Invisibilidade & Direito
Existem muitas invisibilidades que são enfrentadas pelo Direito. A mais aguda e prejudicial é a invisibilidade social que se relaciona com o Direito Constitucional e a literatura através de obras como Ralph Ellison e Lima Barreto, que serve para discutir a existência e funcionamento do Estado de Direito.
Cientistas do Canadá
conseguiram tornar um objeto completamente invisível, tal qual nos filmes de
ficção científica. O trabalho científico foi publicado na Revista Optica,
uma das mais relevantes publicações do segmento.
O símbolo da fé se apresenta
em dupla dimensão do mundo criado por Deus, a visível e a invisível[1]. A existência do invisível
mundo angélico testemunha sobre a
riqueza e a diversidade do mundo criado por Deus. O visível e o invisível pertencem a todo o criado, que Deus vê como
“bom”.
Como pessoas, homens e anjos, têm a possibilidade de estabelecer relações
pessoais e espirituais com Deus e entre
eles mesmos: “Hoje as coisas do alto celebram com as coisas daqui da terra, e as coisas daqui confabulam com as coisas do
alto”.
O conceito de invisibilidade social
tem sido aplicado, em geral, quando se refere a seres socialmente invisíveis, seja pela
indiferença, seja pelo preconceito, o
que nos leva a compreender que tal fenômeno atinge tão somente aqueles que
estão à margem da sociedade.
Para cogitarmos sobre invisibilidade social, entendemos ser
importante conceituarmos alguns termos
que nos ajudem a compreender melhor o tema proposto neste trabalho, tais como a globalização e a individualização.
Segundo Salaini (2012), o evento da
globalização caracteriza-se pelo fato de trazer consigo um processo de construção e
desconstrução das identidades de indivíduos e grupos. Os limites dos sistemas de crenças aos quais
os sujeitos se vinculam são constantemente enfraquecidos e atravessados nesses contextos,
conforme menciona o autor.
Para Vieira (2002), as
ligações entre o local e o global passaram por uma aceleração sem precedentes, acarretadas pelo rápido
desenvolvimento da comunicação, das tecnologias das informações e dos transportes. A mudança de
pessoas e bens pelo mundo, bem como a circulação de informações, alcançou níveis nunca vistos
antes.
Vieira (2002) ainda destaca
que a globalização é normalmente atrelada a processos econômicos, como a
movimentação de capitais, a expansão dos mercados ou a ampliação produtiva em
escala mundial. Reforça ainda que ela
impacta em uma nova configuração da economia mundial, como resultado geral de velhos e novos elementos de internacionalização
e integração.
Garis, entregadores, camelôs,
ascensoristas, cobradores, jardineiros, faxineiros, coletores, gandulas, entre outros, são considerados
trabalhadores invisíveis. Além de sua invisibilidade como prestadores de serviços, não são notados
em relação às condições econômicas e materiais.
A invisibilidade social é
denunciada de muitas formas, principalmente, na Literatura que trata de
preconceito, discriminação invisibilidade social e, a insuficiência do Estado de Direito, cria a
necessidade de enfrentamento dos problemas herdados de um passado escravocrata
e, do complexo processo de afirmação de certo modelo de Estado que seja real
garantidor de direitos fundamentais no Brasil.
São enriquecedoras as conexões
existentes entre o Direito e literatura o que nos apresenta muitas
possibilidades para entender os fenômenos jurídicos, sua funcionalidade e
eficácia.
Já existiram anos bárbaros com
larga afronta aos direitos humanos, como tais, ou como direitos fundamentais,
para quem os diferencie por estarem ou não explícitos em textos constitucionais
positivados. Observa-se,
igualmente, a afronta à democracia que é uma experiência político-jurídico moderna
e ainda contemporânea. Afinal, reconhece-se as múltiplas dificuldades pelas
quais passam o constitucionalismo bem como a formulação do Estado de Direito.
Importante é a obra intitulada
Invisible Man de Ralph Ellison[2] onde há a visão sobre a
desigualdade e invisibilidade de um personagem que traz muitas vivências de um
rapaz negro e pobre, numa sociedade norte-americana do século XX.
Outra obra, de autoria de Lima
Barreto[3], intitulada
"Recordações do Escrivão Isaías Caminha" onde o autor revelou suas
angústias diante de um Estado tendencioso e uma sociedade igualmente
excludente, desigual e preconceituosa, no Brasil do final do século XIX e
início do século XX.
Invisible Man foi
um romance que provou intensa polêmica quando publicado em 1952. Posteriormente,
foi considerado pela crítica como obra-prima e reconhecida por muitos como a
melhor obra afro-americana.
Enfocou questões raciais de um
local e época determinados, preservando-se muito atual e universal e que nos
ajuda analisar o projeto inacabado do constitucionalismo como Estado de
Direito. Enfim, a obra revelou a dor da existência do homem negro num mundo
branco, a partir da história de viagem de um jovem negro pelos Estados sulistas
dos EUA, nos primeiros anos do século XX, quando , entre com experiências contraditórias, o
protagonista reconhece o mundo dos negros, o mundo dos brancos e o seu próprio
mundo, passando a melhor entender as questões fundamentais relacionadas com a
raça, existência humana e os ideais democráticos.
O interessante que o
protagonista da obra de Ellison nunca revela seu noma. Pois que seja invisível,
ou o fizeram acreditar nisso, na tal invisibilidade como sendo uma total
desimportância.
O personagem como negro, de
cepa pobre, não é absolutamente ninguém. No princípio de sua jornada, ele ainda
não sabe disso, aliás, nem tem consciência da anormalidade que é o fato de os
negros não serem ninguém diante dos brancos, no sul dos EUA, não muito tempo
após da escravidão.
Para o personagem, de forma
ingênua, acreditava que bastava fazer tudo certo, como estudar, ser esforçado,
mostrar aos brancos e aos negros poderosos que ele é diferente dos outros negros para que
tudo aconteça da melhor forma possível.
Em consequência de tudo,
aceitou ser humilhado por muitos brancos para conseguir bolsa de estudos na
escola, passando por muitas situações constrangedoras, sempre calmo, submisso e
de cabeça baixa.
Na escola, passa a ter uma
grande admiração pelos negros que
conquistaram o poder e, assim, tais como estes, pensa em um dia ter um bom
cargo e renegar as suas origens. Num processo nitidamente esbranquecedor.
Porém, mesmo fazendo tudo
conforme mandavam, acaba tendo o azar e não agradando o suficiente e, logo
sendo expulso. Ainda pensando que é o único culpado por sua falta de sorte vai
para o Norte conseguir emprego para poder voltar à escola.
No início, logo na chegada,
fica deslumbrado com liberdade que os negros possuem em andar entre os brancos,
de não precisar ficar em pé na parte
final do ônibus, de poder andar encostado em mulheres brancas.
No entanto, certa feita, ele
vê um casal sendo despejado, era um casal de idosos negros. Pretende não se
envolver com aquela situação, e pensar que tais pessoas têm a ver com suas
raízes e etnia.
Observando os móveis do casal
que são jogados na rua, ele vê documentos da época da escravidão, e reflete sobre
o quanto essas pessoas sofreram.
A multidão em volta deseja
fazer um protesto, uma rebelião para impedir o despejo. Ao contrário, o
invisível man tenta se colocar contra isso, sua razão aponta para incentivar a
ordem, pois foi educado para obedecer e não
questionar, mas algo mais intenso e forte o impulsiona e, então ele
discursa, levando as pessoas a pensarem sobre aqueles idosos chegaram com idade
superior a oitenta anos, que trabalharam tanto e não possuem nada,
absolutamente nada, nem ao menos um teto para morar.
Enfim, neste momento, começa a
pensar e a ter um pouco de consciência, que se os negros estavam naquela mísera
situação não era por incapacidade ou incompetência, ou ainda, qualquer tipo de
inferioridade, mas sim, porque havia todo um sistema os impedindo de progredir.
Por essa razão, é escolhido
para participar de uma organização, o que o faz acreditar que estaria trabalhando
pelos humildes. Faz palestras, atrai multidões para uma causa, sendo o mais
carismático e não entende quando os colegas o barram sob a acusação de estar se
promovendo com o nome da organização.
Então, é afastado do centro
das ações e, quando retorna, estará tudo mudado e, muitos abandonaram a causa.
A organização para ele, pregava a união entre negros e brancos em nome de um
bem maior.
Enquanto isso, há a presença
ameaçadora de Rás, o exortador, uma figura estranha que está sempre a acusar os
membros da organização de traidores dos negros e incentivando que negros e
brancos não podem jamais andarem juntos pela mesma causa.
O protagonista é impactado
pela morte de um dos maiores membros da Confraria, Clifton, que foi assassinado
por um policial por vender bonecos na rua. Abandonado pela organização, reuniu
aliados entre os populares para um protesto, mas é duramente censurado pelos
líderes.
E, nesse momento, começa a
despertar para a realidade, sabendo que o amigo foi assassinado por ser negro e
vendo que os líderes da confraria se omitiram e abandonaram a população que ele
havia conquistado e atraído.
O discurso
do irmão Jack
e outros continua
ecoando com outras
palavras em quem prefere afirmar que o racismo não existe ou vai parar de existir
quando não se falar mais nele e ignorar suas consequências.
Mas nosso Homem Invisível
descobre o que ainda hoje é a realidade, ele não pode ser apenas um homem,
sendo um homem negro é obrigado a
abraçar uma causa, a lutar por uma causa. E que não é sob a liderança de homens
brancos que essas causas vão ser
defendidas.
A Confraria se revela uma
armadilha e que, junto com Rás, ele foi
usado para atrair uma multidão de negros para iniciar um conflito racial que só
resultaria no derramamento do sangue
negro.
Finalmente, rendido e muito
desiludido, ele aceito que sempre fora movido por meras ilusões, de ir para uma
faculdade, de tornar-se alguém relevante, destacar-se entre os negros, de ser
útil a humanidade, tudo isso foi-lhe negado, restando apenas a opção da
invisibilidade.
Tentou de todas as formas,
primeiramente, obedecendo, depois questionando, em seguida, subvertendo tudo
para compreender que continuava sendo um ninguém, ser incapaz de mudar seu próprio
destino, gerando conflito com o leitor possivelmente inserido em uma sociedade que
pregava os valores do esforço individual e da meritocracia.
Em resumo, o romance “Homem
Invisível” é a história de jovem negro que leva uma vida secreta em um porão
profundamente iluminado por energia elétrica roubada de uma prestadora de
serviços públicos.
Narra a obra suas experiências
grotescas e frustrantes. E, ao ganhar uma bolsa de estudos para uma faculdade
exclusivamente para negros, ele é humilhado pelos brancos e, ao chegar lá, vê o
dirigente-mor da escola menosprezar os problemas de negros americanos. A vida
também está corrompida fora da faculdade.
Exemplificando, mesmo a
religião não serve de consolo: um pregador acaba por se revelar um criminoso.
O romance acusa a sociedade de
falhar em prover seus cidadãos , sejam negros
ou brancos e com ideais e instituições capazes de realizá-los. O romance
expressa um tema racial forte porque o “homem invisível” não é invisível por si mesmo, mas porque os
outros, cegos pelo preconceito, não conseguem vê-lo pelo que é. Como reflete o
personagem: Sou um homem invisível.
Não, não sou um fantasma como
os que assombravam Edgar Allan Poe; nem um desses ectoplasmas de filme de
Hollywood. Sou um homem de substância, de carne e osso, fibras e líquidos –
talvez se possa até dizer que possuo uma mente. Sou invisível, compreendam,
simplesmente porque as
pessoas se recusam
a me ver.
Tal como
essas cabeças sem corpo que às
vezes são exibidas nos mafuás de circo, estou, por assim dizer, cercado de
espelhos de vidro duro e deformante.
Quem se aproxima de mim vê
apenas o que me cerca, a si mesmo, ou os inventos de sua própria imaginação –
na verdade, tudo e qualquer coisa, menos eu;
Resta tudo evidente em uma
passagem quando o narrador conta
um evento em que acidentalmente esbarrou em um homem alto e louro, sendo
logo insultado por este – um insulto que
faz referência à sua raça. Inconformado, o narrador pede para que ele lhe peça
desculpas.
Não sendo atendido, agride o
branco, que aparece, no dia posterior,
como a vítima do acontecido, “segurando o seu colarinho numa das mãos e abrindo
o canivete com os dentes,
quando me ocorreu que
aquele homem, na
verdade, não tinha me visto.” (ELLISON, 1990).
E, tal exemplificação pode
muito bem dialogar com a própria tradição literária brasileira quanto enfrenta estes
temas, como se tem em Lima Barreto e seu escrivão Isaías Caminha, não só para
demonstrar a universalidade deste debate,
como também sua atemporalidade, a indicar as insuficiências das fórmulas
jurídico-políticas que têm sido construídas junto à tradição do Estado de
Direito, como veremos na sequência.
Na obra intitulada
"Recordações do Escrivão Isaías Caminha" que fora o primeiro romance
de Lima Barreto que fora publicado no formato de folhetim na Revista Floreal,
da qual ele foi cofundador, e, depois, veio a ser publicada em formato de livro
em 1909, por uma editora portuguesa.
O romance conta a história de
Isaías Caminha, um jovem pobre, mulato, nascido no interior, que deixa a casa dos pais para tentar a vida na capital.
Embora contasse com
os predicados necessários
para ter sucesso em
sua empreitada (era
um bom moço,
inteligente, honesto, com
alguma ambição de vencer), Isaías chega ao Rio de Janeiro
munido de uma carta de recomendação, que lhe fora outorgada pelo coronel do lugarejo onde vivia, a pedido
de seu tio, para que pudesse se apresentar a um deputado na capital e, assim, obter um emprego.
Quer dizer, Lima Barreto já
procura destacar aí a ausência daquele sentimento
republicano na primeira república brasileira, isto é, daquela virtude
representada pela “renúncia às vantagens
privadas em favor do bem comum e da coisa pública”, porque, para Isaías, a obtenção de um emprego só seria
possível pela intercessão do deputado.
Assim, antes mesmo de partir
para a capital, apressou-se em fazer uso das
relações pessoais do
seu tio para
obter alguma
aproximação com quem,
exercendo um cargo
público (o deputado),
teria condições se, valendo-se das prerrogativas decorrentes da
função pública que exercia, arranjar-lhe um emprego. Isaías via nesse emprego uma condição indispensável
para alcançar o sonho de, livrando-se de sua condição de nascimento (pobre e mulato), tornar-se doutor:
“a minha situação no Rio estava garantida.
Obteria um emprego. Um dia
pelos outros iria às aulas, e todo fim de ano, durante seis, faria os exames, ao
fim dos quais seria doutor!”.(BARRETO, 2010).
Sem o amparo de um padrinho,
Isaías sabia que dificilmente alcançaria
o seu sonho de se tornar doutor e de alcançar os privilégios daí decorrentes:
“Oh, ser formado, de anel no
dedo, sobrecasaca e cartola, inflado e grosso (...); andar assim pelas ruas, pelas praças, pelas
estradas, pelas salas, recebendo cumprimentos:
Doutor, como passou? Como
está, doutor? Era sobre-humano!...”(BARRETO, 2010). Seu objetivo era se tornar doutor e conquistar
aquele reconhecimento reservado apenas para essa classe de cidadãos, pessoas superiores em si e por si
mesmas, na verdade, pensava Isaías, “era uma outra casta, para a qual eu
entraria, e desde que penetrasse nela, seria de osso, sangue e carne diferente
dos outros – tudo isso de uma qualidade
transcendente, fora das leis gerais do universo e acima das fatalidades da vida comum”. (BARRETO, 2010).
Durante a trama da história
exibe-se as dificuldades que o jovem encontraria na capital, sendo desprezado
por sua origem, pelo sua melanina, massacrado tanto pelo preconceito como pela
discriminação, narrou-se: "foram de imensa angústia esses meus primeiros
dias no Rio de Janeiro. Eu era como uma árvore cuja raiz não encontra mais terra
em que se apoie, donde tire vida; era como um molusco que perdeu sua concha
protetora e que se vê a toda hora esmagado pela menor pressão." (BARRETO,
2010).
A vida do pobre Isaías será
impactada por mediocridade de um homem que arremessado à sua própria sorte, não
consegue superar os obstáculos gerados pela
ojeriza social, sem ter ao seu dispor nenhum dos remédios republicanos que
pudesse realmente alterar essa realidade.
Lima Barreto nos revela,
através da boca de Isaías Caminha é o drama de subida precocemente interrompida.
E, adulto recém-chegado, se vê desamparado dos primeiros apoios e cai na esfera
competitiva num contexto de hostilidade e de desprezo pelo pobre e, em
especial, pelo negro e pelo mestiço.
Os propósitos da obra de Lima Barreto
foram frisados por Francisco de Assis Barbosa, in litteris:
"Que pretendeu
Lima Barreto com o Isaías
Caminha? Responderei com as próprias
palavras do escritor,
em carta que
escreveu a um
confrade de letras, em 1911.
Pretendeu simplesmente mostrar que ‘um
rapaz nas condições do Isaías, com todas as disposições, pode falhar, não em virtude de suas qualidades
intrínsecas, mas batido, esmagado, prensado
pelo preconceito". (BARRETO, 2010).
Extraímos do romance de Lima
Barreto de forma clara e evidente, a enorme frustração das promessas
depositadas na Constituição brasileira de 1891, especificamente, o fracasso da
implantação do ideal republicano da igualdade perante a lei, tão solenemente
declarado no artigo 72, §2º do referido texto constitucional, diante da
alarmada proclamação da extinção dos privilégios, prerrogativas e regalias[4].
E, acrescento outro
questionamento, mesmo diante do texto vigente da Constituição de 1988, será
mesmo que galgamos a prometida igualdade?[5] Contemporaneamente,
assistimos diariamente a horda de excluídos aumentar em progressão geométrica,
particularmente, durante a pandemia[6] de Covid-19.
A Constituição dirigente é a
estrutura do Estado Social e Democrático de Direito. Portanto, propagar a morte
da Constituição dirigente é matar quem ainda vive. Ainda que viva de forma
diferente. Não está como nasceu, mas permanece viva.
Assevera o Mestre coimbrense
Canotilho em resposta às indagações de Marçal Justen Filho que, as
Constituições dirigentes não só estão vivas, como permanecerão vivas, enquanto
forem historicamente necessárias.
Aliás, o intuito de Isaías era
livrar-se de sua incômoda condição social de excluído, subumano, mas para fazer parte
daquele seleto grupo de sobre-humanos, os doutores! Isaías não acreditava
propriamente no projeto da
república no Brasil[7], pois
estava muito mais
interessado em ser reconhecido do
que se mobilizar em torno de uma causa.
Lima Barreto coloca Isaías,
assim, entre o sonho de alcançar o
prestígio social e as humilhações cotidianas que lhe eram impostas, e com isso desvela, a seu modo, a práxis
social da primeira república, com a naturalização
das desigualdades.
Mesmo reconhecendo a
indispensabilidade do Estado de Direito, paradoxalmente, temos também de
reconhecer a sua insuficiência. Através da leitura dos romances é possível se
ter uma leitura esclarecedora quanto à realidade social em nossa volta, fazendo
que o leitor atento e sagaz venha a questionar os valores e certezas vigentes,
de regras incorporadas a partir do famoso senso comum teórico, como propôs Luís
Alberto Warat (WARAT, 1982), naturalizador e formalizador do pensamento jurídico.
Comparativamente, Barreto e
Ellison denunciam tudo através de um narrador sempre incógnito. Na obra de
Ellison, tece-se enredo onde excelente aluno, frequenta uma universidade
para negros, que para ele era o melhor dos mundos possíveis, e pretende ficar na universidade como professor ou como
membro do conselho administrativo.
Devido a uma falta considerada
muito grave, cometida no âmbito das
severas regras de comportamento, foi
expulso. O reitor
entrega-lhe várias cartas de recomendação para administradores que o
poderão ajudar na procura de emprego. Mas a mensagem nelas contida não será capaz de subverter a realidade que se
mantém ou que não se transforma, mesmo diante de grandes conquistas
civilizatórias do Estado e do Direito, bem como do Estado de Direito[8].
Enfim, o Estado de Direito é
mesmo um projeto sempre inacabado, e sendo inserido na tradição do liberalismo
como na doutrina político-jurídica que não se descola de s seus objetivos e
caracteres econômico (capitalismo) e moral (liberdade), bem como seu principal
sujeito, o indivíduo egoísta.
Conclui-se que mesmo o Estado
Liberal[9] Democrático de Direito,
formalmente assumido pelo constitucionalismo[10] pátrio após 1988, não se
imuniza dos constrangimentos impostos por tal arcabouço moral-econômico,
mantendo seus alicerces vincados na proteção do indivíduo, portanto, nas liberdades,
na segurança do cidadão, no capitalismo enquanto fundamento econômico, por isso
mesmo, mantém-se a centralidade da propriedade privada, do lucro e da
mais-valia e, da economia de mercado, como sendo fundamento da ordem econômica,
mesmo que matizadas pela noção idearia
de função social.
O aclamado e exaltado Estado Liberal de Direito não transforma a realidade construída historicamente, as desigualdades e iniquidades, muitas vezes, são neutralizadas e naturalizadas, impedindo de se tornarem visíveis situações que, na aparência da normatividade, escondem as mazelas de uma sociedade fundada na exclusão, em particular, daquelas expressas pela questão racial, muito conectada com a questão socioeconômica.
No trivial oceano de dados
históricos sobre a desigualdade econômica, da questão do trabalho escrevo, dos
aspectos de gênero, da violência, do encarceramento e, etc., como divulgam
vários doutrinadores e autores.
E, anteriormente as propostas
de 1988, no início da saga de promessas de um Estado de Direito no país, a
promessa constitucional fracassou, devido a reprodução de práticas herdadas do
Império e do tempo de Colônia, resultantes da naturalização da desigualdade, o
que forjou o surgimento dos que se chama subcidadãos, gente desprovida de reconhecimento
e que, por essa razão, revelou-se incapaz
de assumir plenamente um sentimento constitucional, muito embora, em várias
ocasiões, mesmo diante das adversidades, tenha levantado a voz e protesto
contra a opressão e sucessiva marginalização.
Da obra de Lima Barreto já
destaca a frustração de promessas da Constituição de 1891, o fracasso da
implantação da república e da igualdade perante a lei.
São muitos os fatores que
impactaram contemporaneamente o projeto inacabado eternamente do Estado Liberal
de Direito , para além daqueles antes
apontados, seja porque
ela já não
limita os poderes,
sobretudo quando temos presente
que poder e política estão cada vez mais distantes, sabendo-se que esta fórmula
se constitui em um ambiente no qual poder e política eram, pelo menos em boa
extensão, interconectados.
Da mesma forma é perceptível o
processo de desconstitucionalização experimentado seja pela instauração de um
modelo de exceção permanente – ao estilo de Giorgio Agamben[11] (2004) e/ou à emergência
de poderes selvagens – como sugerido por Luigi Ferrajoli (2011).
Assim percebido,
o Estado (Liberal)
de Direito, comprometido
geneticamente à suas origens liberais, em especial pelos vieses
econômico e moral, bem
como impactado circunstancialmente pela
perda de sua
referência geográfica, incorpora também fragilidades institucionais
que ultrapassam, por
óbvio, sua incapacidade
de funcionar como
uma instância de
transformação social profunda,
enfrentado atores tradicionais que questionam a sua própria
“legitimidade” propondo o que Paulo Bonavides nomeou como “golpe de Estado
institucional” (BONAVIDES, 2001), a transformação
das formas de
afetação de garantias
clássicas com a
privacidade e a
igualdade e a
reformulação paradigmática da
expressão do Direito com a reintrodução na cena pública daquilo que foi
olimpicamente sonegado pela cultura jurídica tradicional – as normas técnicas,
os indicadores, os standards (FRYDMAN, 2018).
Tudo isso, nos faz retornar ao
problema central deste texto: quais são as condições e possibilidades para que
o Estado de Direito, elemento central do constitucionalismo moderno e
contemporâneo, torne visível seus próprios limites e insuficiências para dar
visibilidade a todos aqueles que vivem nos seus subterrâneos, e porque meios.
Conforme afirmou Luiz Maurício Azevedo: “Homem invisível
é um ataque
frontal a dois
tipos de ilusão.
A primeira é
de que pessoas
negras podem se
comportar como pessoas
brancas e obter do mundo as mesmas reações que
colheriam se não fossem negras”.
A segunda é a de que um
projeto de coletividade – seja ele político, seja ele religioso – pode oferecer
resposta para as angústias profundas de um indivíduo. Ellison se esforçou para
demonstrar em sua obra que fatores socioeconômicos turvavam
a visão sobre
um ser humano,
mas que não
podiam determiná-lo. (AZEVEDO, 2019).
Mesmo que,
para este autor,
tal obra possa
ser (...)de certa
forma inútil para o Brasil, país
onde o capitalismo hiberna, há décadas, em um limbo que coaduna atraso e
identidade racial esquizofrênica, pode-se toma-lo emprestado para tentarmos,
exatamente compreender o porquê de o Estado (Liberal) Democrático de Direito, agora
parte de nossa tradição constitucional,
não conseguir funcionar
para a quebra
desta reiterada democracia racial tão, repetidamente,
divulgada, mesmo que tenhamos, de há muito, uma literatura histórica e
sociológica que tem evidenciado a falácia de tal assertiva.
A invisibilidade social é
sintoma da ausência de ethos mínimo liberal de igualdade, de respeito à
legalidade e de impessoalidade dentro do Estado, que deveria estar presente no
evoluir do século XX, sendo capaz de nutrir os chamados de "outsiders"
de possibilidade de inclusão, inserção e participação na sociedade, parece ter
inexistido no transcurso de toda história brasileira.
A lacuna desse ethos moderno e
contemporâneo é capaz de cimentar suas próprias práticas e instituições, constitui o pano de
fundo para a explicação acercado fenômeno da naturalização e banalização da
desigualdade nas sociedades da nova periferia, tal como a brasileira.
E, há um precioso detalhe
importante sobre uma diferença entre as duas obras, a saber: a primeira, de
Ellison, trabalhada neste texto, não enfoca estas questões institucionais
periféricas, de uma sociedade imperialismo português, como a brasileira, já a
segunda de Lima Barreto[12], sugere, além das
dificuldades de cor da pele, também é a questão classista focada no privilégio
das elites que se apoderaram do Estado brasileiro nos últimos duzentos anos.
Em ordem competitiva dos
países centrais que apresentam discurso legitimador da desigualdade,
internalizando sob o manto da legalidade e da igualdade formal, a ordem
competitiva da sociedade brasileira também tem a sua hierarquia, ainda que
implícita, opaca e intransparente os atores e, é com base nela, e não em
qualquer resíduo de épocas passadas, que tanto negros quanto brancos, sem
qualificação adequada, são desclassificados e marginalizados de forma
permanente. (BOURDIEU, 2007).
A dita “esquematização” da
sociedade brasileira, no campo de direito, refletida nos rumos do Estado,
estava preparada para favorecer uma
determinada classe dominante e, no campo jurídico, especificamente, as escolhas
feitas em cada momento, entre interesses, valores,
e visões do
mundo diferentes ou
antagonistas tinham poucas
probabilidades de desfavorecer
os dominantes, de tal
modo o ethos dos agentes jurídicos que está
na sua origem e a lógica imanente dos textos jurídicos que são invocados tanto para os justificar como para os inspirar
estão adequados aos interesses, aos valores e à visão do mundo dominantes.
(BOURDIEU, 2002).
Com isso, sustentamos que a
dificuldade de se erguer pilares mínimos liberais (e também sociais) de um
modelo consistente de Estado de Direito gera
um verdadeiro déficit de cidadania no Brasil, fruto, de um longo processo
histórico de construção da subcidadania, resultante da negação de direitos aos excluídos do projeto
republicano.
Então a naturalização da
desigualdade é abordada a partir da descrição da realidade norte-americana,
conforme na obra de Ralph Ellison que serviu para discutir a invisibilidade do
negro na sociedade, retratada metaforicamente, também por Lima Barreto, em seu
romance "Recordações do Escrivão Isaías Caminha", que revelam, de
forma contundente, o rotundo fracasso das promessas do Estado de Direito e da
República estatuída na Constituição brasileira de 1891.
A capacidade transformadora em
plenitude sugerida pela Constituição brasileira vigente está distante de
atingir a cura da ferida social pela efetiva transformação do status quo
da realidade periférica do Brasil, tendo em vista que muitos juristas
prosseguem atrelados ao formalismo xiita e normativista, operando, ipso facto,
o recalque das potencialidades transformadoras do direito, seja por uma
hermenêutica emancipatória, assegurando assim, um distanciamento sensível do
saber jurídico da realidade social.
Infelizmente, somos plateia de
operadores jurídicos que são transformados em meros reprodutores de fórmulas
vetustas e mantenedoras de um sistema social que avilta as condições de vida da
grande massa de oprimidos e o direito passa a ser mais uma ferramenta desse
perverso destino.
É indispensável que se combata
este sincretismo teórico e político contrário à Constituição Dirigente[13], isto é, é preciso que se
resista às teorias e práticas que, por um lado atacam (...) (...) os
dispositivos constitucionais
relativos às políticas públicas e
direitos sociais”, sob o pretexto que esses “‘engessam’ a política retirando a liberdade de atuação do
legislador”, e, por outro, defendem as
“(...) políticas de estabilização e de
supremacia do orçamento
monetário sobre as
despesas sociais”. (BERCOVICI; MASSONETO, 2006).
Conclui-se, fatalmente, que para efetivo combate à invisibilidade social, o Direito e o constitucionalismo contemporâneo têm que se valer da prevalência do princípio da preservação da dignidade humana sobre os demais valores ditados pelo capitalismo e pelo Estado Liberal de Direito.
Referências:
AGAMBEN, Giorgio. Estado de
Exceção. Homo Sacer II e I. Tradução de Iraci D. Poleti. São Paulo:
Boitempo, 2004.
AZEVEDO, Luiz Maurício. Ralph
Ellison: A causa e o efeito. In: Revista Cult. Publicada em
16.04.2009.
BARBOSA, Francisco de Assis. A
vida de Lima Barreto. 9ª edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.
BARRETO, Lima. Recordações
do escrivão Isaías Caminha. 2ª edição. São Paulo: Penguin Classics.
Companhia das Letras, 2010.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade
Líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
BERCOVICI, Gilberto. Constituição
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[1]
Foi possível confirmar a invisibilidade sofrida pelas religiões de matriz
africana, assim como, as constantes situações de intolerância e discriminação a
qual estão expostas estas religiões. Além disso, ficou clara a fragilidade do
Estado em relação à necessidade de garantir o direito à diversidade religiosa nos espaços de comunicação de massa
como a televisão, e ainda a inoperância frente ao acumulo de poder de
seguimentos religiosos majoritários por meio da mídia televisiva.
[2]
Ralph Waldo Ellison (1913-1994) foi escritor, crítico literário e acadêmico
norte-americano. Ficou muito conhecido por sua obra Invisible Man(Homem
Invisível) que ganhou o National Book Award de 1953. Também escreveu Shadow
and Act (1964) Sombra e Ato e Going to the Territory (1986) Indo
para o Território, livros que foram bem recepcionados e elogiados pela crítica
especializada. Segundo The New York Times era um dos maios literários de
todos os tempos dos EUA. Em "Homem invisível" temos a história de um
homem negro que, “consciente” de sua “invisibilidade”, se afasta das amarras do mundo que conhece e
passa a viver no subsolo da cidade de Nova York, mais precisamente numa área fronteiriça do
Harlem. Na toca – como chama o lugar onde mora , este homem que ninguém pode enxergar vive em
meio a fios e centenas de lâmpadas enquanto briga com a companhia elétrica da cidade, roubando
a energia que a mesma distribui. Entretanto,
este é o fim, “embora o fim esteja no princípio e se estenda muito à
frente”. Portanto, o que acompanhamos em
Homem invisível é a jornada que este sujeito fez até que a sua vida chegasse a este ponto drástico e radical.
[3] Lima Barreto (1881-1922) foi um importante escritor brasileiro da fase Pré-Modernista da literatura. Sua obra está impregnada de fatos históricos e de uma perspectiva da sociedade carioca. Analisa os ambientes e os costumes do Rio de Janeiro e faz uma crítica à mentalidade burguesa da época. Lima Barreto foi um escritor do seu tempo e de sua terra. Anotou, registrou, fixou e criticou asperamente quase todos os acontecimentos da República. Tornou-se uma espécie de “cronista” da antiga capital federal brasileira. Em 1909, Lima Barreto estreou na literatura com a publicação do romance Recordações do Escrivão Isaías Caminha. O texto acompanha a trajetória de um jovem mulato que vindo do interior sofre sérios preconceitos raciais. Em suma, o conceito de invisibilidade social tem sido aplicado a seres socialmente invisíveis, seja pela indiferença, seja pelo preconceito. Este fato nos leva a compreender que tal fenômeno atinge tão somente aqueles que estão à margem da sociedade. A obra, em tom autobiográfico, é um brado de revolta contra o preconceito racial e uma implacável sátira ao jornalismo carioca. A crítica social paira em um plano psicológico: muitas vezes quem fala é o próprio autor e não seu personagem-narrador "Isaías Caminha".
[4]
Em nosso país, o debate sobre o papel da justiça constitucional deve considerar
nossas peculiaridades, onde as promessas contidas na Constituição Federal de
1988 restam longe de estarem efetivadas. E, o Estado brasileiro deve trabalhar
na defesa dos compromissos positivados na Carta Magna, dando continuidade ao
seu perfil dirigente e compromissário.
Portanto, as normas constitucionais jamais podem constar em segundo plano,
principalmente, onde o texto ainda carece de efetividade.
[5]
O princípio da igualdade, também denominado princípio da isonomia, é um
princípio que baseia e rege toda e qualquer sociedade democrática. É a ideia de
que todas as pessoas merecem ser tratadas de forma igual, na medida do possível
e do legal. Muitos doutrinadores diferenciam o princípio da isonomia entre a
igualdade material e a igualdade formal. A igualdade formal é aquela prevista
na legislação brasileira, ou seja, prevista no art. 5º da Constituição Federal.
Já a igualdade material é a igualdade que deve ser praticada em nossa
sociedade, isto é, é a igualdade que considera o que é possível ser realizado e
as limitações, obstáculos e desafios. Significa que todos os cidadãos devem ser
tratados de forma igual, sem diferenças,
mas de acordo com as suas próprias limitações e dificuldades. A Constituição
Federal Brasileira vigente estabelece no seu artigo 5°: “Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
[6] A pandemia também gerou um alto custo para a acumulação de capital humano a longo prazo e ampliou a lacuna de desigualdade. Em novembro de 2020, 27,8% das crianças das regiões Norte e Nordeste, as mais pobres do país, não estavam matriculadas ou não tinham acesso às atividades escolares. Durante a pandemia de Covid-19 não faltaram relatos e reportagens que mostravam como determinados grupos populacionais vivenciaram este período com mais dificuldades do que outros. O desemprego, a fome, bem como as dificuldades de acesso as máscaras, álcool gel e até água atingiram fortemente comunidades vulnerabilizadas. Diante deste contexto, pesquisadores do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) construíram um índice que mede os efeitos das desigualdades sociais em saúde na pandemia no Brasil e descobriram que o abismo entre as regiões Norte-Nordeste e Sul-Sudeste se aprofundou neste período. A pandemia de Covid-19 causou muitos estragos na vida de milhões de pessoas – muitos morreram e muitos foram contaminados e sofreram as graves consequências da doença. Em todos os países, os mais pobres sofreram os maiores impactos, perdendo emprego e renda, enquanto os mais ricos conseguiram se recuperar em tempo recorde. A pandemia de covid-19 expôs, alimentou e aumentou as desigualdades econômicas, de raça e gênero por toda a parte.
[7] "A Primeira República é o período da história do Brasil que aconteceu de 1889 a 1930, tendo sido iniciado com a Proclamação da República que aconteceu em 15 de novembro de 1889 e encerrou-se com a deposição de Washington Luís como consequência da Revolução de 1930. Esse período é conhecido por muitos como República Velha, mas entre os historiadores o termo utilizado para referir a esse período é Primeira República." "Toda a Primeira República pode ser dividida em três grandes fases, conforme estabelece o professor Marcos Napolitano: Consolidação (1889-1898): período marcado pela consolidação das estruturas políticas e econômicas da Primeira República. Foi assinalado por crises na política e na economia. Institucionalização (1898-1921): período no qual a estrutura política da Primeira República estava devidamente consolidada. Aqui se definiram políticas como a dos governadores e do café com leite. Crise (1921-1930): período no qual as estruturas políticas da Primeira República entraram em crise por conta da incorporação de novos atores na política brasileira. Conflitos entre as oligarquias também contribuíram para o fim da Primeira República."
[8]
A ideia de Estado de Direito, que tem origem na Idade Média, como forma de
contenção do poder absoluto, ressurgiu nas últimas décadas como um ideal
extremamente poderoso para todos aqueles que lutam contra o autoritarismo e o
totalitarismo, transformando-se num dos principais pilares do regime
democrático.2 Para os defensores de
direitos humanos, o Estado de Direito é visto como uma ferramenta indispensável
para evitar a discriminação e o uso arbitrário da força.3 Ao mesmo tempo, a
ideia de Estado de Direito, ao ser renovada por libertários como Hayek em
meados do século XX, passou a receber forte apoio das agências financeiras
internacionais e instituições de auxílio ao desenvolvimento jurídico, como um
pré-requisito essencial para o estabelecimento de economias de mercado
eficientes.4 Do outro lado do espectro
político, até mesmo os marxistas, que viam antigamente o Estado de Direito como
um mero instrumento superestrutural, voltado à manutenção do poder das elites,
começaram a vê-lo como um “bem humano incondicional”. Seria difícil encontrar
qualquer outro ideal político louvado por públicos tão diversos. Porém, a
questão é: estamos todos defendendo a mesma ideia? Obviamente não. Cada
concepção de Estado de Direito, bem como as características que lhes são
atribuídas refletem distintas concepções políticas ou econômicas que se busca
avançar. O conceito clássico de Estado de Direito foi submetido a uma severa
reavaliação nas primeiras décadas do último século. Pensadores como Max Weber
em Economia y Sociedad¸ alertaram-nos acerca do processo de desformalização do
Direito como consequência das transformações na esfera pública. Os anos que se
seguiram após os trabalhos de Weber foram marcados por uma tensa luta política
e intelectual sobre a capacidade do Rechtsstaat de se adequar aos novos
desafios apresentados pela Constituição socialdemocrata de Weimar. Essa luta
pode ser vista no debate entre conservadores como Carl Schmitt e
socialdemocratas representados por Franz Neumann. Hayek responde a essas
perspectivas céticas sobre o Estado de Direito em seu influente O Caminho da
Servidão, de 1944.
[9] Já o Estado Liberal é uma organização baseada na defesa da liberdade individual, nos campos econômicos, político, religioso e intelectual. Este Estado possui as seguintes características: • Nega as ingerências e atitudes coercitivas do poder estatal. Defende o livre mercado. Seu principal teórico é John Locke. Entre as principais vantagens citadas estão: a diminuição da máquina pública: com a redução dos serviços prestados por esta; a melhoria dos serviços privatizados; o fluxo contínuo e livre de capital internacional; a promoção do enriquecimento individual das nações.
[10]
O constitucionalismo contemporâneo é uma expressão que surge para se contrapor
às teses do chamado neoconstitucionalismo, numa perspectiva contrária à
metodologia da ponderação e subsunção defendida pelas correntes
neoconstitucionalistas. O constitucionalismo, portanto, a partir da segunda
metade do século XVIII sai de sua concepção remota – apenas meio de limitação
do poder – para contemplar, também, os direitos e garantias individuais, de
modo que os textos constitucionais levassem em conta dois aspectos: o limite do
poder e a garantia individual. podemos citar, dois marcos mais importantes na
história do constitucionalismo moderno, a Constituição norte-americana de 1787
e a Constituição francesa de 1791, esta, que teve como preâmbulo a declaração
universal dos direitos do homem e do cidadão de 1789.
[11] Agamben utiliza o conceito de homo sacer (homem matável, porém insacrificável), retirado do direito romano antigo, para apoiar sua tese, de que todos os indivíduos da sociedade são potencialmente pessoas matáveis, porém, insacrificáveis.
[12]
Lima Barreto com seu espírito inquieto e rebelde, com seu inconformismo com a
mediocridade reinante e com a doença do pai, se entregou ao álcool e teve
diversas crises com verdadeiras manifestações de alienação mental. Lima Barreto
foi internado duas vezes com alucinações fantásticas que o perseguiam. No
momento de lucidez iniciou a redação do livro "Cemitério dos Vivos",
onde ele dizia: O abismo abriu-se a meus pés e peço a Deus que jamais ele me
trague, nem mesmo o veja diante dos meus olhos como vi por várias vezes".
Escreveu: "De mim para mim, tenho certeza de que não sou louco". Lima
Barreto faleceu no Rio de Janeiro, no dia 01 de novembro de 1922. Viveu apenas
41 anos.
[13]
A constituição dirigente é a que estabelece um plano de direção objetivando uma
evolução política. Traça diretrizes para a utilização do poder e progresso
social, econômico e política a serem seguidas pelos órgãos estatais. A
constituição dirigente é a que estabelece um plano de direção objetivando uma
evolução política. Traça diretrizes para a utilização do poder e progresso
social, econômico e política a serem seguidas pelos órgãos estatais. Possui
normas programáticas que, via de regra, quando não cumpridas ensejam a
inconstitucionalidade por omissão. Podemos afirmar que a nossa vigente
Constituição Federal é uma constituição garantia , pois prevê diversas normas
garantidoras de direitos individuais e coletivos e também dirigente , visto que
possui normas programáticas e estabelece diretrizes a serem cumpridas pelo
Poder Público visando a evolução política.