Conteúdo Mínimo da dignidade humana
Provavelmente, a dignidade humana represente um dos maiores consenso ético do mundo ocidental, estando presente em inúmeros diplomas legais, além de textos constitucionais e, apesar disto, não se ofereceu uma definição para a expressão. Para Luís Roberto Barroso esse conteúdo mínimo que é aceito no discurso transnacional se divide em: valor intrínseco de todos os seres humanos; a autonomia de cada indivíduo e, ainda, inclui o valor comunitário.
A
dignidade humana tem sua origem secular na filosofia, onde pensadores como
Cícero, Pico della Mirandola[1] e Immanuel Kant
construíram paradigmas como antropocentrismo, que é a visão de mundo que
reserva ao ser humano um lugar e um papel central no universo.
Della
Mirandola defendeu, no mencionado "De dignitate hominis oratio",
que o homem é uma criatura à parte de todas as outras no mundo, já que ele pode
se tornar o que quiser. Na obra, Deus trava um diálogo com Adão, no qual
explica que as demais criaturas, ao contrário dos homens, possuem uma natureza
restrita e muito bem definida (PICO DELLA MIRANDOLA, 1486). O homem, por sua
vez, não possui esses impedimentos e restrições, tendo a capacidade de criar,
de transcender e ir além. O homem, sob essa ótica, é um ser dotado de um enorme
potencial criativo, que o habilita a ir além de si próprio, estabelecendo ele
mesmo as próprias fronteiras.
Há
doutrinadores que listam, ainda, como precursores da dignidade humana, Tomás de
Aquino e David Hume.
Enfim,
é o valor intrínseco de cada pessoa e a capacidade individual de ter acesso à
razão, de fazer escolhas morais e determinar seu próprio destino. Tendo suas
justificativas na ética, na filosofia moral, sendo o primeiro valor vinculado à
moralidade, ao bem, à conduta escorreita e à vida boa. Convém destacar que Ronald Dworkin procurou
demonstrar a distinção entre ética que é o estudo de como vier bem e a
moralidade que é o estudo de como nós devemos tratar as outras pessoas. Vide Justice
for hedgehogs[2], 2011, p.13.
Foi
no século XX, particularmente após a Segunda Guerra Mundial, a ideia de
dignidade humana fora incorporada ao discurso político das potências mundiais,
principalmente, os vencedores do conflito e, se tornou meta política, um nobre
fim a ser galgado por instituições nacionais e internacionais. Não é difícil
notar, nesse contexto, a dupla dimensão da dignidade humana, a saber: uma
interna onde há o expresso valor intrínseco ou próprio de cada indivíduo; e
outra externa, representando seus direitos, aspirações e responsabilidades,
assim como os correlatos deveres de terceiros.
Nota-se
que a primeira dimensão é inviolável, já que tal valor intrínseco jamais é
perdido, sob nenhuma circunstância. Já a segunda dimensão pode sofrer ofensas e
violações. Por essa razão, a proteção e efetiva promoção da dignidade humana
foram consideradas tarefas exclusivas dos poderes políticos do Estado, isto é,
dos poderes do Executivo e do Legislativo. No entretanto, não tardou para que
tais metas políticas e valores morais inscritos na dignidade humana migrassem
para o direito.
E,
passou a ser consagrada em diversos diplomas legais, tratados internacionais,
bem como as Constituições nacionais. Sua
suprema ascensão como conceito jurídico, foi consequência de mudança no
pensamento jurídico, que se tornou mais visível e concreta após a Segunda Guerra.
Realmente, de acordo com os dois pilares do pensamento jurídico clássico, entre
o direito público e privado e a crença no formalismo e, no raciocínio puramente
dedutivo, começaram a ruir, a interpretação jurídica fez movimento decisivo na
direção da filosofia moral e política. Isso é particularmente verdadeiro nas
decisões envolvendo casos difíceis.
O pensamento jurídico clássico foi contestado na virada do século e, durante seus anos iniciais por doutrinadores como Georg Jellinek[3], na Alemanha, François Geny[4], na França e Oliver Wendell Holmes[5], nos EUA.
Nos EUA foi lançado um ataque poderoso contra a teoria jurídica tradicional e, especialmente, contra o formalismo, por doutrinadores identificados como realistas jurídicos[6], tais como: Robert Lee Hale, Felix Solomon Cohen e Karl Llewellyn. No período logo após guerra foi formado um novo consenso, identificado como consenso do processo legal.
O
realismo jurídico tem como fundamento a distinção nítida entre o fenômeno
jurídico e a Ciência Direito; oferece uma perspectiva ontológica e, feitas
algumas ressalvas, pode facilmente ser lido sob a ótica anacrônica.
Miguel
Reale bem explica que a Ciência Jurídica "estuda o fenômeno jurídico tal
como ele se concretiza no espaço e no tempo", enquanto que a Teoria Geral
do Direito constitui a parte geral do Direito, "na qual se fixam os
princípios ou diretrizes capazes de elucidar-nos sobre a estrutura das regras
jurídicas e sua concatenação lógica, bem como sobre os motivos que governam os
distintos campos da experiência jurídica". (In: REALE, Miguel - Lições
Preliminares de Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 17ª edição, 1990).
A
sociologia jurídica tem como objeto de estudo o direito enquanto fenômeno
jurídico, como fato social decorrente naturalmente das relações sociais. Um dos
pilares da ciência é o direito vivo, que passa de acordo com a vontade do
homem. A Ciência do Direito tem como objeto de estudo a norma jurídica e sua
respectiva aplicação aos casos particulares, conforme foi concebida e
equacionada pelo legislador. O cientista do Direito, como jurista, interpreta e
aplica a norma jurídica, excluindo assim qualquer elemento não jurídico. Um dos
pilares da Ciência Jurídica é o “dever ser”, correspondente a normatividade do
direito positivo.
A
Filosofia do Direito tem como objeto de estudo os princípios fundamentais do
Direito tais como a norma, poder, realidade, valor ou conhecimento. O filósofo
se preocupa com a valoração jurídica[7] dos bens da sociedade tais
como a justiça, o bem comum, o interesse social e a liberdade. Um dos pilares
da Filosofia do Direito é “poder ser” correspondendo à essência e definição do
Direito, visando sua aplicação.
A dignidade humana interessa e, é estudada tanto pela Sociologia do Direito, como pela Ciência do Direito e, igualmente, pela Filosofia do Direito[8].
Conforme
David Kennedy e William W. Fisher[9] têm escrito, se tornou
senso comum afirmar que os materiais jurídicos não produzem soluções únicas
para os casos individuais, que o trabalho jurídico não era sempre dedutivo, mas
também envolvia em grande medida a formulação de políticas e que os juristas
têm de cogitar, pensar sobre consequências, éticas, estatísticas e assim por
diante.
Esses
casos envolvem lacunas, princípios conflitantes, desacordos morais ou
ambiguidades. Nesse novo ambiente pós-positivista[10] onde a Constituição e os
princípios constitucionais sejam expressos ou implícitos, desempenham função
central, os juízes e as cortes frequentemente necessitam recorrer à moralidade
política com a finalidade de aplicar corretamente os princípios.
O
que favoreceu, particularmente, a ascensão da dignidade humana e, tal tendência
tornou-se mais evidente na Alemanha e, alguns outros países da tradição do civil
law, assim como em outros países associados ao common law[11],
como o Canadá e a África do Sul. Todavia, como já anteriormente demonstrado,
esse também foi o caso, em alguma medida, dos EUA.
O
ideal da dignidade humana vive firmemente presente na jurisprudência da Suprema
Corte na década de 1940[12], além de figurar no
centro da produção acadêmica de alguns dos filósofos do direito e
constitucionalistas mais proeminentes das últimas décadas.
Trata-se
de conceito multifacetado residente na religião, na filosofia, na política e no
direito. Há razoável consenso de que esta constitui valor fundamental
subjacente às democracias constitucionais de modo geral, mesmo quando não
expressamente prevista nas suas Constituições.
A
Alemanha trouxe a visão dominante e concebe a dignidade como valor absoluto,
que prevalece em qualquer circunstância. Essa posição tem sido pertinentemente
questionada ao longo dos anos[13].
Em
regra geral, no direito não há espaço para absolutos. Embora seja razoável
afirmar que a dignidade humana normalmente deve prevalecer, existem situações
inevitáveis em que esta terá de ceder ao menos parcialmente.
A
dignidade humana, portanto, é um valor fundamental, mas não deve ser tomada
como absoluta. Valores, sejam políticos ou morais, adentram o mundo do direito
usualmente assumindo a forma de princípios. E, embora direitos constitucionais
e princípios constitucionais frequentemente se justaponham; a melhor maneira de
classificar a dignidade humana é como um princípio jurídico com status
constitucional, e não como direito autônomo.
Tida
como valor fundamental, é igualmente um princípio constitucional, a dignidade
humana funciona tanto como justificativa moral quanto como fundamento
jurídico-normativo dos direitos fundamentais. Não é necessário elaborar de modo
mais profundo e detalhado a distinção qualitativa existente entre princípios e
regras.
A
concepção adotada é a mesma que se tornou prevalente na Teoria do Direito,
baseada no trabalho seminal de Ronald Dworkin sobre o assunto, acrescida dos
desenvolvimentos posteriores realizados pelo filósofo do Direito alemão Robert
Alexy.
Lembremos
que com Dworkin afirma que os princípios são normas que contêm exigências de
justiça ou equidade, ou alguma outra exigência de moralidade. Ao contrário das
regras, estes não se aplicam na modalidade tudo ou nada, e em certas
circunstâncias podem não prevalecer devido à existência de outras razões ou
princípios que apontem para uma direção diferente.
Os
princípios têm uma dimensão de peso e quando estes colidem é necessário
considerar a importância específica de cada um destes naquela situação
concreta.
Para
Robert Alexy, os princípios são mandados de otimização, cuja aplicação varia em
diferentes graus, de acordo com o que é fática e juridicamente possível.
Portanto, de acordo com a teoria de Alexy, os princípios estão sujeitos à
ponderação e à proporcionalidade, e sua pretensão normativa pode ceder,
conforme as circunstâncias, a elementos contrapostos. Tais visões doutrinárias
não estão imunes a controvérsias.
Os
princípios jurídicos são normas que possuem maior ou menor peso de acordo com
as circunstâncias. Mas, em qualquer caso, fornecem argumentos que devem ser
considerados pelos juízes, e todo princípio exige um compromisso de boa-fé para
com sua realização, na medida em que essa realização seja possível.
Os
princípios constitucionais desempenham diferentes papéis no sistema jurídico, e
no momento da sua aplicação concreta, estes sempre geram regras que disciplinam
situações específicas. Como forma de distinguir dois dos seus papéis
principais, pode-se visualizar um princípio como dois círculos concêntricos.
Logo,
qualquer tipo de intervenção sobre a dignidade humana será necessariamente tido
como uma violação à dignidade, ainda que seja de alguma forma justificada.
Sendo assim, como regra, a dignidade não enfrenta limitação, devendo sempre
prevalecer de forma absoluta. Nesse sentido, a concepção absoluta não é
compatível com a análise de proporcionalidade.
Por sua vez, de acordo com o conceito relativo, exatamente o oposto é verdadeiro. Compreende a dignidade humana como um princípio que pode ser ponderado e relativizado, quando em colisão com outras normas. Logo, a concepção relativa é compatível com a análise da proporcionalidade.
Nesse
contexto, diante de um conflito entre princípios, Robert Alexy defende a ponderação
buscando-se, no caso concreto, dar maior peso a um em relação a outro. No direito
brasileiro, a disposição constitucional da dignidade da pessoa humana, disposta
no art. 1°, III, da Constituição Federal de 1988, vem sendo ponderada pelo
Judiciário sem nenhum critério, nem argumentação jurídica racional.
Com
relação aos casos mais complexos, o pensador Robert Alexy apresentou o exemplo
do aborto. O doutrinador alemão cogitou que, nesse caso, a otimização entre os
princípios em conflito se dá pela regra de balanceamento. Alguém vai ter
sacrifícios: ou a mulher, que perde seu direito de autodeterminação, ou a vida
daquele que vier a ser objeto do aborto[14].
Para
esse tipo de caso, o professor criou uma fórmula matemática, chamada de fórmula
de ponderação ou fórmula peso, que tem a função de descrever a solução de
colisões entre princípios. Na fórmula, ele atribui um peso numérico a cada um
dos elementos da equação, que envolvem a intensidade de interferência de um
princípio em outro, o peso abstrato de um princípio em relação ao outro, e o
grau de confiabilidade ou segurança, que é “a prova dos 9”, que avalia quão
confiáveis são as assertivas.
Quando
a questão do aborto foi analisada na fórmula matemática do professor, o
resultado da equação foi favorável à prática do aborto, já que a sua proibição
concreta seria uma interferência muito maior e agressiva ao princípio da
autodeterminação da mulher do que permitir o aborto até determinado período. Em
resumo, a teoria dos princípios diz que quanto maior o sacrifício de um
princípio, maior deverá ser o benefício daquele a que ele se destina a atender.
O palestrante também citou outros conflitos complexos, como a colisão entre os princípios da liberdade de expressão e da proteção da personalidade na internet, que têm sido muito discutidos na Corte Europeia de Direitos Humanos. A solução para o caso também se daria pela equação matemática. Robert Alexy também citou o caso da maconha, em que grupos se dividem a favor ou contra a legalização do seu uso. Na Alemanha, a Corte chegou à conclusão de que não há certeza nesse caso. In: Robert Alexy fala de sua teoria dos direitos fundamentais em conferência no TRT-18. Disponível em: http://www.trt18.jus.br/portal/robert-alexy-fala-de-sua-teoria-dos-principios-fundamentais-em-conferencia-no-trt-18/ . Acesso em 3.3.2021.
Em
nosso país, vige ainda a incompreensão do duplo caráter da norma da dignidade
humana, transformando-se em artimanha jurídica, tanto pelos julgadores quanto
pelas partes do processo. Enfim, a teoria de ponderação de princípios proposta
por Robert Alexy constitui uma desculpa perfeita e adequada para sentenciar com
elevada discricionariedade e pouca racionalidade, conforme alude Humberto Ávila
e Lenio Luiz Streck, manipulando livremente as disposições constitucionais,
como a própria dignidade.
Aliás,
Streck in litteris:
"A ponderação é
inconstitucional (...) porque o legislador, ao estabelecer, de forma a técnica
a ponderação de “normas”, “esqueceu” que o direito é um sistema de regras e
princípios e que, portanto, ambas são normas. Logo, ponderar regras é ponderar
normas. Entretanto, é vedado ponderar regras, como se pode ver no próprio
criador da ponderação contemporânea, Robert Alexy, no âmbito de sua teoria da
argumentação jurídica. Ao ponderar regras, o juiz deixará de aplicar uma delas.
Só que, para fazer isso, deve lançar mão da jurisdição constitucional ou dos
mecanismos que tratam da resolução de antinomias, e não de algo fugidio e vazio
como é a ponderação. A violação, in
casu, é do princípio da separação dos poderes e o da legalidade. Juiz não
cria normas e tampouco pode deixar de aplicar uma regra válida sem que lance
mão dos mecanismos próprios para isso. Se ponderar princípios já é um problema
pela falta de critérios, a ponderação de regras é de extrema gravidade, porque
transforma o Poder Judiciário em legislador.”.
O
círculo interno, próximo do centro, contém o conteúdo essencial do princípio e,
é uma fonte direta de direitos e deveres. Por exemplo, o conteúdo essencial da
dignidade humana implica na proibição da tortura, mesmo em um ordenamento
jurídico no qual não exista nenhuma regra específica, impedindo tal conduta.
A
distinção existente entre direito e moral, entre princípio e valor promove uma
épica discussão na doutrina jurídica. Observa-se a necessária relação entre as
questões valorativas com o direito à total cisão entre direito e moral. É
necessária a distinção entre o princípio e o valor. Com base em Philipp Heck,
na sua obra "Interpretação da lei e jurisprudência de interesses",
onde o doutrinador propôs a superação da antiga jurisprudência de conceitos, e,
ipso facto, do positivismo primitivo. Precisamos dar solução ao órfão diante da
superação das antigas doutrinas, a saber: o da interpretação da lei. Durante o
desenvolvimento do seu estudo, este irá trazer o conceito de interesse, que é
suma importância para a evolução da hermenêutica.
Segundo
Heck, o que denominamos interesses são os desejos e aspirações da vida e da
jurisprudência de interesses[15] seria a preocupação da
decisão judicial em jamais perder de vista essa finalidade. O autor ainda
propôs a "teoria dos comandos", conceito a partir do qual começará a
traçar as linhas do que seria entendido por princípio.
Os
comandos legais que destinariam a resolver os conflitos de interesses, seriam,
em verdade, resultado desses interesses. Portanto, teríamos, alei como produto
do interesse. Foi quando surgira o problema das lacunas da lei e a posição do
juiz. A experiência como forma de determinação dos princípios asseguraria o
valor social da interpretação judicial e, aparece na tentativa de sanar tais
problemas.
A
compreensão dos interesses seria a forma de compreender a própria lei. Porém, o
próprio doutrinador é capaz de entender e de admitir a limitação da sua
proposta ao afirmar que "a interpretação crítica acarreta frequentemente à
conclusão de que é impossível determinar a ideia de comando ou valoração de
interesses, ou de que são possíveis várias explicações, quer equivalentes, quer
divergentes, quanto ao grau de verossimilhança.
Os
princípios são valores dos critérios diretivos para interpretação e dos
critérios programáticos para o progresso da legislação. Existe a influência de
Heck, que tratava o princípio como norteador das lacunas da lei. Já Verzio
Crisafulli introduziu o entendimento de que o princípio é forma de justificar
resoluções jurídicas e, por Josef Esser com a concepção de princípios como
normas que estabelecem os fundamentos para que determinado mandamento seja
encontrado.
Crisafulli
cogita, ainda, dos denominados princípios problemáticos, como forma de conferir
a primazia para o momento concreto da aplicação do direito. E, começa-se a
perceber que a noção de princípio se altera, passando de mero auxiliar na
interpretação, para enfim, ser considerado como norma.
É
claro que quando já existem regras mais específicas indicando que os
constituintes ou os legisladores detalharam o princípio de modo mais concreto,
não havendo necessidade de se recorrer ao princípio mais abstrato da dignidade
humana. Porém, em outro exemplo, nos países onde o direito à privacidade não
está expresso na constituição, como nos Estados Unidos, ou o direito geral
contra a autoincriminação não está explicitado, como no Brasil, eles podem ser
extraídos do significado essencial da dignidade.
Ingo
Wolfgang Sarlet destaca que o próprio Supremo Tribunal Federal vem seguindo o
entendimento doutrinário majoritário no sentido de compreender a dignidade humana
como valor-fonte da ordem jurídica, conforme restou consignado no acórdão
proferido no HC nº. 87.676/ES, relatado pelo Ministro Cezar Peluso, cujo
julgamento ocorreu em 06.05.2008. Uma vez superada, então, a controvérsia
acerca da natureza jurídica da dignidade da pessoa humana, revela-se necessário
analisar a dignidade da pessoa humana sob o manto da “abertura material” dos
direitos e garantias fundamentais, a partir da jurisprudência da Suprema Corte
brasileira.
Estando
consciente do elevado grau de indeterminação e do caráter polissêmico do
princípio da dignidade da pessoa humana, adverte o doutrinador brasileiro que,
com esforço argumentativo, tudo o que se consta no texto constitucional, ainda
que de maneira indireta, poderá ser reconduzido ao valor da dignidade da pessoa
humana.
Entretanto,
não é neste exato sentido que o princípio da dignidade da pessoa humana deverá
ser utilizado na condição de elemento integrante de uma ideia material de
direitos fundamentais, vez que, se assim o fosse, "toda e qualquer posição
jurídica estranha ao catálogo poderia (em face de um suposto conteúdo de
dignidade da pessoa humana), seguindo a
mesma linha de raciocínio, ser guindada à condição de materialmente
fundamental".
Sarlet
ainda alerta para a necessidade de cautela por parte do intérprete,
especialmente pelo fato de estar-se ampliando o rol de direitos fundamentais da
Constituição com as consequências práticas a serem extraídas, não se devendo,
por isso, desconsiderar o risco de uma possível desvalorização dos direitos
fundamentais, que, vez ou outra, é indicada pela doutrina.
Eis
aí, o primeiro papel de um princípio como a dignidade humana: funcionar como
uma fonte de direitos e, consequentemente, de deveres —, incluindo os direitos
não expressamente enumerados, que são reconhecidos como parte das sociedades
democráticas maduras.
O
outro papel principal da dignidade humana é interpretativo[16]. A dignidade humana é
parte do núcleo essencial dos direitos fundamentais, como a igualdade, a
liberdade ou o direito ao voto (o qual, a propósito, não está expresso no texto
da Constituição dos Estados Unidos). Sendo assim, ela vai necessariamente
informar a interpretação de tais direitos constitucionais, ajudando a definir o
seu sentido nos casos concretos.
Além
disso, nos casos envolvendo lacunas no ordenamento jurídico, ambiguidades no
direito, colisões entre direitos fundamentais e tensões entre direitos e metas
coletivas, a dignidade humana pode ser uma boa bússola na busca da melhor
solução. Mais ainda, qualquer lei que viole a dignidade, seja em abstrato ou em
concreto, será nula.
Coerente
com a posição ora sustentada de que a dignidade humana não é um valor absoluto
é a afirmação de que esta tampouco é um princípio absoluto. De fato, se um
princípio constitucional pode estar por trás tanto de um direito fundamental
quanto de uma meta coletiva, e se os direitos colidem entre si e com as metas
coletivas, um impasse lógico ocorreria.
Afinal,
um choque de absolutos não tem solução. Assim, a dignidade humana, como um princípio
e valor fundamental, deve ter precedência na maior parte dos casos, mas não
necessariamente em todos. E, mais ainda: quanto aos aspectos reais e, não
apenas retóricos da dignidade estão presentes na argumentação dos dois lados em
conflito, a discussão se torna mais complexa.
Em
circunstâncias como essa, o pano de fundo cultural e político pode influenciar
o modo de raciocínio do julgador ou da corte, o que, realmente, acontece com
frequência, por exemplo, nos casos que envolvem os conflitos entre a privacidade,
no sentido de defesa da reputação e a liberdade de imprensa.
Na
verdade, este não é um conflito entre a liberdade e a dignidade, mas entre esta
como um valor intrínseco e a dignidade como autonomia. Em verdade, os
princípios e direitos são categorias intimamente ligadas. Tanto os direitos
fundamentais quanto os princípios constitucionais representam uma abertura do
sistema jurídico ao sistema da filosofia moral.
Especialmente
quando se reconhece a chamada dimensão objetiva dos direitos fundamentais, que
representa uma ordem moral de valores condicionantes da interpretação do
sistema jurídico como um todo, a semelhança entre direitos fundamentais e
princípios constitucionais. se torna ainda mais evidente.
No
entanto, uma vez que a dignidade é reconhecida como o alicerce último de todos
os direitos verdadeiramente fundamentais e como fonte de parte do seu conteúdo
essencial, seria contraditório considerá-la como um direito em si, já que ela é
parte de diferentes direitos.
Além
disso, se a dignidade humana fosse considerada um direito fundamental
específico ela necessariamente iria ter que ser ponderada com outros direitos
fundamentais, o que a colocaria em uma posição mais fraca do que ela teria caso
fosse utilizada como um parâmetro externo para aferir soluções possíveis nos
casos de colisões de direitos. Como um princípio constitucional, contudo, a
dignidade humana pode precisar ser ponderada com outros princípios ou metas coletivas.
Vale
lembrar que esta normalmente deve prevalecer, mas nem sempre será esse o caso.
É melhor reconhecer esse fato do que tentar negá-lo através de argumentos
circulares.
Uma
derradeira observação: a dignidade humana, em muitos países, é tida como
aplicável tanto às relações entre indivíduos e governo quanto às relações
privadas, o que corresponde à chamada eficácia horizontal dos direitos
constitucionais (drittwirkung).
Avaliando-se a tensão existente entre direitos individuais e metas coletivas, Ronald Dworkin[17] cunhou frase que se tornou emblemática dentro do contexto de conflito existente entre o indivíduo e Estado[18]. Afinal, os direitos individuais correspondem aos trunfos guardados pelos indivíduos e, a consequência de se definir algo como direito é que para este não pode ser sobrepujado pelo apelo a qualquer meta cotidiana da Administração Pública, mas apenas por uma meta de especial urgência. (In: Dworkin, Ronald. Talking rights Seriously, 1997, p. 92).
Na
apreciação da dignidade humana é notável a influência do pensamento kantiano,
oriundo do Iluminismo, que é reconhecidamente uma referência central na
filosofia moral e jurídica ocidental. Aliás, a ética de Kant é plenamente
fulcrada em noções de razão e dever, na capacidade do indivíduo dominar suas
paixões e interesses próprios e, ainda, descobrir dentro de si mesmo, a lei
moral que deverá orientar sua conduta.
Não
obstante da sua dominante influência, o sistema da moral de Kant[19] é, por vezes, questionado
por autores que destacam os limites da razão em contraste com o desejo e a
paixão e o papel da comunidade onde o indivíduo está inserido na fixação de
seus valores éticos. Inegavelmente que existe boa margem para críticas, uma vez
que, fora de qualquer dúvida, a razão isoladamente considerada jamais será
inteiramente responsável pelo comportamento humano.
Assim,
sendo, embora não se deva rejeitar a força da ação moral e da razão prática, é
relevante reconhecer a impossibilidade de se conceber uma razão plenamente
objetiva e desprovida de diferentes percepções subjetivas do bem e do justo.
Em
verdade, o comportamento humano jamais pode ser completamente dissociado de
simpatias, afetos e solidariedades, para não mencionar sentimentos menos
nobres, como ambições por poder, inveja e riqueza. E, mesmo assim, a ética de
Kant[20] traz conceitos como o
imperativo categórico, autonomia e dignidade, tornando-se parte essencial da
gramática e da semântica de todos os estudos sobre o tema.
Algumas
noções básicas do pensamento de Kant, são inevitáveis para entender a dignidade
humana. Kant dividiu a filosofia em três partes, a saber: lógica, que é a
filosofia formal aplicada a todo pensamento; a física que então é que lida com
as leis da natureza e, ainda descreve o mundo conforme ele é; já a ética, que
tem como objeto a vontade humana e prescreve o que esta deve ser.
A
ética é o domínio da lei moral que é composta por comando que disciplina a
vontade humana que está em conformidade com a razão. Tais comandos expressam um
dever-ser, um imperativo, que pode ser hipotético ou categórico. O imperativo
hipotético identifica uma ação que é boa como um meio para se alcançar algum
fim.
O
imperativo categórico, por sua vez, corresponde a uma ação que é boa em si
mesma, independentemente do fato de servir a determinado fim. Ele corresponde a
um padrão de racionalidade e representa o que é objetivamente necessário em uma
vontade que esteja em conformidade com a razão.
Esse
imperativo categórico, ou imperativo de moralidade, foi enunciado por Kant em
uma famosa proposição sintética: “Age de tal modo que a máxima da tua vontade (ou
seja, o princípio que a inspira e move) possa se transformar em uma lei
universal”. Note-se que em lugar de apresentar um catálogo de virtudes
específicas, uma lista do que fazer e do que não fazer, Kant concebeu uma
fórmula capaz de determinar a ação ética.
Apesar
de Kant ter afirmado que há um único imperativo categórico, reproduzido acima,
este apresenta três diferentes formulações deste. O primeiro é conhecido como a
fórmula da lei natureza, que declara: Aja como se a máxima que fundamentou sua
ação deve-se tornar, pela sua própria vontade, uma lei universal da natureza.
A
segunda fórmula é chamada de fórmula da humanidade: “Age de modo a utilizar a
humanidade, seja em relação à tua própria pessoa ou a qualquer outra, sempre e
a todo o tempo como um fim e, nunca meramente, como um meio”.
A
terceira fórmula é a da autonomia: E isso é feito na presente terceira fórmula
do princípio, a saber, a ideia da vontade de cada ser racional como a vontade
formuladora da lei universal.
Observa-se
que a primeira e a terceira fórmulas são muito próximas, exceto pelo fato de o
foco mudar da obediência à lei universal para a sua formulação. Já a segunda
fórmula com um aspecto humanista mais destacado e uma ênfase no respeito pelas
pessoas, parece oferecer perspectiva diferente.
Contudo,
Kant, afirmou que todas as formulações eram equivalentes, assinalando,
provavelmente, que elas levavam aos mesmos deveres. Há dois outros conceitos fundamentais para a
ética de Kant são a autonomia e a dignidade. A autonomia é a qualidade de uma
vontade que é livre, pois identifica a capacidade do indivíduo de se
autodeterminar em conformidade com a representação de certas leis. Uma razão
que se autogoverna e, a ideia central é que os indivíduos estão sujeitos apenas
às leis que dão a si mesmos.
Um
indivíduo autônomo é alguém vinculado somente à sua própria vontade e não
àquela de alguma outra pessoa, uma vontade heterônoma. Tais ideias se tornam
mais complexas e um tanto contrafáticas quando adicionamos outros elementos da
teoria moral de Kant.
Afinal,
para Kant[21],
o indivíduo é governado pela razão e, esta é a representação correta de leis
morais, sendo que o princípio supremo da moralidade consiste em cada indivíduo
dar a si mesmo uma lei que poderia se tornar universal, que uma lei objetiva da razão, sem nenhuma concessão
a motivações subjetivas.
A
dignidade, por sua vez, dentro da visão kantiana, tem por fundamento a
autonomia. Em um mundo no qual todos pautem a sua conduta pelo imperativo
categórico — no “reino dos fins”, como escreveu —, tudo tem um preço ou uma
dignidade.
As
coisas que têm preço podem ser substituídas por outras equivalentes. Mas quando
uma coisa está acima de todo preço e não pode ser substituída por outra
equivalente, ela tem dignidade. Assim é a natureza singular do ser humano.
Portanto, as coisas têm um preço de mercado, mas as pessoas têm um valor
interno absoluto denominado dignidade.
Consequentemente,
cada ser racional e cada pessoa existe com fim em si mesmo, e não como meio
para uso discricionário de uma vontade externa. E, essa é, conforme visto, a
segunda formulação do imperativo categórico.
Essas
são algumas das ideias e conceitos kantianos que têm tido maior influência nos
estudos sobre dignidade humana ao redor do mundo. Condensada em uma única
proposição, elas podem ser assim enunciadas: a conduta moral consiste em agir
inspirado por uma máxima que possa ser convertida em lei universal; todo homem é
um fim em si mesmo, e não deve ser instrumentalizado por projetos alheios; os
seres humanos não têm preço nem podem ser substituídos, pois eles são dotados
de um valor intrínseco absoluto, ao qual se dá o nome de dignidade.
A
dignidade humana se tornou um consenso ética essencial no mundo ocidental,
reforçando a rejeição moral ao desastre representado pelo nazifascismo. Desta
forma, nenhum documento jurídico nacional ou internacional tentou oferecer
definição[22]
para o termo, deixando o significado intrínseco da dignidade humana para o
entendimento intuitivo.
Com
a derrota do Eixo na Segunda Guerra Mundial e o suicídio de Hitler, o “Terceiro
Reich” (o “reino ariano”) foi desfeito. Em Nuremberg, cidade natal do
partido nazista, ocorreu entre os anos de 1945 e 1946 um dos julgamentos[23] mais famosos da história,
no qual foram condenados alguns dos responsáveis pelo desenvolvimento do Reich.
A prisão de Mussolini representou ainda outro importante revés para as forças
fascistas. Mesmo com a manutenção do Salazarismo em Portugal e da ditadura
espanhola de Franco, o nazifascismo parecia não mais amedrontar o mundo como
antes.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial não apenas oportunizou-se a criação de arcabouço jurídico em torno da dignidade da pessoa humana, mas igualmente proporcionou o grande debate entre os pensadores alemães que romperam o silêncio, como por exemplo, Ernst Bloch, Werber, Maihofer e Niklas Luhmann[24]. Concluíram, que é impossível se alcançar o pleno exercício da dignidade humana sem atendimento das necessidades humanas. Portanto, a tutela da dignidade humana transcende a personalidade do homem e implica a solidariedade entre os homens, como forma de superação de diferenças socioeconômicas.
De
fato, a amplitude conceitual da dignidade humana torna difícil elaborar um
conceito transnacional que seja capaz de considerar adequadamente toda a
miríade de circunstâncias culturais, religiosas, históricas, políticas e
sociais que estão vigentes em diferentes partes do mundo. E, na medida em que a
dignidade tem ganhado importância, tanto na seara interna quanto no discurso
internacional, se faz curial e necessário estabelecer pelo menos certo conteúdo
mínimo, a fim de unificar o seu uso e lhe conferir ainda alguma objetividade.
Para, enfim, ter como bom termo deve-se aceitar que se trata de uma noção
aberta, plástica e plural.
O
atual Ministro Luís Roberto Barroso assim, traçou a concepção minimalista, in
litteris: a dignidade humana identifica 1. O valor intrínseco de todos os
seres humanos; assim como 2. A autonomia de cada indivíduo; e 3. Limitada por
algumas restrições legítimas impostas a ela em nome de valores sociais ou
interesses estatais (valor comunitário[25]).
Esses
três elementos serão analisados na próxima seção, com base em uma perspectiva filosófica
que é laica, neutra e universalista. Antes disso se faz necessário, porém, um
comentário adicional a respeito de cada uma dessas perspectivas.
Por
laicidade entende-se que Igreja[26] e Estado devem ser
separados, que a religião é questão privada de cada indivíduo e que, na
política e nos assuntos políticos, trazendo visão racional e humanista que deve
prevalecer sobre as concepções religiosas.
Tal
visão, evidentemente, não deprecia a liberdade de religião, e a crença
religiosa é, realmente, opção legítima para milhões de pessoas. Nas democracias
maduras e mais aperfeiçoadas, vige um equilíbrio implícito e justo é
normalmente atingido: os dogmas religiosos — como milagres, pecado e fé na vida
após a morte — são deixados de lado na esfera pública, mas isso não significa
que valores de inspiração religiosa — como a santidade da vida ou o dever de
respeitar os outros — não possam ser traduzidos em argumentos políticos
válidos.
A
laicidade[27]
é referida também como secularismo, sendo que esse derradeiro termo fora usado
pela primeira vez por George Jacob Holyake (The origin and nature of
secularism, 1896, p. 50) onde se lê: “Então, como agora, havia inúmeras
pessoas, em todos os lugares, a serem atendidas por aqueles que explicavam tudo
com base em princípios sobrenaturais, com toda a confiança do conhecimento
infinito (...)
Isso
me levou à conclusão de que o dever de observar as maneiras da natureza era
incumbência de todos os que iriam encontrar verdadeiras condições de
aperfeiçoamento humano, ou novas razões para a moralidade — ambas muito
necessárias.
Para
esse fim, o nome “secularismo” foi dado para certos princípios que tinham como
seu objeto o aperfeiçoamento humano através de meios materiais, relacionados
com a Ciência como a Providência do homem, e que justificavam a moralidade com
considerações que são pertencentes apenas a essa vida”
A
neutralidade, nesse contexto, indica que a dignidade humana não seja entendida
como exigindo qualquer visão perfeccionista, ideológica ou política particular.
Busca-se um conteúdo mínimo de dignidade humana capaz de ser aceito por
conservadores, liberais ou socialistas, assim como por pessoas que professam
diferentes concepções razoáveis de bem e de vida boa.
A
noção de neutralidade é ponto central do pensamento liberal contemporâneo,
apesar que esteja longe de atingir aceitação universal. A neutralidade[28], nesse contexto, indica
que a dignidade humana não seja entendida como exigindo qualquer visão
perfeccionista, ideológica ou política particular.
Essas
noções de laicidade e neutralidade[29], contudo, representam um
esforço para libertar a dignidade humana de qualquer doutrina religiosa ou
política abrangente, associando-a com a ideia de razão pública, desenvolvida
com maestria por John Rawls[30].
O
universalismo e sua noção correlata, o multiculturalismo implica em respeito e
apreço pela diversidade étnica, religiosa e cultural. Desde o fim do século XX,
tem se tornado amplamente aceito que o multiculturalismo é fulcrado em valores
não somente coerentes com as democracias liberais, mas também exigidos por
estas. As minorias têm direito às suas identidades e diferenças, bem como o
direito de serem reconhecidas.
Não
existe dúvida de que a dignidade humana corrobora com tal entendimento. Porém,
em seu essencial significado, tem também uma pretensão universalista,
simbolizando o tecido que mantém a família humana unida. Nesse domínio mínimo,
o idealismo iluminista[31] se faz necessário, para
que possam confrontar práticas e costumes relacionados com a violência,
crueldade, opressão sexual e tirania.
É
claro que essa é uma batalha de ideias, a ser vencida com paciência e
perseverança. Tropas não conseguirão fazê-lo. E, para esse fim, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos (DUDH) oferece um bom guia. Pode-se destacar a
escolha da expressão universal ao invés de internacional.
A
DUDH foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 12 de outubro de
1948, com 48 votos a favor, zero contra e 8 abstenções. Simboliza o mínimo
ético a ser perseguido na finalidade de preservar e promover a dignidade
humana. Tais princípios e direitos consagrados é vista como soft law,
têm sido desenvolvidos e especificados em outros documentos internacionais,
considerados como vinculantes, e outros como o Pacto Internacional de Direitos
Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, ambos de 16 de dezembro de 1996. Além de inúmeros outros
patrocinados pela ONU, assim como tratados e convenções regionais nas Américas,
Europa e África que incorporaram alguns dos conceitos da DUDH.
A
dignidade humana e os direitos humanos (ou fundamentais) são intimamente
relacionados, como as duas faces de uma mesma moeda ou, para usar uma imagem comum,
as duas faces de Jano. Uma, voltada para a filosofia, expressa os valores
morais que singularizam todas as pessoas, tornando-as merecedoras de igual
respeito e consideração; a outra é voltada para o Direito, contemplando os
direitos fundamentais.
Esses
últimos representam a moral sob a forma de Direito ou, como assinalado por
Jürgen Habermas, “uma fusão do conteúdo moral com o poder de coerção do
Direito”. In: Jürgen Habermas. The concept of human dignity and the
realistic utopia of human rights. Metaphilosophy, n. 41, p. 464, 470, 2010.
(“Como a promessa moral de igual respeito a todos precisa ser traduzida em
linguagem jurídica, os direitos humanos exibem uma face de Jano, voltada
simultaneamente para a moral e para o Direito. Apesar do seu conteúdo exclusivamente
moral, eles têm a forma de direitos individuais aplicáveis”).
O
valor intrínseco, o elemento ontológico da dignidade humana está ligado à
natureza do ser. Corresponde ao conjunto de características que são inerentes e
comuns a todos os seres humanos, e que lhes confere status especial e superior
no mundo, distinto do de outros países.
O
valor intrínseco é oposto ao valor atribuído ou instrumental, porque é um valor
que é um bom em si mesmo e que não tem preço. A singularidade da natureza
humana é a combinação de características e traços inerentes que incluem
inteligência, sensibilidade e a capacidade de se comunicar.
Há
uma consciência crescente, todavia, de que a posição especial da condição
humana não autoriza arrogância e indiferença em relação à natureza em geral,
incluindo os animais irracionais, que possuem a sua própria espécie de
dignidade.
Do
valor intrínseco do ser humano decorre um postulado antiutilitarista e outro
antiautoritário. O primeiro se manifesta no imperativo categórico de Kant do
homem como um fim em si mesmo, e não como um meio para a realização de metas
coletivas ou de projetos pessoais de outros; o segundo, na ideia de que é o
Estado que existe para o indivíduo, e não o contrário.
É
por ter o valor intrínseco de cada pessoa como conteúdo essencial que a
dignidade humana é, em primo locus, um valor objetivo que não depende de
qualquer evento ou experiência e que, portanto, não pode ser concedido ou
perdido, mesmo diante do comportamento mais reprovável.
Esta
independe até mesmo da própria razão, estando presente em recém-nascidos e, em
pessoas senis ou qualquer grau de deficiência mental. No plano jurídico, o
valor intrínseco está na origem de um conjunto de direitos fundamentais.
O
primeiro destes é o direito à vida que significa pré-condição básica para o
desfrute de qualquer outro direito. A dignidade humana preenche quase
plenamente o conteúdo do direito à ida, deixando espaço apenas para poucas
situações particulares e controversas, tais como aborto, eutanásia, suicídio
assistido e pena de morte.
A
guerra e o genocídio são adequadamente compreendidos como circunstâncias
patológicas e, o segundo direito relacionado com o valor intrínseco de cada
indivíduo é a igualdade perante a lei e na lei. Isso implica na proibição de
haver discriminações ilegítimas devido à raça, cor, etnia, nacionalidade, sexo,
idade, capacidade mental e no respeito pela diversidade cultural, linguística
ou religiosa (o direito ao reconhecimento).
A
dignidade humana ocupa apenas uma parte do conteúdo da ideia de igualdade, e em
muitas situações pode ser aceitável que se realizem diferenciações entre as
pessoas. No mundo contemporâneo isso está particularmente em discussão nos
casos envolvendo ações afirmativas e direitos de minorias religiosas. O valor
intrínseco também leva a outro direito fundamental, o direito à integridade
física e psíquica.
O
direito à integridade física abrange a proibição da tortura, do trabalho
escravo e das penas cruéis ou degradantes. É no âmbito desse direito que se
desenvolvem discussões sobre prisão perpétua, técnicas de interrogatório e
condições nas prisões.
Por fim, o direito à integridade psíquica ou mental, na Europa e em muitos países da tradição do civil law[32], compreende o direito à honra pessoal e à imagem, bem como à privacidade. A noção de privacidade nos Estados Unidos, porém, é bastante peculiar.
Na Constituição dos Estados Unidos não há referência expressa à privacidade. De um lado, aspectos da privacidade são protegidos pela proibição de buscas e apreensões não razoáveis, contida na Quarta Emenda[33]. De outro lado, a honra pessoal e o direito à imagem não têm status de direitos constitucionais, diferentemente do que se passa em muitos outros países e do que consta da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais.
Por
fim, a jurisprudência norte-americana trata sob o rótulo de direitos de
privacidade situações que em outros países se enquadram na categoria de
liberdade[34]
e igualdade perante a lei, como o direito ao uso de anticoncepcionais e o
direito de praticar atos íntimos entre adultos.
A
dignidade humana ocupa apenas uma parte do conteúdo da ideia de igualdade, e em
muitas situações, pode ser aceitável que se realizem diferenciações entre as
pessoas.
No
mundo contemporâneo isso está particularmente em discussão nos casos envolvendo
ações afirmativas e direitos de minorias religiosas. O valor intrínseco também leva a outro direito
fundamental, o direito à integridade física e psíquica. O direito à integridade
física abrange a proibição da tortura, do trabalho escravo e das penas cruéis
ou degradantes.
É
no âmbito desse direito que se desenvolvem discussões sobre prisão perpétua,
técnicas de interrogatório e condições nas prisões. Por fim, o direito à integridade
psíquica ou mental, na Europa e em muitos países da tradição do civil law,
compreende o direito à honra pessoal e à imagem, bem como à privacidade. A
noção de privacidade nos Estados Unidos, porém, é bastante peculiar.
Existe,
pelo mundo todo, uma quantidade razoável de precedentes envolvendo direitos
fundamentais derivados da dignidade humana como valor intrínseco. No que se
refere ao direito à vida, o aborto é permitido nos primeiros estágios da
gravidez na maioria das democracias[35] do Atlântico Norte,
incluindo Estados Unidos, Canadá, França, Reino Unido e Alemanha. A dignidade
humana, nesses países, não tem sido interpretada como um reforço do direito à
vida do feto em contraposição à vontade da gestante.
Esse
ponto será retomado na última seção do presente livro. Ao contrário do aborto,
o suicídio assistido é ilegal na maioria dos países do mundo, embora haja um
número crescente de exceções, que incluem Holanda, Bélgica, Colômbia e
Luxemburgo, entre outros. Nos Estados Unidos, ele é permitido nos Estados do
Oregon, Washington e Montana.
A
principal preocupação aqui não é com a cessação da vida dos pacientes que são
doentes terminais, em estágio vegetativo ou sofrendo de modo insuportável e
permanente, mas com a possibilidade de pessoas vulneráveis sofrerem abusos.
Quanto à pena de morte, ela foi banida da Europa e da maioria dos países do
mundo, sendo que os Estados Unidos continuam como uma exceção marcante entre as
democracias ocidentais.
Embora
possua alicerces na tradição histórica americana, é difícil defender que a pena
de morte seja compatível com a dignidade humana, já que implica na
objetificação completa do indivíduo cuja vida e humanidade sucumbem diante de
um suposto interesse público — altamente questionável — que seria realizado por
meio dessa forma de retribuição.
Em
referência à igualdade, a prática de ações afirmativas foi acolhida em países
como EUA, Canadá e Brasil e é expressamente autorizada pela Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Por outro lado, os
direitos das minorias religiosas têm sofrido derrotas, especialmente na Europa,
onde o uso do véu islâmico integral em público ou foi proibido ou é objeto de
discussão em vários Estados Membros.
Nesses
países, o Judiciário e o Legislativo têm deixado de conferir proteção plena à
dignidade de grupos minoritários, considerando que o direito à identidade
desses grupos é sobrepujado por um alegado interesse público relativo à
segurança, preservação cultural e proteção dos direitos das mulheres.
No
que se refere à integridade física ou, de acordo com a terminologia americana,
penas cruéis e incomuns juízes e juristas têm repetidamente afirmado que a
tortura é uma prática completamente inadmissível. Mais, recentemente, nos EUA,
a Suprema Corte declarou que a superlotação das prisões na Califórnia violava a
Oitava Emenda[36].
O
voto majoritário, redigido pelo Justice Kennedy, fez referências à dignidade, à
dignidade do homem e à dignidade humana. E, finalmente, tratando-se da
integridade psíquica, o típico desafio no mundo contemporâneo diz respeito ao
conflito entre o direito à privacidade (entendimento como honra pessoal ou
imagem) e a liberdade de expressão, particularmente, a de imprensa.
Os
aspectos da dignidade humana estão presentes em ambos os lados dignidade como
valor intrínseco versus dignidade como autonomia e os resultados desses
casos são influenciados por contextos culturais distintos. Um exemplo recente
desse conflito entre culturas jurídicas se deu quando a polícia de Nova York
efetuou a prisão de uma figura pública francesa, que foi então exposta algemada
à imprensa e obrigada a caminhar diante das câmeras por ocasião da apresentação
ao juiz. Embora, essa seja uma prática policial comum nos EUA, onde é chamada
de perpwalk, o episódio fora considerado como violação de privacidade
desnecessária e abusiva.
A
autonomia é elemento ético da dignidade humana, é fundamento do livre arbítrio
e que lhes permite buscar, da sua própria maneira, o ideal de viver bem e de
ter uma boa vida. Trata-se de autodeterminação, a pessoa autônoma define as
regras que irão disciplinar a sua ida. E, dentro da concepção de Kant de
autonomia, deve ser entendida como a vontade orientada pela lei moral
(autonomia moral).
Voltando-se
para a autonomia pessoal que é valorativamente neutra e significa o livre
exercício da vontade por cada pessoa, segundo seus próprios valores, interesses
e desejos. A autonomia pressupõe o preenchimento de certas condições, como a
razão que é a capacidade mental de tomar as decisões informadas, a
independência, ou seja, a ausência de coerção, coação, ou de manipulação e de
privações essenciais e a escolha (a existência real de alternativas).
Note-se
que no sistema moral kantiano a autonomia é a vontade que não sofre influências
heterônomas e corresponde à ideia de liberdade. Contudo, na prática política e
na vida social, a vontade individual é restringida pelo direito e pelos
costumes e normas sociais.
Desse
modo, ao contrário da autonomia moral, a autonomia pessoal, embora esteja na origem
da liberdade, corresponde apenas ao seu núcleo essencial. A liberdade tem um
alcance mais amplo, que pode ser limitado por forças externas legítimas. Mas, a
autonomia é a parte da liberdade que não pode ser suprimida por interferências sociais
ou estatais por abranger as decisões pessoais básicas, como as escolhas
relacionadas com religião, relacionamentos pessoais, profissão e concepções
políticas, entre outras.
A
autonomia, portanto, corresponde à capacidade de alguém tomar decisões e de
fazer escolhas pessoais ao longo da vida, baseadas na sua própria concepção de
bem, sem influências externas indevidas.
Quanto
às suas implicações jurídicas, a autonomia está subjacente a um conjunto de
direitos fundamentais associados com o constitucionalismo democrático,
incluindo as liberdades básicas (autonomia privada) e o direito à participação
política (autonomia pública).
Com
a ascensão do Estado de bem-estar social[37], muitos países ao redor
do mundo passaram a incluir, na equação que resulta em verdadeira e efetiva
autonomia, o direito fundamental social a condições mínimas de vida (o mínimo
existencial). Analisa-se brevemente, a seguir, cada uma dessas três categorias:
autonomia privada, autonomia pública e mínimo existencial[38].
A
autonomia privada é o conceito-chave por trás das liberdades individuais,
incluindo aquelas que nos Estados Unidos são normalmente protegidas sob o
guarda-chuva da privacidade. Dessa forma, as liberdades de religião, expressão
e associação, assim como os direitos sexuais e reprodutivos, são importantes
manifestações da autonomia privada. É claro que a partir da autonomia privada
não derivam direitos absolutos.
É
importante relembrar que a autonomia está apenas no núcleo essencial das
diferentes liberdades e direitos, não ocupando toda a sua extensão. Por
exemplo: como resultado da sua liberdade de ir e vir, um indivíduo pode decidir
onde fixar residência, uma escolha estritamente pessoal; do mesmo modo, ele
pode decidir onde passar suas próximas férias.
Mas
se uma legislação ou regulação válida o proibir de visitar um determinado país,
como por exemplo, a Coreia do Norte[39] ou o Afeganistão[40], não se poderia cogitar, ao menos em princípio,
que essa restrição represente uma violação à sua dignidade humana.
Finalmente,
podem existir colisões entre a autonomia de indivíduos diferentes, assim como
entre a autonomia, de um lado, e a dignidade como valor intrínseco ou como
valor comunitário, do outro. Assim, a autonomia privada, como um elemento
essencial da dignidade humana, oferece um relevante parâmetro para a definição do
conteúdo e do alcance dos direitos e liberdades, mas não dispensa o raciocínio
jurídico da necessidade de sopesar fatos complexos e de levar em consideração
normas aparentemente contraditórias, com a finalidade de atingir um equilíbrio
adequado diante das circunstâncias.
Nos Estados Unidos, a questão foi levantada pela primeira vez em um famoso discurso do presidente Franklin Delano Roosevelt e na sua proposta subsequente de uma “segunda Bill of Rights”[41], apresentada em 11 de janeiro de 1944, que contém menção expressa aos direitos à alimentação adequada, vestuário, moradia decente, educação e cuidados médicos.
Embora Roosevelt acreditasse que a
implementação dessa segunda geração de direitos fosse um dever do Congresso e
não do Judiciário, Cass Robert Sunstein defendeu convincentemente que, em casos
julgados entre o início da década de 1940 e os primeiros anos da década de
1970, uma série de decisões da Suprema Corte chegou muito perto de reconhecer
alguns direitos sociais e econômicos como verdadeiros direitos constitucionais.
Segundo Cass Robert Sunstein[42], uma contrarrevolução ocorreu após Richard Nixon[43] ter sido eleito presidente em 1968, notadamente por causa de suas indicações para a Suprema Corte. Como consequência, a jurisprudência[44] da Corte ficou mais alinhada com a visão tradicional dominante no Direito americano, segundo a qual os direitos fundamentais não conferem aos seus titulares direitos a prestações estatais positivas. Mais recentemente, a Reforma da Saúde de 2010 reacendeu esse debate.
A
autonomia privada corresponde ao que Benjamin Constant[45] chamou de liberdade dos
modernos, baseada nas liberdades civis, no Estado de Direito e na proteção
contra a interferência estatal abusiva.
A autonomia pública, por seu azo, está relacionada à liberdade dos
antigos, de liberdade republicana relacionada com a cidadania e com a
participação na vida política.
E,
os gregos antigos enxergavam a cidadania como uma obrigação moral e dedicavam
uma parte substancial do seu tempo e da sua energia nos assuntos públicos, o
que era facilitado pelo fato de os escravos realizarem a maior parte do
trabalho.
Como
a democracia é associação para autogoverno, exige uma relação mútua entre
cidadão e a vontade coletiva. Assim cada cidadão tem o direito de participar do
governo direta ou indiretamente. E, nesse sentido, a autonomia pública implica
nos direitos de votar, concorrer aos cargos públicos, ser membro de associações
políticas, fazer parte de movimentos sociais e, especialmente, o direito às
condições necessárias para participar do debate público. Idealmente, portanto,
todas as leis que os indivíduos são obrigados a respeitar foram criadas com a
sua participação, o que lhes assegura o status de indivíduos autônomos, e não o
de meros súditos heterônomos.
No
que se refere à autonomia pública, uma importante decisão da Corte Europeia de
Direitos Humanos considerou que uma legislação do Reino Unido que negava aos
presos o direito ao voto violava a Convenção Europeia de Direitos Humanos.
Embora essa decisão tenha sido duramente questionada pelos membros do
Parlamento Inglês, a Corte corretamente declarou que “os prisioneiros em geral
continuam a gozar dos direitos fundamentais garantidos pela convenção
[incluindo o direito ao voto], com exceção do direito à liberdade”.
Por
fim, ínsito à ideia de dignidade humana está o conceito de mínimo existencial,
também chamado de mínimo social, ou o direito básico às provisões necessárias
para que se viva dignamente.
A
igualdade, em sentido material ou substantivo, e especialmente a autonomia
(pública e privada) são ideias dependentes do fato de os indivíduos serem
“livres da necessidade” (free from want), no sentido de que suas
necessidades vitais essenciais sejam satisfeitas.
Para
serem livres, iguais e capazes de exercer uma cidadania responsável, os
indivíduos precisam estar além de limiares mínimos de bem-estar, sob pena de a
autonomia se tornar uma mera ficção, e a verdadeira dignidade humana não
existir. Isso exige o acesso a algumas prestações essenciais — como educação
básica e serviços de saúde —, assim como a satisfação de algumas necessidades
elementares, como alimentação, água, vestuário e abrigo.
O
mínimo existencial, portanto, está no núcleo essencial dos direitos sociais e
econômicos, cuja existência como direitos realmente fundamentais — e não como
meros privilégios dependentes do processo político — é bastante controvertida
em alguns países.
A
sindicabilidade judicial desses direitos é complexa e produz uma série de
impasses em todos os lugares. Apesar dessas dificuldades, a ideia de direitos
sociais mínimos[46]
que podem ser efetivados pelo Judiciário, não sendo inteiramente dependentes da
ação legislativa, foi aceita pela jurisprudência de diversos países, incluindo Alemanha,
África do Sul e Brasil, para citar exemplos de diferentes continentes. De
acordo com as circunstâncias, os juízes e cortes podem tanto determinar a
concessão de um benefício individual, quanto, ao menos, exigir uma ação
razoável do Estado.
O
mínimo existencial está no cerne da dignidade humana e que a autonomia não pode
existir onde as escolhas são ditadas somente por necessidades pessoais. Desse
modo, portanto, aos muito pobres deve ser proteção constitucional.
O
terceiro e derradeiro elemento da dignidade humana é valor comunitário, também
chamada de dignidade como restrição ou dignidade como heteronomia, representa o
elemento social da dignidade. Os contornos da dignidade humana são moldados
pelas relações do indivíduo com os outros, assim como o mundo ao seu redor.
A
autonomia protege a pessoa de se tornar apenas mais uma engrenagem do
maquinário social. Contudo, como na famosa passagem de John Donne, “nenhum
homem é uma ilha, completa em si mesma”. A expressão “valor comunitário”, que é
bastante ambígua, é usada aqui, por convenção, para identificar duas diferentes
forças exógenas que agem sobre o indivíduo: 1. Os compromissos, valores e
“crenças compartilhadas” de um grupo social, e 2. As normas impostas pelo
Estado.
O
indivíduo, portanto, vive dentro de si mesmo, de uma comunidade e de um Estado.
Sua autonomia pessoal é restringida por valores, costumes e direitos de outras
pessoas tão livres e iguais quanto ele, assim como pela regulação estatal
coercitiva. Autonomia, comunidade e Estado.
Em
um interessante livro, Robert Post[47] identificou, de modo
similar, três formas distintas de ordem social: comunidade (“um mundo
compartilhado de fé e destino comuns”), administração (a organização
instrumental da vida social através do direito para alcançar objetivos
específicos) e democracia (um arranjo que incorpora o objetivo da
autodeterminação individual e coletiva). Essas três formas de ordem social
pressupõem e dependem umas das outras, mas estão também em constante tensão.
A
dignidade como valor comunitário enfatiza, portanto, o papel do Estado e da
comunidade no estabelecimento de metas coletivas e de restrições sobre direitos
e liberdades individuais em nome de certa concepção de vida boa.
A
questão relevante aqui é saber em quais circunstâncias e em que grau essas
ações devem ser consideradas legítimas em uma democracia constitucional. A
máxima liberal de que o Estado deve ser neutro em relação às diversas
concepções de bem em uma sociedade pluralista não é incompatível, obviamente,
com restrições resultantes da necessária coexistência entre diferentes pontos
de vista e de direitos potencialmente conflitantes.
Tais
interferências, porém, devem ser justificadas sobre as bases de uma ideia
legítima de justiça, de um consenso sobreposto, que possa ser compartilhado
pela maioria dos indivíduos e grupos.
O
valor comunitário, como uma restrição sobre a autonomia pessoal, busca sua
legitimidade na realização de três objetivos: 1º. A proteção dos direitos e da
dignidade de terceiros; 2º. A proteção dos direitos e da dignidade do próprio
indivíduo; e 3º. A proteção dos valores sociais compartilhados.
Embora
Kant seja normalmente associado com a dignidade como autonomia, a verdade é que
seu trabalho fornece bases morais para a ideia de dignidade como valor comunitário,
da maneira como aqui apresentada. De fato, o sistema ético kantiano é fundado
sobre um dever de moralidade que inclui o respeito por outros e por si mesmo.
Nos
seus estudos sobre bioética e biodireito, Beyleveld e Brownsword exploraram em
profundidade essa concepção kantiana de “dignidade humana como restrição”, centrada
nas noções de deveres e responsabilidades, em oposição à “dignidade humana como
empoderamento”, que essencialmente se refere a direitos.
Segundo
Luciana Cordeiro Souza-Fernandes e Demi Can Huisseling diante dos dados
referentes à atual pandemia de COVID-10, com o agravamento das desigualdades e
a ausência do mínimo existencial, a população brasileira assiste estarrecida a
falência das políticas públicas[48] que já não eram aptas a
alcançar a todos, além de que os dados sobre saneamento ambiental e pobreza
apontam a ausência de direitos sociais e, a enorme dificuldade de se cumprir
minimamente os objetivos do propalado desenvolvimento sustentável proposto pela
ONU até 2030. Acreditam, as autoras, que é o momento ideal para revistar as
políticas públicas existentes no combate às desigualdades e, enfim, garantir o
mínimo existencial.
Diante do atual cenário da Saúde no país, onde é visível a inexistência de vacinas para todos, bem como a eficiência dos Planos de Vacinação, ante também o inexistente planejamento para vacinação e, adequadas condições para o cumprimento das regras sanitárias para evitar a disseminação da Covid-19. Urgem que os poderes Legislativo e Judiciário implementem suas atribuições para garantir o mínimo de respeito e preservação da dignidade humana, eis que é um dos pilares da República Federativa do Brasil[49].
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Notas:
[1]
Giovanni nasceu em Mirandola, na Itália, em 24 de fevereiro de 1463. Veio de
uma família nobre e de muitas poses, além de muito influente na política e na
arte Renascentista italiana. Era filho
de Francesco I, Lorde de Mirandola e Conde de Concórdia (1415 – 1467) e de
Giulia, filha de Feltrino Boiardo, Conde de Scandiano (Itália). Teve dois
irmãos, ambos muitos anos mais velhos, eram eles: Conde Galeotto (1442 – 1499),
que seguiu com a dinastia, e Antonio (1444 – 1451), que virou general do
exército Imperial. Assim, com tantas influências diferentes, Pico tentou, em
suas 900 teses, conciliar religião e filosofia, catolicismo e Cabbala,
Aristóteles e Platão. Já em Roma, em dezembro de 1486, ele publicou suas 900
teses e se ofereceu para pagar os custos da viagem de qualquer filósofo que se
dispusesse a ir à Roma para discuti-las em um debate público. Também nesse ano,
publicou “De hominis dignitate oratio” (Discurso sobre a Dignidade do
Home) que serviu de introdução às teses.
[2]
Em Justice for Hedgehogs, R. Dworkin sustenta as teses da unidade do
valor e da dicotomia fato/valor, delimitando a moralidade como um domínio
epistemológico autônomo. Consequentemente, a abordagem positivista deve ser
rejeitada no que concerne à moralidade. Para ele, como o conceito de direto
cumpre uma função de justificação de determinadas práticas sociais, ele
pertence ao campo da moralidade. Portanto, sua análise não pode ser moralmente
neutra. O presente escrito sustenta que Dworkin falha ao não reconhecer que nem
toda valoração tem implicações morais, ainda que ele esteja certo ao afirmar
que o entendimento de um conceito valorativo é produto de uma intepretação
construtiva. A partir do realismo pragmático de Hillary Putnam, pretende-se
recorrer à ciência como exemplo de uma atividade valorativamente carregada, mas
moralmente neutra. Conclui-se que é possível a coexistência de um conceito
positivo e outro normativo de direito, cada um demandando uma abordagem teórica
própria.
[3]
Georg Jellinek (1851-1911) foi filósofo do direito e juiz alemão. Professor na
Universidade de Basileia e na Universidade de Heidelberg, publicou várias obras
sobre filosofia do direito e ciência jurídica, dentre as quais se destaca
Teoria Geral do Estado onde sustenta que a soberania recai sobre o Estado e não
sobre a nação, que é um simples órgão daquele e as Teoria da Soberania do
Estado e a Teoria do Mínimo Ético. Elogiada como irrepreensível por Paulo
Bonavides, um dos maiores constitucionalistas do Brasil, é a definição de
Jellinek de Estado como "corporação de um povo, assentada num determinado
território e dotada de um poder originário de mando."
[4]
François Geny (1861-1959) foi um jurista francês, célebre pela sua crítica ao
método de interpretação baseado na exegese de textos legais e regulamentares, e
que mostrou a força criativa do costume e propôs fazer um grande movimento à
livre pesquisa científica dos métodos de interpretação. Numa época quando se
ensinava o Código Civil Francês de 1804 nas cadeiras de direito civil, Gény
escolheu um método de interpretação independente da vontade do legislador,
entendendo que tal vontade não prevalecia ao longo dos anos. No seu Método de
Interpretação e Fontes em Direito Privado Positivo: Ensaio Crítico, publicado
em 1899, ele procura demonstrar que não é necessário procurar na lei mais
soluções além das que estão contidas em sua fórmula e que, sobretudo, o
costume, a tradição doutrinária e a livre investigação científica forneciam ou
criavam o complemento de um direito positivo que não era vinculado
artificialmente à lei. Em Ciência e Técnica em Direito Privado Positivo,
publicado entre 1914 e 1924, Gény procura descobrir a exata fonte de onde
brotam os princípios e as regras, ou seja, o direito em si, e a atingir pelas
vozes combinadas do conhecimento e da ação. Segundo ele, a ciência se serve de
todos os procedimentos do conhecimento e se aplica ao dado. Sociologia,
economia, linguística, filosofia e teologia figuraram entre as fontes da livre
investigação científica.
[5]
Oliver Wendell Holmes (1809-1894) foi um médico, professor, palestrante e autor
norte-americano. Considerado pelos seus pares como um dos melhores escritores
do século XIX, é considerado um membro do Poets Fireside. Sua obra em
prosa mais famosa é Breakfast-Table, que começou com o The Autocrat
of the Breakfast-Table (1858). Ele é reconhecido como um importante
reformador da medicina. Após graduar-se em Harvard em 1829, ele estudou direito
antes de voltar à medicina. Começou a escrever cedo. Uma de suas obras mais
famosas é "Old Ironsides", que foi publicada em 1830. Durante
seu tempo de professor, ele se tornou um defensor de várias reformas. Postulou
a polêmica ideia de que os médicos eram capazes de levar a febre puerperal de
paciente para paciente. Quando Holmes se aposentou da Universidade de Harvard
em 1882 ele continuou a escrever poesia, romances e ensaios, até sua morte em
1894.
[6]
É relevante sublinhar que a própria definição de realismo jurídico
norte-americano não é consensual entre os historiadores. Geralmente, se atribui
esse movimento de conjunto de pensamentos jurídicos produzidos por professores
de Columbia e Yale entre 1920 a 1930 (Karl Llewelly e Robert Lee Hale,
1884-1969, de Columbia e Walter Wheeler Cook, 1873-1943, e Arthur Linton
Corbin, 1874-1967, de Yale). No entanto, tal definição exclui do movimento as
influências que antecederam a esses doutrinadores, dificultando ainda mais a
elaboração de uma delimitação precisa do que foi o realismo jurídico nos EUA.
Em grande parte, continuou o projeto do Progressive Legal Thought de
atacar as tentativas dos autores clássicos (Classical Legal Thought) do
final do século XIX de criar um modelo que separasse rigorosamente o direito da
política, representando esse direito como neutro e natural.
[7]
A dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai os conteúdos aptos a
expressar todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. O
conceito de dignidade da pessoa humana obriga, pois, a uma densificação
valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e
não qualquer ideia apriorística da pessoa humana.
[8] Para o caso do arremesso de anão e para os Peep-Shows.
Neste último tipo de apresentação, feita majoritariamente em casas noturnas,
mulheres dançam desnudas. Para ter a oportunidade de vê-las, o cliente, homem
ou mulher, deve colocar moedas em uma máquina. Com isso, abre-se um
compartimento e passa a ser possível ver a mulher que está a dançar. Um caso a
respeito ficou famoso a partir da decisão do Conseil d’Etat que,
provocado por um dos anões afetados pela medida, declarou ser válido o ato administrativo
do prefeito (maire) da pequena commune de Morsang-sur-Orge que
proibiu o arremesso de anão na cidade. Posteriormente, a Comissão das Nações
Unidas para os Direitos Humanos decidiu que a decisão do Conseil d’Etat
não violou os direitos do mencionado anão e que tampouco foi discriminatória.
Para muitos, esse tipo de apresentação denigre a figura da mulher. Parece ser
bastante plausível que este tipo de “show” envolve um péssimo gosto e
que pode, de fato, ser considerado um tanto impróprio. Contudo, nada leva a
crer que esse comportamento seja vedado pela dignidade humana. No passado,
sobretudo nas décadas de 70 e 80 do século XX, o Tribunal Federal
Administrativo alemão (Bundesverwaltungsgericht) proferiu decisões
proibindo Peep-Shows. Para tanto, invocou-se a violação da dignidade
humana como fundamento.
[9] (KENNEDY,
David; FISHER, William W. The Canon of American Legal Thought. Princeton
University Press. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/248692621_David_Kennedy_and_William_W_Fisher_III_eds_The_Canon_of_American_Legal_Thought_Princeton_and_Oxford_Princeton_University_Press_2295_Pp_925_isbn_0_691_12000_5&prev=search&pto=aue
Acesso em 03.03.2021)
[10]
O pós-positivismo é também chamado de pós-empiricismo sendo uma instância meta
teorética que critica e aperfeiçoa o positivismo. Os pós-positivistas acreditam
que o conhecimento humano não é baseado no incontestável em bases pétreas, mas
sim, em hipóteses. Como o conhecimento humano é inevitavelmente hipotético, a
afirmação de suas suposições está assegurada ou, mais especificamente,
justificada por uma série de garantias, as quais podem ser modificadas ou
descartadas no decorrer de mais investigações. Entretanto, o pós-positivismo
não é uma forma de relativismo, e geralmente mantém a ideia da verdade
objetiva. Um dos pensadores fundadores do pós-positivismo foi Karl Popper e,
sua investida na falsificação é uma crítica à ideia de verificabilidade do
positivismo lógico. O falsificacionismo declara que é impossível verificar se
uma crença é verdadeira, embora seja possível rejeitar falsas crenças se as
mesmas forem objetivamente provadas falsas, pondo em prática a ideia proposta
de falsificação. A ideia de Thomas Kuhn da mudança de paradigma oferece uma
crítica mais forte ao positivismo, argumentando que não apenas teorias
individuais, mas toda a visão de mundo deve mudar em resposta à evidência. O
pós-positivismo é um melhoramento do positivismo que reconhece estas e outras
críticas contra o positivismo lógico. Não é uma rejeição ao método científico,
mas uma reforma para responder a essas críticas. Preserva as bases do
positivismo: o realismo ontológico, a possibilidade e o desejo pela verdade
objetiva, e o uso da metodologia experimental.
[11]
As origens do common law remontam à conquista normanda da Inglaterra em
1066 com a Batalha de Hastings, que levou à centralização do governo, incluindo
a administração da justiça, trazendo para a Inglaterra, um poder que, além de
ser forte e centralizado, era também dotado de larga experiência administrativa.
Nesse período, surgiu o feudalismo na Inglaterra e desapareceu a época tribal.
Os conquistadores normandos estabeleceram Cortes Reais e um sistema de justiça
real que gradualmente foi substituindo as antigas Cortes e regras feudais.
Nesse processo de centralização da justiça, os juízes desenvolveram novos
procedimentos e remédios, bem como um novo corpo de direito substantivo que
seria aplicado a todos os cidadãos ingleses, o que justifica o nome de common
law, como direito comum a todos, em oposição aos costumes locais. Ou seja, common
law significava o direito comum a todo Reino da Inglaterra, comum
justamente porque se decidia de maneira centralizada pelas Cortes Reais de
Justiça de Westminster. Mais tarde, o common law passou a fazer contraste com o
statute law e com a equity.
[12]
Nos Estados Unidos da América, exemplificando, ainda que seja utilizado na
jurisprudência desde a década de 1940, “o uso do conceito é episódico e pouco desenvolvido,
relativamente incoerente e contraditório, além de carente de maior especificidade
e clareza”. Ainda que assim ocorra, nos últimos anos houve uma tendência de
usar a dignidade humana, nas cortes norte-americanas, como suporte para a
resolução de casos envolvendo direitos fundamentais como o direito à
privacidade, à igualdade, à proibição de penas cruéis e incomuns e do “direito
de morrer”. Também a jurisprudência internacional cita a dignidade humana em
diversas ocasiões, como a título de exemplo, quando a Corte Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH) aborda “a violência psicológica, sexual e física contra
detentos em prisão peruana, confinamento solitário e outras formas de
encarceramento em condições desumanas e desaparecimentos forçados”28. O mesmo
órgão observa, ainda, um norte de responsabilização do Estado no que diz
respeito à reparação do dano ocorrido.
[13]
O Tribunal Constitucional Federal da Alemanha (Bundesverfassungsgericht)
tem sido um dos intérpretes mais importantes do conceito de dignidade humana.
Não apenas casuisticamente, mas também conceitualmente. Além disso, há bons
motivos para acreditar que as origens históricas e filosóficas da dignidade
humana, especialmente as que vêm de Immanuel Kant, são ainda importantes para
como os doutrinadores e os juízes compreendem essa noção. Vale ressaltar que a Constituição alemã foi
um dos primeiros textos constitucionais de alcance nacional a insculpir a
garantia da dignidade humana. Nos 60 anos de sua existência, o Tribunal viu-se
obrigado a definir, redefinir e explicitar suas posições acercada dignidade humana,
o que o torna um de seus maiores intérpretes, inclusive conceitualmente e não
apenas casuisticamente. Na perspectiva dessa garantia, RUDOLF VON JHERING
(1872), em seu célebre texto Der Kampf ums Recht, afirma que o nível de
susceptibilidade da dignidade violada vai constituir a medida de valor que
balizará a legislação, quanto à maior ou menor severidade na punição da ameaça
a princípios vitais.
[14]
Debates acerca do aborto e da eutanásia evidenciam concepções morais sobre os
direitos individuais que, por sua vez, são passíveis de normatização em cada
contexto. Tais temas revelam para além da criação e do desenvolvimento de novas
tecnologias médicas, direcionadas à reprodução assistida, medicina fetal e
manutenção artificial da vida, seja de prematuros ou de doentes fora de
possibilidades de cura valores e posicionamentos, muitas vezes contrastivos. A
partir de levantamento de projetos de lei apresentados no âmbito legislativo
brasileiro, constatou–se a presença de discursos opostos, oriundos da religião
e de defensores da autonomia individual, o que ilustra os dilemas
contemporâneos sobre os limites da vida. In: GOMES, Edlaine de Campos; MENEZES,
Rachel Aisengart. Aborto e eutanásia:
dilemas contemporâneos sobre os limites da vida. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73312008000100006 Acesso em 5.3.2021.
[15]
A jurisprudência dos interesses nega não apenas a função silogística e lógica
do juiz como o método de interpretação do direito mediante conceitos, a firma
que: “[....] La directriz hoy en día debe ser La adecuación de los
resultados a las necesidades prácticas de
la vida”. Os requisitos que a Jurisprudência dos Interesses impõe ao juiz
são: Obediência às regras do Direito
Positivo. Adequando os interesses em lide. Contudo, a sua valoração deve
observância à valoração já feita pelo Legislador: “A hora bien, la valoración
de los intereses llevada a cabo por el legislador debe prevalecer sobre la
valoración individual que el juez pudiera hacer según su personal criterio”.
Ante a inexistência de norma a ser aplicada no caso concreto, ou quando
existirem, mas forem contraditórias, o Juiz deve iniciar uma busca pelo para
subsumir do ordenamento, uma solução ao caso concreto que se alinhe com o que o
Legislador já tenha definido: “en suma, el juez debe protegerla totalidad de
los intereses que el legislador ha considerado dignos de protección, y emgrado
y jerarquía em que este há estimado que de ben ser protegidos”. Num processo de
“analogia pela literalidade da lei. Com a Jurisprudência dos Interesses há uma
permanência e distanciamento do positivismo clássico, não quanto ao silogismo
na aplicação da lei, mas na prevalência dos textos ante aos valores ou
conceitos subjetivos. A pequena fissura no modelo hígido do positivismo na
Jurisprudência dos Interesses se dá na exata medida em que não foi precisamente
delimitado como seria percorrido o caminho de retorno aos interesses do legislador
à época de elaboração da lei. Abertura esta que levaria ao mesmo subjetivismo
criticado. Outro ponto em que Heck e a Jurisprudência dos Interesses se
distanciam do positivismo é no combate à tese da autossuficiência do
ordenamento jurídico. Para Heck, as lacunas sempre existirão e devem ser lidas
de acordo com os interesses propostos pelo Legislador.
[16]
O STF tem invocado a dignidade humana situações. Entre elas, o direito contra a
autoincriminação, a proibição da tortura e do tratamento degradante e cruel, o
direito de não ser algemado injustificadamente, a falta de proteção
constitucional para o discurso antissemita e o acolhimento de ações afirmativas
em benefício de pessoas com deficiências. A dignidade da pessoa humana serve
como princípio-base que norteia inúmeros outros direitos implícitos que dele
surgem. O direito à liberdade de manifestação de pensamento, a liberdade de
orientação sexual, o direito a ter uma morte digna, dentre outros.
[17]
A concepção de teoria do direito de Ronald Dworkin e das razões que o levam a
rejeitar o positivismo jurídico enquanto abordagem viável para o conhecimento
do conceito de direito. A posição de Dworkin - objeto do primeiro capítulo - é
que, dado o seu núcleo valorativo, o conceito de direito deve ser submetido à
mesma disciplina teórica do pensamento moral. Assim como a filosofia moral, a
filosofia jurídica é produto do caráter reflexivo das práticas a que ela se
propõe a estudar. Ela não é uma forma de investigação qualitativamente distinta
daquela promovida pelos participantes do discurso jurídico. Para defender isso, ele dedicou grande parte
de seu livro Justice for Hedgehogs apresentar as premissas de sua epistemologia
moral. Dentre elas, destacam-se o princípio segundo o qual juízos de fato são
fundamentalmente diferentes de juízos de valor e a ideia de que a compreensão
de conceitos ligados a valores só pode ser obtida através da vinculação entre
significado e propósito - a que Dworkin denomina de interpretação.
[18]
"Nós vivemos no e segundo o Direito. Ele faz de nós o que somos: cidadãos,
empregados, médicos, cônjuges e proprietários. É espada, escudo e ameaça:
lutamos por nosso salário, recusamo-nos a pagar nosso aluguel, somos obrigados
a pagar multas ou mandados para a cadeia, tudo em nome do que nosso soberano
abstrato e etéreo, o Direito, estabeleceu. E "discutimos" o que ele
estabeleceu, mesmo quando os livros que supostamente registram seus comandos e
diretivas estão silentes; nós agimos então como se o Direito apenas tivesse
murmurado sua ordem, demasiado baixo para ser ouvida com nitidez. Nós somos
súditos do império do Direito, vassalos de seus métodos e ideais, subjugados em
espírito quando debatemos o que devemos, portanto, fazer." Fonte: https://citacoes.in/autores/ronald-dworkin/ Acesso em 5.3.2021.
[19]
A doutrina moral de Kant é independente de qualquer sentido religioso. Sua
moral exclui a noção de intenção como elemento de uma alma pura, e o dever não
é uma obrigação a ser seguida em virtude de um ente superior. Intenção e dever
(em Kant) dependem do sujeito epistemológico (eu transcendental) e não do eu
psicológico (indivíduo). Para Kant, o sujeito transcendental trata-se de uma
maquinaria (aparelho cognitivo) subjetiva, universal e necessária (presente em
todos os homens, em todos os tempos e em todos os lugares). Assim, todo ser
saudável possui tal aparato, formado por três campos: a razão, o entendimento
(categorias) e a sensibilidade (formas puras da intuição-espaço e tempo).
[20]
O conceito de dignidade da pessoa humana, na filosofia de Immanuel Kant, é
apreendido na obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”. A problemática
central do livro refere-se à seguinte questão: como devo agir para que a minha
ação seja boa? A resposta à referida indagação fará menção ao conceito de
dignidade para Kant. O filósofo responde à indagação “Como devo agir para que a
minha ação seja boa” através da seguinte metodologia: a) conceituação da ação
boa através da boa vontade; b) utilização da razão pura, ou a priori,
que exclui as regras da experiência (empíricas) como orientadoras da ação
humana, antes, vale-se de regra existente na razão independentemente de
qualquer experiência; c) estabelecimento de uma lei universal que garanta a
ação boa; d) estabelecimento da finalidade fundamental da lei universal; e) o
dever como único motivo racional que impele o sujeito a agir conforme a lei
universal.
[21]
Todos os imperativos ordenam, e são fórmulas para exprimir as relações entre as
leis objetivas do querer em geral, e a discordância subjetiva da vontade
humana. Imperativo é hipotético: no caso de a ação ser apenas boa como meio
para qualquer outra coisa, ou seja, em vista de algum propósito possível ou
real. A habilidade na escolha dos meios para atingir o maior bem-estar próprio
pode-se chamar sagacidade. Por exemplo, a escolha dos meios para alcançar a
própria felicidade (não é um ideal da razão, mas da imaginação), continua sendo
um imperativo hipotético (considerados mais como conselhos). Imperativo
Categórico: não é limitado a nenhuma condição, é um mandamento absoluto
(necessário), vale como princípio apodíctico-prático (da razão). Segue-se que
somente o imperativo categórico equivale a uma lei prática, e os outros
imperativos podem ser denominados de princípios da vontade, mas não leis. Pois,
conforme nos disse Kant “o mandamento incondicional não deixa à vontade nenhum
arbítrio acerca do que ordena, só ele tendo, portanto, em si, aquela
necessidade que exigimos na lei”.
[22]
Não existe propriamente um fato biológico que constitua o fundamento de sua
dignidade, mas o fato da razão moral, que na prática, nos impõe que trataremos
a humanidade, tanto na própria pessoa como na pessoa do outro, sempre e
igualmente como um fim, e nunca simplesmente como um meio. É apenas com as
lições de Kant que ocorre o reconhecimento do outro se funda no valor moral da
pessoa vista como fim em si mesmo.
[23]
Foi a formação inédita de um tribunal militar internacional para julgar o alto
escalão nazista por crimes de guerra e contra a humanidade durante a 2a Guerra
Mundial. Os procedimentos duraram 315 dias (de novembro de 1945 a outubro de
1946) e aconteceram no Palácio da Justiça de Nuremberg, na Alemanha. A maioria
dos acusados assumiu a culpa pelas acusações que receberam, contudo, afirmaram
que estavam apenas cumprindo ordens superiores. As penas mais severas foram
aplicadas àqueles que atuaram diretamente na execução em massa de pessoas e
contribuíram para o projeto do Solução Final, no qual estava prevista a
eliminação física de todos os judeus da Europa. Durante o julgamento dos
participantes da hierarquia nazista foram realizadas 219 sessões e o tribunal
ditou seu veredito em 1º de outubro de 1946. Dos 24 julgados, 12 foram
condenados à morte, três absolvidos, três pegaram prisão perpétua e quatro
foram confinados à prisão de 15 a 20 anos. Entre os condenados à morte pelo
Tribunal de Nuremberg estão líderes do Partido Nazista, como Alfred Rosenberg e
ministros como Joachim von Ribbentrop. Também receberam a pena capital
comandantes de territórios ocupados tal qual Hans Frank e chefes das forças
armadas como Hermann Göring.
[24] Diante de uma sociologia que acabou renunciando ao pensar a sociedade como um todo, Niklas Luhmann desenvolve uma teoria que entende a sociedade na concepção de um sistema, o que também significa pensar a sociedade no seu complexo e na sua complexidade. Tal sistema possibilita a diferenciação da sociedade e governo na evolução dela mesma. As teorias parciais dos sistemas de funções – política, economia, educação, etc, ficam enquadrados dentro de uma teoria global, qual seja, teoria do sistema da sociedade. O ser humano é o ambiente do sistema: produz barulho, inquieta, desestabiliza o sistema, pois este pode somente reconstruir-se em consequência de um dinamismo preestabelecido, através de processos de acumulação evolutiva. O social e o ser humano são entidades autônomas. Cada um atua com princípios de operações diferentes (comunicação-consciência) e não podem ser reduzidos a um denominador comum. Entre o ser humano e a sociedade existe um acoplamento estrutural, significando que a evolução encontrou na comunicação da sociedade o meio de socialização do homem.
[25]
Já, o valor comunitário é o elemento social da dignidade humana, referente ao
indivíduo em relação ao grupo. A autonomia do indivíduo não é ilimitada,
sofrendo algumas restrições legítimas em razão de valores compartilhados pela
sociedade.
[26]
A Santa Inquisição era um Tribunal de Fé,
encarregado de averiguar e descobrir os desvios da alma e as escolhas de
caminhos opostos aos dogmas oficiais da Santa Igreja Católica. Foi um momento
na história em que, empenhado em conter o avanço das heresias no Século XII, o
papa Gregório IX delegou a Domingos de Gusmão a função de sistematizar um
tribunal religioso encarregado de investigar e inquirir os apóstatas do
cristianismo, remetendo aos poderes civis a execução dos culpados de heresia.
Desta forma, surgiu a mais estrutura dadas Inquisições Medievais, controlada
pelos dominicanos, submetida ao papado e responsável por inúmeras perseguições
aos Cátaros, “seguidores do livre espírito”, e a outros “hereges”. Conforme
destaca Novinsky, Anita na obra intitulada “A inquisição”. São Paulo.
Brasiliense, 1983, p. 10 -11, “o termo herege origina-se do grego hairesis
e do latim haeresis e significa doutrina contrária ao que foi definido
pela igreja em matéria de fé. Em grego, hairetikis significa o que
escolhe”.
[27] Afirma-se que o Brasil é um Estado laico, o que significa que não acolhe, impõe, estimula ou segue dogmas impostos por qualquer religião, mas também que não reprova uma ou outra religião. Isso não significa que o Estado é alheio a valores que inspiraram e ainda inspiram boa parte das religiões. Entendo que não se deve confundir religiosidade e espiritualidade. Se não se admite ao Estado apreender dogmas e rituais religiosos, é difícil negar que o ser humano não tenha uma dimensão espiritual, e esta aspiração foi incisivamente expressada, no texto constitucional. In: MEDINA, José Miguel. O Estado, sendo laico, deve defender a dignidade de todos. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2014-mai-26/estado-sendo-laico-defender-dignidade-todos Acesso em 05.3.2021.
[28]
A neutralidade axiológica liberal é vista como um valor e dita aberta ao
inimigo político, fascismo ou bolchevismo. Gerhard Anschütz, em sentido
contrário, leva a neutralidade axiológica de um – apenas por enquanto - sistema
de legalidade funcional até a absoluta neutralidade contra si mesmo e oferece o
caminho legal de afastamento da própria legalidade. Ela [a neutralidade
axiológica] vai, portanto, na sua neutralidade, até o suicídio. Gerhard
Anschütz (1867-1948) foi um notável professor alemão de direito constitucional
e o principal comentarista da Constituição de Weimar. Seu trabalho principal
(com Richard Thoma) é a enciclopédia jurídica de dois volumes Handbuch des
deutschen Staatsrechts; seu comentário constitucional viu 14 edições
durante a República de Weimar. Anschütz, um defensor do positivismo jurídico,
ensinou direito constitucional em Tübingen (depois de 1899), Heidelberg (1900),
Berlim (1908) e novamente em Heidelberg (1916). Democrata por convicção, mesmo
durante a Primeira Guerra Mundial, ele renunciou ao cargo de professor em 1933
depois que os nazistas tomaram o pode . Após a Segunda Guerra Mundial, ele
serviu como consultor do governo militar dos Estados Unidos e nesta posição foi
um dos pais da constituição do Bundesland Hesse.
[29]
Afirmou-se, no julgamento da ADPF 54, que “o Estado não é religioso, tampouco é
ateu. O Estado é simplesmente neutro”. Isso significa que, “se, de um lado, a
Constituição, ao consagrar a laicidade, impede que o Estado intervenha em
assuntos religiosos, seja como árbitro, seja como censor, seja como defensor,
de outro, a garantia do Estado laico obsta que dogmas da fé determinem o
conteúdo de atos estatais. Vale dizer: concepções morais religiosas, quer
unânimes, quer majoritárias, quer minoritárias, não podem guiar as decisões
estatais, devendo ficar circunscritas à esfera privada. A crença religiosa e
espiritual — ou a ausência dela, o ateísmo — serve precipuamente para ditar a
conduta e a vida privada do indivíduo que a possui ou não a possui. Paixões
religiosas de toda ordem hão de ser colocadas à parte na condução do Estado.
Não podem a fé e as orientações morais dela decorrentes ser impostas a quem
quer que seja e por quem quer que seja. Caso contrário, de uma democracia laica
com liberdade religiosa não se tratará, ante a ausência de respeito àqueles que
não professem o credo inspirador da decisão oficial ou àqueles que um dia
desejem rever a posição até então assumida”. Assim, “ao Estado brasileiro é
terminantemente vedado promover qualquer religião. Todavia, como se vê, as
garantias do Estado secular e da liberdade religiosa não param aí — são mais
extensas. Além de impor postura de distanciamento quanto à religião, impedem
que o Estado endosse concepções morais religiosas, vindo a coagir, ainda que
indiretamente, os cidadãos a observá-las. Não se cuida apenas de ser tolerante
com os adeptos de diferentes credos pacíficos e com aqueles que não professam
fé alguma. Não se cuida apenas de assegurar a todos a liberdade de frequentar
esse ou aquele culto ou seita ou ainda de rejeitar todos eles” (STF, ADPF 54,
trecho do voto do Rel. Min. Marco Aurélio, j. 11 e 12.04.2012).
[30]
Rawls se considera um opositor dos modelos teleológicos da filosofia moral, que
definem o que é “bem” independentemente do que realmente seria justo: “Essa
prioridade do justo diante do bem na justiça como imparcialidade acaba por ser
uma característica central da concepção”. Em virtude da grande notoriedade, aplicação e
reconhecimento alcançados por essas teorias é que Rawls as coloca como objetos
de análise e crítica. O conceito de razão pública (public reason) está
intimamente ligado ao fundamento d uma sociedade democrática justa. A razão
pública se apresenta na teoria da justiça como imparcialidade como elemento
central de sua composição, seja para aplicação no âmbito institucional, no ato
da decisão das instituições públicas que são regulamentadas por uma
Constituição democrática, se já no ato individual, da pessoa ao professar seus
valores e realizar a defesa de seus interesses de maneira a exercitar seu dever
de civilidade. Para sua própria existência, essa razão necessita da virtude
política, que é imprescindível para a construção de instituições políticas
justas.
[31]
Na filosofia iluminista de Immanuel Kant inspirada na antropologia de Rousseau,
que o processo de secularização da noção de dignidade consolidou-se por vez
todas, abandonando definitivamente, no âmbito filosófico, quaisquer vestes
sacrais. Kant é, realmente, o ponto arquimediano da moderna concepção laicizada
da dignidade humana, lastreada na doutrina da autofinalidade (Selbstzweck).
[32] Importante ressaltar que o direito inglês moderno, diversamente do civil law, é muito mais um direito histórico, sem rupturas entre o passado e o presente como aconteceu nos direitos de tradição civil law da Europa Continental, especialmente na França que rompeu com o direito preexistente com a Revolução Francesa. Como explica Criscuoli, a Inglaterra não conheceu Revoluções, Declarações de Independência ou Codificações, eventos que romperam com o passado como aconteceu na Europa Continental. Além disso, o direito não pode ser considerado em si mesmo, mas como um produto da sociedade na qual está inserido e de sua história. Diferente do civil law, no qual a autoridade da lei está na autoridade de quem a promulgou, no common law a autoridade do direito está em suas origens e em sua geral aceitabilidade por sucessivas gerações. Por essa razão admite-se a autoridade do direito construído jurisprudencialmente. O common law pode ser considerado um sistema aberto, na medida em que é possível encontrar a solução jurídica mais adequada a posteriori, pois normas são elaboradas e reinterpretadas continuamente, baseadas principalmente na razão. Em contrapartida, o civil law pode ser considerado fechado, eis que presume que, para cada lide, pelo menos em tese, deve haver uma norma aplicável. In: BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. As origens históricas do civil law e common law. Disponível em: https://www.e publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/29883/25943 Acesso em 3.3.2021.
[33]
A emenda proíbe a busca e apreensão sem que haja motivo razoável e mandado
judicial baseado em causa provável. De acordo com a Quarta Emenda, busca e
apreensão (incluindo prisão) devem ser de alcance limitado, baseando-se em
informações específicas transmitidas ao tribunal emissor, geralmente por um
agente da justiça.
[34] O BVerfG assentou que a liberdade religiosa
implica neutralidade, a qual deve ser entendida como distância, tolerância,
paridade e pluralismo. O Estado tem o dever de assegurar o desenvolvimento (Verwirklichung)
da liberdade religiosa do indivíduo, de modo que cada um possa estipular,
autonomamente, as próprias convicções ideológico-religiosas (weltanschaulich-religiöse),
de maneira autorresponsável (eigenverantwortlich), em homenagem à
dignidade do ser humano (Würde des Menschen) e ao livre desenvolvimento
da personalidade (freie Entfaltung der Persönlichkeit) (BVerfG, 41, 29).
Nesse sentido, o Estado é lar de todos os cidadãos (Heimstatt aller Bürger).
A tradução do termo Verwirkung é questão complexa. PONTES DE MIRANDA
(1977, p. 206) chamou a Verwirkung de “caducidade”. Atualmente, esse
termo é utilizado, sobretudo, no que toca aos institutos que, com base na
boa-fé objetiva (Treu und Glauben), limitam o exercício dos direitos
subjetivos. Nesse contexto civilista, traduziu-se a expressão, na linha de MENEZES
CORDEIRO (1983, pp. 812ss.), como “supressio”.
[35]
Lembremos que o Brasil como Estado Democrático de Direito e, portanto,
compromete-se a resguardar os direitos fundamentais de todos, conforme prevê a
vigente Constituição Federal de 1988, no sentido de lhes serem resguardados
seus direitos individuais e coletivos, como o direito de ir e vir, direito à
vida, e direito de serem tratados de forma digna, através do estabelecimento de
uma proteção jurídica concretizada por meio de ações governamentais. Contudo,
uma parcela desta população encontra-se em total desigualdade e, não possuem
seus direitos fundamentais respeitados pelos cidadãos, tais como a população
LGBT, os negros, mulheres, os portadores de necessidades especiais e idosos. Por essa razão, as políticas públicas são
justamente instrumentos do Estado com o objetivo de assegurar determinado
direito de cidadania, de forma difusa ou especificamente para um determinado
seguimento social, cultural, étnico ou econômico. A democracia reconhecida por
ser o governo da maioria não é apenas isso, mas da maioria do povo. Isso
significa que a democracia não representa o governo da maioria das elites, nem
da maioria das corporações, nem da maioria dos grupos econômicos, nem mesmo da
maioria de alguns grupos políticos, que, muitas vezes, são aqueles que
efetivamente elaboraram a lei, mas nem sempre defendem os interesses da
população.
[36]
A Oitava Emenda (Emenda VIII) da Constituição dos Estados Unidos proíbe o
governo federal de impor fiança excessiva, multas excessivas ou punições cruéis
e incomuns. Nos Estados Unidos, o debate é mais acalorado e mais confuso quando
os juízes em questão pertencem à Suprema Corte, e os casos em pauta são eventos
constitucionais que questionam se o Congresso, algum estado ou o presidente têm
o poder legal de fazer algo que um ou outro tentou fazer. A Constituição
confere poderes limitados a essas instituições e estabelece importantes
vedações a cada uma delas. Recusa ao Senado o poder de propor leis envolvendo
matéria financeira e nega ao comandante-em-chefe o poder de alojar soldados em
residências particulares em tempo de paz. Outras restrições são notoriamente
abstratas. A Quinta Emenda insiste em que o Congresso não tome ‘a vida, a
liberdade ou a propriedade’ sem o ‘devido processo legal’, a Oitava Emenda,
prescreve as penas ‘cruéis e incomuns’, e a Décima Quarta Emenda, que dominou o
nosso exemplo do caso Brow, exige que nenhum estado negue a qualquer pessoa ‘a
igualdade perante a lei’.
[37]
O Estado de Bem-Estar Social (do inglês, Welfare State), se caracteriza
pela intervenção do Estado na vida social e econômica. Portanto, o Estado
intervém na economia para garantir oportunidades iguais para todos os cidadãos
através da distribuição de renda e a prestação de serviços públicos como saúde
e educação. Esse modelo de gestão pública foi adotado na Noruega, Dinamarca e
Suécia, entre outros. Políticas públicas são ações tomadas por governos tendo
em vista a garantia de direitos. Em nosso país, os direitos estão garantidos na
Constituição Federal de 1988, e as políticas públicas são mecanismos do Poder
Executivo (às vezes, em parceria com a iniciativa privada) para colocar em
prática os direitos garantidos por lei.
Para pensar-se em um Estado de bem-estar social em pleno funcionamento,
é necessário que se tenha políticas públicas eficazes. Nesse sentido, é o
governo que deve tomar frente para que haja a manutenção dos direitos da
população. No entanto, políticas de governo são passageiras e tendem a
desfazer-se, em muitos casos, quando há a transição de um governo para o
outro. As políticas que permanecem e não
são alteradas, por serem frutos de uma “vontade geral” da nação, são as
chamadas políticas de Estado. Elas permanecem junto ao Estado Nacional por mais
tempo. No tópico a seguir, exemplificaremos como as políticas de governo e de
Estado estão ligadas ao Estado de bem-estar social, tomando como exemplo o caso
brasileiro.
[38]
Consubstancia "o mínimo a assegurar-se", na dicção do erudito Luiz
Edson Fachin. Este mínimo acervo patrimonial jamais significa o menor
patrimônio possível. De outro lado, não pode ser colocado em pé de igualdade ao
máximo. As expressões não podem configurar completamente a extensão da ideia.
Mínimo e máximo, longe de categorias estanques, se manifestam na variância fenomênica
e vacilante que se formula dia a dia no mundo da vida. As palavras, os
conceitos jamais poderão esgotar esta realidade.
[39]
O histórico da Coreia do Norte como sendo um
reflexo que deu origem a tudo o que está acontecendo lá. Vale ressaltar que o líder
tem forte contato com a população e todos temem pelas suas vidas diante da
presença dele. Um país que não permite que sua população tenha contato com o
mundo exterior não merece que seu nome oficial seja República Democrática
Popular da Coreia. A Coreia do Norte tem a maior prevalência de ‘escravidão
moderna’ em todo o mundo: 1 de cada 10 cidadãos são vítimas da prática, de
acordo com estimativas do Índice Global de Escravidão 201 Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/coreia-do-norte-tem-26-milhoes-deescravos-modernos-segundo-estimativas-d37ve6ujl601v1zuynp0gqmz2/
Acesso em 5.3.2021.
[40]
No Afeganistão, por exemplo, o número de civis mortos na guerra bateu um
recorde em 2018, com 3.804 óbitos, em sua maioria atribuídos aos grupos
insurgentes talibã e Estado Islâmico (EI). Os ataques deliberados contra civis
em atentados suicidas de grupos insurgentes, os bombardeios aéreos e os
combates das forças leais ao governo são responsáveis por esses números.
[41]
A Segunda Declaração de Direitos foi proposta pelo Presidente dos Estados
Unidos Franklin D. Roosevelt durante seu discurso sobre o Estado da União na
terça-feira, 11 de janeiro de 1944. Em
seu discurso, Roosevelt sugeriu que a nação tinha vindo a reconhecer e agora
deveria implementar, uma segunda " declaração de direitos ".
Roosevelt argumentou que os "direitos políticos" garantidos pela
Constituição e pela Declaração de Direitos "se mostraram inadequados para
nos garantir igualdade na busca da felicidade ". Seu remédio foi declarar
uma "declaração de direitos econômicos" para garantir esses direitos
específicos: Emprego (direito ao trabalho), alimentação, roupas e lazer com
renda suficiente para sustentá-los; Direitos dos agricultores a uma renda
justa; Livre de concorrência desleal e monopólios; Habitação; Cuidados médicos;
Seguro Social; Educação.
[42]
Cass Robert Sunstein é advogado norte-americano, principalmente especializado
no direito constitucional, direito administrativo, direito ambiental e direito
e economia comportamental, que era o Administrador do Escritório da Informação
da Casa Branca e Regulatory Affairs na administração de Barack Obama de
2009 a 2012. Por 27 anos, Sunstein ensinou na Faculdade de Direito da
Universidade de Chicago. Sunstein é o atual professor da Universidade Harvard.
[43]
O escândalo Watergate foi um dos maiores escândalos da história da política dos
Estados Unidos. Ele estourou quando cinco homens foram presos tentando invadir
a sede do Partido Democrata com o intuito de plantar escutas telefônicas, em
junho de 1972. O caso levou dois jornalistas do The Washington Post —
Carl Bernstein e Bob Woodward — a investigarem mais detalhes a seu respeito.
[44]
A construção da definição jurídico-constitucional do termo “racismo” requer a
conjugação de fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que
regeram a sua formação e aplicação. O crime de racismo constitui um atentado
contra os princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana,
baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica
convivência. A condução forçada de indivíduo à realização de exame de
verificação de paternidade viola os princípios da dignidade humana, da
integridade física, da intangibilidade do corpo humano e da legalidade. A
recusa do acusado deve ser resolvida no plano jurídico e não por meio de coação
física. Habeas Corpus 71.373 – Diário da Justiça – 22/11/1996.
[45]
Benjamin Constant, no texto intitulado "Da liberdade dos antigos comparada
à dos modernos", discute acerca do valor liberdade em dois momentos
históricos relevantes para a estruturação e a consolidação dos pilares
fundamentais da civilização ocidental. O direito natural à liberdade, de que
todo ser humano e inevitavelmente detentor, pois todos nascem livres e iguais,
se consubstancia na vertente da vida privada, na intimidade e na autonomia das
decisões referidas como individuais, isto é, aquelas escolhas nas quais o poder
político do Estado soberano não pode adentrar de forma arbitrária, na medida em
que tais deliberações dizem respeito, única e exclusivamente, ao indivíduo.
Tem-se, sob este prisma, uma visão atomista da liberdade.
[46]
No art. 6º da Constituição Brasileira de 1988 estão enumerados alguns dos
direitos sociais hoje reconhecidos, tais como educação, a saúde, a alimentação,
o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, e outros. De
outro lado, o art. 7º do texto constitucional reconhece diversos direitos
sociais aos trabalhadores. Tendo em vista a sua natureza de fundamentalidade,
aplica-se aos direitos sociais o disposto no art. 5º, 2º, da CF/1988. Ou seja,
a enumeração dos direitos sociais constantes dos arts. 6º e 7º, da CF/88 é
meramente exemplificativa, existindo outros direitos fora do catálogo e até
mesmo fora da constituição. Tal assertiva é de fundamental importância no
estudo dos direitos sociais, principalmente em face de novos direitos que
surgem constantemente, de modo a acompanhar as mudanças sociais.
[47]
Robert Charles Post (1947) é professor e acadêmico norte-americano, sendo
atualmente docente de Direito na Yale Law School, onde também atuou como
reitor (2009-2017). Formou-se em Harvard em 1969 e obteve seu diploma de J.D.
em Yale em 1977. Enquanto estava em Yale, ele atuou como editor do Yale Law
Journal. Ele então trabalhou para o juiz do circuito de D.C. David Bazelon e o
juiz da Suprema Corte, William J. Brennan, Jr. Post posteriormente obteve um
Ph.D. em História da Civilização Americana pela Universidade de Harvard,
trabalhou brevemente na prática privada e começou sua carreira como professor
de direito na Berkeley Law em 1983. Post mudou-se de Berkeley para Yale em 2003
e sucedeu a Harold Koh como Dean quando Koh foi nomeado para servir como Legal
Conselheiro do Departamento de Estado dos EUA. Post foi citado no New York
Times sobre a composição da Suprema Corte. Os interesses acadêmicos de Post
incluem direito constitucional, Primeira Emenda, história jurídica e ação
afirmativa. Seu Citizens Divided (2014) examina os aspectos constitucionais das
finanças eleitorais.
[48]
Existem inúmeras críticas à ideia de Estado de bem-estar social desde a
fundação dos ideais neoliberais em meados do século XX. Economistas da Escola
de Chicago, como Milton Friedman, argumentam, com certa razão, que o
keynesianismo levaria os Estados Unidos à falência. No entanto, outras medidas
de bem-estar social podem ser entoadas para além do que foi proposto por John
Maynard Keynes. O Estado de bem-estar social é considerado o oposto do Estado
Liberal. Isto porque, enquanto no
bem-estar social o Estado é ativo e fornece bens e serviços gratuitamente à
população, legislando sobre as relações de trabalho, no Estado liberal ela se
isenta das relações entre mercado e consumidor, não oferecendo serviços, nem
legislando sobre as relações patrão-empregado. Existem países que possuem mais
mecanismos de assistencialismo e outros que possuem menos. Não existe um único
modelo dessas práticas, tudo depende dos momentos econômico, político, cultural
e social nos quais o país se encontra.
[49]
Na Constituição brasileira vigente, a dignidade da pessoa humana é colocada como
um dentre cinco fundamentos da república. Situações em que o estado considere a
soberania superior à dignidade do indivíduo são corriqueiras. De modo similar,
o valor social do trabalho e da livre iniciativa, cada qual por diferentes
razões, têm alto potencial de colisão com a dignidade.