Culpa, substantivo feminino
Estudos recentes apontam que as mulheres são mais suscetíveis à culpa do que os homens. Enfim, qual será a senha para a igualdade entre homens e mulheres?
Em
verdade, a culpa é ruim, envenena a alma, estraga a racionalidade e esmaga o
prazer. Enfim, num mundo ideal jamais deveria haver maior culpa para quem quer
que seja, seja de qual sexo for...
Os
estudos do espanhol Itziar Etxebarria[1] conduzido em 360 homens e
mulheres e realizado na Universidade do País Basco e, ainda, publicado no
Diário Espanhol de Psicologia, diz que a pesquisa desta a necessidade de
práticas educacionais e socializantes para reduzir a tendência da ansiosa e
agressiva culpa nas mulheres e, procurar promover a sensibilidade interpessoal
nos homens[2].
As
mulheres arrastam seu fardo de culpa injustificada, assumindo a
responsabilidade sobre o agir de outras pessoas desde o começo de sua infância.
Afinal,
a culpa é um dos lados do perverso triângulo, os outros dois lados são a
vergonha e o estigma. E, nessa combinação macabra, segue a tendência em culpar
as mulheres pelos crimes cometidos contra elas.
Qualquer
vítima de crime sexual que denuncia o criminoso agressor, não deveria sentir
vergonha. Mas, a mulher sente, e esconde a identidade, o que significa no fundo
endossar o preconceito misógino. Quando será que finalmente as mulheres se
sentirão livres para identificar e denunciar agressores sem se envergonharem,
enquanto isso as feras infligidas continuam abertas sem direito à cicatriz.
Lembremos
que vítima indiana do estupro coletivo recebeu prêmio póstumo de Mulher de
Coragem nos EUA no Dia da Mulher, que é reconhecida com alcunhas dados pelo
povo, tal como Nirbhaya, ou, Destemida.
Destaque-se que nenhum membro da família da vítima indiana estava presente na cerimônia. Por que não podemos saber ao certo quem foi Nirbhaya? Porque ser estuprado por um grupo de ébrios é ser desonrada. E, tal estigma se estende a sua família, sua comunidade e, até mesmo, a sua universidade. Ela ficou honrada, porque fez a coisa certa, morreu. Ela não pode estar gritando por justiça.
Mulheres do mundo inteiro vivem em várias culturas, todas se desculpando da violência sofrida pelos homens, e frequentemente, de forma trágica, interpretam-se tais atos de brutalidade e bestialidade como legítimas provas de amor. Uma pesquisa britânica sobre crime registra que duas mulheres morrem pelas mãos de seus parceiros a cada semana. E, a polícia não consegue ajudar pois elas não deixam o parceiro violento, foi escolha das vítimas, permanecer e morrer.
Como
vencer o dilema, e educar as mulheres para rejeitar o estigma e se recusarem a
sentir vergonha do que sofreu, sem isto, não há um pingo de esperança em se ter
um estatuto humano completo. Franklin Delano Roosevelt descreveu, a seu tempo,
quatro liberdades essenciais: a de expressão, a de adoração, do querer e a
liberdade do medo. E, a quinta liberdade é a liberdade da vergonha... É uma
pena que essa culpa atávica ainda exista contemporaneamente.
Precisamos combatê-la. Diariamente. A vítima não é culpada. Somos imperfeitas num mundo imperfeito.
Referências
BOURDIEU,
P. A dominação Masculina. 2. ed. Tradução de Maria Helena Kuhner. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
DIAS,
Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Tomo 1. 2ª edição. Coimbra: Coimbra
Editora, 2011.
GEER,
Germaine. Glitch Feminista. A culpa envenena as mulheres. Disponível em: https://medium.com/qg-feminista/a-culpa-envenena-as-mulheres-e0515faaeafa
Acesso em 10.3.2021.
Notas:
[1] A obra intitulada "Sentimentos de
Culpa" é dirigida a qualquer pessoa interessada em desvendar o aspecto
psicológico com implicações importantes em nossa vida pessoal e social: a
culpa. Supõe-se que a culpa. No entanto, todos nós temos a experiência de às
vezes nos sentirmos culpados por coisas que sabemos que não são realmente
erradas. No extremo, podemos nos sentir culpados mesmo quando sabemos que
estamos fazendo o que devemos, simplesmente porque sentir assim. O Doutor em
Psicologia Itziar Etxebarria Bilbao é professor titular da Universidade do País
Basco. E, aborda nesta obra as questões complexas sobre todos os tipos de
culpa, efeitos e mecanismos de defesa contra tais sentimentos.
[2]
Pierre Bourdieu defendeu que a cultura androcêntrica e a consequente dominação
masculina estão de tão forma arraigadas em nós, que as tomamos como evidentes,
deixando de notar o caráter historicamente construído dentro da ordem social,
de sorte que é percebida e entendida como "natural". Ratificou
Bourdieu que há a socialização do biológico e de biologização do social que
produziu nos corpos e nas mentes, conjugam-se para inverter a relação entre as
causas e os efeitos e fazer ver uma construção social naturalizada, como
fundamento in natura da arbitrária divisão que está no princípio não só da
realidade como igualmente da representação da realidade. In: BOURDIEU, P. A
dominação Masculina. 2. ed. Tradução de Maria Helena Kuhner. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2002.