Neopopulismo, mentiras e política
O conceito de populismo é controverso, não sendo diferente o de neopopulismo, mas sua ocorrência é real e concreta e resultante de múltiplos fatores, como os atores do sistema político, tanto de quem governa como de quem elege e apoia o governo.
A mentira como estratégia política e,
como debate não baseado em fatos integra o farto arsenal dos atuais líderes
populistas e autoritários do mundo. A infundada fonte de credibilidade perante
seus eleitores não parece afetá-los, pois o emocional supera o racional. A construção
de pensamento crítico e imparcial incluindo mesmo a avaliação da história
parece não pertencer a cultura brasileira[1].
Sem dúvida, o populismo é estilo de
fazer política e, começa com o princípio da identificação do líder com o grupo.
Assim como Trump representava o americano médio, Bolsonaro, por sua vez,
espelha o brasileiro médio[2], com toda dose de
irreverência e desrespeito à liturgia do cargo e, pelo fato de ser o maior
Comandante da República brasileira.
Embora, certamente, nem saiba exatamente
o que significa tanto a república como a democracia. Tanto que vocifera que se
não ganhar as futuras eleições, implementará um golpe. Alega ter apoio integral
das Forças Armadas... só se for dos militares que integram o atual governo[3].
O líder populista constrói a identidade
com o seu público e, seus objetivos não são para ir contra uma elite, nem o status
quo reinante. Apenas constrói discursos sedutores. A atual ciência política
encara essa nova geração, enxergando o populismo não, propriamente, como
método, mas como ideologia. Trata-se de
uma visão de mundo, de como decodifica-se a realidade e, pretende interagir.
Afinal, a ideologia do populismo[4] traz um pacote hermético e
autossuficiente de ideias e conceitos e, ainda, pressupõe que existe um povo
homogêneo e, aponta quem quer que represente outros anseios é automaticamente
encarado, como não democrático e subversivo.
Enfim, não representa o povo. A traição
promovida pelo populismo à democracia constrói novos totalitarismos[5] com as mais vetustas
práticas. Um verdadeiro debate que se pretenda ser democrático, os argumentos,
as regras do jogo se mostram apresentadas e feitas para impedir o império do
senso comum[6].
Enfim, o líder populista se recusa
peremptoriamente seguir as regras do jogo, sempre se mostra grosseiro,
despreparado e, violento. E, mente compulsivamente, além de ser explicitamente
preconceituoso, é racista, xenófobo, homofóbico e até chauvinista[7].
Enquanto a mentira comum tem o escopo de
ocultar algo indesejável, ou apenas, justificar uma errônea decisão política. As
mentiras populistas possuem outra natureza, pois não se fulcram em fatos para
sustentar suas convicções. Apenas se baseiam em impressões, instintos e, em
histórias que ouviu falar, nem sabe onde. E, suas justificativas sentimentais
são autossuficientes.
O novo populismo além da verve
autoritária, reduz o diálogo à troca de impropérios e, ignora o
multiculturalismo e a sociedade heterogênea. A linguagem dialética bárbara e
grosseira chega ser caricatural e, rejeita qualquer debate que, por princípio,
reconheça a heterogeneidade da sociedade humana. Não reconhece a diferença.
Os neopopulistas valorizam a compreensão
instantânea do outro além da clareza simplista. O principal objetivo dos
populistas é a perpetuação no poder, e, a fim de atingir seus objetivos, eles
encontraram, no negacionismo, uma poderosa ferramenta para tanto.
Os
populistas têm conquistado um espaço de destaque no debate público e, cada vez
mais ocupando posições centrais de poder. Destaque-se conforme esclarece
Fancelli: "Ao mesmo tempo, o negacionismo surgiu na forma de teorias da
conspiração, fake news[8]
e da rejeição de fatos que basicamente haviam se estabelecido como parte do
senso comum. Em um período em que a segurança em relação a vacinas, ao
aquecimento global e até mesmo à esfericidade da terra[9] são questionados, precisamos
estabelecer uma relação direta entre esses dois fenômenos”.
A mentira populista não se importa de
ser percebida, e até se glorifica pois o líder vem servir ao povo e utiliza
símbolos que sinalizam com a repulsa à diversidade e, apela somente aos
instintos, nunca à razão e quiçá ao cérebro[10].
O crescimento do (neo) populismo de
direita é um fenômeno que acontece há, aproximadamente, trinta anos e, que está
relacionado com crises sociais e políticas, bem como com mudanças causadas pela
globalização.
O neopopulismo ainda finca alicerces com
hordas religiosas e, quanto mais ortodoxas, um tanto melhor. Quem não está ao
lado de Deus, é automaticamente o Diabo... E, parodiando Sartre: “o inferno são
os outros”.
A frase “o inferno são os outros”, então, é autoexplicativa. Os outros, assim como eu, são livres para construir a sua essência e isso, inevitavelmente, gera conflitos que afetam exatamente a liberdade alheia. Para Sartre, a presença de uma liberdade aniquila a nossa própria e deixa ver nesta, apenas a nossa própria imagem como objeto, o que nos enclausura numa sombria solidão.
Referências
ALVES, Ricardo Luiz. O Estado
Totalitário Contemporâneo. Uma breve reflexão histórica. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6615/o-estado-totalitario-contemporaneo
Acesso
em 22.5.2021.
CARDOSO, F. H., “As tradições do
desenvolvimentismo associado”, in Estudos CEBRAP, nº 8, abril/maio/jun.
1974.
CRUZ, Edson. Entrevista. O fenômeno
das notícias falsas. Revista PUCMINAS Disponível em: http://www.revista.pucminas.br/materia/fenomeno-noticias-falsas/ Acesso
em 22.5.2021.
DEBERT, Guida Grin. Ideologia e
Populismo. Adhemar de Barros, Miguel Arraes, Carlos Lacerda, Leonel Brizola.
Disponível em: https://static.scielo.org/scielobooks/b23ds/pdf/debert-9788599662724.pdf
Acesso em 22.5.2021.
DÓRIA, Pedro. Meio. Edição de Sábado (de
21.5.2021): A mentira do populista dá credibilidade. Disponível em: https://premium.canalmeio.com.br/edicao/127945/
Acesso em 22.5.2021.
FANCELLI, Uriã. Populismo e
Negacionismo: O Uso do Negacionismo como Ferramenta para a Manutenção do Poder
Populista. Curitiba: Editora Appris, 2021.
NERVO, Alexandre Antônio. O
(neo)populismo como estratégia de comunicação política. Disponível em: http://www.teoriaepesquisa.ufscar.br/index.php/tp/article/viewFile/384/262
Acesso em 22.5.2021.
SARTRE, Jean-Paul. Entre quatro
paredes. Tradução de Alcione Araújo e Pedro Hussak. 3ª edição. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
WEFFORT, F. C., “Política de Massas”,
in Política e revolução social no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1965.
Notas:
[1]
A caracterização do populismo não está relacionada somente à realidade
brasileira do período de 1930-1964, mas é usada também para explicar as
experiências históricas de outros países da América Latina, como o peronismo
(Argentina), o cardenismo (México) e o aprismo (Peru). No Brasil, o grande
símbolo do populismo foi Getúlio Vargas, sobretudo durante o período da Era
Vargas de 1930 a 1945.
[2]
Infelizmente, o brasileiro médio é entendido como aquela que não foi à escola
ou recebeu apenas poucos anos de estudo, apesar de ter recebido a educação
formal direcionada para o individualismo, ou seja, mercado de trabalho ou
carreira profissional, só se preocupa com as conquistas materiais e
individuais, e com os princípios da meritocracia tão arraigados e, que se informe
e compreende a realidade do país e do mundo a partir da velha mídia,
especialmente, via rede globo embalada na intransigente defesa do
neoliberalismo e do mérito pessoal. Tal formação educacional do brasileiro
médio não busca nem se preocupa com a cidadania plena.
[3]
Se é bazófia, jactância ou mero descuido não se sabe, mas presenciamos diversas
cenas constrangedoras, principalmente, em manifestações públicas do governante
que mais se parece com um comandante de programa de auditório de domingo.
[4]
Populismo é um conjunto de práticas políticas que se justificam num apelo ao
"povo", geralmente contrapondo este grupo a uma
"elite". Não existe uma única
definição do termo, que surgiu no século XIX e tem obtido diferentes
significados desde então. Poucos atores políticos descrevem a si mesmos como
"populistas", e no discurso político o termo geralmente é aplicado a
outros pejorativamente. Em filosofia
política e nas ciências sociais, diferentes definições de populismo têm sido
usadas. O termo também é usado de forma variada entre países e contextos
políticos diferentes. Assim, o "povo", como categoria abstrata, é
colocado no centro da ação política, independentemente dos canais típicos da
democracia representativa. Há exemplos típicos são o populismo russo do final
do século XIX, que visava transferir o poder político às comunas camponesas por
meio de uma reforma agrária radical ("partilha negra"), e o populismo
americano, que, na mesma época, propunha o incentivo à pequena agricultura
através da prática de uma política monetária baseada na expansão da base
monetária e do crédito (bimetalismo). Enquanto ideologia, o populismo não está
tampouco ligado obrigatoriamente a políticas econômicas de caráter
nacionalista: na América Latina dos anos 1990, governantes populistas
combinaram políticas liberais de desregulamentação e desnacionalização com uma
política social assistencialista, herdada do populismo mais tradicional dos
anos 1930 naquilo em que tais políticas não contrariavam as práticas
neoliberais. Isso ocorre, por exemplo, no Peru, durante a ditadura de Alberto
Fujimori.
[5]
O Estado totalitário contemporâneo não é a mera estadolatria combinada com a
onipotência duma determinada ideologia, isto é, a expansão desenfreada do
Estado em detrimento da Sociedade como um todo e do cidadão comum em
particular, expansão essa alicerçada numa determinada ideologia. O que
caracteriza o Estado totalitário contemporâneo é o controle repressivo e, regra
geral, difuso do Estado e do seu aparelho burocrático sobre a Sociedade e sobre
o indivíduo mediante o monopólio estatal dos componentes organizacionais
básicos da Sociedade (produção e difusão da cultura popular, aí incluindo os
meios de informações e de educação; controle dos mecanismos de mobilidade
social; controle sobre a estrutura de transportes de massa e da estrutura de
saúde pública; etc.). Este controle
estatal sobre a sociedade é permanente, e, geralmente, pretende ser o mais
onisciente possível quanto à vida diária do cidadão.
[6] O
interessante artigo de Chico Alencar intitulado “Império do Senso Comum”,
disponível em: http://www.eliomar.com.br/imperio-do-senso-comum/
[7]
Nicolas Chauvin foi um soldado francês condecorado por Napoleão Bonaparte por
sobreviver a vários combates, severamente mutilado, depois de ser ferido 17
vezes. Tornou-se uma lenda para os franceses, até que as comédias escrachadas
de vaudeville começaram a ridicularizar sua ingenuidade e fanatismo, dando
origem ao termo que hoje é muito utilizado para caracterizar o sentimento
ultranacionalista que leva os indivíduos a odiar as minorias e perseguir os
estrangeiros. Na década de 1970, as feministas dos Womens`s Lib deram
uma conotação mais abrangente ao termo, ao chamar os machistas de “porcos
chauvinistas”.
[8]
Um estudo recente, divulgado pelos pesquisadores Hunt Allcott (Universidade de
Nova York) e Matthew Gentzkow (Universidade de Stanford) publicado no Journal
of Economics Perspectives diz que elas significam todas as informações difundidas
por meios de comunicação que se disfarçam de veículos jornalísticos e que
difundem informação comprovadamente incorreta para enganar seu público. Assim,
vale pensar que fake news não se trata de qualquer boato espalhado por
rede social, visto que são um fenômeno mais específico: são sites que pretendem
enganar seus leitores publicando propositadamente informações incorretas como
se fossem verdade. Essa definição mais
precisa vem a excluir, por exemplo, os sites satíricos, que fazem
paródia do jornalismo para explicitamente fazer piada, como o Sensacionalista
ou The Onion – não são fake news porque não pretendem enganar, é
bastante claro que é piada, exagero e ficção. Essa definição também exclui
sites de jornalismo que fazem um trabalho sério, mas que podem ter cometido
erros, como ocorre com qualquer veículo jornalístico. O fato de o jornal The
New York Times ter publicado uma notícia incorreta não faz desse site um
veículo de fake news, até porque a informação incorreta pode ser
corrigida, e o veículo não tem como objetivo desinformar. Agora, quanto mais
erros um veículo comete, mais sua credibilidade resta comprometida. A partir de
um ponto, seu público pode deixar de confiar em suas informações, e não
diferenciar suas apurações confiáveis das questionáveis. É a dinâmica da
cultura da desinformação.
[9]
O terraplanismo é teoria refutada pela ciência há dois mil anos e, mesmo assim,
há cerca de onze milhões de apoiadores no país. Portanto, cerca de sete por
cento dos brasileiros acreditam que a Terra é plana. Basicamente, os
terraplanistas consideram que a superfície da Terra é plana, que a Terra está
parada (não se move), o Sol e a Lua seriam menores e mais próximos do que os
cientistas dizem (e o Sol e a Lua se moveriam em seus próprios padrões).