo desvio de poder, em que o
agente público atua contrariamente ao interesse público, desviando-se da
finalidade pública.
[9]
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que não cabe ao Poder Judiciário fazer
o controle jurisdicional da interpretação do sentido e do alcance das normas
regimentais das Casas Legislativas quando não ficar caracterizado o desrespeito
às regras constitucionais pertinentes ao processo legislativo. A decisão, por
maioria, foi tomada na sessão virtual encerrada em 11/6, no julgamento do
Recurso Extraordinário (RE) 1297884, com repercussão geral reconhecida (Tema
1120). Prevaleceu o voto do relator do RE, ministro Dias Toffoli, segundo o
qual a jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que, em respeito ao
princípio da separação dos Poderes, não é possível o controle jurisdicional em
relação à interpretação de normas regimentais das Casas Legislativas. Segundo
ele, nesses casos, é vedado ao Poder Judiciário substituir o Legislativo para
dizer qual o verdadeiro significado da previsão regimental, matéria de natureza
interna.
A tese de repercussão geral
aprovada foi a seguinte: “Em respeito ao princípio da separação dos Poderes,
previsto no artigo 2º da Constituição Federal, quando não caracterizado o
desrespeito às normas constitucionais pertinentes ao processo legislativo, é
defeso ao Poder Judiciário exercer o controle jurisdicional em relação à interpretação
do sentido e do alcance de normas meramente regimentais das Casas Legislativas,
por se tratar de matéria interna corporis”. In: Controle Judicial sobre
interpretação de normas regimentais legislativas é inconstitucional. Disponível
em: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=467795&ori=1
Acesso em: 21.7.2021.
[10]
O impeachment é um processo político-jurídico, no qual se apura o
julgamento de crimes de responsabilidade cometidos por Ministros do Estado e do
Supremo Tribunal Federal, Vice-presidente, Presidente da República e
Governadores. É previsto pela Lei dos Crimes de Responsabilidade, Lei 1.079/50
e pelo Artigo 85 da Constituição Federal.
[11]
A pesquisadora da Fiocruz diz ainda que a pandemia no Brasil ainda está em um
patamar elevado, mas a aplicação de vacinas começa a ter impactos positivos,
apesar de apenas 12% dos brasileiros estarem totalmente imunizados contra a
covid-19. Diante da estratégia do governo Bolsonaro de comprar imunizantes
superfaturados e apostar na tese da “imunidade de rebanho”, Lucia Souto aponta
que a irresponsabilidade está “escancarada”.
[12]
O “superpedido” é assinado pelos presidentes de partidos como PT, PDT, PSB,
PCdoB, PSol, PCB, PSTU, PCO, Cidadania e Rede. Além deles, a Associação
Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), a Coalizão Negra por Direitos e
outras entidades civis apoiam a iniciativa. O pedido também leva a assinatura
de ambientalistas, advogados e ex-aliados do presidente, como os deputados
Alexandre Frota (PSDB-SP) e Joice Hasselmann (PSL-SP). "As últimas
denúncias trazem ainda mais força ao nosso pedido", disse o deputado
Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição na Câmara. Entre as condutas
criminosas que teriam sido cometidas por Bolsonaro e embasam o impeachment, o
documento cita crime contra o livre exercício dos Poderes, pelas ameaças ao
Congresso, ao Supremo Tribunal Federal (STF) e interferência na Polícia
Federal.
[13]
A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) é um diploma
legal brasileiro que regulamenta a utilização de recursos públicos. Os seus
mecanismos buscam fazer com que os governantes controlem seus gastos,
respeitando limites de despesas e cumprindo metas orçamentárias. É uma lei
importante para a manutenção do equilíbrio das contas públicas.
[14]
Pondera a imprensa que com Ciro Nogueira na Casa Civil a chance de impeachment
vai a zero. É o que afirma Maia. In: RODRIGUES, Basília. CNN. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2021/07/22/com-ciro-na-casa-civil-chance-de-impeachment-vai-a-zero-afirma-maia
Acesso em 23.7.2021.