Descalabro eleitoral
Os discursos em época de eleições discrepam da realidade e “vendem” uma realidade falsa, como a de culpar as vítimas de sua própria sorte.
Em plena campanha eleitoral
para deputado federal, encontra-se o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo
Salles, aquele que defendeu "passar a boiada" e que ignorou os crimes
recorrentes no Vale do Javari. Recentemente, subiu ao palco da conferência no
então declarado maior evento político conservador do país, sob a sigla de CPAC,
Conservative Political Action Conference e foi ovacionado e conclamado
para ser candidato ao Senado.
Em seu discurso, afirmou que o
país começou a enfrentar a pauta esquerdista ou mimimi desde a eleição
do atual Presidente da República E, afirmou que a eleição desse ano é de
fundamental importância para a consolidação do projeto. Enfim, frisou que a
mudança visou dar atenção à população e, não somente à flora e fauna.
Afirmou, ainda, que deixar as
pessoas em segundo lugar representa um incentivo à ilegalidade e que se deve criar
a prosperidade econômica. E, fez um link entre miséria e falta de
cuidado com meio ambiente. Durante sua gestão na pasta ministerial a Amazônia
conheceu franco desmatamento e desproteção dos povos originários, além de serem
constantes alvos de grileiros, narcoempresários e garimpeiros.
Depois de confirmadas as
mortes do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, o candidato
ex-ministro sequer dedicou algum tempo para debater sobre o caso, apesar de que
a turma do Vale do Javari ter sida abandonada à miséria. Relembre-se que nas
cidades do referido território sequer possuem saneamento básico, há falta de
acesso à saúde e precários recursos para efetivar a cidadania.
Quando discursou Salles
ignorava a confissão de um dos suspeitos já presos, no homicídio da dupla de
desaparecidos. O território indígena do Vale do Javari tem 8,5 milhões de
hectares, o que corresponde, a cinquenta e seis vezes o município de São Paulo,
onde vive o maior número de indígenas isolados do mundo, porém o esforço do
Estado brasileiro para mantê-los preservados se deteriora cada vez mais.
Dos vinte e seis servidores da
FUNAI que atuavam na região em 2010, só restaram três. Logo em 2019, primeiro ano
da atual gestão, os funcionários da FUNAI denunciaram oito ataques à bala. E,
destes chegou a matar outro indigenista Maxciel Pereira dos Santos que na época
chefiava o Serviço de Gestão Ambiental e Territorial do Vale do Javari. Muitos
servidores locais lamentaram que as investigações policiais jamais avançaram e
o crime não ficou
esclarecido. O êxodo
expressivo de servidores foi uma das causas que mobilizou o indigenista Bruno
Pereira, sendo um colaborador licenciado e, o que gerou conflito com alguns
colegas que fugiram da área em face dos riscos que corriam.
Conhecidos narram quando Bruno
foi chefe local, vetou remoção de funcionários a FUNAI que então pediram a
exoneração por conta disso. E, ainda informava que a direção da Funai não
reporia aos quadros de carreira, o capital humano, o que realmente se
materializou.
Em 2021, devido a muito
esforço de Bruno e seus colegas, a Funai abrira processo seletivo para
contratar colaboradores temporários durante a pandemia, quando se abriu oportunidade
para os indígenas locais. E, assim, hoje
há cerca de noventa e cinco colaboradores indígenas locais e que permanecerão
até o fim de novembro. Após, esse prazo não se sabe o que acontecerá.
infelizmente,
até hoje a legislação vigente não conferiu poder de polícia, nem direito a
porte de arma aos servidores da FUNAI, e Bruno Pereira fazia por iniciativa
própria uma articulação com o Ministério Público Federal e com as forças de
segurança a fim de garantir alguma proteção à equipe. Recentemente, o primeiro
suspeito pelo desaparecimento,
já confessou o homicídio. E,
tal suspeito já estava em monitoramento pela equipe do Vale do Javari, tendo
até feito expressas ameaças a Bruno. Há relatos que os servidores da FUNAI
elaboraram um minucioso dossiê para entregar ao MPF, acusando Pelado de pesca ilegal,
já que não podiam detê-lo. “Pelado” é morador da cidade de São Gabriel, uma das
quatro comunidades no entorno da terra indígena. As outras duas São Rafael e
Ladário, onde também moram invasores e há a prática criminosa financiada pelo
narcotráfico transnacional.
É bom que se relate que o Vale
do Javari é área selvagem e geograficamente isolada e, as operações da Polícia Federal
contra os crimes ambientais bem como em toda Amazônia Legal têm mandados de
buscas em todos os Estados brasileiros, principalmente nas investigações
policiais ocorridas de 2016 a 2021.
O superior hierárquico da FUNAI,
o ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, viajou para os
Estados Unidos com Bolsonaro, e não reservou espaço em sua agenda pública ao
desaparecimento nem antes nem depois. Em rede social, ele declarou que tratou
do caso com sua homóloga britânica, que cobrou informações sobre seu
conterrâneo.
Nos compromissos públicos do
atual presidente da Funai, Marcelo Xavier, tampouco houve espaço para o sumiço
da dupla, abordado apenas em entrevistas.
Ao programa “Voz do Brasil”,
da EBC (a estatal Empresa Brasil de Comunicação), ele sugeriu que os dois
estavam na região sem autorização.
“Muito complicado quando duas
pessoas resolvem entrar na área indígena sem nenhuma comunicação formal aos
órgãos de segurança, nem mesmo à Funai, que exerce sua atribuição dentro dessa
área indígena.
Esse comportamento revoltou
muito os servidores da FUNAI em Brasília que fizeram protesto no dia 13,
exigindo a retratação pública de Xavier e, ainda, o deslocamento de equipe
tática da Força Nacional para o Vale do Javari para a proteção tanto de
servidores como de indígenas. Ameaçaram de greve caso não fossem atendidos e
foram ignorados.
No dia posterior, dia 14, o
protesto continuou do lado de fora do Ministério da Justiça quando foi
reivindicada uma audiência com Anderson Torres. Como ele não estava, rogaram
que o secretário-executivo do Ministério os recebesse. Então, foram enviados dois
assessores, que apenas os escutaram, sem nada dizer.
É flagrante e generalizado o
desmonte da FUNAI no Vale do Javari e, e os problemas denunciados vão além da
falta de mão-de-obra, mas aparecem no dossiê onde se relata o assédio moral e
trabalhista, além de insalubres condições e total insegurança para os que
trabalham na linha de frente.
O atual vice-presidente
Hamilton Mourão afirmou recentemente que os dados de alerta de desmatamento na
Amazônia são péssimos e horrorosos. São dados do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe) e que são aferidos através do Deter, e, apontaram
que se atingiu recorde em abril do corrente ano.
Mourão comandou o Conselho da
Amazônia, um órgão criado pelo governo a fim de organizar ações de combate ao
desmatamento. E, tais atividades se encerraram em 2021. Sobre o desaparecimento
da dupla, comentou apenas que os dois entraram numa área extremamente perigosa
e, apontou que os dois erraram ao não pedir escolta das autoridades. Insistiu o
vice-presidente que Dom e Bruno foram culpados por seus desaparecimentos.
Chega a ser engraçado, culpar
as próprias vítimas por seu infeliz desaparecimento e homicídio.
Em janeiro de 2022, a região amazônica
contabilizou os piores índices para o mês na história do monitoramento: foram
430,44 km², 419,3% mais do que os 82,88 km2 registrados no ano anterior. Em
2022, o Estado da Amazônia Legal que registrou o maior desmatamento foi o Mato
Grosso, com 32,56 km².
Aliás, o General Hamilton
Mourão confirmou sua candidatura ao Senado pelo Rio Grande do Sul. O discurso
do candidato a deputado federal de Ricardo Sales e, ainda, do vice-presidente
da República completa o quadro da selvageria eleitoral. Onde a desfaçatez só
evidencia o descalabro eleitoral.
A notícia constrangedora e
alarmante do desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Araújo Pereira em área da
Floresta Amazônica reabriu a polêmica que envolve a salvaguarda do território
pelo país.
No derradeiro meio século,
cerca de vinte por cento da Floresta Tropical brasileira já foi perdido seja para
o narconegócio, pela ilegal extração de madeira, para pecuária e grandiosos
incêndios. Dom Philipps estava estarrecido com apresentadores inovadores modelo
climático que Stephen Pacala e Elena Shevliakova quando simularam qual seria o
clima mundial até 2050, caso a Amazônia fosse completamente desmatada.
Tamanho crime ambiental
acarretaria a subida de temperatura o que a tornaria inabitável, alterando
também os padrões de chuva, o que seria, catastróficos para agricultura e
geração de energia elétrica. Sem a Amazônia, as temperaturas médias em todo o
mundo subiriam um quarto de grau Celsius até 2050, tornando impossível alcançar
as aspirações do Acordo de Paris.