Juiz de Garantias e o processo penal brasileiro contemporâneo
Plenário do STF determinou o prazo máximo de dois anos para que as legislações e os regulamentos dos tribunais sejam alterados com o fito de implementar o juiz de garantias. A medida fora elogiada pelos juristas brasileiros e considerada relevante para devida garantia de respeito aos direitos fundamentais de acusados. O juiz de garantias deve ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal; decidir sobre o requerimento de prisão provisória e outra medida cautelar, podendo prorrogar, revogar ou até substituí-las, bem poderá prorrogar o prazo de duração do inquérito e, ainda, determinar trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para a instauração ou prosseguimento. O juiz ainda poderá requisitar documentos, laudos e informações ao Delegado de Polícia sobre o andamento da investigação policial e julgar habeas corpus impetrados antes do oferecimento da denúncia ou queixa crime. Não atuará em casos de competência do Tribunal do Júri.
A estrutura do sistema
acusatório do processo penal brasileiro é montada com a Lei 13.964/2019, mais
particularmente o artigo 3-A que in litteris: "O processo penal
terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação
e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação".
Lembremos que o atual CPP
(Decreto-Lei 3.689, 3 de outubro de 1941 entrou em vigor durante o Estado Novo,
em 1 de janeiro de 1942, com evidente inspiração fascista italiana que deu
origem ao denominado Código Rocco de 1930[1].
A maior prova disso é a sua
Exposição de Motivos que no seu n. II, salienta: "De par com a necessidade
de coordenação sistemática das regras do processo penal no Código único para
todo o Brasil, impunha-se o seu ajustamento ao objetivo de maior eficiência e
energia da ação repressiva do Estado contra os que delinquem”.
As nossas vigentes leis de
processo penal asseguram aos réus, ainda que colhidos em flagrante ou
confundidos pela evidência das provas, um tão extenso catálogo de garantias e
favores, que a repressão se torna, necessariamente, defeituosa e retardatária,
decorrendo daí indireto estímulo à expansão da criminalidade. Urge que seja
abolida a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre o da tutela
social.
Não se pode continuará
contemporizar com a pseudodireitos individuais em prejuízo do bem comum (...) é
ampliada a noção de flagrante delito... A decretação da prisão preventiva, que,
em certos casos, deixa de ser uma faculdade para ser um dever imposto ao juiz,
adquire a suficiente elasticidade para tornar-se medida plenamente
assecuratória da efetivação da justiça penal".
Enfim, a basilar estrutura da
legislação processual penal brasileira fora alicerçada em bases inquisitoriais
oriundas do regime totalitária vigente durante a Segunda Grande Guerra Mundial.
E, a maior prova disso, foi a subsistência de dispositivos legais de duvidosa constitucionalidade
e que autorizavam o próprio juiz a requisitar a instauração de um inquérito
policial, a decretar de ofício a produção antecipada de provas consideradas
urgentes e relevantes, ou então, a realização de diligências para dirimir
dúvida sobre ponto relevante, seja na fase
investigatória, seja na fase processual (artigo 156[2], incisos I e II CPP,
respectivamente), ou que autorizam o próprio juiz a realizar pessoalmente um
busca domiciliar (artigo 241, CPP). a
mudança da nossa legislação processual penal como um todo, para que sua
estrutura fosse, enfim, adaptada à nova ordem constitucional e convencional,
notadamente ao sistema acusatório (CF, art. 129, I) e à garantia da imparcialidade
(CADH, art. 8°, n. 1). Afinal, não se pode mais compreender o ·processo penal
como um mero instrumento necessário para o exercício da pretensão punitiva do
Estado.
O processo penal há de ser
compreendido como uma forma de tutela dos direitos e garantias fundamentais do
indivíduo. Para tanto, cabe afirmar "para que tenhamos um processo ético,
limpo, sem surpresas, equilibrado, com regras definidas e conhecidas e que
valoriza o ser humano", este deve ser concebido como um processo de
partes, em que as atividades de acusar e julgar estejam efetivamente
distribuídas a diferentes personagens, estruturado sobre um procedimento em
contraditório, cabendo às partes desenvolver a atividade probatória com o
objetivo de convencer um julgador imparcial, a quem é dado decidir de modo
subjetivamente desinteressada.
Então, os arts. 3°-A, 3°-B,
3°-C, 3°D, 3°-E e 3°-F, introduzidos no Código de Processo 'Penal pela Lei
13.964/2019: o primeiro deles, após dispor que o processo pernil terá estrutura
acusatória, veda expressamente a iniciativa do juiz na fase de investigação e a
substituição da atuação probatória do órgão de acusação; os demais passam a
prever a figura do juiz das garantias, doravante o responsável pelo controle da
investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia
tenha sido reservada à autorização
prévia do Poder Judiciário, "ficando impedido de mais adiante funcionar na instrução[3] e julgamento do mesmo
feito.
Apesar do artigo 3-A do CPP
ter sido introduzido pelo Pacote Anticrime, no capítulo denominado Juiz das
Garantias, ao lado dos artigos 3-B, 3-C, 3-D, 3-E, com estes não guarda nenhuma
relação.
Sendo mera ratificação da
estrutura acusatória do nosso processo penal, em fiel conformidade com o artigo
129, inciso I da CF/1988, do que deriva a conclusão de que seria vedada
qualquer iniciativa do juiz na fase de investigação, bem como a substituição da
atuação probatória do órgão de acusação.
A decisão do Ministro Luiz Fux
na apreciação da medida cautelar das ADIs 6298, 6.299, 6.300 em 22.01.2020 e
apesar do artigo 3-A do CPP não guardar nenhuma relação com o juiz das
garantias, porquanto apenas enunciar os postulados básicos do sistema
acusatório. A suspensão sine dia da eficácia, até a decisão do Plenário do STF
que se deu em 24.8.2023.
Concordamos com o grande
doutrinador Aury Lopes Júnior pois de nada adianta ter uma separação formal
inicial, com o oferecimento de uma denúncia pelo MP, se, logo em seguida, ao logo
de toda marcha procedimental, o juiz for outorgado no papel ativo de
protagonista na busca pela prova, ou até mesmo, na prática de atos
característicos da acusação.
A gestão autoritária da prova,
vinculado ao princípio inquisitivo[4] traduz uma atividade
nitidamente incompatível com a imparcialidade, colocando em segundo plano o
contraditório e a ampla defesa, na frenética busca da verdade real. Assim, o
imputado deixa de ser o sujeito de direitos, e passa a ser mero objeto de
investigação, ficando, portanto, submetido a um inquisidor que resta autorizado
a extrair dele a verdade a qualquer custo.
Aliás, a distinção existente
entre a verdade real e processual ou verdade formal é encarada, por exemplo, na
doutrina de Ferrajoli e na teoria do garantismo penal que enfatiza a
necessidade da superação da denominada verdade substancial (seja real ou
absoluta), utópica e inalcançável, por uma verdade processual de caráter
aproximativo, que não pretende ser declarada como a verdade, já que
condicionada ao processo e às garantias da defesa.
Portanto, trata-se de uma
verdade controlada quanto ao método de aquisição e reduzida quanto ao conteúdo
informativo em relação à hipotética verdade substancial, protegendo, assim, os
cidadãos, de práticas autoritárias. Dessa forma, o juiz, deixava de tutelar a
presunção de inocência e passava a funcionar como um caçador da verdade.
Como ressaltou o doutrinador
Geraldo Prado o referido sistema é estruturado com intenção de realizar o
direito penal material, em que a função do juiz se limita a concretizar o poder
de punir do Estaddo como, se o exercício do magistério penal fosse questão de
segurança pública.
Conclui-se que a produção de
provas[5] é tarefa das partes e no
modelo acusatório e pelo princípio do dispositivo, tem-se um juiz espectador,
ou é o juiz-ator/inquisidor e, se está em modelo diverso, qual seja, o
inquisitório. Assim, não há, portanto, espaço para um meio-termo.
Resta, portanto, analisarmos a
inconstitucionalidade dessa atuação ex officio do juiz, seja este o juiz das
garantias, durante a investigação preliminar, seja este o juiz da instrução e
julgamento, no curso do processo criminal, o que pressupõe nova sistemática ora
introduzida pelo artigo 3-A do CPP combinado com o artigo 156 do CPP que
faculta ao juiz agir de ofício antes de iniciada a ação penal e no curso da
instrução, anteriormente a proferir a sentença final.
O Código de Processo Penal
Português de 1987 prevê um juiz de instrução que atua, praticamente, como
autêntico juiz de garantias, controlando a legalidade da investigação e sem
iniciativa para a produção das provas. De acordo com o artigo 40 do Código
Português, esse juiz instrutor, à semelhança de nosso juiz de garantias
introduzido pelo Pacote Anticrime está impedido de julgar a ação penal.
A impropriedade do nomen
juris adotado, a melhor nomenclatura seria juiz da fase de investigação
criminal, pois se leva em conta somente o período de persecução em que esse
julgador teria competência para atuar.
Vale dizer, a própria figura do juiz, tal como prevista nas
leis de organização judiciária, com base
na Constituição, já traz em si a garantia ao cidadão de que no processo penal sua função não se há de
confundir com a função daquele órgão de
outro Poder concebido constitucionalmente para perseguir o fato criminoso, e que, por isso, mesmo diante
da acusação estatal ou privada a ser
deduzida e apurada perante o Poder Judiciário, alguém estará constituído para julgá-lo segundo
regras de direito. Nisso, o juiz já é garantia.
Na Itália, igualmente, segue
modelo parecido sendo que a principal inovação do CPP italiano de 1989 foi a
supressão da figura do juiz de instrução e a substituição pelo giudice per le
indagini preliminari, que atua na fase preliminar do processo, ficando, em
geral, impedido de atuar na fase processual vide o artigo 34 do CPP italiano.
Na América do Sul[6] as reformas processuais
penais foram acolhidas com algumas variações, a figura do juiz das garantias e,
percebe-se, por exemplo que o CPP do Paraguai prevê juiz de garantias, a quem
compete realizar um juízo acerta da justa causa para o início do processo penal
ou do arquivamento da investigação, restando, em regra proibido de julgar o
processo criminal. Semelhantes alterações foram acolhidas no Chile, Argentina e
Colômbia.
Ao suspender a eficácia dos
artigos 3-A ao 3-F do CPP (ADIN 6.299 MC/DF), em 22.01.2020, o Ministro Luiz
Fux afirmou que há de se ter cuidado com o mero retórico Direito comparado, que
desconsidera as particularidades dos arranjos institucionais e da cultura
política de cada um dos países, divergências contextuais, dissidências
doutrinárias e jurisprudenciais, entre outros pontos.
E, com o julgamento do
Plenário do STF em 24.8.2023, deu-se o prazo total de dois anos para a
implementação do juiz das garantias que seguirá as regras de organização
judiciária de cada Estado da Federação.
Considera-se firme a
jurisprudência pátria dos Tribunais Superiores no sentido de que a lei
processual que altera a competência absoluta deve ter aplicação imediata aos
processos em andamento, salvo se já houver sentença relativa ao mérito,
hipótese em que o processo deve seguir na jurisdição em que ela fora prolatada,
ressalvada a hipótese de supressão do tribunal que deveria julgar o recurso.
Não haveria, in casu,
qualquer violação ao princípio do juiz natural, dado que, na Constituição
Federal brasileira vigente, esse primado não tem o mesmo alcance daquele
previsto nas constituições de países alienígenas, que exigem seja o julgamento
realizado por juízo competente estabelecido em lei anterior aos fatos.
Tanto é verdade que o inciso
III do artigo 5º da CF/1988 somente assegurou o processo e julgamento diante de
autoridade competente, sem exigir que deva o juízo ser pré-constituído ao
delito a ser julgado.
De fato, estamos diante de
nova espécie de competência funcional, de natureza absoluta e que não se
poderia admitir a perpetuação da competência. Aliás, segundo o artigo 43 CPC
vigente, subsidiariamente aplicável ao processo penal comum, pois determina-se
a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial,
sendo irrelevantes as modificações do estado de fatos ou de delitos ocorridas
posteriormente, exceto, quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a
competência absoluta.
Contextualizando a criação da
figura do juiz das garantias[7], divorciando-o do
julgamento de processo penale que não teria o condão de alterar sua
competência, seja em matéria de competência criminal, no lugar do tempus regit
actum, deverá prevalecer a regra oposta, ou seja, tempus criminis regit
iudicem.
Lembremos da premissa que
informa que a entrada em vigor de uma nova norma processual penal não poderá
nunca ter o poder de invalidar os atos processuais praticados sob a vigência da
lei anterior, porquanto praticados de acordo com a lei então vigente, resta
questionar até se ocorrerá a imediata remessa dos autos em andamento a outro
juiz, ou seja, o juiz da instrução e julgamento, o que não implicaria em
admitir efeitos retroativos à nova causa de impedimento do artigo 3-D, caput
do CPP.
Portanto, só podemos admitir
uma incidência prospectiva das normas do Pacote Anticrime e não retroativa,
afastando-o dos atos já praticados.
Com o julgamento do Plenário
do STF a imposição de implementação obrigatória do juiz de garantias, quando
aos tribunais foi conferida maior autonomia para definir sua organização e
funcionamento, de modo a não prejudicar as ações criminais em trâmite e, nem sobrecarregar
os juízes que atuam solitários em comarcas interioranas.
O Plenário do STF, por
maioria, realizou a interpretação conforme a Constituição Federal brasileira
vigente e, determinou-se os limites de legalidade, bem como as diligências[8] suplementares que possam
dirimir dúvidas sob ponto relevante para haver provimento da denúncia ou queixa,
e ainda, o momento de proferir o veredicto final.
Infelizmente, não se
reconheceu a revogação tácita do artigo 156 CPP nem mesmo sua incompatibilidade
com o artigo 3-A, então, permanece no ordenamento jurídico pátrio com a devida
limitação de efeitos trazidos pelo Pacote Anticrime. O dito diploma legal
consagrou o sistema acusatório e a total vedação da atuação do juiz durante a
fase investigatória.
Ficou admitido, apenas em
caráter excepcional, a determinação pelo juiz ex officio, da produção de provas
relevantes e urgentes, necessárias ao esclarecimento cabal da verdade.
Também se reconheceu de forma
unânime a constitucionalidade do controle judicial aos atos de investigação,
determinando prazo de noventa dias, a partir da publicação do acórdão, para
encaminhamento de todos os procedimentos investigatórios criminais e seus
congêneres, inerentemente da nomenclatura empregada, ao respectivo juiz
natural, ainda que não haja ainda o juiz das garantias.
A interpretação conforme a
Constituição[9]
do artigo 3-B, incisos VI e VII, quanto à possibilidade d eo juiz prorrogar a
prisão provisória, ou outra medida cautelar, bem como substituí-la ou
revogá-la, e decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas
urgentes e irrepetíveis. Desde que respeitado o direito fundamental ao
contraditório[10],
preferencialmente, em audiência pública.
Sobre esse aspecto, o jurista
Alexandre de Moraes afirma que, no âmbito da interpretação conforme, três
hipóteses são vislumbradas:
Interpretação conforme com
redução do texto: essa primeira hipótese ocorrerá quando for possível, em
virtude da redação do texto impugnado, declarar a inconstitucionalidade de
determinada expressão, possibilitando, a partir dessa exclusão de texto, uma
interpretação compatível com a Constituição Federal. (...)
Interpretação conforme
Constituição sem redução do texto, conferindo à norma impugnada uma determinada
interpretação que lhe preserve a constitucionalidade: nessas hipóteses,
salienta o Pretório Excelso, "quando, pela redação do texto no qual se
inclui a parte da norma que é atacada como inconstitucional, não é possível
suprimir dele qualquer expressão para alcançar essa parte, impõe-se a
utilização da técnica de concessão da liminar para a suspensão da eficácia parcial
do texto impugnado sem a redução de sua expressão literal, técnica essa que se
inspira na razão de ser da declaração de inconstitucionalidade sem redução do
texto em decorrência de este permitir interpretação conforme a Constituição” (...)
Interpretação conforme sem
redução do texto, excluindo da norma impugnada uma interpretação que lhe
acarretaria a inconstitucionalidade: nesses casos, o Supremo Tribunal Federal
excluirá da norma impugnada determinada interpretação incompatível com a
Constituição Federal, ou seja, será reduzido o alcance valorativo da norma
impugnada, adequando-a à Carta Magna.
Destaque-se ainda que quem
receberá a denúncia ou queixa será o juiz de instrução e, não o juiz das
garantias, cuja competência[11] finda exatamente com o
oferecimento da peça acusatória no processo criminal. O caderno investigatório
permanecerá fisicamente anexado ao processo criminal.
Poderá haver audiência de
custódia por meio de videoconferência que será presidida pelo juiz de garantias
do preso em flagrante ou provisório.
No que concerne ao instituto
do "prazo com sanção", estabelecido pelo § 2º do artigo 3º-B, o STF
determinou a inconstitucionalidade da limitação de prorrogação por apenas uma
vez, do inquérito policial de investigado preso há mais de 15 (quinze) dias,
sob pena de relaxamento da prisão.
Admitiu, portanto, a
prorrogação ilimitada do inquérito de preso, sem a ameaça do relaxamento da
prisão por excesso de prazo, nos termos do que já fora decidido na ADI 6.581.
Em decorrência de tal entendimento,
também ficou declarada a inconstitucionalidade do § 4º do artigo 310, que
estabelecia: "Transcorridas 24 (vinte e quatro) horas após o decurso do
prazo estabelecido no caput deste artigo, a não realização de audiência de
custódia sem motivação idônea ensejará também a ilegalidade da prisão, a ser
relaxada pela autoridade competente, sem prejuízo da possibilidade de imediata
decretação de prisão preventiva".
Reconheceu o STF a
inconstitucionalidade do artigo 3º-C, que dizia em seu texto: "A competência
do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor
potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do
art. 399 deste Código", bem como de seus §§ 3º e 4º, os quais,
respectivamente, previam: "Os autos que compõem as matérias de competência
do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo, à
disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados aos autos
do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os
documentos relativos às provas irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou
de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em
apartado. Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos acautelados na
secretaria do juízo das garantias".
O artigo 3º-E do CPP, decidiu
a corte suprema substituir o verbete "designado" por
"investido". Por fim, declarou a constitucionalidade do artigo 3º, F,
que versa sobre o dever de o juiz das garantias assegurar o cumprimento das
regras para o tratamento dos presos, impedindo o acordo ou ajuste de qualquer
autoridade com órgãos de imprensa para explorar a imagem da pessoa submetida à
prisão, sob pena de responsabilidade penal, civil e administrativa.
Na interpretação do artigo 28,
CPP determinava o texto legal que: "Ordenado o arquivamento do inquérito
policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do
Ministério Público comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial
e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de
homologação, na forma da lei".
Desse modo, quem detinha o
poder decisório sobre o arquivamento do inquérito era o órgão ministerial,
cabendo ao juiz apenas homologar a decisão ou submetê-la à revisão da instância
competente do Ministério Público.
Doravante, o MP passa a
solicitar o arquivamento do inquérito ao juiz da instrução, que efetivamente
determinará o arquivamento ou remeterá os autos à instância revisora do
Ministério Público.
E, ainda, segundo os termos do
artigo 28, primeiro parágrafo do CPP, depois de requerido o arquivamento pelo
MP e determinado pelo juiz da instrução, poderá a vítima ou seu representante legal,
no prazo de trinta dias da comunicação de arquivamento, submeter a matéria à
instância revisora do MP, conforme dispuser a respectiva Lei Orgânica.
E, referente ao Acordo de Não
Persecução Penal[12],
o STF firmou entendimento por sua constitucionalidade e, ipso facto, entendeu
pela inconstitucionalidade do quinto parágrafo do artigo 157 CPP, que versava acerca
da impossibilidade de proferir sentença ou acórdão o juiz tivesse conhecimento
de conteúdo da prova declarada ilícita.
Apesar de algumas críticas
severas quanto à modificação feita pelo STF, tendo em vista os dispositivos
votados e aprovados pelo Poder Legislativo e, que não tinham efetiva
inconstitucionalidade, a revelar de novo a invasão de competência do
legislador, a manutenção da figura do juiz de garantias implica em relevante
progresso civilizatório para o processo penal, afastando o comprometimento
psicológico do julgador que determinou a prisão e medidas cautelares
restritivas, com a procedência da acusação.
Não é fácil absolver um réu
cuja prisão provisória[13] decretou e se manteve até
a véspera da sentença. E, ainda que seja forte o espírito de justiça, existe
sempre uma autossugestão pela condenação e, manutenção do status quo do
preso, muitas vezes condenado antecipadamente mediante um processo psicológico
formado antes mesmo do processo, notadamente aqueles que galgaram a maior
publicidade.
O juiz de garantias serve para
assegurar a imparcialidade na prestação jurisdicional, pelo menos, na primeira
instância, uma vez que os detentores de foro privilegiado não terão a mesma
proteção.
Com o julgamento do Plenário
do STF a imposição de implementação obrigatória do juiz de garantias, quando
aos tribunais foi conferida maior autonomia para definir sua organização e
funcionamento, de modo a não prejudicar as ações criminais em trâmite e, nem sobrecarregar
os juízes que atuam solitários em comarcas interioranas.
O Plenário do STF, por
maioria, realizou a interpretação conforme a Constituição Federal brasileira
vigente e, determinou-se os limites de legalidade, bem como as diligências
suplementares que possam dirimir dúvidas sob ponto relevante para haver
provimento da denúncia ou queixa, e ainda, o momento de proferir o veredicto
final.
Infelizmente, não se
reconheceu a revogação tácita do artigo 156 CPP nem mesmo sua incompatibilidade
com o artigo 3-A, então, permanece no ordenamento jurídico pátrio com a devida
limitação de efeitos trazidos pelo Pacote Anticrime. O dito diploma legal
consagrou o sistema acusatório e a total vedação da atuação do juiz durante a
fase investigatória.
Ficou admitido, apenas em
caráter excepcional, a determinação pelo juiz ex officio, da produção de
provas relevantes e urgentes, necessárias ao esclarecimento cabal da verdade.
Também se reconheceu de forma
unânime a constitucionalidade do controle judicial aos atos de investigação,
determinando prazo de noventa dias, a partir da publicação do acórdão, para
encaminhamento de todos os procedimentos investigatórios criminais e seus
congêneres, inerentemente da nomenclatura empregada, ao respectivo juiz
natural, ainda que não haja ainda o juiz das garantias.
A interpretação conforme a
Constituição[14]
do artigo 3-B, incisos VI e VII, quanto à possibilidade d eo juiz prorrogar a
prisão provisória, ou outra medida cautelar, bem como substituí-la ou
revogá-la, e decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas
urgentes e irrepetíveis. Desde que respeitado o direito fundamental ao
contraditório, preferencialmente, em audiência pública.
Destaque-se ainda que quem
receberá a denúncia ou queixa será o juiz de instrução e, não o juiz das
garantias, cuja competência finda exatamente com o oferecimento da peça
acusatória no processo criminal. O caderno investigatório permanecerá
fisicamente anexado ao processo criminal.
Poderá haver audiência de
custódia[15]
por meio de videoconferência que será presidida pelo juiz de garantias do preso
em flagrante ou provisório.
No que concerne ao instituto
do "prazo com sanção", estabelecido pelo § 2º do artigo 3º-B, o STF
determinou a inconstitucionalidade da limitação de prorrogação por apenas uma
vez, do inquérito policial de investigado preso há mais de 15 (quinze) dias,
sob pena de relaxamento da prisão.
Admitiu, portanto, a
prorrogação ilimitada do inquérito de preso, sem a ameaça do relaxamento da
prisão por excesso de prazo, nos termos do que já fora decidido na ADI 6.581.
Em decorrência de tal
entendimento, também ficou declarada a inconstitucionalidade do § 4º do artigo
310, que estabelecia: "Transcorridas 24 (vinte e quatro) horas após o
decurso do prazo estabelecido no caput deste artigo, a não realização de
audiência de custódia sem motivação idônea ensejará também a ilegalidade da
prisão, a ser relaxada pela autoridade competente, sem prejuízo da
possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva".
Reconheceu o STF a
inconstitucionalidade do artigo 3º-C, que dizia em seu texto: "A
competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as
de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na
forma do art. 399 deste Código", bem como de seus §§ 3º e 4º, os quais,
respectivamente, previam: "Os autos que compõem as matérias de competência
do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo, à
disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados aos autos
do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os
documentos relativos às provas irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou
de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em
apartado. Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos acautelados na
secretaria do juízo das garantias".
O artigo 3º-E do CPP, decidiu
a corte suprema substituir o verbete "designado" por
"investido". Por fim, declarou a constitucionalidade do artigo 3º, F,
que versa sobre o dever de o juiz das garantias assegurar o cumprimento das
regras para o tratamento dos presos, impedindo o acordo ou ajuste de qualquer
autoridade com órgãos de imprensa para explorar a imagem da pessoa submetida à
prisão, sob pena de responsabilidade penal, civil e administrativa.
Na interpretação[16] do artigo 28, CPP.
Determinava o texto positivado que: "Ordenado o arquivamento do inquérito
policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do
Ministério Público comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial
e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de
homologação, na forma da lei".
Desse modo, quem detinha o
poder decisório sobre o arquivamento do inquérito era o órgão ministerial,
cabendo ao juiz apenas homologar a decisão ou submetê-la à revisão da instância
competente do Ministério Público.
Doravante, o MP passa a
solicitar o arquivamento do inquérito ao juiz da instrução, que efetivamente
determinará o arquivamento ou remeterá os autos à instância revisora do
Ministério Público.
Segundo Vladimir Aras o
ordenamento jurídico pátrio já acolhia abstratamente a figura do juiz de
garantias por conta da integração de normas do direito internacional, como o
Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 1998, promulgado no país
pelo Decreto 4.388/2002 que prevê o juízo de garantias, como nomen de
"seção de instrução" ou pretrial division ou section
préliminaire, nos artigos 34 e 57 do referido tratado.
Tal juízo é atuante na fase
preliminar, enquanto o julgamento propriamente dito caberá aos juízes da seção de
julgamento em primeira instância, conforme o artigo 64 do Estatuto de Roma.
Há a grave divergência no STJ
sobre a competência do julgador em face do pedido de absolvição do Ministério
Público. Em síntese, enquanto a quebra de sigilo de dados e comunicações busca
o acesso aos documentos e informações armazenados, a interceptação telefônica
ou telemática tem por foco o acesso ao fluxo das comunicações presentes e
futuras.
A partir de tal diferenciação,
fica mais fácil fazer o correto enquadramento das 2 situações no comando do
artigo 5º, inciso XII da CF/88, que trata do sigilo de dados e comunicações:
Após a Constituição Federal
brasileira de 1988, Judiciário busca retirar viés inquisitório do sistema
criminal. Entretanto, Noronha apontou que, na Constituição de 1988, houve clara
opção pelo sistema acusatório, em detrimento do viés inquisitório, com a
reserva, em favor do MP, do monopólio da titularidade da ação penal pública
(artigo 129, inciso I, da CF/1988).
Segundo o Ministro, essa
definição constitucional exige do Poder Judiciário a construção gradual de uma
jurisprudência que adeque as legislações recepcionadas pela Carta Magna – a
exemplo do Código de Processo Penal (CPP), de 1941 – às novas diretrizes do ordenamento
jurídico.
Noronha também citou
precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que, embora o artigo
385 do CPP seja considerado constitucional, permitindo ao juiz proferir
sentença condenatória em contrariedade à posição do MP, a situação exige do
magistrado um ônus de fundamentação mais elevado, como forma de justificar a
excepcionalidade da decisão.
Nesse contexto normativo e
jurisprudencial (afirmou o ministro), não seria possível, no caso dos autos,
confirmar uma sentença penal que, sem o devido embasamento, divergiu do pedido
de absolvição feito pelo MP e condenou o réu.
"A condenação com amparo
exclusivo em frágil depoimento de uma testemunha de defesa (que leva a
conclusões contraditórias entre a acusação e o julgador) e que se baseia na
presunção da prática de uma conduta-meio, sem indicação da presença do elemento
subjetivo do tipo, não pode prosperar, especialmente frente ao pedido de
absolvição formulado pelo Ministério Público Federal", concluiu Noronha. Vide
o acórdão no AREsp 1.940.726.
Já, a Sexta Turma reafirma que
manifestação do MP pela absolvição não impede a Justiça de condenar o réu
Por entender que a
manifestação do Ministério Público pela absolvição do réu nas alegações finais
da ação penal não vincula o magistrado – que pode decidir de maneira diversa ou
até oposta à posição ministerial –, a Sexta Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) negou o pedido de habeas corpus em favor de um homem condenado
por roubo majorado.
Para o colegiado, eventual
condenação decretada pelo juízo, mesmo diante de um pedido de absolvição
formulado pelo Ministério Público, é compatível com o sistema acusatório
consagrado pela Constituição de 1988.
Segundo os autos, o réu foi
denunciado pelo Ministério Público do Paraná (MPPR) pelos delitos de posse de
arma de fogo de uso restrito, receptação, adulteração de sinal identificador de
veículo e roubo majorado.
Contudo, nas alegações finais,
o MPPR pediu a absolvição do réu em relação ao último crime – solicitação não
acolhida pela primeira instância, que considerou as provas suficientes para a
condenação. A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR).
No habeas corpus
apresentado ao STJ, a defesa sustentou ter havido violação do sistema
acusatório, argumentando que eventual pedido do Ministério Público pela
absolvição do acusado, em momento posterior à denúncia, significa falta de
interesse processual pela condenação.
O Julgamento segue o princípio
do livre convencimento motivado. A ministra Laurita Vaz, relatora, citou precedentes
do Supremo Tribunal Federal e do STJ no sentido de que o juiz não está obrigado
a seguir eventual manifestação do MP pela absolvição do réu.
No REsp 1.521.239, a própria
Sexta Turma entendeu que, diferentemente do sistema jurídico norte-americano,
em que o promotor pode retirar a acusação, vinculando a posição do juiz, no
sistema brasileiro isso não acontece.
Ainda segundo o precedente,
por ser o titular da ação penal pública, o órgão ministerial tem o dever de
conduzi-la até seu desfecho, ainda que haja posicionamentos diferentes ao longo
do processo – ou até opostos – entre os membros do Ministério Público que atuam
como autor da ação e fiscal da lei.
"A circunstância de o
Ministério Público se manifestar pela absolvição do acusado, como custos legis,
em alegações finais ou em contrarrazões recursais, não vincula o órgão
julgador, cujo mister jurisdicional funda-se no princípio do livre
convencimento motivado, conforme interpretação sistemática dos artigos 155,
caput, e 385, ambos do Código de Processo Penal", concluiu a ministra ao
negar o habeas corpus. Vide HC623598.
O juiz não está vinculado ao
parecer ministerial, pois seu convencimento decorre análise livre das provas
exposta de modo fundamentado (artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal).
Nos idos dos anos noventa, o
Brasil flertou com o juiz de instrução ou juiz investigador, quando o artigo 3
da Lei 9.034/1995[17] que concedeu competências
de investigação aos juízes criminais em casos de criminalidade organizada. Mas,
tal dispositivo fora logo atacado por meio da ADI 1570, julgada procedente pelo
STF em 2004. E, tal figura era incompatível com o sistema acusatório, na qual
as funções de investigar e acusar não são nem devem ser desempenhadas pelos
juízes.
Portanto, é muito abstrusa a resistência a essa mudança estrutural no processo criminal, onde predomina vigorante um processo penal octogenário e sofrendo aperfeiçoamento inquisitorial na investigação penal e, ainda, na produção da prova incriminatória. E, nessa visão de persecução criminal, Aras aponta que o juiz de garantias é considerado o estranho no ninho.
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Notas:
[1]
O Código de Processo Penal Italiano de 1930, chamado Codice Rocco, foi a matriz
ideológica que influenciou a produção científica do Código de Processo Penal
Brasileiro de 1941, vigente ainda hoje, apesar das inúmeras alterações que
sofreu. Por obra de Alfredo Rocco acontecerá durante o fascismo a “fusão” entre
alguns pressupostos teóricos das duas escolas penais – Clássica e Positiva –
dando vida à escola que ficou conhecida como “Técnico-jurídica”. Esta tem a sua
maior aplicação prática no Código penal italiano elaborado por Rocco e emanado
por Benito Mussolini em 1930. Mesmo sendo teoricamente bastante diferente das
duas escolas anteriores, a Escola de Rocco demonstrou ser por elas influenciada
quando aderiu aos princípios que defendem uma maior autoridade e poder ao
Estado. Como afirmava o próprio Rocco: “il diritto di punire è un diritto di
conservazione e di difesa proprio dello Stato, nascente con esso stesso, ed
avendo lo scopo di assicurare, defender e garantir as condizioni fondamentali
e indispensabili della vita in comune”. Esta fusão de alguns pressupostos
das duas escolas torna-se evidente no sistema sancionador (denominado duplo
binário): soma-se à aplicação das penas (segundo a Escola Clássica) a aplicação
das medidas de segurança (segundo a Escola Positiva). Mesmo com estas
evidências, a Escola Técnico-Jurídica sempre teve dificuldade em reconhecer que
poderia ter herdado alguns elementos das escolas anteriores, afirmando que
ambas eram inaceitáveis: a clássica por ser desvinculada da realidade das
legislações, a positivista por ter reduzido o direito penal a um ramo da
sociologia. Vide, a respeito, ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A Ilusão de
Segurança Jurídica: do controle da violência a violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.
80 ss.
[2]
ART. 156 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E A LEI ANTICRIME: o fim do princípio da
busca da verdade real? O triângulo processual penal tradicional é composto por
partes litigantes (acusação e acusado) e pelo magistrado. A este personagem é
atribuído o dever da imparcialidade, que deve ser observado no exercício das
suas funções, inclusive tal obediência é imposta a toda a Administração Pública
– entendida em seu sentido lato sensu, conforme art. 37, caput da Carta
Magna. Segundo Dinamarco (2016), caso o
Estado trouxesse para si a tarefa de resolver uma lide social, mas seus agentes agissem de acordo com a sua subjetividade, isto é, imbuídos por preferências de cunho pessoal e descompromissados com a lei e a justiça, seria totalmente repulsivo e ilegítimo o desempenho dessa atividade.
[3]
Gustavo Henrique Badaró entende que o fato do juiz ter poderes instrutórios não
descaracteriza o fato de termos um sistema acusatório, haja vista não significa
necessariamente um perigo a sua parcialidade. Partindo da distinção entre
fontes de provas e meios de prova, percebe-se, facilmente, que a imparcialidade
corre perigo quando o juiz é um pesquisador, ou um “buscador” de fontes de
provas. Já o juiz que, diante da notícia
de uma fonte de prova, por exemplo, a informação de que certa pessoa presenciou
os fatos, determina a produção do meio de prova correspondente - o testemunho -
para
incorporar ao processo os elementos de informações contidos na fonte de prova, não está comprometido com uma hipótese prévia, não colocando em risco a sua posição de imparcialidade. Ao contrário, o resultado da produção daquele meio de prova pode ser em sentido positivo ou negativo, quanto à ocorrência do fato.
[4]
De acordo com as lições de Pacelli (2017), devido ao Regime Interno do STF
guardar similitude com a ideologia do CPP, isto é, estar arraigado da cultura
inquisitiva – com raiz no princípio da verdade real – de perseguição, pelos
órgãos estatais, à verdade, como objetivo central do processo penal, tal
ordenamento não possui uma relação harmônica com a feição acusatória conclamada
pela Constituição Federa. Acrescenta Lopes Jr. (2020) que, na referida
conjuntura, não há preservação da imparcialidade, porque as funções
instrutórias (ou seja, a busca das provas) e a atividade decisória estão
concentradas sobre um único sujeito. Portanto, não há como perdurar uma
estrutura dialética, tampouco que garanta o contraditório.
[5]
Falta de confissão no inquérito não impede MP de propor acordo de não
persecução penal. Em agosto de 2022, a Sexta Turma do tribunal entendeu que a
falta de confissão do autuado, durante o inquérito policial, não impede que o
MP analise o oferecimento do acordo de não persecução penal.
[6]
A primeira experiência efetiva com a medida foi feita em Portugal, em 1987, e
na América Latina, só Brasil e Cuba ainda não adotaram o modelo. A Argentina
possui juiz de garantias desde 1991, mas faz isso gradualmente. Brasil imita o
modelo de Portugal: o juiz de garantias recebe ou rejeita a denúncia antes de
“passar a bola” para o outro magistrado. Em outros países, são os novos
magistrados que analisam a denúncia. A outra diferença é quem recebe “o passe”
depois. Na América do Sul, países como Chile, Honduras, Uruguai, El Salvador,
Equador, Paraguai, Peru e Colômbia adotaram um instituto semelhante ao juiz das
garantias nos moldes da Itália e da Alemanha.
[7] Entre tantos dilemas acerca do sistema processual penal ora vigente, um dos que mais se destaca, consoante o que se extrai da obra de Lopes Jr. (2020), é a impossibilidade humana de separar as informações colhidas na investigação das provas efetivamente produzidas em juízo, o que conduz a contaminação da marcha processual9. Nesse diapasão, como afirma Nucci (2020, p. 38), a função primordial do instituto do juiz das garantias é evitar a demasiada concentração de poder nas mãos de um mesmo juiz, que outrora fiscalizava a investigação e, depois, conduzia a instrução, para, ao final, emitir seu decisum acerca do feito. Ainda nessa esteira, esclarece Cunha (2020) que a ideia motriz em instituir o juiz das garantias é a de distanciar o juiz da instrução do juiz da fase preliminar, o que, acredita-se, lhe dará maior imparcialidade.
[8]
Em síntese, enquanto a quebra de sigilo de dados e comunicações busca o acesso
aos documentos e informações armazenados, a interceptação telefônica ou
telemática tem por foco o acesso ao fluxo das comunicações presentes e futuras.
A partir de tal diferenciação, fica mais fácil fazer o correto enquadramento
das 2 situações no comando do artigo 5º, inciso XII da CF/88, que trata do
sigilo de dados e comunicações.
[9]
A Interpretação conforme a Constituição denota uma técnica de controle de
constitucionalidade e não somente um método de interpretação hermenêutico,
estabelecendo que o intérprete ou aplicador do direito, ao se deparar com
normas que possuam mais de uma interpretação (polissêmicas ou
plurissignificativas), deverá priorizar aquela interpretação que mais se
coadune com o texto constitucional. Significa dizer que sempre que houver mais
de uma interpretação possível para uma determinada norma deverá ser utilizada
aquela que esteja em maior grau de conformidade com os ditames da Carta Magna.
O objetivo da interpretação conforme a constituição é, especificamente, o de
promover, através da interpretação extensiva ou restritiva, conforme o caso,
uma alternativa legítima para o conteúdo de determinado preceito legal.
[10]
Contraditório. O exercício do contraditório será realizado, preferencialmente,
em audiência pública e oral. Contudo, o juiz pode deixar de realizar a
audiência quando houver risco para o processo ou adiá-la em caso de
necessidade. Dignidade do preso. A divulgação de informações sobre a realização
da prisão e a identidade do preso pelas autoridades policiais, pelo Ministério
Público e pela magistratura deve assegurar a efetividade da persecução penal, o
direito à informação e a dignidade da pessoa submetida à prisão
[11]
As normas relativas ao juiz das garantias não se aplicam aos processos de
competência originária do STF e do Superior Tribunal de Justiça, regidos pela
Lei 8.038/1990, aos processos de competência do Tribunal do Júri, aos casos de
violência doméstica e familiar e às infrações penais de menor potencial ofensivo.
O juiz das garantias atuará nos processos criminais da Justiça Eleitoral.
[12]
O acordo está previsto no artigo 28-A do CPP: "Não sendo caso de
arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a
prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima
inferior a quatro anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não
persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção
do crime". A relevância e a dimensão desse instrumento – ainda recente no
ordenamento jurídico brasileiro – podem ser estimadas pelas palavras do
ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogerio Schietti Cruz. No
julgamento do HC 657.165, ele definiu o instituto como "uma maneira
consensual de alcançar resposta penal mais célere ao comportamento criminoso,
por meio da mitigação da obrigatoriedade da ação penal, com inexorável redução
das demandas judiciais criminais".
[13]
No Brasil existem duas espécies de prisão: prisão cautelar ou provisória,
também chamada de prisão processual (que tem função de assegurar o trâmite do
processo penal), na qual se enquadram a prisão em flagrante, a prisão
temporária e a prisão preventiva; e prisão pena, que tem função de punição, em
razão da condenação do acusado pela prática de crime. Cabe ressaltar que a
regra geral é que o acusado responda o processo em liberdade, mas a prisão
cautelar é possível, como exceção, nos casos em que os requisitos legais para
sua decretação estejam presentes. A lei de execução penal prevê que o preso provisório
deve ficar separado dos que estão cumprindo pena que já transitou em julgado.
[14]
Canotilho assinala que “o princípio da interpretação conforme a constituição é
um instrumento hermenêutico de conhecimento das normas constitucionais que
impõe o recurso a estas para determinar e apreciar o conteúdo intrínseco da
lei.” A técnica de interpretação conforme a constituição, através de seus
vários instrumentos, permite que o Poder Judiciário, preservando a supremacia
da constituição rígida, e respeitando o princípio da separação entre os
poderes, evite declarar a nulidade de atos do Poder Legislativo,
principalmente, sem deixar de decidir o caso levado à sua apreciação.
[15]
A audiência de custódia é apenas uma audiência, contudo sem a presença de
testemunhas e partes, apenas o acusado, o juiz, o promotor e o seu advogado.
Ela se inicia com a apresentação do acusado perante o juiz, que faz diversas
perguntas a ele, ou seja, uma entrevista com o acusado. O juiz analisa a prisão
sob o aspecto da legalidade e a regularidade do flagrante, da necessidade e da
adequação da continuidade da prisão, de se aplicar alguma medida cautelar e
qual seria cabível, ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a
imposição de outras medidas cautelares.
[16]
A interpretação conforme a Constituição é aquela em que o intérprete adota a
interpretação mais favorável à Constituição Federal, considerando-se seus
princípios e jurisprudência, sem, contudo, se afastar da finalidade da lei. Ensina
o professor Pedro Lenza (2009) que esta forma ou princípio de interpretação
possui algumas dimensões que deverão ser observadas, quais sejam: a prevalência
da Constituição, que é a essência deste método, posto que enfatiza a supremacia
da Lei Maior; a conservação da norma, visto que ao adotar a interpretação que
vai ao encontro da Constituição propiciamos sua eficácia e evitamos que seja
declarada inconstitucional e deixe de ser aplicada; a exclusão da interpretação
contra legem , o que impossibilita que a lei seja interpretada contrariamente
ao seu texto literal com o intuito de considerá-la constitucional; espaço de
interpretação, que dita que este método só pode ser aplicado quando houver a
possibilidade de opção, ou seja, deve
existir mais de uma interpretação para então optar-se por aquela conforme a
Constituição; rejeição ou não aplicação de normas inconstitucionais, em que
sempre que o juiz analisar a lei utilizando todos os métodos existente e
verificar que ela é contrária à Constituição deverá declarar a sua inconstitucionalidade;
o intérprete não pode atuar como legislador positivo, ou seja, aquele que
interpreta a lei não pode dar a ela uma aplicabilidade diversa daquela almejada
pelo legislativo, pois, caso assim proceda considerar-se-á criação de uma norma
regra pelo intérprete e a atuação deste com poderes inerentes ao legislador, o
que proibido.