Instrumentos Jurídicos da ditadura militar brasileira
O colapso da democracia brasileira sempre foi tema instigante e que aguça muitas pesquisas. Trata-se de tema extenso e complexo e quase todos os pensadores políticos relataram sua desconfiança sobre a legitimidade de governos tirânicos e autoritários. A tutela das forças armadas no processo político traduz a decadência do Estado de Direito e ceifamento dos direitos fundamentais do cidadão
Não é
tarefa fácil refletir sobre a ditadura militar no Brasil, buscando inquirir e
avaliar os instrumentos que permitiram o
regime manter-se no controle do Estado durante mais de duas décadas. Como
qualquer sistema autoritário ocorridos nos anos de 1960 a 1970, bem como a
produção normativa do sistema despótico e os malabarismos legislativos que
mantiveram a força no governo desses países.
O
período de exceção foi instaurado por meio do Golpe de Estado desferido contra
o Presidente João Goulart seguido de aparato normativo que serviu de base de
poder ao regime e enfraquecimento democrático no Brasil.
Depois
de 1964 veio um período de truculência e violência perpetrada por agentes do
Estado com contumaz desrespeito aos direitos humanos e arbitrariedades de toda
sorte tais como prisões abusivas, torturas, violação de domicílios e
correspondência, cassação de mandatos políticos opositores, desaparecimentos de
presos que até hoje ficaram inexplicáveis.
A
ditadura alicerçou-se juridicamente de acordo com interesses casuísticos dos
chefes da insurreição. E, na primeira década do regime de exceção, militares e
juristas construíram uma estrutura destinada a dar legalidade às ações
governamentais e a permitir o seu amplo domínio sobre os setores político,
econômico e social da nação[1].
Questiona-se como tamanho regime autoritário teve êxito e sustentação para seus atos de exceção? Ao analisar tais instrumentos jurídicos usados pelo regime repressivo, a legalidade conferida por estes à ordem político-institucional instaurada com golpe de Estado de 1964, percebe-se as manipulações legislativas, particularmente, a eleitoral. E, eis que surgem os Atos Institucionais como sendo expressão máxima da produção legislativa, com ênfase nos Atos número 1,2,4 e 5.
Mais
tarde, com a derrocada da ditadura militar pelo colapso sucessivo de tentativas
de os militares se manterem no poder e, os fortalecimentos dos setores
opositores, com o fito de se compreender as mudanças que propiciaram a
transição política negociada entre as elites civis e militares apesar de pouca
participação direta do povo brasileiro.
Cumpre
destacar os conceitos de regimes políticos a partir de caracteres que são
peculiares em nível geral, para aferir sua configuração no caso brasileiro após
1964.
Regime
político é complexo estrutural de princípios e forças políticas que determinam
a concepção de Estado e da sociedade e, que inspiram seu ordenamento jurídico.
É basicamente aceita a distinção entre três regimes, a saber: o democrático, o
totalitário e o autoritário.
No
totalitarismo se manifestaram as ideologias extremistas, sejam as de esquerda
ou de direita, tanto no stalinismo soviético como no nazismo e no fascismo
conhecemos regimes totalitários.
O
principal destaque cabe a centralização total do poder nas mãos de líder
reverenciado, ou ainda, de um grupo de pessoas, viabilizando a maximização do
aparato estatal capaz de impor a força a ideologia oficial apregoada pelo
partido político único que detém o controle total do governo. O objetivo visado
é homogeneizar os segmentos sociais e dominar o cidadão.
[...]
o Estado, ou melhor, o aparelho do poder, tende a absorver a sociedade inteira.
Neles, é suprimido não apenas o pluralismo partidário, mas a própria autonomia
dos grupos de pressão que são absorvidos
na estrutura totalitária do poder e a ela subordinados. O poder político governa
diretamente as atividades econômicas ou as dirige para seus próprios fins, monopoliza os
meios de comunicação de massa e as instituições
escolares, [...] penetra em todos os grupos sociais e até na vida familiar
[...] (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO,
1998).
Já a
democracia que nascida com os atenienses e resgata sobre o binômio
participação-representação pelas Revoluções Burguesas dos séculos XVII, XVIII e
XIX, além de calcar-se nos seguintes pilares: a separação de Poderes do Estado;
a limitação ao poder dos governantes; sufrágio periódico para escolhas de
representantes.
Em
uma concepção formalista, Arturi (2011)
define-a como um “regime político cuja base fundamental é a livre competição pacífica pelo
Poder e a garantia das liberdades civis fundamentais”.
Sendo esse regime de governo um termo plurívoco que admite diferentes conotações, Bonavides (2000) disserta:
[...] distinguem-se, na história das
instituições políticas, três modalidades básicas de democracia: a democracia direta, a democracia
indireta e a democracia semidireta; ou, simplesmente,
a democracia não representativa ou direta, e a democracia representativa - indireta ou semidireta -, que
é a democracia dos tempos modernos.
Quanto
à terceira espécie de regimes políticos
anteriormente enunciados, Bobbio, Matteucci
e Pasquino (1998, p. 100) assim aduzem: Em sentido generalíssimo, [...] os regimes
autoritários se caracterizam pela ausência
de Parlamento e de eleições populares, ou, quando tais instituições
existem, pelo seu caráter meramente
cerimonial, e ainda pelo indiscutível predomínio do poder executivo.
No
segundo aspecto, os regimes autoritários se distinguem pela ausência da
liberdade dos subsistemas, tanto no
aspecto real como no aspecto formal, típica da democracia. A oposição política
é suprimida ou obstruída. O pluralismo partidário é proibido ou reduzido a um simulacro sem incidência real.
Cumpre
notar que os autoritarismos operam com hibridismos dos dois sistemas
mencionados inicialmente: o grupo ocupante do poder optar por manter as
instituições liberais pré-existentes e as coloca sob seu forte e permanente controle,
incorporando aos organismos democráticos traços significativos de elementos
tirânicos.
Assim,
galga-se êxito com a positivação de regras que permitem aos mandatários
valerem-se do aparato estatal para perseguir opositores, eliminar inimigos,
tolher as condutas e impor a ordem à sociedade, que vai desde a exaltação
ufanista à pátria até o quase desparecimento da liberdade de expressão do
cidadão, conforme a imposição de prévia censura a produção cultural como
livros, novelas e músicas, conforme ocorreu nas décadas de 1960, 70 e 80.
Desta
forma, se nos sistemas democráticos a forma de se chegar ao Poder acontece por
meio da escolha popular do voto, nos totalitarismos e autoritarismos, quase
sempre há uma ruptura institucional e total desobediência aos preceitos
constitucionais previstos, onde grupos e pessoas conquistam o Poder do Estado
por meio de golpes de Estado ou revoluções com legitimidade questionável ou
nula.
Destaque-se,
ainda que foi essa realidade a vivenciada, pelos países da América do Sul no
século passado e, no qual os setores mais ou menos articulados impuseram um
regime de força sobre o impréio da legitimidade institucional.
Um
estudo comparativo dos principais regimes autoritários que tanto proliferaram
no continente americano vem a explicar como os opressores se impuseram e por
tanto tempo. Há, de fato, paralelos onde se identificam-se similitudes e que
justificam as peculiaridades da ditadura brasileira.
A
segunda metade do século XIX fora marcada pela particular proliferação de
regimes autoritários em países sul-americanos, foi assim no Brasil de 1964, no
Chile de 1973 e na Argentina[2] de 1976. Assim, os
militares deflagraram golpes de Estado que romperam com a ordem constitucional
e institucional vigente à época, num movimento de substituição das principais
premissas do Estado de Direito, pela busca a todo custo e qualquer custo da
famélica segurança nacional.
Alguns
estudiosos trouxeram à baila algumas distinções entre as três ditaduras a
partir da adoção de parâmetros no tratamento dado aos subversivos, e a relação
dos golpistas versus Poder Judiciário.
Quanto
ao Chile[3], o despotismo do General
Augusto Pinochet instituiu tribunais de guerra perante os quais os opositores
eram encarados como inimigos e sendo submetidos aos julgamentos por crimes
marciais. E, assim, usurpou a função jurisdicional e judiciária à medida em que
se moldavam os regramentos judiciais à imagem e semelhança de todas as
tradições militares. O traidor merece apenas a pena capital.
Já no
caso argentino, o tango começa com a delegação da missão repressiva às
autoridades policiais regionais e pelo fomento de sistema de extralegalidade a
partir do abandono total dos trâmites judiciais e da abdicação dos procedimentos
previstos e regulados pelas leis processuais então vigentes.
Aliás,
a tradição de conflitos existentes entre juízes e militares é de longa data e
foi escancarada nesses últimos anos, e seguiu-se à margem da lei, sobrepondo
suas ações à competência dos verdadeiros agentes jurisdicionais do Estado.
Na
terra brasilis, operou-se o mesmo apesar de que fora menos tensional. A força
castrense representada pela direita conservadora e alguns magistrados da
direita liberal comungavam das mesmas preocupações e temores no período
anterior a 1964, tendo havido consenso que somente uma mão de ferro de uma
autoridade massiva poderia salvar o país do comunismo e da sindicalização.
Era
tempo do progresso subversivo bolchevique, assim, para eles, defender a pátria
era a veemente defesa de valores familiares e conservadores e pela via
repressiva.
Percebeu-se
que enquanto os chilenos e argentinos excederam-se no uso da violência vindo a
esmagar seus adversários sem pudor algum, buscando ainda a legitimação apenas
pela força, vilipendiando os direitos fundamentais inerentes a todos os seres
humanos, a ditadura brasileira enveredou-se pela valorização procedimental,
empregando ritos e legando o arbítrio e manipulando a ordem normativa para
adequar as leis aos seus interesses, positivando internamente a censura, a
repressão e os julgamentos tendenciosos e castrenses.
Antes
de haver um poderoso aparato jurídico por meio de decretos, leis eleitorais, a
Constituição brasileira de 1967, emendas constitucionais e, de modo singular,
em Atos Institucionais, cujo fito pretendido era garantir a legalidade do
Estado de Exceção, e atender aos donos do poder, os militares procuravam
preservar as instituições democrático-representativas do período de 1946 a
1964, custodiando ingerências por meio do Judiciário e do Legislativo.
Existiu
um sofisticado ordenamento jurídico arquitetado pelos adeptos do golpe de Estado
e, trouxe para o direito positivo interno as ações tirânicas dos militares,
dentre estas o exponencial reforço na autoridade do Presidente da República, o
desrespeito aos direitos políticos de opositores e, ainda, a relegação de
liberdades civis ao segundo plano em nome da Doutrina de Segurança Nacional[4].
Então,
“[...] os objetivos políticos de ocasião, baseados na doutrina de segurança
nacional[5], sempre orientavam a
utilização do Direito” (LIMA, 2018), pensado e aplicado conforme o alvitre e os
desígnios momentâneos da caserna.
Sob os
auspícios de Exército, Marinha e Aeronáutica, com ênfase nos cânones jurídicos
preferenciais adotados para permitirem o
exercício irrestrito do Poder.
Para
obterem o comando do Estado, os oficiais recorreram aos atributos da
conspiração e da intimidação (que apenas
uma instituição com amplo acesso às armas pode transmitir), mas, para permanecerem no controle do Estado
Brasileiro, os oficiais de alta patente e seus assessores jurisconsultos elaboraram um
sistema normativo que recepcionou os ideais arbitrários e forneceu legitimação
aos atos de exceção cometidos em nome do prosseguimento da chamada “Revolução de 64”. Isso porque,
conforme o raciocínio de Arendt (1972).
Lembremos
que jamais existiu um governo baseado exclusivamente nos meios de violência.
Mesmo o mais totalitário destes, cujo maior instrumento de domínio era a
tortura, precisa de uma sólida base de poder. Pois nenhum governo se sustenta
com êxito por longo tempo somente pelo uso de armas, os militares brasileiros
almejaram justificar suas ações em prol de limpeza nacional, o banimento do
perigo vermelho, atribuindo até legalidade revolucionária às expensas da lei.
Para
justificar a coerção feita com base nos textos legais se construiu um poder
políticos desprovido de limites e regido pelos princípios do constitucionalismo
que seriam desconsiderados em prol da defesa da segurança nacional.
A base
do poder dos militares na primeira década da ditadura manifestou-se em
estatutos normativos diversos tais como dezessete Atos Institucionais, cento e
quatro Atos Complementares, Código
Eleitoral, decretos e Constituição de 1967, habilidosamente pensados no intuito de enfraquecer as
resistências e aumentar a capacidade de repressão sobre os setores considerados perigosos à
nação.
A
normatização de regras e procedimentos centrados nos interesses da nova classe dominante (política e ideologicamente)
funcionou com uma “lógica liberal associada à práxis autoritária”, incorporando elementos de
tirania às instituições de tradição liberal-democrática no objetivo de controlá-las
em seu interior.
Enfim,
[...] era necessário dar aparência de Estado de Direito à Ditadura” (LIMA,
2018), tendo em vista que, “na concepção
dos governos militares, ditadura era agir fora da lei. Agir dentro da lei era sinônimo de democracia,
mesmo que [...] sua construção ocorresse
de maneira ad hoc”.
Os
regramentos que o governo militar positivou no sistema jurídico interno foram
diversos. Os principais instrumentos normativos moldados pelo Regime
de 1964: os Atos Institucionais[6], com foco nas disposições relevantes dos Atos
de número 1, 2, 4 e 5.
Sinteticamente
chamados de “AIs”, os Atos
Institucionais caracterizaram-se como entidades jurídicas sui generis, próprias
dos regimes de exceção, meticulosamente concebidos pelos então detentores da capacidade
decisória, estatutos legais munidos de força normativa e voltados à disciplinarização das ordens
política, econômica e social instaurada após a deposição de Jango.
Os
referidos Atos visavam ao exercício irrestrito do Poder e à formalização, por aspectos excepcionais e
extraconstitucionais, do novo Governo. Por meio
dessa construção legal inovadora e introduzida no ordenamento jurídico,
os Atos Institucionais pareciam decretos
dotados de força supraconstitucional, posto que submeteram o Direito, os Poderes constituídos, a sociedade civil, as
instituições liberais e a própria Constituição vigente à vontade dos “donos do Poder”.
Tais
Atos Institucionais permitiram aos agentes do Estado a realização de vasta gama
de ações voltadas à supressão das oposições, à restrição de liberdades de
reunião, de imprensa, de opinião, à instauração da censura aos meios de
comunicação, às prisões arbitrárias de suspeitos de sublevação ideológica e à
perseguição implacável aos participantes de ligas, organizações e movimentos
sindicais e esquerdistas contrários aos triunfantes castrenses do levante de
1964.
Tal
invenção no ordenamento pátrio criou uma legalidade paralela à ordem
constitucional legitimamente edificada pelo constituinte originário (eleito por
sufrágio popular).
Houve
abrupta reconfiguração no agir e no existir das instituições, em diminuição
drástica das competências do Legislativo e do Judiciário e consequente
enfraquecimento do Princípio de Separação dos Poderes, uma das bases do Estado
de Direito.
E, não
somente isso; por estarem, de fato, acima da Constituição (BEDÊ JÚNIOR, 2013),
os Atos Institucionais transferiram de
direito o Poder (tradicionalmente concentrado nas mãos das elites civis) para
as Forças Armadas.
O
regime dos atos institucionais constituía legalidade excepcional, ‘formada sem necessidade’, porque voltada apenas para
coibir adversários políticos e ideológicos e sustentar os detentores do poder e os
interesses das classes dominantes, aliados às oligarquias nacionais.
[...]Tudo
se poderia fazer: fechar as Casas Legislativas, cassar mandatos eletivos,
demitir funcionários, suspender direitos políticos, aposentar e punir
magistrados e militares e outros.
Mas o
que ainda era pior é que não havia nada mais que impedisse a expedição de outros atos
institucionais com qualquer conteúdo. O regime
foi um estado de exceção permanente: pura Ditadura.
Até
1985 foram editados dezessete Atos Institucionais e, desses, doze deles foram
editados num período de apenas onze meses ( do AI-5 ao AI-17[7]). Todo o ordenamento
constitucional brasileiro ou infraconstitucional, quando até o próprio
Congresso Nacional encontrava-se sua legitimidade submetida aos AIs.
O disposto no preâmbulo do Ato número 1 de
abril de 1964 (BRASIL, 1964) identifica o poder revolucionário de 1964 como
“poder constituinte”, fonte de onde emanou a sustentação da nova realidade político-legal.
In
litteris:
“[...] a revolução vitoriosa se investe no
exercício do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte,
se legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de
constituir o novo governo. Nela se contém a força normativa, inerente ao Poder
Constituinte. Ela edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada pela normatividade
anterior à sua vitória. Os Chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Forças Armadas e
ao apoio inequívoco da Nação, representam
o Povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte, de que o Povo é o único titular. O Ato Institucional que é hoje
editado pelos Comandantes- em- Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica
[...] se destina a [...] ditar as normas e os processos de constituição do novo governo e
atribuir-lhe os poderes ou os instrumentos jurídicos que lhe assegurem o exercício do
Poder no exclusivo interesse do país. Para demonstrar que não pretendemos radicalizar o
processo revolucionário, decidimos manter
a Constituição de 1946, limitando-nos a modificá-la, apenas, na parte relativa aos poderes do Presidente da República [...]
resolvemos, igualmente, manter o Congresso
Nacional, com as reservas relativas aos seus poderes, constantes do presente Ato Institucional.
Fica,
assim, bem claro que a revolução não procura legitimar se através do Congresso.
Este é que recebe deste Ato Institucional, resultante do exercício do Poder Constituinte, inerente a
todas as revoluções, a sua legitimação [...] (BRASIL, 1964, “À Nação”, par. 3)”.
O
AI-2, de 1965[8] determinou a realização de eleições indiretas para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, sendo-lhe
adicionado no mês seguinte o importante
Ato Complementar número 4[9], responsável pela extinção
das agremiações políticas em
funcionamento durante a fase 1946-1964 - PTB, PSD e UDN, dentre outros menores - e pela consequente
instauração do bipartidarismo (BRASIL, 1965).
Os conservadores compuseram a situacionista
Aliança Renovadora Nacional (ARENA), e
os líderes do antigo PTB varguista
migraram para o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), uma oposição consentida. “Por isso, [...] por
força do Ato Institucional n. 2/65, forçou-se uma experiência bipartidária. Foram dissolvidos os
partidos existentes, enquanto se propiciava a criação de apenas dois: ARENA e MDB.
Ambos
partidos contaminados pelo artificialismo. E, o governo ditatorial brasileiro
não seguiu para criar um regime político de partido único, como foi o stalinismo
e aos fascismos, ou tampouco apartidária, como foi o Estado Novo.
E, na
tentativa ladina de ludibriar a opinião pública com mera aparência de pleno
funcionamento das instituições democráticas, imperou a mencionada lógica
liberal associada à práxis autoritária, ao passo que todo o regramento
político-partidário fora adaptado aos objetivos da caserna.
Com a
imposição do AI-4, os militares empreenderam manobras a fim de assegurar a aprovação de uma nova Constituição, desta vez
elaborada pelos juristas ligados ao Regime, inflando as competências administrativas e
legiferantes do Executivo - a esta altura já dotado de maiores prerrogativas de ingerência no
processo legislativo, de instituição do regime de urgência para votação de projetos e de
monopólio na formulação do orçamento da União.
Permitiu-se,
igualmente, a intervenção nos Estados-membros e a centralização político administrativa
a cargo da União. Assim, em que pese haver divergência na doutrina sobre o texto constitucional de 1967, parece mais
adequado tratá-lo como uma Carta outorgada, porquanto sua elaboração não se deu por
representantes do povo eleitos para tal finalidade, mas sim, por aqueles que, num “processo
usurpatório do poder” (BONAVIDES, 2016), se “autoinvestiram na condição de poder
constituinte permanente”.
A Constituição
brasileira de 1967 tratou de unir duas ordens latentemente conflitantes: as
liberdades civis e o arbítrio; os direitos fundamentais e a doutrina da
segurança nacional; prerrogativas de juízes e parlamentares e possibilidades de
ingerência do Executivo em todos os
órgãos e instituições do Estado. Verifica-se que o texto constitucional cotejou
os Atos Institucionais anteriores, não
obstou a edição de Atos posteriores e ainda manteve determinados elementos da fase democrática do
pós-Estado Novo.
Enfim,
a Constituição da Ditadura, datada do Governo Castello Branco[10]: [...] manteve
em funcionamento os mecanismos e os procedimentos de uma democracia representativa: o Congresso e o
Judiciário continuaram em funcionamento, a despeito de terem seus poderes drasticamente
reduzidos e de vários de seus membros
serem expurgados; manteve-se a alternância na Presidência da República; permaneceram as eleições periódicas, embora
mantidas sob controles de várias naturezas;
e os partidos políticos continuaram em funcionamento, apesar de a atividade partidária ser drasticamente limitada.
Em
síntese, era um arranjo que combinava traços característicos de um regime militar
autoritário com outros típicos de um regime democrático.
A progressiva
escalada autoritária e de concentração de Poder não cessou com a Carta
Constitucional brasileira de 1967. Apesar de que a Carta organizou e legitimou
toda a atuação despótica, fazia-se ainda necessário à forte mão para conter a
proliferação de manifestações populares contra o novo estado de coisas imposto
em 1964 e, essa resposta não poderia residir e os postulados liberais
indispensáveis à toda essência do Estado de Direito.
Depois
da proliferação das manifestações populares no ano de 1968 clamando pelo fim do autoritarismo, sobreveio o Ato
Institucional de número 5, símbolo-mor da produção jurídica elaborada pelas armas insurretas (BEDÊ JÚNIOR,
2013). O revide oficial aos protestos pelo fim da Ditadura Civil-Militar foi uma resposta dos
comandantes militares às manifestações contra o Regime.
Mais
do que isso, representou o triunfo definitivo da Linha Dura no Poder (já
instalada nas altas esferas da
Administração do país desde a posse de Costa e Silva), inaugurando, em referência à obra de Gaspari (2002), uma era
de ditadura escancarada.
Oficializou-se
o Estado permanente de Exceção por intermédio de um terrorismo perpetrado por agentes de Estado incumbidos da
missão de esmagar a luta armada e “caçar” os suspeitos de conspiração comunista;
centralizou-se enormemente o Poder na figura do Presidente da República, que podia determinar
a qualquer tempo o fechamento do Congresso Nacional, suspender as garantias da
magistratura, prender sumariamente os envolvidos com práticas subversivas e cassar os mandatos de
políticos oposicionistas.
Inaugurando
a fase mais sombria do regime de exceção veio o AI-5 que extirpou os poucos
direitos fundamentais que ainda restavam ao povo, a exemplo do Habeas Corpus e
da inviolabilidade do domicílio e do sigilo das correspondências dos cidadãos.
Essa
vigorosa hipertrofia do Poder Executivo , que não hesitou em lançar mãos das prerrogativas
postas à sua disposição para subjugar o Legislativo
e limitar a atuação do Judiciário.
Por
meio do Ato de número 5, a Ditadura brasileira inverteu o raciocínio rousseauniano presente
em “Do contrato social” (ROUSSEAU, 2006): desde aquela sexta-feira, 13 de dezembro de 1968,
todo Poder emanava não mais do povo, mas sim do General-Presidente, transformado em
autoridade plenipotenciária da nação.
A
outorga de dezessete Atos Institucionais (seguidos por centenas de Atos
Complementares) permitiu a consolidação
da insurreição de 1964 e o reforço descomunal no Poder conquistado pelas Forças Armadas.
Porém,
não bastava apenas galgar o Poder, era indispensável mantê-lo. E, seguindo a
lógica maquiavélica, os militares tutelaram o sistema político-eleitoral, para
isolar cada vez mais a oposição e, então, assegurar as vitórias dos arenistas
no Legislativo federal e estadual.
As constantes manobras nos estatutos
normativos revelam o exercício dessa
tutela, como se pôde observar no Código Eleitoral de 1965 e na Emenda
Constitucional número 1, de 1969, que
diminuiu consideravelmente o número cadeiras na Câmara dos Deputados e instituiu um Colégio Eleitoral
para sufragar as eleições ao Executivo.
O estratagema proporcionou consideráveis
vitórias da ARENA sobretudo em 1966 e em 1970, fato que permitiu à agremiação o predomínio
nas duas Casas Legislativas.
O Poder Executivo e a ARENA aproximaram-se em
uma estratégia de mútuos auxílios: em
troca do apoio parlamentar, os arenistas ocuparam espaços na Administração Pública e conquistaram por
diversas vezes as Presidências da Câmara e do Senado, oferecendo sustentação retórica e
votos para os projetos do Governo.
Não
obstante, relevante destacar que a ARENA
não se constituiu em partido do Governo, mas sim no Governo (FREIRE, 2014), porquanto o efetivo
controle do Estado residia absolutamente nas mãos das Forças Armadas.
À
semelhança da maioria dos sistemas tirânicos no curso da história humana, a Ditadura brasileira teve
início, meio e fim. O seu começo deu-se com o golpe desferido contra Jango; o apogeu teve
duração de uma década, marcada por censura, milagre econômico e poderio inquestionável dos
militares; a sua decadência seguiu-se paulatinamente
na segunda grande fase do despotismo verde-oliva. É sobre este período que se passa a inquirir.
Historiadores,
sociólogos e estudiosos do autoritarismo brasileiro não convergem sempre quanto
as causas que culminaram na falência da república de farda. Mas é consenso que
a abertura democrática brasileira foi um processo demasiado longo, em que se
transcorreram onze anos para que os civis retomassem o poder, e ainda mais
cinco anos para que o Presidente da República fosse eleito diretamente por voto
popular.
A
literatura tradicional sobre a ditadura brasileira atribuiu a 1974 o marco
inicial da liberalização do regime político, simbolizada pela progressiva
derrocada da era dos generais no Palácio do Planalto.
E, as
surpreendentes vitórias de candidatos emedebistas nas eleições parlamentares
daquele ano, o que confirma a tese dis cientista políticos, pois as conquistas
da oposição na Câmara e, sobretudo, no Senado, promoveram sensíveis mudanças no
arranjo das forças políticas, fato de óbvio descontentamento no lado opressor.
A
partir do Governo Geisel, alguns direitos civis foram devolvidos a título de
aproximar o regime de aspectos mais liberais, mantendo, porém, os principais
mecanismos vivos do governo autoritário. E, a cada vitória do MDB, o Executivo
militar decretava novas ordens visando tolher a expansão dos parlamentares em
prol da orientação democrática.
Se nos
períodos finais de seu mandato o Presidente Ernesto Geisel[11] revogou o AI-5 em 1978
como forma de arrefecer o arcabouço dos mecanismos de violência estatal (caminho inevitável para a
liberalização do Regime), ele, paradoxalmente, lançou o “Pacote de Abril”[12], uma série de regras
político-eleitorais para driblar a oposição e preservar a maioria governista no
Congresso Nacional nas eleições de 1978.
Por
meio desta manobra no ordenamento legal, aumentou-se o mandato presidencial e retomou-se o número de 420 deputados na Câmara
baixa a partir do incremento de representação
dos estados de Norte e Nordeste, de notório predomínio das lideranças arenistas
Ainda
na vigência do AI-5[13], o general Geisel baixou
o chamado “Pacote de Abril”, um conjunto de quatorze emendas a artigos da Constituição de 1969[14], três artigos novos, seis
decretos-leis, que tinham por objetivo controlar o processo legislativo, reduzindo o quórum exigido para a
aprovação de emendas constitucionais, de dois terços para maioria simples e criando a figura do “senador
biônico”, escolhido por um colégio eleitoral controlado pelo governo em praticamente todos os Estados.
Além
disso, fortalecia o controle do executivo federal, ampliando o mandato do presidente de cinco para seis anos; controle
dos executivos estaduais, com a incorporação definitiva do sistema de eleição indireta dos governadores e
restrição a campanhas eleitorais.
Fleischer
(1980), ensina literalmente:
“[...] o "pacote de abril"
havia sido adotado por se prever uma derrota para a Arena nas eleições de 1978 frente aos resultados das
eleições municipais de 1976, onde entendeu-se
que o MDB havia crescido muito, principalmente no Centro-Sul. Assim, seguindo este raciocínio crítico, as novas
regras do jogo aumentariam as bancadas estaduais
no Norte e Nordeste onde a Arena era mais forte e diminuiriam as do Centro Sul
onde o MDB levava mais vantagem. [...] preservando [...] uma ligeira maioria arenista na Câmara Federal”.
Por
outro lado, a adoção das eleições indiretas para uma das duas vagas para o
Senado Federal evitaria a composição de uma maioria emedebista, haja vista a eleição de 16
senadores em 22 pelo MDB em 1974.
Toda
sorte de malabarismos na legislação eleitoral brasileira asseguraram a maioria
governista no Congresso Nacional, mas não impediram o crescimento pungente do
MDB, cuja maior expressão aconteceu no pleito de governos estaduais de
1982, que pela primeira vez em muitos
anos realizou-se pelo voto direto do
povo.
O
resultado foi avassalador: os candidatos peemedebistas conquistaram nove estados, ante onze da Arena.
A partir de então a abertura, embora “lenta e gradual”, tornou-se irreversível.
Nesta
senda, Arturi (2001) pontua que a redemocratização no Brasil aconteceu em três sucessivas etapas, a saber: início da
dissolução do regime autoritário (1974-1985), representada sobremaneira pela revogação do
AI-5 em 1978; (re)criação da democracia (1985-1989)
e consolidação do novo sistema democrático (eleições de 1989). Inácio (2013)
comunga parcialmente desta linha de raciocínio.
[...] o processo de transição se coordenou
em diversas etapas. É possível citar a normalização
da atividade parlamentar, conservação das eleições, revogação de algumas medidas de exceção, a anistia
política, reforma partidária, eleições, constituição
de uma Assembleia Geral Constituinte, promulgação Constituição de 1988[15], eleições presidenciais diretas e posse do
presidente eleito.
As
sequenciais conquistas do MDB nas disputas parlamentares puseram os setores situacionistas em alerta, levando-os a outra
manobra: em 1979, o Governo Figueiredo extinguiu
as duas legendas existentes desde o AI-2 e permitiu o retorno do
pluripartidarismo.
A
permissão para o funcionamento de vários partidos teve por escopo dividir a
oposição em siglas fragmentadas e manter
a coesão na base aliada numa legenda única. As finalidades eram óbvias: impedir o predomínio emedebista
no Congresso e eleger, num futuro próximo, o sucessor de Figueiredo,
Novamente,
os mandatários da República erraram a estratégia e, com a proliferação de
partidos, surgiram ainda maiores e mais articuladas manifestações populares
pelo retorno da democracia.
E, no
ABC Paulista, as greves dos metalúrgicos, então liderados por Luiz Inácio Lula
da Silva insuflaram os ânimos do operariado e, o trabalhismo à esquerda de
Brizola[16] subiu o tom durante suas
críticas contra o despotismo.
Consigne-se
ainda que a principal movimentação, veio do Partido do Movimento Democrático
Brasileiro que tanto se aproximou da sociedade civil e construiu uma agenda
progressista e avessa à tirania e na busca garantidora de direitos básicos à
população, além de defender justiça social e o combate às desigualdades.
O
alinhamento com o pulsar das ruas permitiu que o PMDB liderasse a luta pela abertura
política e colocasse-se como alternativa para resolver os graves problemas surgidos na
gestão Geisel (1974-1979) e aprofundados no turbulento Governo de João Figueiredo[17] (1979-1985), a citar o
descontrole da inflação e o aumento no
custo de vida da população, fomentadores da sensação de que os outrora “revolucionários” haviam perdido a capacidade
de dirigir o país, sendo chegada a hora de transmitir o Poder aos civis.
O
irremediável esfacelamento de apoios à Ditadura, iniciou-se no Brasil um longo processo de abertura política que ocorreu de
modo verticalizado mediante intensas negociações entre oposição e Governo.
O
enfraquecimento dos grupos simpáticos à tirania contrastava com os segmentos populares democratizantes, cujas
manifestações pela mudança de regime tornaram-se
maciças e frequentes durante o mandato do Presidente Figueiredo.
Mesmo
encurralados, os comandantes miliares resolveram subvencionar qualquer modificação no sistema institucional então
vigente. Na sua acepção, enquanto defensores da nação, era seu dever participar proativamente
das novas configurações políticas e sociais pensadas para o Brasil.
E,
aproveitando-se da expressiva vitória oposicionista nos governos estaduais em 1982 e da propagação dos
manifestos pelo fim da fase de exceção, “o inofensivo MDB, criado para ser parceiro da Arena no
bipartidarismo de fachada instituído pelo Regime, havia se tornado um instrumento efetivo de
oposição democrática, a ser utilizado não apenas na arena eleitoral, mas também no processo
político mais amplo” (KINZO, 2001).
Nesta
conjuntura, o deputado federal Dante de Oliveira (PMDB) apresentou uma Proposta
de Emenda à Constituição cujo teor
propugnava pela realização de eleições diretas para a Presidência da República já em 1985, PEC
originária do movimento das “Diretas Já”.
Foi a
mobilização em todos os cantos e searas do país em prol desta Proposta veio a unificar
os mais diversos segmentos ideológicos e sociais para que o povo pudesse
escolher seu governante máximo. E, assim, a derrocada no Congresso Nacional, a “PEC
das Direitas Já” manteve a oposição, ou as oposições, situadas em diferentes
partidos políticos desde 1979, articulada para enfrentamento a uma ditatura
inerte em face às reivindicações dos cidadãos.
Pela
primeira vez em muito tempo os setores
progressistas da política nacional acreditaram que poderiam ser uma alternativa viável ao militarismo no
Governo. A alternativa, porém, só produziria os efeitos desejados caso se levasse a cabo uma simbiose
de elementos que combinassem a união do lado
oposicionista e o diálogo com os (ainda) detentores do Poder.
A
partir disso, correta é a interpretação de Freire (2014) quando descreve a redemocratização brasileira da primeira metade
da década de 1980 como sendo um momento marcado por exaustivas articulações
entre os membros do Regime e os expoentes da oposição (notadamente Tancredo Neves e Ulysses Guimarães,
dentre outros), coordenadores de uma travessia
amplamente negociada e lastreada no consenso, verdadeiro “recurso que compatibiliza a evolução-mudança da sociedade
política e da consciência cautelar e complexa neste processo”.
Também
as crises internas no PDS favoreceram os
segmentos oposicionistas, os quais lançaram a candidatura de Tancredo Neves à Presidência
(FREIRE, 2014).
No
lado governista, “havia dois
pré-candidatos disputando a indicação: Paulo Maluf e Mário Andreazza. A
obstinação com que o primeiro se lançou
na campanha contra o adversário, impondo-lhe uma humilhante derrota partidária,
acabou minando a unidade do PDS” (KOSHIBA; PEREIRA, 2003).
A
dissolução da coesão intrapartidária na sigla do Governo promoveu a
fragmentação da base situacionista, cujo maior exemplo pôde ser visto na
deserção da ala intitulada “Frente Liberal”.
Foi da
união da oposição na figura de Tancredo Neves com ex-aliados do regime
autoritário, mormente José Sarney é que nasceu a Aliança Democrática que disputou
a eleição presidencial em 15 de janeiro de 1985. E, o final resultado
representou um tiro de misericórdia na tirania da caserna: o Colégio Eleitoral
Também as crises internas no PDS
favoreceram os segmentos oposicionistas, os quais lançaram a candidatura de Tancredo Neves à Presidência
(FREIRE, 2014).
No
lado governista, “havia dois
pré-candidatos disputando a indicação: Paulo Maluf e Mário Andreazza. A
obstinação com que o primeiro se lançou
na campanha contra o adversário, impondo-lhe uma humilhante derrota partidária, acabou minando a unidade
do PDS” (KOSHIBA; PEREIRA, 2003).
A
dissolução da coesão intrapartidária na sigla do Governo promoveu a
fragmentação da base situacionista, cujo maior exemplo pôde ser visto na
deserção da ala intitulada “Frente Liberal”.
A
restauração da democracia no Brasil ocorreu mediante a permissão (ou concessão) dos comandantes
militares que, na fase de colapso da institucionalidade repressiva, resolveram aderir ao diálogo para
negociarem uma transição pacífica, não se eximindo, porém, de custodiar as tratativas de mudança
de regime político e tampouco abdicando da função de subvencionar o funcionamento da recém
instaurada “Nova República”[18].
“O
consenso foi a chave” do complexo processo que possibilitou, no Brasil, “[...] a
transição pacífica de um regime autoritário à democracia [...] pluralista”. As articulações entre renomados
nomes da política nacional, principalmente (e não as pressões advindas das ruas, necessariamente)
viabilizaram a mudança da tirania para o Estado de Direito, caracterizadoras de
uma abertura por cima realizada pelas lideranças pró-democracia e, a todo tempo, “patrocinada pelos militares
para que acontecesse de forma ‘lenta, gradual e segura’”.
“[...]
o acordo das forças políticas majoritárias na sociedade” fora o “fio condutor” (RAMOS, 1998) que proporcionou a
transação convencionada entre as elites
civis e castrense, cuja consequência maior residiu no advento de uma
“democracia outorgada” (NAPOLITANO,
2014) e tutelada pelas Forças Armadas.
Outorgada,
uma vez que não fora conquistada pela legitimidade das urnas ou por uma drástica ruptura promovida por revoltas ou
levantes populares, haja vista ter o povo assistido a esse longo processo em posição coadjuvante,
onde as cenas foram protagonizadas pelos líderes de grupos adversários - os que
ocupavam o Poder e os que intentavam alcançá-lo.
Num quadro de desconfianças e apreensões que se
seguiram ao pleito de janeiro de 1985,
os eventos inesperados que culminaram na morte do Presidente eleito
transmitiram ao seu Vice o dever de
concluir a mudança do autoritarismo para a Nova República. Houve o efetivo retorno à normalidade democrática
muito mais por uma concessão dos antigos mandatários da nação do que pelas lutas da
manifestação popular.
A
passagem de regime foi conturbada: a falta de legitimidade de Sarney perante a opinião do povo e sua relação conflituosa com
o PMDB puseram em risco a estabilidade do Governo Civil e o próprio desenrolar da
Redemocratização, fato ensejador de múltiplas pressões oriundas dos homens das Armas.
Os
militares lograram êxito em seu pleito, uma vez que, nos termos do artigo 142, caput,
da atual Carta Política: “As Forças
Armadas [...] destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de
qualquer destes, da lei e da ordem” (BRASIL, 1988)[19].
Por
meio deste dispositivo, conseguiu o Exército permanecer na posição de guardião
do país, com possibilidade de atuação
para garantir a ordem constitucional e o funcionamento das instituições - desde que convocado por algum
dos Poderes da República.
A
promulgação da Constituição Cidadã em 5 de outubro de 1988 e a primeira eleição
direta para a Presidência da República
no ano seguinte concluíram, nas visões de Arturi (2001) e Kinzo (2001), o intrincado processo de
Redemocratização e solaparam os principais aspectos da Ditadura Civil-Militar, mas não
romperam com todos os elementos caracterizadores
do autoritarismo outrora vigente.
Infelizmente,
há resquícios da legalidade autoritária entre nós, dentre estes alguns
elementos já presente na Constituição brasileira de 1967 que foram incorporados
pela vigente Constituição a partir de adoção de instrumentos normativos que
tanto ampliaram as atribuições do Presidente da República e conferiram-lhe a possibilidade de intervir
no processo legislativo das seguintes formas:
i) utilização de Medidas Provisórias como ferramentas recorrentes de
governabilidade ii) solicitação de
tramitação em regime urgência para os projetos enviados pelo Presidente às Casas Legislativas
(BRASIL, 1988, art. 64, § 1°); iii) prerrogativa de veto parcial ou total sobre
leis aprovadas pelo Congresso Nacional (BRASIL, 1988, art. 66, § 1°; art. 84,
V); iv) propositura de Emendas à Constituição, nos termos do artigos 60, inciso
II e 84, inciso III, todos da
Constituição Federal.
Os
principais instrumentos legais utilizados pela Ditadura de 1964 foram os Atos Institucionais,
responsáveis por criarem no próprio Estado duas ordens jurídicas, a saber: uma legítima e outra
paralela.
A
primeira erigiu-se de baixo para cima pelos representantes do povo, revestidos da
autoridade legislativa delegada diretamente pelos cidadãos. A segunda, a seu turno, construiu-se
em sentido inverso, de cima para baixo, imposta por aqueles que se
autoinvestiram da função legiferante e moldaram o ordenamento normativo à luz das pretensões momentâneas dos
ocupantes do Palácio do Planalto.
As
manobras meticulosamente engendradas para viabilizar a conquista e a manutenção
do Poder lograram êxito nos pleitos
parlamentares de 1966 e 1970, com triunfo de aliados da ordem castrense, mas começaram a solapar a
partir de 1974, marco associado ao início da liberalização que conduziria à abertura
política.
O
esfacelamento dos setores pró-autoritarismo viabilizaram o processo de distensão iniciado
no Governo Geisel e concluído na Gestão Figueiredo,
época em que ocorreu a vitória de Tancredo Neves na eleição à Presidência da República após longo processo de transição
negociada.
Nesta
linha, esclareceu-se também que o retorno à normalidade democrática ocorreu
mais por uma concessão, ou melhor, por uma outorga da Ditadura (decadente
àquela altura) do que por uma conquista
advinda da luta do povo[20].
Aliás,
conforme ser visto, não foi a organização
popular a força motriz a impulsionar a redemocratização; ao revés, as manifestações dos cidadãos ocuparam mero
espaço coadjuvante em um cenário protagonizado
por experientes lideranças políticas civis que realizaram amplas articulações com o Governo Ditatorial a fim de permitir a
transmissão de Poder aos civis.
O país já vivenciou nove golpes de Estado[21], havendo quem cogite que foram dez se contar com a manobra que resultou no impeachment da Presidente Dilma Rousseff. Enfim, há uma notória tendência aos golpes de Estado, o que demonstra uma sincera ruptura com o Estado Democrático de Direito[22].
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Notas:
[1] Manoel Gonçalves Ferreira Filho,
célebre professor titular de direito constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo (USP), da qual foi diretor de 1973 a 1974, e comungante de alguns entendimentos da ditadura
militar, com livros de Direito Constitucional adotados em inúmeras Faculdades de Direito
pelo país afora, principalmente nos anos 80 e 90, lecionava à geração de jovens estudantes o
seguinte: Os direitos fundamentais, [...], impõem sérias e rigorosas limitações
ao poder estatal. Essas limitações, na
verdade, só podem ser respeitadas em período de normalidade, pois nos momentos de crise, embaraçariam de
tal modo a ação do governo que este seria
presa fácil para os inimigos da ordem (Ferreira Filho, 1978, p. 301).
[2]O sequestro, a tortura física e
psicológica e o desaparecimento de cadáveres foram práticas da ditadura
argentina. Estima-se que, nos seus sete anos de duração, cerca de 30 mil
pessoas tenham sido mortas pelo terrorismo promovido pelo Estado. A sociedade
foi silenciada pelo terror. Os partidos políticos foram proibidos, assim como
todo tipo de participação política dos cidadãos. Vigorou de forma quase
permanente o estado de sítio, com suspensão de direitos civis, sociais e
políticos.
[3]
O regime foi caracterizado pela
supressão sistemática de partidos políticos e pela perseguição de dissidentes a
uma extensão que era sem precedente na história de Chile. Ao todo, o regime
deixou mais de 3 mil mortos ou desaparecidos, torturou milhares de prisioneiros
e forçou 200 mil chilenos ao exílio.
[4] Essa doutrina, que vai virar lei em
1968, com a publicação do decreto-lei no. 314/68, tinha como objetivo principal
identificar e eliminar os “inimigos internos”, ou seja, todos aqueles que
questionavam e criticavam o regime estabelecido. A “segurança nacional”,
todavia, veio a adquirir conotação diversa durante o período do segundo pós-guerra, precisamente quando a
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) surgia no oriente como um
adversário ideológico e uma ameaça real à hegemonia dos Estados Unidos da
América (EUA). As origens da mudança conceitual se encontram, portanto, diretamente vinculadas à
paranoia dos policy makers americanos em face da suposta tendência expansionista do
comunismo soviético num mundo fragilizado por outra terrível grande guerra mundial. Paranoia essa
que deu início à Guerra Fria (1947-1991). A incorporação da doutrina no
ordenamento jurídico veio a ocorrer apenas em 1967, quando da elaboração do Decreto-Lei n. 314, o
qual atribuiu a segurança nacional como uma responsabilidade de todos os cidadãos (art.
1º) e a definiu como “a garantia da consecução dos objetivos nacionais contra antagonismos tanto
internos como externos” (art. 2º). Além disso, tipificou a prevenção e a repressão contra as
formas de guerra psicológica adversa e revolucionária
ou subversiva (art. 3º), formas estas que se encontravam no cerne da DSN, o que
demonstra uma clara preocupação na defesa interna do país.
[5] O presidente da República, Jair
Bolsonaro, sancionou com vetos a Lei 14.197, de 2021, que revoga a Lei de
Segurança Nacional (Lei 7.170, de 1983), criada durante a ditadura militar.
Além de revogar a LSN, o texto aprovado pelo Congresso estabelece uma série de
tipos penais em defesa do Estado Democrático de Direito.
[6] Os atos institucionais eram decretos
com poder de Constituição e foram utilizados pelos militares para darem
legitimidade às violências e ilegalidades cometidas durante o período da
Ditadura Militar. Ao todo, foram emitidos 17 atos institucionais, entre 1964 a
1969. Os Atos Institucionais são as normas elaboradas no período de 1964 a
1969, que permitiram a institucionalização e radicalização do regime militar.
Os AIs, como são chamados, foram editados pelos Comandantes-em-Chefe do Exército,
da Marinha e da Aeronáutica ou pelo Presidente da República, para garantir a
estabilidade do regime.
[7]
Ato Institucional nº 17, de 14
de outubro de 1969. Autoriza o Presidente da República a transferir para
reserva, por período determinado, os militares que haja atentado ou venham a
atentar contra a coesão das Forças Armadas.
[8]
A partir do AI-2, os poderes do
presidente foram ampliados, passando a poder decretar 180 dias de Estado de
Sítio sem a aprovação prévia do Congresso Nacional. Outros artigos dessa medida
também definiram eleições indiretas para presidente da República, autorizaram a
intervenção na política estadual, a demissão dos funcionários públicos que não
se adequassem ao novo governo e a emissão de decretos relacionados à segurança
nacional.
[9] No mesmo ano, o AI-4 foi instituído
para permitir a reabertura do Congresso Nacional, em recesso desde o golpe. O
objetivo da abertura foi permitir a aprovação da constituição de 1967 e manter
a imagem de legitimidade do regime. Nesse momento, o Congresso foi pressionado
a discutir as normas com urgência (para evitar maiores debates…), sem cogitar
que a possibilidade de o mandato ser cassado impedia maiores alterações ao
projeto apresentado ao Congresso.
[10]
1964-1967: Humberto Castello
Branco - Cearense, foi um dos líderes do golpe. General, foi transferido para a
reserva no posto de marechal. Durante seu governo, de 1964 a 1967, instituiu o
Serviço Nacional de Informações (SNI). Criou o Banco Central e o Banco Nacional
de Habitação (BNH). Os partidos que existiam na época foram fechados. Passaram
a ser permitidas apenas duas legendas: a Aliança Renovadora Nacional (Arena),
governista; e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de oposição. Castello
Branco aprovou o regulamento geral do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária
(IBRA) e promulgou a Constituição de 24 de novembro de 1967, que
institucionalizava a ditadura. No seu governo, foram cassados os direitos
políticos de deputados, governadores, ex-presidentes e lideranças de entidades
civis. Em 1967, foi aprovada a Lei de Imprensa, que limitava a liberdade de
pensamento e informação e era uma expressão do caráter arbitrário do regime.
Fonte: Agência Câmara de Notícias
[11]
1974-1979: General Ernesto
Geisel - Gaúcho, trouxe de volta ao poder o general Golbery do Couto e Silva.
Juntos, articularam um projeto de abertura "lenta, gradual e segura"
rumo a uma indefinida "democracia relativa". Mas a crise econômica e
a reação da "linha dura" do Exército colocariam permanentemente em
cheque os planos de "distensão" imaginados por Geisel e Golbery.
O presidente fechou o Congresso em abril de 1977. Geisel
foi um entusiasta da extração petrolífera no Brasil. Dirigiu a refinaria de
Cubatão em 1956 e a Petrobras (1969 a 1973). Em sua gestão na presidência da
Petrobras, concentrou esforços na exploração da plataforma submarina. Conseguiu
acordos no exterior para a pesquisa e firmou convênios com o Iraque, o Egito e
o Equador. Após o golpe de 1964, foi nomeado chefe da Casa Militar pelo
presidente Castello Branco, que o encarregou de investigar denúncias de
torturas em unidades militares do Nordeste. Castello o promoveu a general-de-exército
em 1966 e o nomeou ministro do Supremo Tribunal Federal em 1967. Geisel foi
lançado candidato à Presidência pela Arena, em 1973, e derrotou no Colégio
Eleitoral, em 15 de janeiro de 1974, Ulysses Guimarães - que era o candidato do
único partido legal de oposição, o MDB. Na política externa, procurou ampliar a
presença brasileira na África e na Europa, evitando o alinhamento incondicional
à política dos Estados Unidos. Fonte: Agência Câmara de Notícias
[12] O Pacote de Abril, como este conjunto
de leis ficou conhecido, impunha uma série de normas relativas ao processo
eleitoral que visavam impedir o avanço do partido de oposição ao governo
militar, o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), vitorioso nas eleições
legislativas de 1974. A Lei nº 9.504/97, art. 107, revogou o artigo 250 do
Código Eleitoral e atualmente regulamenta a propaganda eleitoral brasileira. A
Lei Falcão foi seguida pelo Pacote de Abril de 1977, conjunto de leis que,
dentre outras medidas, fixou mandato de 6 anos para o último presidente da
ditadura.
[13]
No mesmo dia em que foi decretado, o AI-5 foi também decretado o
fechamento do Congresso Nacional, sendo este reaberto somente em outubro de
1969, para a escolha do presidente general Emílio Garrastazu Médici. Na vigência
desse Ato, 181 parlamentares tiveram seus mandatos cassados. Dentre esses
estava o deputado Márcio Moreira Alves. Foi ele quem realizou o discurso que
serviu como pavio para a decretação do AI-5. No dia anterior à decretação, o
deputado incitou à população a fazer um boicote aos desfiles de 7 de setembro
daquele ano, além de conclamar as moças a que se recusassem a sair ou receber
visitas dos jovens oficiais e integrantes das Forças Armadas. Dos parlamentares
cassados, 173 eram deputados e 8 eram senadores. Dentre eles Juscelino
Kubitschek, Marcelo Nunes de Alencar e Pedro Ludovico Teixeira. Além dos
deputados e senadores, em janeiro de 1969, três ministros do STF – Victor
Nunes, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva – tiveram a aposentadoria compulsória
decretada por meio de decreto não enumerado baseado no AI-5.
[14] Neste contexto, em 1969, como
produtos do AI-5, foram criados dois órgãos ligados ao Exército: o Destacamento
de Operações e Informações (DOI) e o Centro de Operações de Defesa Interna
(CODI). Segundo o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, esses órgãos
foram uma forma de se institucionalizar a tortura. Cidadãos brasileiros, como o
ex-deputado Rubens Paiva, o jornalista Vladimir Herzog e o operário Manoel Fiel
Filho foram torturados e mortos em nome da “segurança nacional” nas
dependências dos DOI-CODI.
[15]
Depois da Constituição de 1988 –
projeto democrático em inacabada construção –, autoritários (atores, atos e
ideias) cruzaram o marco estabelecido no texto constitucional brasileiro. E na história recente do país,
tivemos o golpe de 2016 (Miguel, 2019). Não custa lembrar: o golpe contra a presidente Dilma
Rousseff arruinou o jogo democrático. De lá para cá, a palavra “golpe” não saiu
mais do cenário brasileiro. É que a palavra golpe é subsidiária de medidas de
exceção, o que leva ao descumprimento da Constituição, retrato assustador do
caminho que temos seguido, desembocando no veto escandaloso à candidatura do
ex-presidente Lula da Silva, em 2018, por
imparcialidade de Sergio Moro, na Lava Jato, incubadora de práticas desgarradas
do devido processo legal, conjuntura que favoreceu a eleição de Jair Bolsonaro.
[16]
Leonel Brizola (1922-2004) foi
um político brasileiro, um dos principais líderes da esquerda trabalhista
brasileira. Após o golpe de 1964, esteve exilado durante quinze anos, só
retornando ao Brasil em 1979. Em 1958, Brizola foi eleito para o governo do Rio
Grande do Sul. Foi empossado no dia 31 de janeiro de 1959. Em 1961 liderou um
movimento visando garantir a posse do vice-presidente, seu cunhado João
Goulart, após a renúncia do presidente Jânio Quadros. Alegando que Goulart
tinha ligações com os comunistas, os militares tentaram impedir a posse. Em
setembro foi promulgada a Emenda Constitucional n.º 4, que instituiu o Sistema
Parlamentarista de governo no país, que limitava drasticamente os poderes do
presidente. Leonel Brizola deixou o governo do Rio Grande do Sul em 31 de
janeiro de 1963. Em outubro de 1962, Brizola foi eleito deputado federal pela
Guanabara (atual cidade do Rio de Janeiro). Foi um dos líderes da Frente de
Mobilização Popular, que pressionou o presidente João Goulart a implementar as
“reformas de base”, como a agrária, tributária e bancária. Após a decretação da
anistia política, em 30 de agosto de 1979, Brizola retornou ao Brasil, e se
fixou no Rio de Janeiro. Em novembro, foi escolhido presidente nacional do novo
PDT. Porém, o TSE concedeu a legenda petebista ao grupo de Ivete Vargas, então,
Brizola e seus partidários criaram, em maio de 1980, o Partido Democrático
Trabalhista (PDT). Em novembro de 1982 candidatou-se ao governo do Rio de
Janeiro e foi eleito, sendo empossado em março de 1983. No ano seguinte
engajou-se pela campanha em defesa do restabelecimento das eleições diretas
para a presidência da república. Em março de 1989, Brizola foi lançado
candidato à presidência do Brasil pelo PDT, a primeira eleição direta para
presidente. Embora tenha saído na frente na pesquisa de intenção de voto, o
ex-governador de Alagoas, Fernando Collor de Mello assumiu o primeiro lugar. No
segundo turno, Collor saiu vitorioso contra o segundo colocado, Luís Inácio da
Silva.
[17] João Figueiredo foi um militar e
político brasileiro que ficou conhecido como o último presidente do Brasil do
período da Ditadura Militar. Seu governo se estendeu de 1979 e 1985, ficando
marcado pelas medidas de abertura controlada promovida pelos militares e pelo
fortalecimento da oposição civil aos militares. Assumiu a presidência como o
sucessor de Geisel e na presidência demonstrou ser uma figura autoritária,
sendo conhecido por suas declarações mal-educadas. Seu governo obteve péssimos
resultados na área da economia e se encerrou como o último" governo
militar após a derrota para Tancredo Neves na eleição de 1985." "A
escolha dos presidentes durante a Ditadura Militar era realizada de maneira
indireta, portanto sem a participação da população. Com isso, a escolha do novo
presidente seria feita por um colégio eleitoral que era composto pelos membros
do Congresso Nacional. O candidato escolhido por Ernesto Geisel para sucedê-lo
foi mesmo João Figueiredo, escolha anunciada em 1977.
Do outro lado, concorrendo contra Figueiredo, estava o general Euler Bentes Monteiro, o indicado pela oposição consentida. O resultado foi a vitória de Figueiredo; ele obteve 355 votos contra 226 do general Euler. A eleição aconteceu em 1978, e a posse de Figueiredo se deu no dia 15 de março de 1979."
[18]
Nova República, ou Sexta
República Brasileira, é o período da História do Brasil que se seguiu após o
fim da ditadura militar aos dias atuais. É caracterizado pela ampla
democratização política do Brasil e sua estabilização econômica. Usualmente,
considera-se o seu início em 1985, quando, concorrendo com o candidato
situacionista Paulo Maluf, o oposicionista Tancredo Neves ganha uma eleição
indireta no Colégio Eleitoral, sucedendo ao último presidente militar, João
Figueiredo. Tancredo não chegou a tomar posse, vindo a falecer. Seu
vice-presidente, José Sarney, assume a presidência em seu lugar. Sob seu
governo é promulgada a Constituição de 1988, que institui um Estado Democrático
de Direito e uma república presidencialista. Historicamente fez parte dos
últimos anos do período da História Mundial conhecido como Guerra Fria, que
teve seu fim após as Revoluções de 1989 e o colapso da União Soviética em 1991.
A partir de então passou a fazer parte do atual período histórico, a Era da
Globalização.
[19]
O Partido Socialismo e Liberdade
(PSOL) solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que declare a
inconstitucionalidade de interpretações que ampliem as atribuições
estabelecidas no artigo 142 da Constituição Federal, que dispõe sobre o papel e
a função das Forças Armadas. O pedido foi apresentado na Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1045. O dispositivo estabelece
que as Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) se destinam à defesa da
pátria e à garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. Segundo o
partido, parcela radical do bolsonarismo tem defendido uma intervenção militar
em razão de um suposto estado político de coisas ilegítimo, com base em
interpretação “mirabolante” do artigo. Por isso, pede que não haja
possibilidade de atribuir às Forças Armadas o status de poder moderador do
Brasil, vedando a ampliação de atribuições fora de previsão constitucional,
principalmente relacionadas à competência de arbitrar eventuais dissensos e
conflitos entre Poderes. Na ação, o PSOL requer a declaração de
inconstitucionalidade de interpretações que permitam a ruptura total ou parcial
do regime democrático ou a instauração de governo de exceção pelas Forças
Armadas ou por civis apoiados por elas. Solicita, ainda, que a veiculação, a
propagação ou o incentivo a essas interpretações não sejam protegidas pela
imunidade parlamentar e que parlamentares que adotarem essas práticas sejam
investigados e responsabilizados nos âmbitos político, civil, criminal e
administrativo. Também há pedido de responsabilização civil, administrativa e
penal de magistrados, servidores públicos e particulares na mesma situação.
[20] Como advertiu Lewandowski, a vigente
Lei n. 14.197, de 2021, que incorpora ao Código Penal a punição a crimes contra
o Estado Democrático de Direito, tais como o de subverter as instituições vigentes “impedindo ou restringindo o
exercício dos poderes constitucionais”. No artigo, o ministro Lewandowski também
fez menção ao artigo 142 da Constituição para justificar eventual uso das
Forças Armadas contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional: [...] e aqui cumpre registrar que não
constitui excludente de culpabilidade a eventual convocação das Forças Armadas e tropas
auxiliares, com fundamentos no artigo 142 da Lei Maior, para a ‘defesa da lei e da ordem’,
quando realizada fora das hipóteses legais, cuja configuração, aliás, pode ser
apreciada em momento posterior pelos órgãos competentes (Lewandowski, 2021).
[21]
Nota-se que, em 2021, com dois anos e meio de governo, já eram
escancarados os tantos atos em que o presidente Jair Bolsonaro contribuiu para
o abalo dos valores democráticos, a
começar pela celebração ao golpe de 1964. Não se trata, por evidente – e
nem de perto – de algo simples. O
presidente celebra um regime que fechou o Congresso Nacional.