Linhas gerais sobre a Ciência do Direito. Ciência do Direito & Ideologia
A crítica da ideologia se preocupa com a noção de verdade e veracidade e, tende a tencionar a relação existente entre a Ciência do Direito e a Sociologia. A assunção de valores a serem tutelados pelas normas jurídicas e princípios jurídicos, além prover critérios hermenêuticos capazes de suprimir rupturas, lacunas e omissões legislativas.
A conceituação e problemática
da ciência do Direito envolve múltiplos aspectos. Principalmente, se começarmos
a debater se o Direito é, de fato, uma ciência própria e efetiva, ou na verdade
é apenas uma técnica.
Segundo Maria Helena Diniz, a
ciência jurídica é considerada ora como scientia, pelo seu aspecto teórico, ora
como ars(arte), pela sua função prática. Outros, ainda dão ao problema uma
solução eclética. Para o jurista Michel Villey (2009) entendendo como mais
adequado visualizar o Direito como arte jurídica.
Como técnica. E, para o
professor e jurista Renan Severo Teixeira da Cunha (2008), o conhecimento
jurídico enquanto técnica seria o conjunto de atividades desenvolvidas para
resolver situações concretas da vida, geralmente, conflituosas, decidindo-as
com fundamento em algum direito, como por exemplo, o advogado ao equacionar
certo caso concreto, o juiz ao solucionar a lide, o promotor de justiça ao
oferecer uma denúncia, para ele estão desenvolvendo uma atividade técnica e não
científica, embora pressupondo seu conhecimento científico do Direito.
Há ainda, doutrinadores que
conferem ao Direito caráter de tecnologia como Theodor Viehweg e Tércio Sampaio
Ferraz Júnior. E, para este último, o conhecimento jurídico não se preocupa com
a verdade, mas sim, com a decidibilidade, buscando estabelecer critérios para
solucionar conflitos sociais, possuindo a questão da decidibilidade um caráter
tecnológico. Observa-se que no mundo contemporâneo, a técnica se transforma em
tecnologia Ferraz Júnior, 2012).
Enquanto Viehweg apud
Porcher Júnior, o Direito é tão somente uma técnica de resolução de conflitos, que
articula uma necessidade aparente de sistema, porém, injustificável na prática.
A visão prevalente a enxerga
como ciência e suas principais consequências, especialmente, após a obra de
Hans Kelsen, intitulada "Teoria Pura do Direito", onde o autor muito
se esmerou em conferir-lhe aspecto puramente científico.
É sabido que o surgimento do
positivismo é anterior às discussões metodológicas de Kelsen. O positivismo
jurídico é teoria que veio a opor-se à doutrina do Direito natural.
Enfim, para esta nova matriz
metodológica de explicação dos fenômenos do Direito, a ciência jurídica possui
por objeto o conhecimento do conjunto de normas formadas pelo Direito vigente,
o direito positivo.
E, com o fito de separar o
Direito a moral e da política, pregam seus adeptos e seguidores que o jurista
deverá limitar sua análise ao Direito estabelecido pelo Estado ou pelos fatos
sociais, abstendo-se de qualquer valoração ético-política, isolando o mundo das
normas de sua realidade social: o objeto de estudo do Direito é o sistema de
normas coercitivas fora de seu contexto concreto.
Lembremos que a construção da
ciência tem como ponto inicial a própria construção do conhecimento. Enfim, conhecer
é trazer para o sujeito algo que se põe como objeto. Trata-se, portanto, de operação
imanente pela qual a um sujeito pensante se representa um objeto. O
conhecimento é fato do qual não podemos duvidar de sua existência.
Ainda que possamos indagar
sobre sua validade, objetividade e precisão, porque diversas são as fontes de adquirir
o conhecimento.
O conhecimento poderá ser
religioso, metafísico, filosófico, histórico, sociológico, político, científico
etc. E, é possível afirmar que não existe apenas um único tipo de conhecimento
que possa ter sentido unívoco no mundo.
São muitos os estudiosos e
autores que abordam a relação havia entre o sujeito e objeto. Existem correntes
que suscitam essa problemática situada exatamente na relação sujeito-objeto,
divergindo entre si, quanto à construção de conhecimento.
No que se refere a relação
existente entre sujeito e objeto existem duas correntes doutrinárias que
debatem a problemática. A corrente chamada de empirista, parte da ideia de que
o conhecimento somente se adquire porque nasce do objeto e ao sujeito caberá
somente registrá-lo e descrevê-lo, isto é, partiria do real (objeto) para o racional
(sujeito).
Assim, o objeto seria algo
transparente e invisível que se apresentaria ao sujeito tal como ele é, e
cabendo ao sujeito somente saber ver e assim construir o conhecimento.
Para o empirista[1] o conhecimento é descrição
do objeto, tanto mais exata que possível sendo capaz de apontar as suas
características.
Ressalte-se que no empirismo,
a mais radical escola é a do positivismo representada por Auguste Comte,
pensador francês e afirma que o conhecimento científico nasce do objeto. É
neste pensamento que repousa a verdade científica, apresentando-se ao sujeito como
de fato é, na realidade.
Já a
corrente racionalista, ao revés, da descrita anteriormente, coloca seu
fundamento de validade no sujeito e o objeto seria apenas um ponto de
referência, quando não é ignorado. Tal corrente possui similitudes com o
positivismo lógico, pois, esse labora ou confere à razão uma importância bem
expressiva, bem afastada do objetivo, o que não há como confundi-los.
Ainda dentro do racionalismo,
encontramos o idealismo que seria o extremo dessa postura, pois para um
idealista, o conhecimento nasce e se esgota no sujeito, enfim, com a ideia
pura.
A problemática sobre o
conhecimento e a divergência havia entre essas duas retrocitadas correntes, a
empírica e a racional, faz com que procuremos a entender a relação
sujeito-objeto na construção da ciência.
O termo "ciência",
dentro da acepção vulgar, indica conhecimento, é derivado da palavra latina scientia,
oriunda, do verbo scire, isto é saber. O vocábulo ciência para todos os
doutrinadores, significa conhecimento, saber, possui um sentido dos mais
variados, posto que defina todos os ramos do saber humano.
Segundo o doutrinador Tércio
Sampaio Ferraz Júnior, o termo "ciência" não é unívoco, se é verdade
que com ele designamos um tipo específico de conhecimento; não há, entretanto,
um critério único que determine a extensão, natureza e os caracteres deste
conhecimento; tem fundamentos filosóficos que ultrapassam a prática científica,
mesmo quando esta prática pretenda ser ela própria usada como critério.
A ciência é composta de elementos e de
enunciados que visam a transmitir informações verdadeiras sobre tudo, o que
existe, existiu ou existirá. O conhecimento científico, no fundo, traz essas
constatações e enunciados que se tornam, comprovando assim a existência desses
dados. O conhecimento científico se constitui, nesse sentido, em um corpo
sistemático de enunciados verdadeiros.
Não se limita a constatar
apenas o que existiu e o que existe, mas também, o que existirá, possui
manifesto sentido operacional, sendo um sistema de previsões, bem como de reprodução
e inferência dos fenômenos que descreve.
A ciência, é, em primo
locus, o conhecimento de novos fatos da realidade, cabendo questionar quais
fatos, qual realidade o jurista investiga. São fatos e realidades legais, ou
seja, o direito positivo vigente num dado momento e num certo país. O que
confirma ser o direito muito mutável e efêmero.
A problemática principal da
ciência do Direito reside exatamente na questão do seu método e de seu objeto de
conhecimento, porque, para alguns doutrinadores a ciência do Direito é
atividade intelectual que tem por objeto o conhecimento racional e sistemático
dos fenômenos jurídicos, enquadrando-se, então num conhecimento unívoco e não
variado.
É, este, portanto, o conceito
da ciência do Direito presente na maioria dos manuais estudados, isto é, uma
ciência dogmática, estática, chamada de dogmática jurídica. E, por possuir tais
características, seu seria apenas avaliar, o que está contido basicamente nas
leis e nos códigos. Portanto, não tem natureza crítica, ou seja, não penetra no
plano do debate quanto a conveniência social das normas jurídicas.
Elucidou Miguel Reale que não
é possível confundir a ciência do Direito com a Dogmática Jurídica, pelo fato
de que: a Dogmática Jurídica corresponde ao ápice em que o jurista se eleva ao
plano teórico dos princípios e conceitos gerais, que são necessários à
interpretação, construção e sistematização dos preceitos e institutos que
compõem o ordenamento jurídico.
E, ao operar-se no plano da
ciência do Direito, os estudiosos tão-somente cogitam dos juízos de
constatações, com o fito de converter as determinações contidas no conjunto
normativo. Sendo irrelevante qualquer constatação a respeito do valor da
justiça, mantendo-se alheia e indiferente aos valores. Apenas define e
sistematiza o conjunto de normas que o Estado impõe à sociedade.
E, o que define o Estado é a
ideologia[2]. De sorte que a ideologia[3] tem voraz influência na
definição e funcionalidade da Ciência do Direito.
É possível questionar como uma
ciência do Direito poderá permanecer indiferente aos valores, se o princípio fundamental
dessa ciência, é exatamente trabalhar com as questões humanas, posto que sejam
variáveis, jamais estáticas e inertes, ou mesmo, vinculadas à norma posta ou positivada.
Se a ciência é, por si só, um
conhecimento mutável, mesmo que se concretize como autêntica ciência, mesmo que
se labore com normas descritíveis, mas que estejam sempre preparadas para
possíveis modificações conforme haja o progresso social que tão bem envolve o
Direito.
Na época do Código Civil de
1916, de Beviláqua, o chefe da família era sempre o homem, na figura de pai. Tanto
que se a esposa desejasse trabalhar, precisava de ter autorização marital. Fato
que foi modificado com o Estatuto da Mulher Casada de 1962. Já no Código Civil
de 2002, de Miguel Reale, reconhece-se a participação tanto do marido como da
esposa na gestão da família. Dando azo à paridade de poderes aos dois gêneros.
O mais intrigante para os
juristas e doutrinadores é como a ciência se constitui, se existem divergência
sobre a sua real existência, no que tange ao método e ao objeto de estudo.
E, a dificuldade ainda surge
quanto a existência autônoma da ciência do Direito, que traz à baila o debate
sobre os fenômenos jurídicos se podem ou não ser objeto de reflexão e, análise
sob os mais diversos pontos de vista de outros ramos do saber.
Miguel Reale bem explicou que
a Ciência Jurídica e estuda o fenômeno jurídico tal como se concretiza no
espaço e no tempo, enquanto a Teoria Geral do Direito constitui a parte geral
do Direito, onde se fixam os princípios ou diretrizes capazes de elucidar-nos
sobre a estrutura e funcionamento das regras jurídicas e, ainda, sobre os
motivos que governam os distintos campos da experiência jurídica.
Repise-se que é muito antiga a
discussão a existência de uma ciência do Direito. Enfim, os romanos a
qualificam como Iurisprudentia e a definiram como ciência por nasceu e
se desenvolveu com a filosofia grega o que permitiu à ciência analisar e
gerenciar seus materiais.
E, mesmo assim, paira uma
incerteza quanto à doutrina jurídica, e sua prática, pois havia dúvidas se
poderia chamar-se de ciência, uma doutrina que era incapaz de decidir com certeza
e firmeza os problemas à esta submetidos.
Assim, somente, no século XX,
quando ocorreu grande progresso na maioria das ciências, é que fora possível melhor
conhecer os aspectos da realidade social, possibilitando assim, a certeza de
que estamos adquirindo um conhecimento que permitiu investigar a lei e dar a
ela um caráter mais científico.
De acordo com Von Krishmann,
refere-se ao fato de que, estando a ciência jurídica vinculada à legislação e
variando esta segundo a vontade do legislador, a obra do jurista ou doutrinador
é realmente efêmera, depende do capricho daquele e não pode seriamente
pretender descobrir nada de real e permanente. Isso torna impossível
estabelecer as famosas leis gerais.
Traduzindo Von Krishmann é que
todas as ciências têm leis e as leis são a sua finalidade suprema. Todas as ciências
em todos os tempos, têm, além de leis verdadeiras, outras falsas. Porém, a
falsidade destas não exerce qualquer influência sobre o seu objeto.
O que é diferente do Direito,
pois nesse ocorrem fatores imprevisíveis, dados novos, a influência da vontade do
legislador é bastante forte, por isso é tão difícil acatar a cientificidade do
Direito.
Se considerarmos ciência
qualquer tipo de conhecimento racional que engloba dados da realidade natural,
social ou cultural, não teremos problemas para cogitar de uma ciência jurídica,
visto que essa estuda os dados da realidade, embora de forma racional.
Suponhamos, porém, que exista
uma ciência e que a sua utilização seja lícita. Dessa forma, podemos entendê-la
então como arbitrária, nada progressiva, distante da realidade social e,
tomaríamos como exemplo a ciência jurídica, pois seu problema reside aí: é a
ciência jurídica, por ser ciência arbitrária e nada progressista?
Um dos maiores problemas da
ciência do Direito é a sua arbitrariedade, por ser constituída de leis
arbitrárias que se modificam com o tempo, pois uma mera palavra do legislador
converte bibliotecas inteiras em lixo, isto é, uma mudança na legislação torna
inúteis a maioria dos manuais do Direito.
Não podemos exagerar esse
feito, pois um ordenamento jurídico num todo não se modifica, mas evolui.
Assim, o que muda são algumas normas, o que ocorre na verdade é um progresso,
uma evolução da ciência jurídica quando se busca atender a dados da realidade
social.
Enfim é a ciência jurídica
arbitrária porque o legislador resta preso à doutrina tradicional, com métodos,
sistemas e conceitos e, que esse, mesmo querendo realizar inovações e
atualizações, se prende às técnicas habituais de determinada época histórica.
Por isso, uma ciência jurídica,
mesmo entendida no modesto sentido de ordenação de conceitos e métodos de
análise de normas legais, não se improvisa, mas adquire-se através de uma
educação especializada que transmite seus métodos e suas rotinas de geração
para geração.
Contemporaneamente, por mais
radicais que sejam as mudanças, o jurista continua utilizando técnicas e
hábitos de tradição doutrinária, já que o progresso social da ciência jurídica
é discutível. Se considerarmos como objeto da ciência jurídica apenas o
conhecimento do Direito, tal progresso seria duvidoso.
Nesse sentido, na realidade,
quando se fala de progresso da ciência jurídica, teria que se pensar
especialmente na forma como, graças ao desenvolvimento desses métodos de
análise, o jurista é capaz de enfrentar novos problemas e realidades partindo
de um Direito que inevitavelmente vai ficando ultrapassado pela evolução social
(La Torre, 1978).
Enfim, a solução desse busilis
está em sabermos, afinal, se existe ou não um progresso social da ciência do
Direito e que importância tem o jurista na existência desse progresso. Tal
constatação se dá através da própria evolução dos homens e de suas realidades e
é através dessas que o Direito, ou o conhecimento do Direito (já que ciência é
conhecimento), poderá realmente se caracterizar como progresso social,
regulando e controlando a vida da comunidade.
Quando
nos propomos a estudar a ciência jurídica, a primeira análise realizada é de
que o Direito não pode ser algo diverso, ou que não faz parte da realidade
social. Ele precisa, isto sim, fazer parte da realidade social global, deve ser
ciência à medida que é conhecimento, pois, o jurista deve integrar-se na
construção desse progresso que o Direito tanto persegue.
Caberá ainda questionar: o
jurista também persegue esse mesmo progresso social, faz dele ciência jurídica,
ou esta deverá ser pura e livre de qualquer influência ideológica? Enfim,
busca-se uma concepção de ciência jurídica e para que isso ocorra, torna-se
necessário examinar qual é seu verdadeiro método e objeto.
Sobre os aspectos relacionados
com o objeto e o método da ciência jurídica, o primeiro propõe é que a ciência tem
por objeto o conhecimento do conjunto de normas que constituem o Direito
vigente ou positivo. O jurista, ao utilizar esse objeto de conhecimento, deve
buscar e desenvolver seus conceitos, sua metodologia, utilizando-se somente da
lei.
O jurista deve limitar-se ao
Direito, tal como nos é posto, estabelecido, não podendo adentrar e envolver-se
em questões éticas ou valorativas, ou ainda, ater-se as questões sociais, ou,
especificamente, as normas que se prendem à realidade social. O direito
normativo/dogmático e somente esse é seu objeto de estudo.
Diante disso, o jurista não
precisa ser indiferente ao que diz respeito aos valores éticos, morais e
sociais. Este pode criticar o Direito positivo e esforçar-se para modificá-lo,
alcançando assim sua reforma e estruturação de algumas normas quando achar
necessário. Porém, agindo assim ele estará fora de seu campo de atuação como
cientista do Direito.
O jurista analisa,
objetivamente, as leis ainda que se esforce para que o Direito de seu país se
ajuste aos conceitos éticos mais aperfeiçoados, tal como ele os concebe. A
atitude positivista não pressupõe e nem nega a relevância dos estudos da
sociologia jurídica, isto é, das indagações sobre a atuação do Direito na
realidade social, mas simplesmente afasta da ciência jurídica e da análise das
normas este tipo de consideração.
O objeto do Direito deve ser
estudo como algo diverso e separado dos fenômenos sociais. E, nesse sentido, J.
Austin, em sua jurisprudência analítica, nos informa que "se deve distinguir
o Direito positivo de outros tipos de normas, como os usos sociais ou outros
preceitos independentes daquele que se considera o único e verdadeiro Direito.
E, para tanto, o doutrinador
aponta que a ciência jurídica deve ocupar-se só das leis positivas, sem
preocupar-se se são boas ou más.
Depois, de buscarmos entender
a problemática que envolve a cientificidade ou não da ciência do Direito,
abordando aspectos desde a construção do conceito de conhecimento e de ciência
e sua violação com o Direito, procurarmos enfocar alguns aspectos relacionados
com Ciência Jurídica de acordo com Hans Kelsen.
Lembremos que o conceito de
ciência jurídica apresentado por Kelsen é o de uma ciência purificada de
qualquer valor, tanto social como ético ou moral. E, a referida postura,
tornou-se polêmica e bastante discutida, porém, são poucos que ousam a desafiar
tais premissas com competência e clareza de afirmações.
Partimos da premissa de quais
são ou devem ser os métodos de estudo do Direito. Kelsen parte da mesma
premissa dos demais positivistas tradicionais, isto é, a análise do Direito
deve fazer-se independentemente de qualquer juízo de valor ético, político e,
de qualquer referência à realidade social em que atua.
O Direito é um fenômeno
autônomo, cujo conhecimento é o objeto da ciência jurídica como atividade
intelectual distinta da ética e das ciências sociais. E, a autonomia da ciência
jurídica requer que se liberte das contaminações ideológicas que, de forma mais
ou menos consciente, têm perturbado o estudo do Direito.
Hans Kelsen partiu de uma
concepção de ciência que está fundada na objetividade, exatidão e neutralidade
de suas proposições, que vão descrever o objeto dado. Seu objetivo é purificar
a ciência jurídica de todos os elementos estranhos, fixando como seu único objeto
o conhecimento do que é o Direito, sem tentar justificá-lo nem o colocar sob os
pontos de vista alheios a ele.
Ou seja, uma teoria consciente
da legalidade específica de seu objeto. Para constituir uma ciência tão
purificada e limpa, sem quaisquer “impurezas”, o fundamental para Hans Kelsen é
que o Direito se resuma exclusivamente à norma. Cabe, portanto, à ciência
jurídica transformar essas normas em regras, criar a forma lógica do jurídico.
Aqui o objeto é a norma e não o fato. Todos os fatos deverão obedecer ao que a
lei ordena.
Por isso comenta Eugeny
Pashukanis: “Esta ‘teoria’ no intenta en absoluto examinar el derecho, la
forma jurídica como forma histórica, pues no trata de estudiar la realidad en
forma alguna. Por esto, para emplear una expresión vulgar, no hay gran cosa que
se pueda sacar ahí” (1976).
Com efeito, o Direito como é
produto cultural, traz em seu bojo valores éticos, políticos, sociais e
econômicos que prevalecem na sociedade e atuam como fatores para a pesquisa do
cientista do Direito e, até mesmo, para o intérprete da norma jurídica, que não
podem deixar de cotejar os resultados de suas atividades com as aspirações da
comunidade dentro do qual os efeitos serão percebidos.
Assim, a norma jurídica
representa valores reconhecidos como relevantes pela sociedade e deve ser
tratada pelo cientista e pelo intérprete como um instrumento de realização
daqueles mesmos valores reinantes, divorciando-se de uma atitude acrítica e
dogmática.
A Semiologia[4] não ousa substituir outras
ciências mais diretamente adaptadas à estrutura agonística e antagonística,
numa palavra, a dialética, de nossa existência, mas seu crescente prestígio
leva a uma tendência para as interpretações mais descompromissadas e
contemplativas da vida e da convivência humana.
O enlace Semiótica/Semiologia
para com Direito a engendrar à larga probabilidades não encaradas/concertadas, ou timidamente postas à procura, ao debate e
ao esboço e que, exige, como premissa maior, o próprio arejamento da concepção e visão ortodoxas do homem para com o Direito,
eis que não se resume todo este novel posicionamento em re-manejar, mas em re-criar e re-pensar,
finalmente, a partir do re-flectir (já que não se pode negar a poiética
humana, se não o que seria o próprio
homem enquanto homem ?) que re-toma como base uma perspectiva outrora refutada
(ou démodé, como alguns concebem no que
tange a novas incursões no contexto linguagem jurídica) como esposada, sob o
assento não de um prévio paradigma justificável em si, tampouco, nem da
resolução verificável de problemas.
Entre os doutrinadores que
podemos estudar, temos Luiz Alberto Warat(1985) que questiona essa visão
positivista e tenta laborar com a desconstrução do modelo de Kelsen de Ciência,
fazendo perceber através de um contradiscurso que a visão positivista abordada
por Kelsen, ou a visão de ciência jurídica como uma ciência dogmática do
Direito, não pode mais ter força de sistema normativo, pois se apresenta como
corpo confuso de regras, cheia de defeitos e insuficiências para satisfazer
cabalmente às necessidades reais da sociedade humana.
Para Warat (1985), o termo
"Direito" é somente um preceito obrigatório que organiza e conforma a
sociedade. Portanto, é preciso deslocar a ideia de uma ciência rigorosa e
objetiva que estabelece o caráter imaginário das verdades, para que possamos
compreender que através do gênero científico nunca se poderá efetivar a crítica
à sociedade e reconhecer o homem com seus anseios.
No debate, há uma questão
certa: a partir da segunda metade do século XX, a ciência do Direito firmou-se
como uma ciência dogmática do Direito, apesar que persistirem opiniões e
críticas contrárias a esse dogmatismo.
Enfim, a concepção dogmática
de ciencia é a sua relação com a hermenêutica como teoria da interpretação, ou
a busca de métodos de interpretação que possibilitem uma adequação ou
readequação da dogmática à realidade social.
Conclui-se que a Ciencia
Jurídica estuda o fenômeno jurídico[5] em todas suas
manifestações e momentos, e, essa experiência não se formaliza e aperfeiçoa
apenas em leis, manifestando-se igualmente em sociedade e nas relações de
convivência.
A Ciência do Direito somente se revele como ciência madura quando as interpretações dos artigos se completam através de uma visão unitária de todo o sistema.
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Notas:
[1]
O Direito como experiência humana, como fato social, existiu da Grécia, como
entre os povos orientais, mas passou a ser objeto de ciência somente no mundo
romano, quando adquiriu unidade sistemática. Foram os povos do Lácio que
primeiramente, entenderam de que era necessário discriminar e definir os
diversos tipos de fatos jurídicos, bem, como determinar as relações constantes
existentes entre eles (objetivando atingir os princípios que governem a
totalidade da experiência do Direito).
[2]
Antoine Destutt de Tracy, filósofo iluminista, nascido em 20 de julho de 1754 e
descendente de família aristocrática conhecida por ser uma das maiores
proprietárias de terra da França, foi o criador do termo “ideologia”. O
objetivo, ao criar esse termo, era recheado de ambição: criar uma ciência que
fosse capaz de mapear de forma racional a origem e o desenvolvimento de todas
as ideias, combinações e suas consequências – ou seja, originar a “ciência das
ideias”. Foi o próprio autor que denominou essa ciência como “ideologia”,
originado pelos neologismos dos termos eidos e logos, do grego, significando
algo aproximado de “estudo das ideias”. Os conceitos de ideologia são diversos.
Para entendê-los, começaremos pelo autor Norberto Bobbio, em seu livro
“Dicionário da Política”, que divide ideologia em duas formas: o sentido
“fraco” e “forte” da palavra. Para ele,
o sentido fraco significa “um conjunto de ideias e de valores que tem como
função orientar comportamentos políticos e coletivos” e o sentido forte tem a
concepção baseada no Marxismo, sendo entendido como uma “falsa consciência das
relações de domínio entre as classes”.
[3]
O direito funciona como aparato que mantém as divergências no capitalista, isto
é, que o capitalista continue com seu lucro e o trabalhador continue a vender
sua força de trabalho. No marxismo, o Direito é parte da história, das
contradições e paradoxos e da infraestrutura do capitalismo sendo relevante a
análise de maneira dialética.
[4]
Efetivamente, a semiótica jurídica, com seu aparato metodológico permite
conceber o processo de positivação normativa como fenômeno do discurso (sem,
contudo, limitar ou reduzir o Direito unicamente ao fenômeno discursivo), como
enunciação, como fato de linguagem. Esta premissa deriva da adoção de um quadro
categorial aristotélico, característico da tradição ocidental, que preconiza a
análise do ato predicativo realizado pelo sujeito ao expressar-se num discurso
em que a realidade está representada. Algumas obras importantes para a
epistemologia jurídica trouxeram esta opção: é o caso de Bernard S. Jackson
(1980; 1987), que explorou a semiótica estruturalista de A. J. Greimas
relacionada às teorias positivistas de Hart, MacCormick, Dworkin e Kelsen. Outros autores que aplicaram a matriz
greimasiana aos estudos sociológicos, políticos e jurídicos foram Landowski
(1992) e Bittar (2001). No Brasil também
é conhecida a aplicação da semiologia de Saussure aos estudos políticos
empreendida por Warat e Rocha (1995 – 2ª versão), sob forte influência da
Escola Analítica de Buenos Aires, e por eles denominada de semiologia política.
[5] A complexidade da realidade social, política e econômica, a velocidade com que ocorrem as transformações, como também a ampliação das lides que são trazidas ao Poder Judiciário, exigem, cada vez mais, um esforço muito grande para se manter o sistema vivo, em adaptação e ainda resguardando sua unidade e estrutura própria. Os operadores do Direito devem superar um paradigma que é formalista, de simples apego à lei, para reconstruírem seus códigos de acordo com outras expectativas geradas em torno de sua atuação.
*Gisele Leite, Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC – Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores – POA -RS.