Direito e o marxismo
O texto explora a relação entre o marxismo e o direito, discutindo o impacto das ideias de Karl Marx e Friedrich Engels sobre os direitos humanos, a organização do Estado e a luta de classes na sociedade capitalista
Resumo: Ao se tentar analisar o direito como fenômeno jurídico no mundo contemporâneo a partir dos pressupostos teóricos de Marx e Engels, visa-se estabelecer nexo de causalidade entre os direitos humanos e o marxismo.
Palavras-chave: Filosofia do Direito. Marxismo. Direito. Direitos Humanos. Ideologia.
Para Marx, os direitos humanos delimitavam apenas as liberdades com o objetivo de evitar o estado hobbesiano de “guerra de todos contra todos”. Os direitos do homem ou direitos humanos são distintos dos direitos do cidadão. Mas quem é este “homem”, pergunta Marx, que é distinto do “cidadão”? Este “homem” é o membro da sociedade civil. E por que o membro da sociedade civil é chamado de “homem em si” e por que seus direitos são chamados direitos humanos? Segundo Marx, esta diferença entre “homem” e “cidadão” emana da relação do Estado político com a sociedade civil da própria essência da emancipação política. Os direitos humanos em relação aos direitos do cidadão não são nada mais do que os direitos dos membros da sociedade civil, isto é, dos homens egoístas, separados uns dos outros homens e da totalidade da sociedade.
O marxismo é um método de estudo das sociedades que abrange as organizações sociais, econômicas e políticas de cada época. Dadas as diversas áreas que compõem o conceito de marxismo, ele é estudado por filósofos, políticos, economistas e sociólogos.
No momento de surgimento das ideias marxistas, o mundo passava pela Revolução Industrial no século XIX. Na busca de interpretar e criticar o mundo capitalista, os pensadores Karl Marx e Friedrich Engels participaram da constituição do socialismo e das ideias revolucionárias do marxismo. É válido lembrar que, embora Marx e Engels tenham formulado as teorias marxistas, não foram eles que criaram o termo “marxismo”. A palavra só surgiu com pesquisadores que analisaram a obra dos teóricos anos depois da publicação das obras marxianas.
As principais ondas revolucionárias acreditavam que os meios de produção deveriam ser socializados com a quebra do sistema explorador capitalista. Nesse caso, todas as propriedades privadas seriam controladas pelo governo, que é um Estado socialista muito forte, com o dever de repartir homogênea e igualitariamente todos os recursos da sociedade.
O conceito de mais-valia é composto pela ideia de que, quando trabalha, o homem vende sua força de trabalho em troca de dinheiro. A questão mais importante é que a mercadoria produzida é muito mais cara do que o valor recebido pelo trabalhador. Para o melhor entendimento, imagine que um funcionário receba um real por sola de sapato construída. Ao mesmo tempo, o dono da fábrica de sapatos receberá 150 reais por sapato vendido. Com essa analogia, você pode perceber que possuir o meio de produção se torna mais valioso e lucrativo do que a sabedoria de construir uma parte da mercadoria.
Enquanto está sujeito ao conceito de mais-valia, o trabalhador também é alienado sobre o produto que constrói. Isso acontece porque, nas fábricas, o processo de produção é segmentado. Com o mesmo exemplo do tópico anterior, note que o proletário que produz a sola do sapato não sabe como costurar o couro do mesmo sapato. Dessa forma, o empregado não detém conhecimento sobre toda a técnica produtiva – o que o afasta de uma potência revolucionária. Para os marxistas, após a Revolução Industrial, os produtos e mercadorias apresentavam mais valor que os próprios indivíduos que os fabricavam.
Para esse ponto de vista, foi dado o nome de fetichismo, que compreende a desvalorização do ser humano com a “personificação” do produto – como se as mercadorias tivessem existência inata e sem a dependência de um humano fabricador. Os marxistas acreditam que o Estado socialista é a melhor forma de organização social, com a presença da propriedade comunitária. Assim, o socialismo é a estrutura política que o marxismo adequa para a construção de uma conjuntura social, política e econômica mais igualitária.
Parte-se do pressuposto de que o direito não é apenas um conjunto de regras e normas jurídicas que regulam a paz social, mas sim, enquanto componente da história e das relações econômicas dentro da lógica operacional do sistema capitalista e do mercado e das relações produtivas, fixando certas instâncias que possibilitem a própria reprodução do sistema. À medida que as demandas capitalistas foram surgindo, os instrumentos jurídicos foram criados sem atender ao bem comum, mas à práxis história social e produtiva do homem. De fato, o problema abarca a temática dos direitos humanos e diz respeito à liberdade e à igualdade real como meio de concretização a partir da práxis numa perspectiva relacional dialética e histórica.
Para pesquisar o positivismo, recomenda-se o pensador Augusto Comte; já quanto ao contratualismo, a leitura recomendável são as obras de Locke, Hobbes e Rousseau, sendo o juspositivo deve-se dirigir-se a Hans Kelsen e ao Norberto Bobbio; ao tratar de livre mercado na economia, se faz alusão a Adam Smith; quanto ao sistema prisional, menciona-se Michel Foucault; e, em relação ao direito e economia, remete-se ao pensamento de Karl Marx.
Com a globalização do capital, a sociedade de consumo, as desigualdades econômicas e sociais, as crises na economia de superprodução, bancos e educação, a redução dos direitos sociais e trabalhistas, às crises econômicas, fome, miséria, desequilíbrio ambiental, guerras armamentistas e fundamentalismos que aviltam os direitos humanos ao extremos, acarretando a crise da sociedade burguesa, o comunismo subsistirá rondando a história a remontar o espólio marxista e a questionar se é possível estabelecer uma teoria geral do Direito marxista e ainda fazer uma conexão com os direitos humanos?
A tese epistemológica de Marx baseia-se na proposta de superação da dogmática normativista da lógica formal da mera declaração e proclamação de direitos e de um todo universo rígido de normas. O fenômeno jurídico contemporâneo, a partir do marxismo, assume uma vertente teórica sobre as relações jurídicas e sociais, tendo como pressuposto as relações econômicas e materiais da vida humana.
As principais correntes do marxismo são a social-democracia, o bolchevismo e o esquerdismo. Cada uma destas irá dar uma determinada definição de marxismo, irá conceber de forma diferente o materialismo histórico e a luta de classes.
O leninismo apresentou uma visão de marxismo que condenava a social-democracia e propunha a revolução violenta ao invés do gradualismo, mas posteriormente foi, no seu desenvolvimento histórico, tornando esta postura mais flexível. Também sistematizou o chamado materialismo dialético e uma concepção política expressa na "teoria do partido de vanguarda", um complemento à teoria da luta de classes de Marx, que colocava o partido comunista como vanguarda da classe operária.
Com a vitória dos bolcheviques e a conquista do poder do Estado, bem como a formação da Terceira Internacional, o marxismo-leninismo se tornou a corrente hegemônica do marxismo e se espalhou pelo mundo através da chamada bolchevização dos partidos comunistas.
O esquerdismo é uma corrente composta por diversas tendências, sendo as principais o conselhismo e o bordiguismo. Ambas as tendências surgiram no início do século XX.
Os principais representantes teóricos do conselhismo foram Karl Korsch, Anton Pannekoek, Otto Rühle, Paul Mattick, Hermann Gorter, entre outros. A partir das experiências proletárias nas revoluções do início deste século, na Rússia, Alemanha, Hungria, Itália, entre outros, defenderam os conselhos operários como forma de organização proletária e revolucionária, que deveriam ser os órgãos de autogestão social da futura sociedade comunista. Combateram tanto a social-democracia quanto o bolchevismo.
O bordiguismo teve como grande representante Amadeo Bordiga, militante italiano que desenvolveu vários estudos sobre o capitalismo.
De fato, Karl Heinrich Marx não deve ser negligenciado na análise jurídico-social na construção do direito contemporâneo. Ao revés, o filósofo alemão, que habitou França e Inglaterra, fora jornalista e escritor, causador de inúmeras transformações efetiva nas estruturas do pensamento e da legislação dos séculos XIX e XX, tendo havido expressiva repercussão de suas lições, reivindicações e propostas ao longo de toda a legislação do século XX.
Mesmo no período depois das revoluções liberais, como a Francesa e a Norte-Americana, com as pós-revoluções liberais pós-codificação do direito, as críticas à ideia do bem como e a vontade geral do Estado traz o paradigma dos Direitos humanos e individuais. Identifica-se que Marx não apareceu sozinho em seu momentum histórico e também não lecionou o que não fosse uma solicitação necessária em sua época, especialmente no período pós-Revolução Industrial, pós-revolução Francesa, pós-codificação do direito.
O prenúncio dos movimentos sociais e reivindicatórios dos explorados já vinham ecoando desde o século XVIII. Enfim, o marxismo encontrou sua sedimentação no edifício jusfilosófico do Direito.
Engels e Marx aparecem como sendo o expoente mais brilhante do socialismo científico, tecendo a ideia do materialismo histórico. Destaca-se que o homem de sua análise era o principal elemento de reflexão, mas não o homem universal ou espiritual, ou ainda o homem racional, mas o indivíduo enquanto força produtiva na esfera da economia, num processo sequencial de causa e efeito, determinado pelas transformações e contradições sociais entre o capital e trabalho.
É por afirmar que a sociedade se constitui a partir de condições materiais de produção e da divisão social do trabalho, que as mudanças históricas são determinadas pelas modificações naquelas condições materiais e naquela divisão do trabalho, e que a consciência humana é determinada a pensar as ideias que pensa por causa das condições materiais instituídas pela sociedade, que o pensamento de Marx e Engels é chamado de materialismo histórico. Materialismo porque somos o que as condições materiais (as relações sociais de produção) nos determinam a ser e a pensar. Histórico porque a sociedade e a política não surgem de decretos divinos, nem nascem da ordem natural, mas dependem da ação concreta dos seres humanos no tempo (CHAUÍ 2002).
Em aliança com Engels, Marx como expoente mais destacado do socialismo científico, desenvolvendo com autenticidade a ideia de um materialismo histórico. O homem destaca-se de sua análise como o principal elemento de reflexão, mas não o homem universal ou espiritual ou ainda o homem racional, mas enquanto força produtiva na esfera da economia, num processo sequencial de causa e efeito, determinado pelas transformações e contradições sociais entre o capital e o trabalho.
Engels, em sua ida para a Inglaterra, passou na cidade de Colônia e ao visitar a sede do jornal Gazeta Renana, conheceu Marx, que era o chefe da redação.
E assim estabeleceram relação de amizade que perduraria por longos anos e escrevendo vasta produção literária que abarcava política, economia, religião, direito, sociologia e propriedade privada e Estado. O percurso intelectual marxista retrata certa preocupação com a ampla variedade de temáticas abordadas em sua obra a serviço da classe proletária.
Dentre suas principais obras estão os “Manuscritos Econômicos-Filosóficos” (1844), “A Sagrada Família”, “Teses sobre Feuerbach” (1845), a “Ideologia Alemã” (1846), a “Miséria da Filosofia” (1847), o “Manifesto Comunista” (1848), “O 18 Brumário de Luís Bonaparte” (1851), e por fim “O Capital” (1867), todas em conjunto com Friedrich Engels.
Conforme as lições de Mascaro (2002, p. 92), “o Marx filósofo, cuja repercussão para a filosofia do direito é das maiores de toda a história, começa não pelos variados marxismos, mas por meio de seus textos e de suas ideias”. Complementando a ideia, Mascaro (2010) reflete o pensamento Marxista dispondo que ele o elevou à condição de profundidade, isso porque somente em Marx o Direito supera a manifestação imediata das normas jurídicas, supera o entendimento de que o Direito seria apenas um conjunto de normas de caráter coercitivo. Marx vai além e estuda as relações do direito na esfera econômico-social:
O marxismo é o horizonte mais avançado e profundo sobre a compreensão do direito na medida em que não se limita à mera manifestação imediata das normas jurídicas estatais, nem faz uma constatação genérica do fenômeno jurídico atrelado ao poder, mas se põe a estudar histórica e estruturalmente as relações do direito com o todo econômico-social. (MASCARO 2010).
Conceituando, ensinou Norberto Bobbio: “Entende-se por Marxismo o conjunto das ideias, dos conceitos, das teses, das teorias, das propostas de metodologia científica e de estratégia política, e, em geral, a concepção do mundo, da vida social e política consideradas como um corpo homogêneo de proposições até constituir uma verdadeira e autêntica "doutrina", que se podem deduzir das obras de Karl Marx e de Friedrich Engels”.
A tendência muitas vezes manifestada de distinguir o pensamento de Marx do de Engels surge dentro do próprio Marxismo, ou seja, ela própria se constitui numa forma de Marxismo. Identificam-se diversas formas de Marxismo, quer com base nas diferentes interpretações do pensamento dos dois fundadores, quer com base nos juízos de valor com que se pretende distinguir o Marxismo que se aceita daquele que se rejeita: por exemplo, o Marxismo da Segunda e da Terceira Internacional, o Marxismo revisionista e ortodoxo, vulgar, duro, dogmático, etc. (BOBBIO 1999).
Eis que Engels pôs em questionamento: Como surgiu o proletariado? Como resposta, o proletariado nasceu com a Revolução Industrial produzida na Inglaterra, na segunda metade do século XVIII, que logo se estendeu a todos os países civilizados do mundo.
E encerra a resposta ao questionamento com a seguinte conclusão: a) a classe dos grandes capitalistas, que em todos os países civilizados já estão de posse exclusiva de todos os meios de subsistência, das matérias-primas e dos instrumentos (máquinas, fábricas, etc.) necessários à produção dos meios de existência. (ENGELS et al., 2005).
Cada etapa da evolução percorrida pela burguesia era acompanhada de um progresso político correspondente. Classe oprimida pelo despotismo feudal, associação armada administrando-se a si própria na comuna, República urbana independente, Terceiro Estado tributário da monarquia; depois, durante o período manufatureiro, contrapeso da nobreza na monarquia feudal, pedra angular das grandes monarquias; a burguesia, desde o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, conquistou finalmente a soberania política exclusiva no Estado representativo moderno. O governo do estado moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa (MARX et al.).
Ao contrário de Hegel, para quem o Estado seria a instância de racionalidade do homem e da história, para o marxismo o Estado nasceria de contradições e da dialética do tecido social em função das relações produtivas e materiais de existência que tomam determinado grau de desenvolvimento, não sendo o poder estatal a instância pacificadora dessa sociedade, assim como de suas relações de produção sendo envolvido numa superestrutura que se coloca como força executório-interventiva a serviço da classe capitalista, tendo como foco a manutenção da exploração e do conflito produtivo existente.
Preceituou Engels que o Estado não constituiria uma realidade da ideia moral, a imagem e concretude da razão, como pretendia Hegel, mas seria um produto da sociedade numa certa fase do seu desenvolvimento, embaraçado numa insolúvel contradição interna, dividido em antagonismos inconciliáveis, notadamente de classes antagônicas entre si, com interesses econômicos conflitantes. Em razão disso, para que não haja uma luta estéril, o Estado exsurge com uma necessidade de força acima da sociedade, como pacificador do conflito e da ordem Estado acima da sociedade (Engels, 1894).
Marx haveria de agregar às ideias hegelianas as ideias de Feuerbach, no sentido da ação, a real operação, a realidade das coisas, superando em importância o momento das ideias abstratas. Feuerbach e seu naturalismo contribuíram para a formação de um Marx concreto. Todavia, não se torna possível desconsiderar a dialética hegeliana e a ideia do poder do homem sobre a natureza e a sua respectiva separação no contexto do pensamento marxiano. (BITTAR ALMEIDA, 2015).
Assim, o pensamento marxista tem como alicerce o compromisso com o social, com a práxis, com a ação política, afastando-se do idealismo hegeliano ou mesmo das perspectivas contemplativas anteriormente existentes.
De modo que A consubstanciação do justo e do racional no Estado, e não no indivíduo nem na sociedade civil, faz com que Hegel rompa com toda a tradição estabelecida na modernidade sobre a filosofia política e jurídica. O denominador comum de todo o pensamento jusfilosófico moderno foi o individualismo e, em consequência, a teoria do contrato social. O individualismo, fazendo do sujeito sede da racionalidade e cerne dos direitos. O contratualismo como manifestação da racionalidade e da vontade individual, portanto, momento superior que dava razão de ser ao próprio Estado. Hegel romperá com essa ordem de explicações. O Estado não terá fundamento nem no indivíduo, nem na sociedade civil, que lhe são momentos inferiores.
A concretização do direito no Estado faz com que não se indague a respeito da moralidade individual. Se Kant praticamente equivalia a moralidade com o justo jurídico, porque os dois saem do mesmo imperativo categórico de uma razão individual, Hegel rompeu essa equivalência. Individualidade e moralidade são reinos que devem ser subordinados a um momento superior, que é o da eticidade consubstanciada no Estado (MASCARO, 2016).
Da concepção de Marx e Engels pode se extrair uma tríplice antítese do Estado; a primeira como sendo o aparelho coercitivo que detém a violência concentrada e organizada da sociedade; em segundo, o Estado como um instrumento, o comitê da classe dominante, numa concepção particularista em contraposição à concepção universalista de Hegel; em terceiro, o Estado como movimento subordinado à sociedade civil, sendo esta a condicionante e reguladora do Estado num sentido negativista, contrário à concepção positiva, condição essencial da racionalidade do pensamento hegeliano. O Estado possui caráter transitório, a qual deve ser suprimida (BOBBIO, 1982).
Nas “Teses sobre Feuerbach” o pensamento marxista se desloca totalmente da tradição filosófica até então estabelecida. Não mais um conhecimento especulativo, meramente contemplativo. Trata-se, pois, de um pensamento da práxis revolucionária, objetivando a transformação. É assim que Marx fundará sua filosofia sobre uma práxis. Na Tese III esse exponencial ficará claro ao elencar: “A coincidência da modificação das circunstâncias com a atividade humana ou alteração de si próprio só pode ser apreendida e compreendida racionalmente como práxis revolucionária”.
A compreensão do homem por meio relacional, processual, histórico estava também de certa forma na sustentação metodológica de todo o edifício da filosofia hegeliana. No entanto, enquanto Hegel propugnava o Estado como momento superior da história, Marx ligou-se ao hegelianismo muito mais por meio de seu método, sua lógica, que propriamente por suas conclusões. Essa processualidade importava muito mais a Marx do que o idealismo hegeliano que chegava à ideia de “razão no Estado”. E como insistira na crítica a Feuerbach, a processualidade humana é relacional, com base na atividade humana.
O movimento de passagem da filosofia moderna para a contemporânea, de uma filosofia da consciência em Kant, para uma filosofia da práxis em Marx representa não só uma tomada de posição distinta em relação a certos problemas teóricos e formais, mas muito mais que isso, uma radical transformação em relação à compreensão da filosofia do direito e da própria vida do jurista. A tradição filosófica moderna, lastreada nos problemas do conhecimento, do indivíduo como base de afirmação racional do mundo, gerou para o direito uma série de derivações também individualistas e racionalistas (MASCARO, 2002).
O pensamento marxista, é de se dizer, ainda está por ser desbravado pela filosofia do direito, a qual está baseada no seio da ordem e da justificativa do poder legal. Por outro lado, quando realiza a crítica, o faz dentro de seus limites individualistas e racionalistas. Escapar deles é deveras fundamental na atual encruzilhada das estruturas sociais contemporâneas, baseada na práxis e não no idealismo alemão hegeliano, fonte de iluminação dos problemas sociais e filosóficos de nosso mundo contemporâneo; assim, as raízes históricas do pensamento jurídico, negações e debates da jusfilosofia têm nessa passagem do pensamento moderno para o contemporâneo razões para elucidar a importância do sistema de relações sociais e econômico-produtivas (capitalismo), inaugurada na Idade Moderna, estendendo-se até os dias atuais.
De tal modo que a abstração do Estado como tal pertence somente aos tempos modernos, porque a abstração da vida privada pertence somente aos tempos modernos. Na abstração do Estado político é um produto moderno. Na Idade Média havia servos, propriedade feudal, corporações de ofício, corporações de sábios, etc.; ou seja, na Idade Média a propriedade, o comércio, a sociedade, o homem são políticos; o conteúdo material do Estado é colocado por intermédio de sua forma; cada esfera privada tem um caráter político ou é uma esfera política; ou a política é também o caráter das esferas privadas. Na Idade Média, a constituição política é a constituição da propriedade privada, mas somente porque a constituição da propriedade privada é a constituição política. Na Idade Média, a vida do povo e a vida política são idênticas. O homem é o princípio real do Estado, mas o homem não livre. É, portanto, a democracia da não-liberdade, da alienação realizada. A oposição abstrata e refletida pertence somente ao mundo moderno. A Idade Média é o dualismo real, a modernidade é o dualismo abstrato. (MARX, 2010).
Desse modo, a exploração econômica no seio das atividades sociais constitui a manipulação do poder econômico como forma de exercício da dominação, a criação de instrumentos de servilização do homem pelo homem, a formação de uma economia burguesa extraída da propriedade e da mercadoria, a sua forma de instauração da diferença social, a coisificação humana nas relações sociais, a redução das capacidades humanas ao potencial mensurável de trabalho do homem, a alienação gerada pelo trabalho, a manutenção da hegemonia burguesa, mantida com bases nas ideias de lei e ordem seriam temas que alcançam grande significado na teoria marxista, inclusive com alcance e repercussão jurídico-política (BITTAR ALMEIDA, 2015).
Ainda baseado na questão produtiva intrínseca à vida material pelos homens, Marx desenvolveu de forma específica um dos temas que eram ligados à tradição hegeliana, mas que na sua visão encontra-se inovado. As relações de produção, em seu quadro geral, apresentam uma série de contradições, contradição entre senhores e escravos ou entre senhores e servos, e, no presente, a contradição entre o burguês e o proletário revelam o fato de que massas de indivíduos não se assentam na produção de suas atividades e de sua vida em benefício próprio. O homem afastado de suas possibilidades plenas está alienado de si.
Assim sendo, a alienação constitui uma das formas das mais nítidas condições do homem no sistema capitalista de produção. (MASCARO, 2016).
O direito feudal, por sua vez, é essencialmente do tipo germânico, não apresentando qualquer elemento do procedimento inquisitorial como o estabelecimento de verdade das sociedades gregas ou do Império Romano. O litígio também era regulamentado pelo sistema de provas em que o que se objetivava provar não é a verdade, mas a força e a importância de quem dizia.
Foucault enumerou quatro tipos de provas presentes nessa sociedade regida pela força: primeiro, as provas da importância social do indivíduo, quando pessoas (parentes do indivíduo acusado) prestavam um testemunho juramentado garantindo a importância social do acusado e não sua inocência; o que estava em jogo nesta demonstração de solidariedade era o apoio que determinado indivíduo poderia obter de pessoas prontas a apoiá-lo em um possível conflito. Depois, as provas do tipo verbal, em que um indivíduo acusado de alguma coisa deveria responder às acusações recitando um certo número de fórmulas, uma espécie de jogo verbal.
Em terceiro lugar, as provas mágico-religiosas de juramento, quando o acusado era convidado a prestar juramento e, caso não fizesse ou hesitasse, era visto como culpado. Por fim, as provas corporais (ordálios), em que o acusado era submetido a uma luta com o próprio corpo, um afrontamento do indivíduo frente ao seu próprio corpo, com a presença de elementos naturais como o fogo, por exemplo, representando uma transposição simbólica.
Segundo Mascaro (2016), “tal contato com o pensamento de Hegel é decisivo para os passos iniciais do pensamento do próprio Marx. Seu doutorado em filosofia, uma comparação entre o atomismo em Demócrito e Epicuro tem clara inspiração hegeliana”. Por outro lado, a obra marxista vem marcada pela dualidade, pois de um lado tem uma influência notadamente de Hegel e também do pensamento de Feuerbach. A perspectiva marxista não seria uma corrente a qual busca a conciliação entre ambos os pensamentos, mas sim uma proposta que abarca ambas as tendências. Marx não pode aceitar a especulação pura e racional idealista hegeliana, apesar de sua base na literatura de Hegel.
A lógica de exploração do capitalismo é distinta daquela do feudalismo ou do escravagismo. Não é pela força que o trabalhador se submete ao capital. É pela impossibilidade do domínio direto dos meios de produção que os trabalhadores são impulsionados a venderem o seu trabalho, seus corpos, sua inteligência e suas energias como mercadoria aos capitalistas, que entesouram a mais-valia desse esforço de multidões de pessoas. O trabalho não se constitui em razão de uma necessidade social, mas de um fim, o processo de valorização de produção de riqueza. A lógica do capital contém assim a lógica de exploração do trabalho assalariado e a lógica da circulação universal de todas as pessoas e coisas como mercadorias.
A "verdade" é centrada na forma do discurso científico e nas instituições que o produzem; está submetida a uma constante incitação econômica e política (necessidade de verdade tanto para a produção econômica quanto para o poder político); é objeto de várias formas de uma imensa difusão e de um imenso consumo (nos aparelhos de educação ou de informação, cuja extensão no corpo social é relativamente grande); é produzida e transmitida sob o controle não exclusivo, mas dominante de alguns grandes aparelhos políticos ou econômicos (universidade, exército, escritura, meios de comunicação); enfim, é objeto de debate político e de confronto social, ou seja, as lutas ideológicas (FOUCAULT, 1979).
[...] O intelectual tem especificidade em sua posição de classe, a qual Foucault faz referência as seguintes: (pequeno burguês a serviço do capitalismo, intelectual "orgânico" do proletariado); a especificidade de suas condições de vida e de trabalho ligadas à sua condição de intelectual (seu domínio de pesquisa, as exigências políticas a que se submete na universidade, no hospital, etc.); ao fim, a especificidade da política de verdade nas sociedades contemporâneas. Ele funciona ou luta ao nível geral deste regime de verdade, que é tão essencial para as estruturas e para o funcionamento de nossa sociedade, exercendo papel importante para enfrentar a ideologia dominante (FOUCAULT, 1979).
O surgimento da lei fabril adicional de 7 de junho de 1844, que entrou em vigor em 10 de setembro desse mesmo ano. Esta acolhia uma nova categoria de trabalhadores entre os protegidos: as mulheres maiores de 18 (dezoito) anos. Estas foram equiparadas aos adolescentes em todos os aspectos: seu tempo de trabalho foi limitado a 12 (doze) horas, o trabalho noturno lhes foi vetado, etc. Pela primeira vez a legislação se viu compelida a controlar direta e oficialmente também o trabalho dos adultos. No relatório de fábrica de 1844-1845, diz-se ironicamente: Não nos foi apresentado nem um único caso em que mulheres adultas tivessem se queixado de uma interferência em seus direitos. O trabalho de crianças menores de 13 (treze) anos foi reduzido para 6 horas e meia e, sob determinadas condições, para 7 (sete) horas diárias (MARX, 1996).
A produção capitalista, sendo produção de valor, tem necessariamente de ser produção de mais-valor. Mais-valor, por sua vez, subentende um processo por meio do qual um dos envolvidos no processo de produção – no caso o trabalhador – produz mais valor do que recebe sob a forma de salário. Por conseguinte, a determinação da produção capitalista como produção de valor pressupõe a exploração do trabalhador, descoberta por Marx, e uma série de outras categorias fundamentais da economia capitalista: duplo caráter do trabalho, processo de trabalho e processo de valorização, etc. O mais-valor, contudo, além de desvendar o mecanismo de acumulação de capital, isto é, a expropriação do trabalhador, expressa um processo ainda mais fundamental: mais do que significar a exploração do trabalho como de fato o faz, o mais-valor representa a objetivação estranhada dos sujeitos do potencial que possui o trabalho (social) de reproduzir de forma ampliada as suas condições antecedentes. (MARX, Karl. Grundrisse, 1785).
A perversidade sistêmica que está na raiz dessa evolução negativa da humanidade tem relação com a adesão desenfreada aos comportamentos competitivos que atualmente caracterizam as ações hegemônicas. Todas essas mazelas são diretas ou indiretamente imputáveis ao presente processo de globalização.
Por outro lado, a lógica da reprodução das condições de produção é uma imposição capitalista de controle social que mantém a submissão de trabalhadores, a reprodução dos meios de produção mediante a utilização dos meios e a repetição das condições de produção, o que gera a reprodução das condições materiais de produção para a satisfação do modelo capitalista. A reprodução da força do trabalho ocorre pela necessidade, no atual modelo, de que o indivíduo obtenha recursos mínimos para a subsistência da família.
Desse modo, na visão marxista, há uma relação bilateral entre o possuidor de dinheiro que se encontra no mercado e estabelecem uma relação mútua como se “naturalmente” iguais, possuidores de mercadorias com a única diferença de que um é comprador e o outro vendedor, sendo ambos, portanto, pessoas juridicamente iguais para fazerem um contrato mercantil. A continuidade dessa relação requer que o proprietário da força de trabalho a venda apenas por um determinado período, pois, se ele a vende integralmente, vende a si mesmo, transformando-se de um homem livre num escravo, de um possuidor de mercadoria numa mercadoria; assim, o oferecimento ao consumo deverá ser estabelecido por um período determinado, de tal modo que o proprietário não renuncie na venda da força de trabalho seu direito absoluto de propriedade sobre esta.
Enfim, o modelo de reprodução da força laboral foi defendido desde a escola, quando o aluno, a contar da formação básica, aprende a ser submisso à estrutura do capital. Durante a educação fundamental e média, ao estudante é imposto o modelo dominante da lógica capitalista da submissão, que prevê que o indivíduo deverá estudar para, após, trabalhar, a ser disciplinado, possibilitando a sua sobrevivência e o sustento de sua família. (Althusser, 1985).
Persiste o doutrinador em ensinar in litteris: Neste sentido, é feita a seguinte pergunta: Como é assegurada a reprodução da força de trabalho no regime capitalista? Segundo Althusser, é assegurada dando à força de trabalho o meio material de se reproduzir: o salário. O salário figura na contabilidade de cada empresa como capital mão de obra e de modo algum como condição da reprodução material da força de trabalho? Diferentemente do que se perpassava nas formações sociais escravagistas e feudais, esta reprodução da qualificação da força de trabalho tende (trata-se de uma lei tendencial) a ser assegurada não em cima das coisas (aprendizagem na própria produção), mas, cada vez mais, fora da produção: através do sistema escolar. A reprodução da força de trabalho tem, pois, como condição sine qua non não só a reprodução da qualificação desta força de trabalho, mas também a reprodução da sua sujeição à ideologia dominante, ou da prática desta ideologia, com tal precisão que não basta dizer: não só, mas também, pois se conclui que é nas formas e sob as formas da sujeição ideológica que é assegurada a reprodução da qualificação da força de trabalho (Althusser, 1985).
O doutrinador, retomando as proposições célebres do materialismo histórico de Marx (baseado fundamentalmente nas relações sociais, históricas, produtivas, etc.), que concebe a estrutura de qualquer sociedade como constituída pelos níveis ou instâncias articulados por uma determinação específica. Essa determinação terá como ponto de partida a infraestrutura ou base econômica, que o doutrinador denominou de unidade das forças produtivas e das relações de produção e a superestrutura que comporta em si mesmas duas instâncias: a jurídico-política (o Direito e o Estado) e as diferentes ideologias (religiosas, moral, jurídica, política, etc.).
Sendo assim, tomando por base as lições do materialismo histórico marxista, parte do pressuposto que a história tem seu perfazimento não nos indivíduos, mas sim na raiz econômica produtiva da sociedade, ou seja, nas condições materiais de vida.
No capitalismo, para que haja exploração, os trabalhadores e os burgueses devem ser tornados “iguais” por uma instância política terceira que seja distinta de ambos. O Estado moderno cumpre esse papel. Mas não o cumpre porque seja de fato a unificação geral dos interesses, o bem comum. O Estado surge como condição estruturante da exploração jurídica do trabalho.
O contrato de trabalho, portanto, será celebrado entre dois sujeitos em condição de estrita reciprocidade, por um ato livre da vontade do trabalhador, sem qualquer forma de coerção estatal obrigando-o a realizar essa operação jurídica. O poder do Estado pode então aparecer como estando acima das partes contratantes, como uma autoridade pública que apenas vela pela observância da ordem pública, isto é, das condições de funcionamento normal do mercado e da livre iniciativa entre as partes contratantes.
Desse modo, segundo o marxismo, o Estado seria uma forma de opressão especificamente capitalista; o aparato político estatal moderno põe em funcionamento a possibilidade da reprodução contínua da exploração do trabalho por meio dos vínculos mercantis, fazendo do trabalhador uma mercadoria a ser vendida, cuja mais-valia é apropriada como riqueza pelo burguês.
A crítica da economia política consiste justamente em mostrar que, apesar das afirmações greco-romanas e liberais de separação entre a esfera privada da propriedade e a esfera pública do poder, a política jamais conseguiu realizar essa diferença. O poder político sempre foi à maneira jurídica pela qual a classe dominante de uma determinada sociedade manteve seu domínio. O aparato legal e jurídico apenas dissimula o essencial: que o poder político serve aos interesses e privilégios do poder economicamente dominante para garantir-lhes a dominação social. Divididas entre proprietários e não proprietários (trabalhadores livres, escravos, servos), as sociedades jamais foram comunidades fruto da igualdade real.
Ao analisar o direito moderno e a função que exerce este direito em nossa sociedade burguesa, Marx encarou como uma criação do indivíduo, mas como um instrumento a serviço de uma classe denominada de classe burguesa/capitalista, uma das entidades coletivas que compõem a sociedade; tal classe se caracteriza por seu papel de detentora dos meios de produção, denominada de classe dominante. Assim, o direito terá uma finalidade necessária e também, de certo, ideológica: a burguesia realizará sua forma de dominação e assim terá o controle e funcionamento da economia de acordo com seus interesses classistas.
Nesse sentido, Marx se satisfez com esta visão da finalidade do direito. Segundo a “Crítica ao Programa de Gotha” (1875), na qual Marx desenvolve especialmente seus pontos de vista sobre o direito na sociedade comunista que será de abundância, o direito futuro distribuirá "a cada um conforme sua necessidade". No entanto, tendo então sobrestado de ser um instrumento de dominação de uma classe sobre outra, talvez não seja mais conveniente designá-lo pelo termo direito pelo seu perecimento (Villey, 2008).
Em “A Questão Judaica” Marx elencou que toda emancipação é redução do mundo humano e suas relações ao próprio homem. A emancipação política é a redução do homem por um lado a membro da sociedade burguesa, a indivíduo egoísta independente, e por outro a cidadão, a pessoa moral.
A constituição do Estado político e a dissolução da sociedade burguesa nos indivíduos independentes, cuja relação é baseada no direito assim como a relação do homem que vivia no estamento e na guilda tinha como base o privilégio. O homem, na qualidade de membro da sociedade burguesa, o homem apolítico necessariamente se apresenta então como o homem natural.
O Estado será a forma através da qual os indivíduos de uma classe dominante farão valer os seus interesses comuns e na qual se resume toda a sociedade civil, valendo prevalecer a ideia: as instituições públicas têm o Estado como intermediário; a lei repousará sobre uma “vontade livre” desligada da sua base concreta e o direito, por sua vez, reduzido à lei. O direito privado exprime as relações de propriedade existentes como o resultado de uma vontade geral, que, para Marx, não passa de mera ilusão jurídica. O próprio jus utendi et abutendi exprime por um lado o fato de a propriedade privada se tornar completamente independente da comunidade e, por outro, a ilusão de que essa propriedade privada repousa sobre a simples vontade privada e livre disposição das coisas.
De acordo com Bauer, o homem deve renunciar ao "privilégio da fé" para poder acolher os direitos humanos universais. Observemos por um momento os assim chamados direitos humanos, mais precisamente os direitos humanos sob sua forma autêntica, ou seja, sob a forma que eles assumem entre seus descobridores, entre os norte-americanos e franceses! Esses direitos humanos são, em parte, direitos políticos, direitos que são exercidos somente em comunhão com outros. O seu conteúdo é constituído pela participação na comunidade, mais precisamente, na comunidade política, no sistema estatal.
A constituição do Estado político e a dissolução da sociedade burguesa nos indivíduos independentes, cuja relação é baseada no direito assim como a relação do homem que vivia no estamento e na guilda tinha como base o privilégio. O homem, na qualidade de membro da sociedade burguesa, o homem apolítico necessariamente se apresenta então como o homem natural. O Estado será a forma através da qual os indivíduos de uma classe dominante farão valer os seus interesses comuns e na qual se resume toda a sociedade civil, valendo prevalecer a ideia: as instituições públicas têm o Estado como intermediário; a lei repousará sobre uma “vontade livre” desligada da sua base concreta e o direito, por sua vez, reduzido à lei. O direito privado exprime as relações de propriedade existentes como o resultado de uma vontade geral, que, para Marx, não passa de mera ilusão jurídica. O próprio jus utendi et abutendi exprime, por um lado, o fato de a propriedade privada se tornar completamente independente da comunidade e, por outro, a ilusão de que essa propriedade privada repousa sobre a simples vontade privada e livre disposição das coisas.
Para Marx, existiu a incompatibilidade entre religião e direitos humanos e, por consequência, o distanciamento do horizonte dos direitos humanos, ligada ao aspecto da liberdade de religião em sua particularidade e exercício de culto, o qual, enquanto privilégio da fé, constituiria um direito humano universal. A questão central, na visão marxista, em que discorrerá sua análise, está na diferenciação entre direitos do homem (droits de 1'homme) e direitos do cidadão (droits du citoy), em que Marx questiona quem é esse homem diferenciado do cidadão? Como resposta, seria o homem enquanto membro da sociedade burguesa.
Marx exemplificou que, se a renda de um terreno seja suprimida pela concorrência, o proprietário desse terreno conserva seu título jurídico sobre esse terreno, bem como seu jus utendi et abutendi. Ele não será considerado “proprietário fundiário” se não possuir, além disso, capitais suficientes para cultivar o seu terreno. A perspectiva marxista irá denominar de ilusão jurídica, para os juristas e os códigos existentes, por se tratar de algo casual, uma vez os indivíduos estabeleceram relações entre si por contrato subscrito conforme um acordo de vontades que será realizado de acordo com a vontade arbitrária e individual dos contratantes com a chancela obrigatória do direito quanto à integração das partes nos moldes de aquisição da propriedade (indivíduos livres -liberdade, igualdade - iguais, propriedade –proprietários).
Na “Sagrada família”, continuou Marx ao tratar dos direitos humanos de forma crítica, elencando que o reconhecimento dos direitos humanos pelo Estado moderno tem o mesmo sentido que o reconhecimento da escravidão pelo Estado antigo. Com efeito, assim como o Estado antigo tinha por fundamento natural a escravidão, o Estado moderno tem como base natural a sociedade burguesa e o homem da sociedade burguesa, isto é, o homem independente, ligado ao homem somente pelo vínculo do interesse particular e da necessidade natural inconsciente, tanto a própria como a alheia. O Estado moderno reconhece esta sua base natural enquanto nos direitos gerais do homem.
O direito privado exprime-se as relações de propriedade existentes como sendo o resultado de uma vontade geral. O próprio jus utendi et abutendi (direito de usar e abusar) exprime, por um lado, o ato de que a propriedade privada se tornou completamente independente da comunidade e, por outro lado, a ilusão de que essa propriedade privada repousa sobre a simples vontade privada, sobre a livre disposição das coisas. Na prática, o abutere (direito de abusar) tem limites econômicos bem determinados para o proprietário privado, se este não quiser ver sua propriedade e, com ela, seu jus abutendi passar para outras mãos; pois afinal de contas, a coisa, considerada unicamente em suas relações com sua vontade, não é absolutamente nada, mas somente no comércio e, independentemente do direito, torna-se uma coisa, uma propriedade real (uma relação, aquilo que os filósofos chamam uma ideia).
Essa ilusão jurídica que reduz o direito à simples vontade leva fatalmente, com o ulterior desenvolvimento das relações de propriedade, a que alguém possa ter um título jurídico de uma coisa, sem possuir realmente esta coisa. (MARX, 2010).
Segundo Mascaro (2016), “essa perspectiva de Marx liberta a compreensão dos direitos humanos da tradição moderna, que entendia serem tais direitos expressão de um justo natural ou então direitos da natureza intrínseca do homem”. Marx salientou que, embora o estado reconheça os direitos humanos e do homem, ele não seria seu criador. Nesse sentido, a problemática enfrentada pelo marxismo em relação aos direitos humanos está relacionada ao problema da liberdade real concreta e não apenas a liberdade e a isonomia formal, forma perante a lei e as declarações de direitos do homem. Sendo assim, o exercício pleno dos direitos humanos só tem resolução na vertente marxista pela práxis revolucionária e não pela mera declaração e proclamação de direitos.
Logo em suas primeiras obras, Marx já expôs a associação indissolúvel entre o direito e a estrutura material do capitalismo. Da mesma forma que o Estado, o direito não nascerá da vontade geral, portanto, não é fundado no contrato social nem numa pretensa paz social ou congêneres, nem de um direito natural eterno e de caráter racional, como preceituava a fórmula contratualista de Jean Jacques Rousseau. Toda a lógica do direito não está ligada às necessidades de bem comum, nem a verdades jurídicas transcendentes. Está ligada sim à própria práxis, à história social e produtiva do homem.
Sendo assim, a propriedade não é vista como um direito natural de todo indivíduo, nem como uma conquista da humanidade em favor do equilíbrio social. A propriedade privada não é um mal em si, mas o uso que dela se faz é suficiente para a desigualdade das classes e a exploração. A propriedade é vista como o ingrediente que diferencia os homens entre si, que causa distorções entre as classes sociais, que assegura a manutenção dos interesses do poder e de alienação do proletariado pela servilização do trabalho; em suma, trata-se de uma forma de exploração. É ela que instaura a diferença entre o possuidor e o despossuído em face dos instrumentos de produção.
Seja qual for o caminho que nos faça regressar ao princípio, sempre chegaremos à mesma conclusão: que o pacto social estabelece entre os cidadãos uma tal igualdade que todos ficam obrigados às mesmas condições e todos devem gozar dos mesmos direitos. E assim, pela natureza do pacto, todo o ato de soberania, isto é, todo o autêntico ato de uma vontade geral obriga ou favorece igualmente todos os cidadãos; de tal modo que o soberano apenas conhece a nação e não distingue ninguém entre aqueles que a compõem. O que é isto senão um ato de soberania? Não é um acordo entre o superior e o inferior, mas um pacto entre o todo e cada um dos seus membros: pacto legítimo, pois tem por base o contrato social; equitativo, por ser comum a todos; útil porque só pode ter como finalidade o bem geral; e sólido, uma vez que tem por garantia a força pública e o poder supremo (ROSSEAU, 2010).
Engels desenvolverá em parceria com Karl Kautsky sua reflexão sobre o direito. Ambos sustentam que a percepção de que relegar o fato apenas ao jurídico não possibilitava eliminar as adversidades criadas pelo modo de produção burguês-capitalista, ou seja, a grande indústria moderna do século XVIII. As primeiras formações partidárias proletárias, assim como seus teóricos, mantiveram de forma estrita no “terreno do direito”, embora edificasse para si horizonte do direito contrário à burguesia.
De um lado, a reivindicação de igualdade foi estendida buscando completar a igualdade jurídica com a igualdade social. De outro, citando Adam Smith, o trabalho é a fonte de toda a riqueza, mas o produto do trabalho dos trabalhadores deve ser dividido com os proprietários de terra e os capitalistas, pois essa divisão não seria justa e deveria ser abolida/modificada em favor dos obreiros. O capitalismo não vincula o trabalhador ao burguês por conta da violência bruta deste contra aquele, mas sim a partir do vínculo entre ambos por intermédio de um contrato de trabalho (Engels, 2010).
Como qualquer burguês e qualquer trabalhador podem contratar a compra e venda do trabalho, o direito é o instrumento fundamental dessa circulação contínua da mercadoria, trabalho e indissolúvel. A relação entre circulação e direito não é apenas fundamental para a circulação dos bens no comércio. A própria lógica da produção é juridicamente mercantilizada, estruturada a partir do trabalho como uma mercadoria qualquer, vendida no mercado.
O salário não se explica em razão do seu valor intrínseco ou da mera deliberação do capitalista. A lógica do trabalho está atrelada a uma dinâmica da sua circulação como valor de troca. As fórmulas que regem o direito das obrigações dar e fazer são para Marx as mesmas para o comércio e para a exploração do trabalho (Mascaro, 2016).
Os direitos constitucionais de primeira geração (liberdade de pensamento e expressão, igualdade, voto). Na obra “18 Brumário” Marx irá destacar que a classe dominante se mobiliza para liquidação não apenas do movimento socialista, mas também das instituições, em razão do paradoxo estabelecido entre o interesse da propriedade privada e do negócio; desse modo, direitos civis, a liberdade de imprensa, a liberdade de reunião, o direito ao sufrágio universal foram sacrificados a esse interesse, para que a burguesia pudesse, sob a proteção de um governo forte e irrestrito, dedicar-se aos seus negócios privados. Ela declarou inequivocamente que estava ansiosa por desobrigar-se do seu próprio domínio político para livrar-se desse modo das dificuldades e dos perigos nele implicados. O Poder Executivo se converte em poder autônomo.
O direito em Marx não assume, como era próprio da filosofia do direito na modernidade, ou seja, característica de ideia ou de conceito que melhor faça justiça à realidade. Não progride pelo melhor aclaramento da consciência do jurista, nem tampouco pela melhor elaboração dos conceitos. Na verdade, evoluiu pela necessidade das relações produtivas de estabelecerem determinadas instâncias que possibilitem o próprio funcionamento do sistema.
Na circulação da produção, na exploração da mais-valia, no lucro, no contrato, enfim, o direito desempenha papel fundamental de estruturação das próprias relações materiais e econômicas do sistema de produção capitalista. O Direito não é nem instrumento para a realização da justiça, nem a emanação da vontade do povo (volkgeist) ou vontade do legislador, mas uma superestrutura ideológica a serviço das classes dominantes.
O direito, segundo Marx, se constitui pelas necessidades históricas de remediar as relações produtivas capitalistas. Por isso, para Marx, toda vez que o capitalismo desenvolvesse novos mecanismos, seria necessário também ao direito formular novos instrumentos jurídicos capazes de regular aquela relação produtiva.
O amplo desenvolvimento do direito na ordem capitalista, no âmbito da qual estabelece, organiza, sedimenta, regula, medeia e estimula uma diversidade de relações sociais imprescindível à existência da sociedade de classes burguesa.
Para Marx, o “Direito é o reflexo das concepções, das necessidades e dos interesses da classe social dominante. O Direito é produzido pelo desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção [...]”.
Não obstante Karl Marx tenha esboçado sobre direito em algumas de suas obras, como se verá adiante, estudiosos divergem quanto ao fato de ele ter ou não formulado uma teoria acerca do direito, o que não pode afastar a leitura deste filósofo quando se pretende pensar o direito criticamente. Em contrapartida, o jurista soviético Evgeni Pachukanis conseguiu estruturar uma teoria marxista desta ciência.
A ordem instaurada pela regra jurídica é causa de manutenção das distorções político-econômicas, onde a base das desigualdades sociais e da exploração do proletariado, em que Estado e Direito estarão conexos para atenderem aos interesses de classe. Durante a instalação da ditadura proletária, ainda que transitória, há Direito.
Após a ditadura do proletariado e o gradativo desmantelamento das estruturas jurídicas e burocráticas, passará a vigorar uma situação comunista, em que o Direito é algo dispensável em face da própria igualdade de todos. Abolida a divisão de classes sociais, o Estado desaparece porque é mera expressão da dominação de uma classe sobre outra (Bittar Almeida, 2015).
Marx, na dialética materialista e histórica, rompe definitivamente com esse passado filosófico moderno. Com seu pensamento, necessariamente toda a filosofia contemporânea deverá dialogar. A filosofia para a transformação se inscreve como máxima imperiosa de nossos tempos. Por isso, numa filosofia do direito que, quando assume ares de crítica, pensa botar em criar algo novo, quando, em verdade, coloca em contradição toda a edificação do passado. Tais momentos superlativos da história da filosofia do direito é entender parte de nosso tempo e é entender melhor os problemas e as transformações necessárias da atualidade.
Na ideia de “cada qual segundo sua capacidade; a cada qual segundo suas necessidades”, a perspectiva marxista parece ter inscrito um ideal de justiça que se insere na relação laboral e nas necessidades humanas, as quais não são eminentemente formais ou individualizadas, mas como resultado da lógica mercantil de acordo com as condições do homem e tendo em vista suas necessidades.
A luta de classes é o vetor móvel da sociedade. A servilização do homem pelo trabalho, acerca do papel existencial do homem, sendo fatores que destacam o marxismo para uma forte crítica social. E isso é analisado na teoria marxista não somente como um fato contemporâneo e passageiro, mas também como uma constante histórica que, por forçosamente presente, haveria de gerar a opressão burguesa em face da fraqueza proletária.
O pensamento marxista encontra seus reflexos na área do Direito, notadamente nos direitos humanos, apesar de não ver neste a saída para a história das iniquidades praticadas do homem sobre homem, de sociedade para sociedade. Sua crítica aos direitos humanos parte da sociedade feudal que havia sido dissolvida em seu fundamento no homem, só que no tipo de homem que realmente constituía esse fundamento (no homem egoísta, membro da sociedade burguesa), passa a ser a base o pressuposto do Estado político, o qual assim o reconhece nos direitos humanos, de forma que reconhecimento dos direitos acaba sendo constituídos pelos elementos espirituais e materiais que constituem seu teor vital, vinculado ao egoísmo da religião, da propriedade privada e do comércio sob um ponto de vista meramente formal das declarações de direitos, e não uma realidade concreta no plano da igualdade material.
É preciso reconhecer que o Direito para Marx estava assentado num aspecto secundário, o que, portanto, não permite dizer que houve por ele o desenvolvimento de uma teoria sobre esta ciência, não obstante tenha mencionado em suas obras a correlação entre o direito e as relações econômicas de produção.
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