Devido processo legal[1] na peça “Henrique VIII”
Ao relatar a história do Rei Henrique VIII, define a vida conturbada do monarca, ressalta seus seis matrimônios e, o rompimento da Inglaterra com a Igreja Católica e a criação da Igreja Anglicana, a Igreja da Inglaterra. O que nos faz refletir sobre a importância do princípio do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa para se obter um julgamento justo e, edificar uma ponte segura que une com segurança o Direito e a Justiça.
As
peças históricas de William Shakespeare narram as desventuras de reis, rainhas
e nobres ingleses e, até o pai da Rainha Virgem, Elizabeth I[2], o Rei Henrique VIII[3], cujo reinado terminou em
1547.
Possivelmente,
foi a derradeira peça teatral que o bardo trabalhou e, supomos que a obra de
1612 foi feita com a colaboração preciosa de John Fletcher[4], que o sucedeu no cargo de
principal ator da sua companhia teatral.
É
sabido que Elizabeth I não deixou herdeiros. Oficialmente, não deixou filhos
nem herdeiros, nem se casou. Ainda no leito de morte informou, quem seria seu
sucessor.
Nunca
se casou apesar de ter tido vários pretendentes e, as razões para isso não são
esclarecidas. Alguns historiadores especulam que Thomas Seymour facilitou-lhe
relações sexuais, ou que ela sabia ser estéril. A rainha considerou vários
pretendentes até os cinquenta anos. Sua última corte foi com o francês
Francisco, Duque de Anjou[5], 22 (vinte e dois) anos
mais novo.
Apesar
de correr o risco de perder o poder como sua irmã, que fazia o que Filipe II
queria, o casamento oferecia a possibilidade de um herdeiro. Entretanto, a
escolha de um marido poderia provocar instabilidade política ou até
insurreições. Ficou evidente no verão de 1559 que Isabel apaixonara-se por
Robert Dudley[6],
seu amigo de infância.
Disse-se
que sua esposa Amy Robsart sofria de uma "doença em um de seus
seios", e que a rainha gostaria de se casar com Dudley se ela morresse.
Vários pretendentes competiram pela mão de Isabel no outono do mesmo ano; seus
impacientes interessados envolveram-se em conversas cada vez mais escandalosas
e relataram que o casamento com seu favorito não era bem visto na Inglaterra: "Não
há homem que não clama com indignação sobre ele e ela… ela não se casará com
ninguém exceto seu favorito Roberto".
Robsart
morreu em setembro de 1560 ao cair de uma escada e, apesar do inquérito legista
concluir por um acidente, muitos suspeitavam que Dudley arranjara a morte da
esposa para poder se casar com Isabel.
A
rainha considerou seriamente por algum tempo se casar com Dudley. Porém,
Guilherme Cecil, Nicolau Throckmorton e outros pariatos conservadores, deixaram
claro sua desaprovação. Houve rumores também que a nobreza iria se revoltar
caso o casamento ocorresse.
Em
1603, Rainha Elizabeth elegeu Jaime I que já era rei da Escócia onde tinha o
título de Jaime VI[7],
da dinastia Stuart. Jaime era filho de Mary Stuart[8], a rainha dos escoceses,
rival e prima de Elizabeth I (que ordenara aprisionar e depois matar sob a
acusação de conspiração).
A
invejável frieza de Jaime I foi assustadora, pois mantivera uma relação cordial
e respeitosa correspondência[9] com a Rainha Virgem,
apesar de ela ter ordenado a decapitação de sua mãe. Com a sucessão de Jaime I
unificaram-se os reinos da Inglaterra e da Escócia, somado ainda o da Irlanda.
É
bastante interessante como dramaturgo trata os reis e nobres. Os soberanos
ingleses eram retratados não como sendo seres perfeitos, apesar de que possam
práticas atos nobres, também possuem repertório de vícios[10].
As
peças históricas[11]
não se destinavam apenas para servir de positiva propaganda da monarquia
subtraindo da plateia a oportunidade de desenvolver o espírito crítico.
Oferecem oportunidades para o debate sobre a luta pelo poder, a humanidade do
soberano, traduzindo as ambições, fraquezas e méritos de protagonistas.
Foi em
uma apresentação da peça intitulada “Henrique VIII” ocorrida em 29 de junho de
1613 que o teatro “O Globo” (The Globe) incendiou e ficou reduzido a
escombros.
Em
verdade, parece um sortilégio que a derradeira peça de Shakespeare seja marcada
por incêndio do teatro que o bardo construiu e onde viveu seu apogeu. Carlos
Alberto Nunes[12],
um prestigiado tradutor de Shakespeare relata que na mesma época, houve outro
incêndio na casa de Ben Johnson que era grande amigo e colaborador do bardo.
O
maior prejuízo do sinistro foi a perda de livros, registros e documentos quando
se organizava a publicação de obras completas do dramaturgo. O que atrasou a
primeira compilação de peças que somente ocorreu em 1623.
A peça
era “The famous History of the Life of King Henry, The Eight” começa com
prólogo narrado pelo ator que se dirige a plateia. In litteris:
“Não venho mais fazer-vos rir, agora são
coisas que apresentam um aspecto sério e grave, tristes, elevadas e patéticas,
repletas de pompa e de aflição; cenas nobres, próprias para levar aos olhos o
pranto, o que agora vamos apresentar. Aqueles que são inclinados à piedade
podem aqui, se bem julgarem deixar rolar uma lágrima, o tema bem merece.
Aqueles que entregam seu dinheiro, não esperando ver alguma coisa, em que
possam acreditar, encontrarão aqui também, a verdade. Aqueles que vêm somente
para assistir a uma ou duas cenas e concordar, depois, que a obra é passável se
quiserem permanecer tranquilos e benevolentes, prometo-lhes que poderão
aproveitar completamente seu xelim (o preço do assento no teatro) em duas
breves horas. Somente aqueles que vêm escutar uma peça alegre e licenciosa um
fragor de escudos, ou ver uma criatura com um longo traje de muitas cores
agaloado de amarelo ficarão decepcionados pois, ficar sabendo amáveis ouvintes
que misturar nossa verdade autêntica com semelhantes exibições de bufões e de
combate, além de só servir para rebaixar nosso próprio espírito e a reputação
que adquirimos e que temos de só representarmos agora que reputamos verdadeiro,
faria que perdêssemos para sempre a simpatia de todo amigo inteligente.
Portanto, pelo amor do céu, vós que sois considerados o primeiro e o mais feliz
auditório da cidade, conserva toda a gravidade que queremos inspirar-vos;
imaginai que estais vendo os próprios personagens de nossa história como se
estivessem vivos; imaginai que os estais vendo poderosos acompanhados de enorme
multidão e pela solicitude de muitos amigos, depois, considerou como num
instante a esta grandeza se juntar repentinamente o infortúnio. E se então
puderdes ficar alegres, eu direi que um homem pode chorar no dia de seu
casamento.”
Com a
abertura a plateia fica enfeitiçada. A peça teatral das várias relações de
Henrique VIII com Catarina de Aragão[13], sua primeira mulher, com
o cardeal Wolsey[14],
uma poderosa influência junto ao rei, mas que acaba por traí-lo, e com Ana Bolena
sua futura esposa e mãe de Elizabeth I.
Nessa
passagem, a Rainha Catarina tenta convencer o rei que os impostos estão muito
altos e, existe uma forte tensão entre a Rainha Catarina e o Cardeal e, ela
recomenda: “Interpretai tudo com caridade, meu douto lorde cardeal”.
O rei
encerra com a decisão de mandar prender e julgar imediatamente o cardeal. E, se
puder encontrar misericórdia na lei, que, a consiga. Caso contrário, que não a
espere a encontrar em nós.
Há o
confronto entre a dureza da lei e a misericórdia, o que foi explorado por
Shakespeare em diversas ocasiões. Conta sobre a condenação de Buckingham[15], cujo único verdadeiro
pecado era o de ser o candidato a herdeiro do trono, no caso de Henrique VIII
morrer.
Apesar
de perdoado por seus acusadores, Buckingham é executado. Suas últimas palavras
foram: “E quando quiserdes contar alguma coisa triste, relatai como pereci! Já
acabei e que Deus me perdoe!”
As
arbitrariedades continuam e o ambicioso Cardeal Wolsey, um animal político tem
diferenças com a Rainha Catarina[16] e insiste com o rei em
que o casamento dele é um sacrilégio[17].
Isso
porque Catarina fora antes, casada por poucos meses com Arthur, falecido irmão
de Henrique VIII. Afora isso, Catarina não dá ao rei um herdeiro varão. O
Cardeal consegue levar Catarina a julgamento, a fim de anular o casamento.
Na
sequência Catarina se sente prejudicado com o julgamento e pede que a sessão
seja suspensa, a fim de que obtenha aconselhamento jurídico. Catarina separa
Direito e Justiça, que de fato são coisas distintas. Enquanto que o Direito
corresponde às normas jurídicas urgentes, a Justiça é algo superior, pois
representa a harmonia da correção do bem, da virtude moral.
A
Justiça é um dos mais relevantes fins do Direito, ao lado da segurança jurídica
e do bem comum. O jurisconsulto romano, afirmou que jus est ars boni et
aequi. O Direito é a arte do bem e do justo.
Jus
est ars boni et aequi, o Direito é a arte do bom e do justo, assim
ensinou o jurisconsulto Celso, cuja a lição é transcrita nas primeiras linhas
do Digesto do Imperador Justiniano (483-565 depois de Cristo). Claramente se vê
que o conceito de Direito não pode ser reduzido apenas a uma técnica.
A
técnica jurídica é necessária, porém, insuficiente para se chegar a resultados
razoáveis e justos. Direito é também Arte. Arte vincula-se sempre a algum tipo
de habilidade para se fazer algo e ao valor que pretende realizar na "obra
de arte". Nenhuma arte é neutra em relação aos valores. Há o compromisso
do Direito com aquilo que é bom e justo, daí conclui-se que o Direito não pode
existir sem Ética.
Nesses
tempos hipermodernos, na dicção de Gilles Lipovetsky não se pode perder a visão
do todo, em função de tantas fragmentações que ameaçam a construção de sentido
para o próprio saber. Saber que clama desafio ao presente século, conforme nos
lembra Edgar Morin, por uma religação dos fragmentados conhecimentos, para que
o próprio conhecimento, em seu todo, faça sentido à humanidade.
Catarina
pede que atente ao Direito e à Justiça. A rainha também reclama que não
encontrará a simpática equidade naquele tribunal.
A
equidade é a concretização da Justiça, temperada pela misericórdia, aplicada ao
caso particular. Por meio da equidade suaviza-se a legalidade reta e estrita,
aproximando-se da Justiça. A equidade é o Direito benigno, moderado, a justiça
natural, a razão humana inclinada à benevolência.
Catarina
denuncia a ausência de um tribunal imparcial e questiona qual acusação que lhe
é feita e pugna por auxílio qualificado. O pedido, no entanto, é negado pelo
Cardeal Wolsey. A Rainha Catarina denuncia a parcialidade de Wosley e diante de
ausência de isenção e Catarina recusa a jurisdição.
Porém, nada evita que o julgamento prossiga Catarina se retira indignada do recinto, o que é uma estratégia de protesto diante de corte de exceção. Verifica-se a completa ausência do devido processo legal[18], Catarina abandona a sessão reforçando a ilegitimidade do julgamento.
Não se
desconhece o conceito do processo correto e justo[19]. Teme-se, sobretudo, que
a Rainha recorra da decisão ao Papa[20], ainda autoridade
superior quando o assunto é casamento. No recurso, seriam desnudadas todas as
nulidades do julgamento[21].
A
verdade explica as paixões do rei. Henrique VIII se enamora de Ana Bolena e,
apesar de alguns escrúpulos, o rei deseja casar-se com a nova eleita e, o
divórcio com Catarina passa a ser imperiosa necessidade. Conveniente é a
conclusão de Hegel, afinal, “nada de grande acontece no mundo sem a paixão”.
(In: Hegel, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia da História. 2ª edição.
Brasília: Editora UnB, 2008).
Julgaram
à revelia Catarina e, depois Henrique VIII rompe com o Vaticano, criando a
Igreja Anglicana. Assim, não havia para quem a antiga Rainha Catarina pudesse
recorrer[22].
Na
peça Henrique VIII casa-se com Ana Bolena em 1533 e, essa concebe Elizabeth I,
a futura rainha da Inglaterra que tanto aplaudiu as obras de Shakespeare.
A
peça, entretanto, não conta que, três anos depois do casamento, Henrique VIII
acusou Ana Bolena de adultério e que ela acabou decapitada. Quando as coisas
não começam bem, é difícil que o desfecho fuja dessa natureza malévola.
Em
1536, três anos após casar-se com o rei Henrique VIII, provavelmente com 35
(trinta e cinco) anos, Ana Bolena acabou decapitada, sob a acusação de
adultério com cinco homens — entre eles, o próprio irmão.
Não é
de estranhar que a vida de Ana, tão cheia de intrigas de alcova, sexo, mortes,
mentira e traição, seja, séculos depois, ainda popular no cinema, na internet e
na literatura. A mais polêmica versão, com doses maiores de sexo e menores de
conspiração, Anne Boleyn: Fatal Attractions (Ana Bolena: Atrações
Fatais) mostra uma visão diferente da rainha.
Em sentido
contrário, alega a maioria dos historiadores contemporâneos que acreditam na
inocência da Rainha Ana Bolena, Georg Bernard, professor da Universidade
Southampton, na Inglaterra, acredita que ela pode ter traído o Rei Henrique
VIII.
E, até
mesmo três vezes, na tentativa desesperada de conseguir um herdeiro varão ao
Rei. Bernard baseou-se, principalmente, num poema de 1536, escrito por Lancelot
de Carles, diplomata francês na Inglaterra. E, um dos trechos, a infidelidade
da dita rainha veio à tona por acaso, numa discussão entre um de suas damas de
companhia, a condessa de Worcester e o irmão, que a acusava de adultério.
O
devido processo legal é proteção do cidadão, constitui garantia fundamental
contida no texto constitucional no artigo 5º, incisos LVI e LV CFRB/1988. O
devido processo legal formal é basicamente o direito de ser processado e
processar de acordo com as normas previamente estabelecidas para tanto. Os
demais princípios processuais são, na realidade, decorrência daquele.
A
garantia do devido processo legal se manifesta no curso de todo processo.
Desdobram-se nas garantias de acesso à justiça, do juiz natural[23], ou pré-constituído
tratamento isonômico dos sujeitos do processo, da plenitude da defesa, da
publicidade de atos processuais e da motivação das decisões judiciais, da
tutela jurisdicional em duração razoável[24].
Segundo
Celso Antônio Bandeira de Mello, in litteris:
Princípio
é, por definição, mandamento nuclear de um sistema verdadeiro alicerce de
disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o
espírito e servindo de critério para a sua exta compreensão e inteligência, exatamente
por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere
a tônica e lhe dá sentido harmônico.
É o
conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes
componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.
A
novidade da teoria de Alexy[25], ao distinguir princípios
e regras, localiza-se no conceito de princípio: uma norma que ordena que algo seja
realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades fáticas e
jurídicas. Constituem “mandados – ou mandamentos – de otimização”.
Este conceito
de princípio foi criticado por Aarnio e Sieckman, pois não seria capaz de
diferenciar regras e princípios. As regras, por outro lado, são normas que
devem ser cumpridas de maneira exata. Isto é, seu cumprimento só pode ser feito
de forma integral.
Quando
há conflito entre regras, existem dois caminhos para se resolver a questão:
pelo menos uma das regras é declarada inválida ou é introduzida uma cláusula de
exceção em uma delas.
Quando
há colisão entre princípios, um dos princípios deve ceder frente ao outro.
Nesse caso, a resolução se dá conforme a dimensão de peso entre os princípios
envolvidos, de acordo com as circunstâncias do caso concreto.
Dworkin[26] chama de princípio aquele
standard que deve ser observado, não por ter em vista uma finalidade econômica,
política, ou social, que se possa considerar favorável, mas porque seja uma
exigência de justiça, ou equidade, ou alguma outra dimensão de moralidade
Os
princípios têm função preponderantemente hermenêutica. Ao aplicar uma
determinada norma, o operador do direito deverá observar se ela está em
consonância com os princípios constitucionais.
Convém
destacar sob a lição de Ada Pellegrini Grinover (1975) que o contraditório não
é aspecto da isonomia, nem constitui a projeção desta. O que os relaciona
intimamente é essa convergência funcional, somada ao fato de que ambos são
importantíssimas premissas democráticas e, portanto, manifestações do zelo do
Estado contemporâneo pelas liberdades públicas. Isonomia e contraditório caminham
politicamente juntos, embora cada qual tenha sua própria individualidade é
contraditório com igualdade.
Aduz
José Rogério Cruz e Tucci (1997) in verbis: “A garantia constitucional
do devido processo legal deve ser uma realidade durante as múltiplas etapas do
processo judicial, de sorte que ninguém seja privado de seus direitos, a nãos
er que no procedimento em que este se materializa se constatem todas as
formalidades e exigências em leis previstas”. Numa moderna concepção, o devido
processo legal também abrange as garantias da efetividade e da celeridade
processual, exigindo mecanismos de redução da duração do processo.
O real
significado do devido processo legal é amplo tanto que não se restringe a um
único conceito. Trata-se de cláusula que se reparte, criando outras novas
garantias[27]
e direitos específicos relacionados às partes e ao próprio processo no âmbito
da relação jurisdicional[28].
É um
super-princípio essencial e característico ao Estado Democrático de Direito, sendo
instrumento para superação de injustiças. Segundo Vicente Greco Filho (2012) é
garantia dupla pois o processo torna-se indispensável para aplicação de
qualquer pena, observada a regra nulla poena sine judicio. E, em segundo
lugar, porque identifica-se com o devido processo legal uma relação processual
que assegure a igualdade das partes, o contraditório e a ampla defesa.
Quanto
ao Cardeal Wolsey, o rei toma ciência de que seu principal conselheiro trama
contra seus interesses (isso porque o cardeal defendia outra candidata, que não
a Ana Bolena, como futura consorte do rei). Henrique VIII ficaria alarmado com
descomunal patrimônio de Wolsey, que era incompatível com sua função levantando
suspeitas de desvio de bens do Estado.
O
resultado é a destituição de Wosley e a expropriação de todos seus bens.
Afinal, é lamentável, existir um homem que dependa do favor dos príncipes.
Durante
a apresentação de Henrique VIII no Globe Theatre em 1613, havia um
canhão cênico usado para efeitos especiais incendiou o telhado de colmo do
teatro e afetou as vigas, destruindo completamente o edifício original do
teatro.
Todas
as desventuras conjugais do Rei Henrique VIII foram transformadas no enredo da
peça teatral por Shakespeare. E, o drama fulcra-se exclusivamente em
acontecimentos históricos. O primeiro divórcio, seu segundo casamento, o
nascimento de Elizabeth I. Daí, o seu título original: All is true, tudo
é verdade.
A peça
reporta o escândalo de modo dialógico. Sem dúvida fascinante para os
contemporâneos do bardo. Relata os conflitos existentes entre o dever o desejo,
entre o amor e a determinação, que teriam transformado numa peça de validade
universal. A grande cena final da peça, é também, uma reverência de Shakespeare
à sua protetora, é o batismo da filha recém-nascida de Henrique VIII, a futura rainha
Elizabeth I.
Na
referida cena do batismo, mandou que fossem disparadas as salvas de canhão, e
uma destas provocou um incêndio do telhado do teatro, que terminou
completamente destruído pelo fogo. Então, o lema do bardo torna-se veraz: o
mundo inteiro é um teatro.
Porém,
Henrique VIII não é protagonista principal desta peça histórica, o herói em
verdade é a roda da fortuna onde Buckingham, Wosley e Catarina experimentam os
dois extremos da sorte, seja por meio da rude Justiça (Wosley como retribuição do
tratamento dispensado a Buckingham) ou da providência (Catarina, apesar de
inocente, tinha que partir para que nascesse Elizabeth). O rei surge, então,
como mera peça do maquinário.
Ocorre
o solene desfile do gigantesco quadro de perversão social na realidade.
Transpira o texto uma ironia cáustica e corrosiva
quanto
mais um sobe na escala social, mais torna a próxima vítima.
A
questão religiosa é apresentada como um trato similar e certa ambiguidade, pois
é, também, controversa e significante para o futuro da Inglaterra.
Apesar
de Shakespeare discretamente omitir a relação entre o divórcio de Catarina e a
Reforma, sua plateia teria pouca dificuldade de fazer uma conexão, no Ato 5,
entre a vitória Protestante de Cranmer e o nascimento de Elizabeth[29].
Essas
duas ações de ascensão fundem-se e dão perspectiva para as lastimáveis quedas
da grandeza que necessariamente contribuíram para uma conclusão feliz e mesmo
miraculosa. A história e o romance
tragicômico cumprem um propósito comum em Henrique VIII.
Henrique
VIII era uma peça muito “grande” no palco do período da Restauração, no século
dezoito, e no século dezenove. Ela proporcionava uma variedade de papéis de
grandeza operática para atores e atrizes principais que consideravam tais peças
como veículos para suas aparições de estrelas. Thomas Betterton, John Philip
Kemble, Sarah Siddons e Charles Kean, entre outros, foram famosos em seus
papéis; ao Cardeal Wolsey e à Rainha Katharine são dadas falas de elevada
paixão e angústia, designadas para excitar à plateia em um grande clamor de
aprovação.
Cada
vez mais amplos teatros encorajaram cenários elaborados em uma dispendiosa
reconstrução histórica a qual Henrique VIII oferecia ampla justificação.
Mais
recentemente, produções grandiosas em um dialeto teatral tradicional abriram
caminho para a encenação em cenários minimalistas, requerendo uma abordagem
muito diferente de uma peça como Henrique VIII.
Um
efeito notável tem sido o de ver a peça como mais ambígua do que era
antigamente percebida, mais intencionada em compreender a impossibilidade de
recuperar a “verdade” histórica em qualquer sentido total, mais inclinada em
questionar e subverter suas próprias premissas nominais de patriotismo e
hierarquia monárquica.
O
texto oferece amplo material para leituras céticas sobre o contexto histórico
da Inglaterra, principalmente no notável personagem instável do próprio Rei
Henrique. Henrique VIII chega como uma crônica de duplicidade histórica e
descontinuidade, no qual o elemento do romance improvável não é mais uma
incongruência, mas uma faceta inescapável da natureza ilusória da própria
história.
Todo
drama histórico serve para valorar a importância do princípio do devido
processo legal. A necessidade de se observar o princípio do contraditório, da
ampla defesa e do acesso à justiça.
Direito
e Justiça são conceitos que se entrelaçam, a tal ponto de serem considerados
uma só coisa pela consciência social. ... Em suma, enquanto a Justiça é um
sistema aberto de valores, em constante mutação, o Direito é um conjunto de
princípios e regras destinado a realizá-la.
A
ligação existente entre direito e justiça é retomada por alguns doutrinadores.
E, Ronald Dworkin refere-se aos direitos jurídicos anteriores a qualquer lei.
Esses direitos vêm de um alvo coletivo da comunidade como um todo e se
expressam na forma de princípios. Princípios seriam normas jurídicas que devem
ser obedecidas por uma exigência de justiça, equidade ou alguma dimensão da
moralidade.
Ainda
estes não se aplicam ao tudo ou nada, tal como as regras, mas têm uma dimensão
de peso que deve ser considerada em um caso concreto. E, a aplicação desses
princípios ocorre, principalmente, nos hard cases, especialmente aqueles
em que a aplicação reta de uma regra jurídica traria um resultado injusto,
contrário a um desses princípios provenientes da sociedade.
Já
Robert Alexy alude também a noção de justiça ligada aos princípios, ao
mencionar que, em casos envolvendo direitos fundamentais, o juiz
deve
ponderar os princípios para trazer a solução, isto é, colocar os direitos na
balança, para se identificar qual tem maior peso diante do caso concreto. O
exemplo mais banal e clássico é o que avalia a liberdade de expressão e outros
direitos tais como o da privacidade, de honra e, etc. Pode alguém proferir
palavras que exponham a vida privada ou ofendam profundamente outra pessoa?
Enfim,
para Alexy, essa ponderação de princípios funciona exatamente como meio de
entrada da justiça na decisão judicial. O juiz, por meio da argumentação, traz
a moral para dentro do direito e, assim, o vai aperfeiçoando com o tempo.
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Notas:
[1]
O uso da expressão “devido processo legal” (due process of the law),
ocorre pela primeira vez em 1354, quando o rei Eduardo III, seguindo a velha
tradição, confirma as leis da terra e, entre elas, a Magna Carta das
Liberdades. O texto de Eduardo III dispõe que “que nenhum homem de qualquer
estado ou condição que ele seja, possa ser posto fora da terra ou da posse, ou
molestado, ou aprisionado, ou deserdado, ou condenado à morte, sem ser antes
levado a responder a um devido processo legal”. Com o tempo, o poder de fazer
leis do país passou do soberano ao Parlamento. E o dever de respeitá-las – que
já atingia o povo – passou cada vez mais a afetar o soberano. Assim, a evolução
do devido processo legal, na Inglaterra, está ligada ao poder do povo de fazer
leis e ao dever de todos de respeitá-las. O Parlamento inglês – representante
dos comuns – é o único Poder na Inglaterra. Foi com o advento do Statute of
Westminster of Liberties of London que o Direito da Terra (legem
terrae) deu lugar ao uso da expressão due process of law.
[2]
Elizabeth I, também chamada de Isabel I, foi conhecida como a Rainha Virgem e
governou a Inglaterra e a Irlanda de 1558 a 1603, quando faleceu. Era filha de
Henrique VIII e Ana Bolena e foi considerada filha ilegítima, devido à anulação
do casamento dos pais e execução de sua mãe, quando Elizabeth tinha apenas dois
anos e meio. Entretanto, com as reviravoltas políticas conseguiu suceder a
Rainha maria e fez um reinado com ajuda de conselheiros, tendo o Barão Burghley
como principal influente. Seu modo de reinar era moderado, mas uma de suas
maiores conquistas foi a ter derrotada a Espanha em uma guerra em 1588. Durante
seu reinado a Inglaterra teve um período de efervescência cultural, sobretudo,
na literatura. O período foi alcunhado de período elizabetano ou isabelino e
teve como destaque autores como o dramaturgo William Shakespeare e Christopher
Marlowe.
[3]
Lembremos que o Rei Henrique VIII protagonizou romances conflituosos e, o
primeiro destes foi com Ana Bolena rompeu com o catolicismo e criou a Igreja
Anglicana, seu governo também foi marcado por intensas batalhas contra a
França. Teve no total seis esposas. E, em sua juventude, era considerado culto
e possuía carismático temperamento. Porém, ao final de sua vida, restou obeso e
debilitado, sendo considerado como extremamente egoísta, ganancioso e inseguro.
[4] John Fletcher (1579-1625) foi dramaturgo inglês do período jacobita. Seguindo William Shakespeare como escritor da King's Men. Estava entre os dramaturgos mais prolíficos e influentes de sua época e, durante sua vida e na restauração inicial, sua fama rivalizava com a de William Shakespeare. Junto também com Ben Johson, foi considerado por seus contemporâneos como um dos dramaturgos mais talentosos e influentes da literatura jacobina. Ele sucedeu a Shakespeare como chefe da King's Men. Ao contrário de Shakespeare, Fletcher não era acionista da empresa. E, tornou-se um dos oito homens que estava sempre sob contrato para inúmeros teatros na capital britânica, um privilégio que compartilhou com Thomas Heywood, Thomas Dekker, Philipp Massinger, James Shirley, William Rowley e Richard Brome e mesmo o bardo. Foi importante figura de transição entre a tradição popular elizabetana e o drama popular da restauração.
[5]
Francisco, Duque de Anjou. Isabel o chamava de "sapo" e achava que
não era "tão deformado" quanto foi levada a esperar. Hércules Francisco de Valois, Duque
de Anjou (em francês: Hercule François de Valois, duc d'Anjou;
Fontainebleau, 18 de março de 1555 – Château-Thierry, 10 de junho de 1584), foi
um filho da França, oitava criança e o filho mais novo do rei Henrique II de
França e de Catarina de Médici.
[6]
Robert Dudley, KG, OSM, PC (24 de junho de 1532 - 4 de setembro de 1588[1]) foi
conde de Leicester. Filho de John Dudley, conde de Warwick e duque de
Northumberland e sua esposa, Jane Guilford. Ficou conhecido por ser o favorito
da rainha Isabel I no seu primeiro ano de reinado. Em 1550, casou-se com Amy
Robsart, herdeira de Sir John Robsart, estando o próprio rei da Inglaterra e
sua meia-irmã, Isabel, futura rainha presentes. Amy morreu provavelmente de um
câncer e cerca de dez anos depois e casando ele novamente em 1578, com Lettice
Devereaux, condessa de Essex, viúva e prima da rainha. Robert teve um filho
ilegítimo com uma mulher chamada Lady Sheffield, tendo sido um bom pai para a
criança.
[7]
Jaime VI e I (1566-1625) foi Rei da Escócia como Jaime VI e Rei da Inglaterra e
Irlanda pela União das Coroas como Jaime I. Reino na Escócia desde 1567 e na
Inglaterra a partir de 1603 até sua morte. Os dois reinos eram Estados
soberanos individuais, cada um com seu próprio parlamento, sistema judiciário e
leis, governados por Jaime em união pessoal. Sucedeu ao trono escocês, com
apenas treze meses, logo depois de sua mãe, Mary da Escócia ter sido forçada a
abdicar em seu favor. E, então, quatro regentes governaram o país durante toda
sua menoridade, que se encerrou oficialmente em 1578, apesar de ele apenas ter
assumido total controle de seu governo em 1583. Em 1603, sucedeu a Elizabeth I ou
Isabel I da Inglaterra como monarca da Inglaterra e Irlanda, reinando nos três
países por mais de vinte e dois anos até sua morte, em 1625, aos cinquenta e
oito anos, no período conhecido como era jacobita, em sua homenagem. Após a
União das Coroas, passou a viver na Inglaterra, voltando para a Escócia apenas
em 1617 e se intitulando Rei da Grã-Bretanha e Irlanda. Foi grande defensor de
um parlamento único para a Inglaterra e Escócia. Durante seu reinado, começaram
o Plantation de Ulster e a colonização britânica da América. Seu reinado na
Escócia foi o mais longo da história e realizou a maioria de seus objetivos,
porém, enfrentou grandes dificuldades na Inglaterra, incluindo a conspiração da
pólvora e vários conflitos com o parlamento inglês. A Era de Ouro da literatura
do Período Elizabetano continuou sob a regência de Jaime, onde existiram
escritores como Shakespeare, John Donne, Ben Jonson e Francis Bacon
contribuíram muito para florescente cultura literária. O próprio Rei Jaime I
era um talentoso acadêmico, tendo escrito obras como Daemologie, The True
Law of Free Monarchies e Basilikon Doron. Patrocinou a tradução da
Bíblia nomeada em sua homenagem como a Bíblia do Rei Jaime. Segundo Anthony
Weldon Jaime era o "o tolo mais sábio da cristandade" um epíteto que
desde então foi associada ao monarca. Porém, desde o século XX, os
historiadores revisaram a reputação de Jaime e o trataram como rei sério e
ponderado.
[8] Maria da Escócia, (1542-1587) também conhecida como Mary Stuart ou Mary I, foi a Rainha da Escócia de 14 de dezembro de 1542 até sua abdicação em 24 julho de 1567. Também foi a Rainha Consorte da França como esposa do Rei Francisco II de 10 de junho de 1559 a 05 de dezembro de 1560. Era única descendente legítima sobrevivente do Rei Jaime V da Escócia, tendo apenas seis dias de idade quando seu pai morreu. Ela passou maior parte de sua infância em França enquanto a Escócia era governada por regentes. Casou-se em 1558 com Francisco, Delfim da França que ascendeu ao trono em 1569. Todavia, Francisco morre ao final do ano seguinte. Maria voltara então para Escócia, viúva, chegando em 1561. Casou-se, novamente, quatro anos mais tarde com seu primo Henrique Stuart, Lorde Damley, porém a união era infeliz. A sua residência foi destruída em fevereiro de 1567 numa explosão, quando Henrique fora encontrado morto no jardim. Acreditou-se que Jaime Hepburn, o quarto conde de Bothwell havia orquestrado a morte de Henrique, porém, foi absolvido das acusações em abril de 1567 e casou-se com Mary no mês seguinte. Após um levante contra o casal, foi aprisionada no Castelo de Lochleven, sendo forçada abdicar em 24 de julho em favor de seu filho com Henrique, Jaime, até então, com apenas um ano de idade. Anteriormente havia reivindicado o trono de Elizabeth I para si mesma, e foi considerada como legítima soberana da Inglaterra por católicos ingleses, incluindo os participantes da rebelião conhecida como a Rebelião do Norte. Vendo-a como uma ameaça constante. Elizabeth I a aprisionou em diversos castelos e, depois de dezoito anos e meio, foi condenada por tramar o assassinato da Rainha Virgem, sendo decapitada em 1587 aos quarenta e quatro anos de idade.
[9]
Houve a comunicação entre Jaime VI, rei da Escócia e administradores de Isabel
I de Inglaterra entre maio de 1601 e a morte da rainha em março de 1603. Nesse
período, ficou decidido que Jaime sucederia a Elizabeth I, mas esse resultado
foi mantido em segredo em uma pequena comunidade diplomática. Em Londres
encontrou-se um valioso acervo, contendo 43 cartas escritas pela rainha
Elizabeth I da Inglaterra, pelo seu principal ministro, Lorde Burghley, e pelo
seu secretário de Estado, Sir Francis Walsingham, acaba de ser doado pelo
empresário americano Mark Pigott à British Library. Pigott, cuja companhia,
Paccar, doou cerca 1,35 milhões de dólares para a British Library em
2008, já tinha emprestado as mesmas cartas à biblioteca depois de compra-las em
um leilão por cerca de 400 mil dólares. As missivas são endereçadas a Sir Ralph
Sadler, guardião das chaves do Castelo de Tutbury (Staffordshire), que,
por alguns anos, serviu como prisão para a rainha deposta da Escócia, Mary
Stuart. Elas cobrem o período que vai de 1584 e 1585, apenas dois anos antes de
Mary ter sido executada por traição, em 8 de fevereiro de 1587, aos 44 anos.
[10]
Jaime I era absolutista convicto, perfilou-se mesmo como um teórico no direito
divino da realeza. Esta posição constrangeu o Parlamento, que teve dificuldades
em adaptar-se a essa situação. Por outro lado, Jaime I apoiar-se-á no Anglicanismo,
pois este ainda lhe reforça mais os poderes, ao conferir ao soberano a chefia
da Igreja de Inglaterra. Os católicos não se sentiram agradados, mesmo porque
Jaime tentou que a Inglaterra tivesse uma só religião, o que deu origem à
conspiração de Poudres (novembro de 1605) por parte destes. Por seu turno,
também, os puritanos ingleses lhe moveram oposição. Todavia, alguns destes - os
Pilgrim Fathers - preferiram emigrar para a América, em 1620, a bordo do Mayflower.
Paralelamente a esta polémica religiosa, o Parlamento crispou-se cada vez mais
com a prática política tipicamente absolutista do monarca e seus sequazes.
Estes, nomeadamente Robert Carr e George Villiers, duque de Buckingham,
confiscaram o poder. Contudo, Jaime ia-se tornando progressivamente mais
impopular.
[11]
Entre as peças de Shakespeare mais famosas e aclamadas pela crítica estão Romeu
e Julieta, Rei Lear, Macbeth, Sonho de uma Noite de Verão, A Megera Domada,
Hamlet, Júlio César, Otelo, A Tempestade, Noite de Reis, A Comédia dos Erros, O
Mercador de Veneza e Ricardo III. Shakespeare inspirou suas peças em várias
fontes, mas a maioria das peças históricas foi baseada nos Chronicles,
de Raphael Holinshed. Os trabalhos de Holinshed, publicados em 1577 e 1587,
foram referências-chave para o bardo e seus contemporâneos, incluindo-se
Christopher Marlowe. Compartilham uma série de coisas em comum. E, se passaram
em tempos da história medieval da Inglaterra e, dramatizaram a Guerra dos Cem
anos com a França, dando-nos a Henry Tetralogy, Richard II, Richard III
e King John muitos dos quais apresentam os mesmos personagens em
diferentes idades. São 10 peças elencadas, a saber: Henrique IV, Henrique VIII,
Rei John, Richard II e Richard III.
[12]
Carlos Alberto da Costa Nunes (1897-1990) foi um médico, literato, poeta e
tradutor brasileiro. Traduziu o teatro completo de Shakespeare, a Eneida de
Virgílio, a Ilíada e a Odisseia de Homero e todos os diálogos de Platão. Era
tio do filósofo Benedito Nunes, que coordenou a edição de suas traduções dos
diálogos platônicos. Vide em: Romeu e Julieta. Traduzido por Carlos Alberto
Nunes. São Paulo: Editora Peixoto Neto, 2017.
[13]
O início da polêmica com o catolicismo veio em seu primeiro casamento com a
espanhola Catarina de Aragão. O rei inglês queria um menino para ser o seu
sucessor ao trono, entretanto, sua primeira esposa deu à luz uma menina cujo
nome era Mary. Isso levou o rei inglês a procurar uma nova esposa para casar-se
novamente e conseguir seu objetivo que era um herdeiro. Todavia, para que
Henrique pudesse divorciar-se, ele teria que obter a autorização do papa
Clemente VII. Este momento ficou conhecido por “Questão real”. O principal
motivo, dizem os historiadores, para o papa não ter permitido o divórcio do rei
foi o fato de Catarina ser tia do Imperador Carlos V, que apoiava a Igreja no
combate aos luteranos. Mesmo não obtendo a permissão do papa, Henrique VIII tomou
uma iniciativa e, em 1534, o parlamento proclamou o ato de supremacia em que o
rei inglês criou sob seu poder a religião anglicana. Feito isso, Henrique VIII conseguiu o
divórcio e casou-se com Ana Bolena, com a qual esperava ter o herdeiro. Porém,
ela, assim como a primeira esposa, deu-lhe uma filha que teve por nome
Elizabeth. Como não havia conseguido ainda ter um menino, Henrique VIII, na
busca pelo seu objetivo, acusou Ana de adultério e ela acabou sendo morta por
essa acusação, dando oportunidade a Henrique de casar-se novamente. Desse modo,
o rei casou-se com Jane Seymour, que mesmo morrendo após o parto, gerou Edward
I, o tão esperado filho e sucessor ao trono.
[14]
Em 1514, um curioso caso legal de um tal de Richard Hume levou ao que
constituiria o primeiro erro de Wolsey com o rei. Richard Hume era um
comerciante de Londres, que havia perdido seu filho recém-nascido. Quando ele
foi com um padre ao enterro de seu filho, o padre pediu o pagamento das taxas
mortuárias e roupas de batismo da criança morta. Indignado, Hume recusou-se a
pagar. O padre então, processou Hume no tribunal eclesiástico, e ele rebateu
acusando o sacerdote de Praemunire no Tribunal do Banco do Rei. Embora esses
processos estivessem em andamento, Hume foi preso ao ser pego abrigando um
herege, e logo após, foi encontrado enforcado em sua cela. Um júri legista foi
chamado, e decidiu que ele havia sido assassinado. O Chanceler do bispo foi
acusado do crime. O Ato de criminosos do clero, que afirmava que crimes do
clero deviam ser julgados no Tribunal do Rei, ao invés de tribunais da igreja,
havia expirado quando o Parlamento se reuniu em 1515. A Convocação da Igreja
emitiu uma declaração dizendo: “O clero não deve ser julgado no tribunal do
rei.” A Câmara dos Comuns então apelou para o rei e teve uma conferência com
ele em Blackfriars. Um Doutor em teologia chamado Henry Standish, argumentou o
caso contra o abade. A Igreja, em retaliação, acusou Standish de heresia, o
forçando a apelar para o rei. Os juízes de direito comum em Blackfriars
inocentaram Standish e foram contra a convocação, alegando crime clérigo. Na
reunião do Parlamento, com o rei presente, Wolsey pediu desculpas para o clero,
ficando de joelhos e pedindo que o caso fosse enviado a Roma. Henrique VIII
recusou, afirmando que ninguém tinha o direito de governar sobre a sua decisão,
apenas o próprio Deus.
[15] Buckingham era um dos poucos pares com sangue plantageneta substancial e mantinha numerosas conexões, muitas vezes entre sua grande família, com o resto da alta aristocracia, atividades que atraíram a suspeita de Henrique. Durante 1520, Buckingham tornou-se suspeito de ações potencialmente traidoras e Henry autorizou uma investigação. O rei pessoalmente examinou as testemunhas contra ele, reunindo evidências suficientes para um julgamento. O duque foi finalmente chamado ao tribunal em abril de 1521 e preso e colocado na Torre. Ele foi julgado perante um painel de 17 pares, sendo acusado de ouvir profecias sobre a morte do rei e de ter a intenção de matá-lo. Buckingham foi executado em Tower Hill em 17 de maio. Buckingham foi alcançado postumamente pelo Ato do Parlamento em 31 de julho de 1523, deserdando a maior parte de sua riqueza de seus filhos. Alguns concluem que esta foi uma das poucas execuções de grandes personagens sob Henrique VIII em que o acusado era "quase certamente culpado". No entanto, Sir Thomas More reclamou que a evidência principal foi boato de empregados que, como plebeus, foram ameaçados e torturados para extrair falsas confissões.
[16]
Catarina de Aragão (1485-1536) foi Princesa de Espanha e a primeira rainha
consorte de Henrique VIII de Inglaterra, sendo mãe da Rainha Mary I. Conversava
tanto em seu espanhol nativo, quanto em latim, grego, francês, e mais tarde,
inglês. Durante seu reinado, seu tempo foi majoritariamente empenhado em obras
de caridade, o que lhe conferiu o amor do povo inglês. Era filha de Isabel I de
Castela e Fernando II de Aragão. Com apenas três anos, Catarina ficou noiva de
Arthur, Príncipe de Gales, herdeiro aparente do trono inglês. Casaram-se em
1501, mas Arthur morreu cinco meses depois. Ocupou o cargo de embaixadora da
Coroa Aragonesa na Inglaterra em 1507, a primeira embaixadora da história da
Europa. Posteriormente, casou-se com o irmão mais novo de Arthur, o Henrique
VIII, em 1509. Por seis meses de 1513, serviu como regente da Inglaterra
enquanto Henrique VIII estava em França. Durante esse período, os ingleses
venceram a Batalha de Flodden, um evento em que Catarina desempenhou um papel
importante com um discurso emocionado sobre a coragem inglesa. A sua união com
Henrique não resultou em um herdeiro masculino para o trono, que então entrou
com pedido de anulação de casamento, alegando que ela teria se consumado o
anterior, com seu irmão mais velho, falecido pouco depois de desposar Catarina.
Uma série de eventos seguiu esse pedido, levando ao rompimento da coroa inglesa
com a Igreja Católica Romana após o papa negá-lo. Assim, o rei Henrique VIII,
assumiu a supremacia religiosa no país, todavia, nunca aceitou a decisão e, continuou
considerando-se sua legítima esposa e Rainha da Inglaterra.
[17]
No âmbito religioso, o sacrilégio é considerado um pecado grave, pois fere
diretamente a fé e a doutrina dos seguidores de determinada crença. Um exemplo
de sacrilégio é o uso de símbolos ou imagens de caráter religioso para fins
comerciais, sexuais ou para ironizar, criticar a religião em questão. Que é um
sacrilégio? – “É a violação ou profanação de pessoas ou coisas consagradas a
Deus” (Dom Estêvão Bettencourt. Curso de Teologia Moral. Rio de Janeiro: Mater
Ecclesiae, 1986, p. 76). Existem, portanto, três tipos de sacrilégios: 1) o
pessoal, atinge a quem ataca com violência física Papa, Bispos, Sacerdotes,
Diáconos e Consagrados(as), pois vivem, em todo o seu ser, para o serviço de
Deus; 2) o local, abrange quem invade igrejas, cemitérios, oratórios que tenham
sido consagrados (quem invadiu a igreja para furtar o sacrário e a âmbula se
inclui aqui); 3) o real, envolve quem profana objetos sagrados que servem ao
culto divino ou à edificação espiritual do Povo de Deus. O mais grave desses
sacrilégios é a profanação da Santíssima Eucaristia (também quem invadiu a
igreja cometeu esse ato pecaminoso).
[18]
Em 1607, dissidentes protestantes ingleses, em fuga, chegaram às terras
americanas da Virgínia e levaram com eles os fundamentos da common law,
constando entre eles o princípio do devido processo legal. Por conta da
proeminência do princípio do devido processo legal, as colônias britânicas na
América incorporaram-no aos seus sistemas jurídicos, inserindo-o em diversas
declarações de direito e cartas coloniais. Sua utilização deu-se como
instrumento de resistência do indivíduo contra o arbítrio dos governantes.
[19]
O processo é um instrumento para o exercício da jurisdição, podendo ser
definido como o procedimento que, observando os mandamentos constitucionais,
permite que o juiz exerça sua função jurisdicional. (MARINONI, 2008, p.55).
Assim, é através da ação que se acessa o judiciário, que se manifesta pela
jurisdição. Com a promulgação da Constituição brasileira de 1988 houve a
constitucionalização do direito infraconstitucional. E, assim, alterou-se
radicalmente a exegese da norma jurídica, a lei passou a ser subordinada à
Constituição, perdendo, dessa forma, sua posição central como fonte do direito
(CAMBI, 2007, p.23). Carlos Álvaro de Oliveira aduz (2003, p.251): “A dimensão
conquistada pelo direito constitucional em relação a todos os ramos do direito
e na própria hermenêutica jurídica mostra-se particularmente intensa no que diz
respeito ao processo”.
[20]
O Papa Clemente VII foi 219º papa da história da Igreja Católica. Seu nome era
Giulio di Giuliano de Medici era um filho bastardo de Giuliano de Medici, que
foi assassinado em conspiração contra sua família. Era, no entanto, proveniente
de uma família representativa na sociedade da época, seu tio era Lourenço de Medici,
famoso estadista italiano durante o Renascimento e, primo do Papa Leão X. Seu
pai e seu avô também eram muitos influentes como governantes de Florença.
Giuliano de Medici chegou a governar a região também entre 1519 a 1523, e, após
ingressar na vida religiosa, foi cardeal e arcebispo na mesma localidade por
designação de seu primo que era papa. Quando o Papa Leão X faleceu, Giulio foi
decisivo na escolha do Papa Adriano VI. Foi com o falecimento deste Giuliano de
Medici foi eleito papa no dia 19 de novembro de 1523, adotando o nome de
Clemente VII. O Papa Clemente VII permaneceu 11 anos à frente da Igreja
Católica e faleceu no dia 25 de setembro de 1534, aos 56 anos de idade, após
ingerir uma refeição à base de um tipo de cogumelo altamente tóxico. Tudo
indica que tenha sido envenenamento. Foi sucedido pelo Papa Paulo III.
[21]
As onze principais nulidades do processo penal brasileiro são: 1. nulidade por
inépcia da denúncia que deve descrever de forma precisa e detalhada a imputação
que faz ao réu conforme o artigo 41 do CPP; 2. nulidade por ausência de citação
válida. Há diversas situações em que ocorre nulidade por ausência de citação
válida, especialmente, em caso de não comparecimento do réu, conforme dispõe o
artigo 570 CPP. Também há nulidade processual, se o réu não é citado, nem
comparece pessoalmente, ainda que tenha constituído advogado antes do
oferecimento da denúncia. 3. Nulidade por ausência de fundamentação da decisão
judicial. A base dessa causa de nulidade é o artigo 93. IX CFRB/1988. 4. Nulidade
porque o Juiz deixou de falar sobre o direito ao silêncio do réu; 5. Nulidade
por ausência de intimação pessoal da Defensoria Pública ou do defensor dativo
sobre os atos do processo; 6. A ausência de intimação da defesa sobre a
expedição de precatória para a oitiva de testemunha; 7. Nulidade por violação
do artigo 212 CPP. Essa nulidade refere-se quando há inquirição de testemunhas
pelo juiz antes que seja oportunizada às partes, a formulação de perguntas ou
quesitos com a inversão da ordem prevista no artigo 212 CPP. Da mesma forma
ocorre nulidade, quando as perguntas feitas pelo Juiz realizadas ao final da
inquirição, não se restringe a complementar os fatos narrados anteriormente. 8.
Nulidade de provas obtidas por meio de extração de dados e de conversas
privadas e registradas em correio eletrônico e redes sociais (tais como whatsApp
e Facebook), sem a prévia autorização judicial. 9. Nulidade em
decorrência de incompetência do juízo 10. Nulidade por apresentação de
documento ou objeto estranho aos autos na sessão plenária do Júri; 11. Nulidade
por excesso de linguagem na decisão de pronúncia. Deve-se utilizar-se de
linguagem sóbria sem explicitações de juízos de certeza, conforme o artigo 413,
§ 1º CPP, sob pena de nulidade da decisão de pronúncia. Há, porém, precedente
do STJ em que não foi declarada a nulidade da decisão de pronúncia com excesso
de linguagem, mas apenas determinado que fosse riscado o trecho em que houve
tal excesso (Vide STJ, 325076/RJ). In: Canal Ciências Criminais. As 11
principais nulidades do Processo Penal. Disponível em: https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/modelos-pecas/404395434/as-11-principais-nulidades-do-processo-penal
Acesso em 18.12.2021).
[22]
Em 1531, um tribunal eclesiástico declarou Henrique o chefe supremo da Igreja
na Inglaterra, o que efetivamente acabava com a autoridade papal não apenas na
questão da validade do casamento, mas em todas as outras questões religiosas do
país. Em julho desse mesmo ano, Catarina foi expulsa da corte, e seus antigos
aposentos foram dados para Ana. Quando o Arcebispo da Cantuária William Warham
morreu, sua posição foi entregue a Tomás Cranmer, capelão da família Bolena.
Catarina passou a viver praticamente isolada em Ludlow, e foi afastada de sua
filha Maria, a quem nunca mais voltou a ver. Henrique casou-se secretamente com
Ana Bolena. Acredita-se que Ana, cuja irmã Maria havia sido amante de Henrique,
teria se recusado a deitar-se com ele antes do casamento. Tomás Cranmer efetuou
a anulação em maio de 1533; cinco dias depois, o casamento dele com Ana foi
considerado válido. Em março de 1534, o papa negou o pedido de anulação, mas a
decisão foi ignorada por Henrique, que não mais o reconhecia.
[23]
O princípio do Juiz natural assume dois aspectos: a) juiz natural é o juiz
previsto na Constituição e nas Leis para o processo e julgamento de determinado
crime (art. 5º, inciso LIII, da CF); b) está proibida a criação de juízo ou
tribunal de exceção (art. 5º, inciso XXXVII, da CF). Juízo de exceção seria
aquele criado depois do fato especificamente para julgá-lo. A alteração do juiz
natural depois do cometimento do crime, desde que seja por previsão legal, não
casuística, tem sido admitida pela jurisprudência, porém, se o crime já havia
sido julgado e ocorrer mudança de competência em razão da matéria, o recurso
será apreciado pelo novo Tribunal competente (ADA Pellegrini e STF no que
concerne aos recursos que não reapreciam matéria fático-probatória).
[24]
A garantia da razoável duração do processo é um princípio constitucional,
elevado à categoria de direito fundamental do cidadão, de conceituação jurídica
ampla, indeterminada e aberta, ante a subjetividade que o instituto carrega no
seu bojo, já que envolve tempo. O processo, em si, por ser um conjunto de
sucessão de atos que documentam a atividade jurisdicional, é de fácil
identificação, a ser acobertado pela garantia constitucional, até porque a
palavra está empregada no sentido geral. O difícil mesmo é delimitar o tempo,
mesmo sendo medida de duração de algo que pode ser observado, por envolver,
para o homem, a concepção de passado, presente e futuro. A garantia da razoável
duração do processo não tem gênese no direito brasileiro. Ela tem sido assegurada,
expressa ou implicitamente, de há muito tempo, em várias Constituições, dentre
elas: as mexicanas; italiana; norte-americana; portuguesa; espanhola; bem como
em variados documentos internacionais como: a Declaração dos Direitos dos
Humanos de 1948; a Convenção Europeia pela Salvaguarda dos Direitos do Homem e
das Liberdades Fundamentais; a Convenção Americana sobre Direitos Humanos; a
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, dentre outras.
[25]
Robert Alexy era considerado por seu discípulo Lorenzo Zucca como o “profeta do
sopesamento” estruturado, o que reverberou por outros discípulos como Klatt e
Meister. Dando continuidade e saindo da dimensão primariamente teórica da
própria compreensão da função e estrutura dos princípios e das regras, considerarei
as respostas ao que Virgílio Afonso da Silva chamou de críticas esparsas, o
que, em verdade, são concentradas na inserção do debate em torno da teoria dos
princípios, da proporcionalidade, do sopesamento e de temas afins na doutrina e
na prática brasileira. É fato que a aplicação de princípios nem sempre exigir
um sopesamento não altera em nada o fato de que a aplicação de princípios pode
exigir um sopesamento.
[26]
Há uma afinidade entre a "melhor resposta" de Dworkin e a otimização
de Alexy. Afinal, otimizar significa buscar a única decisão correta. O que tem
certa afinidade com o modelo normativo de otimização de Alexy (um campo ótimo
de decisões corretas). Assim, embora entenda que os dois modelos são
fantasiosos, não considerando a complexidade social e a precariedade da razão
jurídico, não se pode confundir as duas concepções. Pois o conceito de Alexy é
contrafactual e, aponta para um dever-ser ideal.
[27]
Aury Lopes Jr., registra, de maneira pontualíssima, leciona que o "direito
de silêncio é apenas uma manifestação de uma garantia muito maior, esculpida no
princípio nemo tenetur se detegere, segundo a qual o sujeito passivo não
pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma
atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando
interrogado".
[28]
A Emenda Constitucional n.º 45, promulgada em 2004, teve como uma de suas
finalidades combater amorosidade na entrega da prestação jurisdicional, razão
pela qual inseriu o inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição da República,
dispondo que: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação”. Constata-se que o direito à razoável duração do processo já
existia anteriormente à Emenda Constitucional n. 45/2004. O dispositivo
constitucional, inserto pela Emenda, evidenciou o direito já existente,
dando-lhe comando próprio e autônomo.