Considerações sobre Foro Privilegiado em face do vigente direito brasileiro
No Brasil, este foro surgiu em 1824 na Constituição do Império do Brasil, que garantia o foro privilegiado primeiramente, a família imperial e diversos cargos do Estado, em casos de crimes de responsabilidade, incluindo também os secretários. O foro privilegiado se revela anacrônico, principalmente, em face da evolução dos regimes democráticos de Direito, portanto, o modelo ora adotado em nosso país padece por seus excessos. E, a mutação jurisprudencial confere uma sincera instabilidade em sua aplicação e na justiça. Tecnicamente, o nome escorreito é foro especial por prerrogativa de função. Na prática, uma ação penal contra uma autoridade pública – como os parlamentares – é julgada por tribunais superiores, diferentemente de um cidadão comum, julgado pela justiça comum
Em
2012 tivemos destaques como a Lei da Ficha Limpa[1] que foi aprovada nas
eleições para prefeitos e vereadores, barrando milhares de candidaturas que têm
pendências na justiça brasileira.
O STF
julgou e condenou vários réus na Ação Penal 470 conhecida como “Mensalão”.
Pois, até então, políticos e autoridades brasileiras não tinham sofrido
condenações expressivas, com exceção do impeachment sofrido por Fernando
Collor de Mello.
É
verdade que o julgamento do “Mensalão”[2] trouxe um certo poder para
o STF, aos olhos do povo estarrecido. O então Ministro relator Joaquim Barbosa
era constantemente chamado de "paladino da justiça". No entanto, o
sentimento do povo brasileiro que exigia justiça exige a presença de freios e
contrapesos entre os Poderes constituídos da nação.
O foro
por prerrogativa de função é um privilégio concedido às autoridades políticas
de serem julgadas por um tribunal diferente ao de primeira instância em que é
julgada a maioria dos brasileiros que cometem crimes[3]. Tal dispositivo é uma
nítida exceção ao Princípio da Igualdade, consagrado no texto constitucional
brasileiro em seu artigo 5º.
Apenas
os crimes de responsabilidade[4] e os comuns de natureza
penal são submetidos a essa regra[5]. Os demais ilícitos, entre
os quais está o de improbidade administrativa, submetem-se ao foro comum,
juízes de Direito e Juízes federais, de acordo com o caso concreto.
Prevê
o artigo 102 da CF/1988:
Compete
ao STF, precipuamente, a guarda da Constituição,
cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
b) nas infrações penais comuns:
• Presidente e vice-presidente da República;
• Membros do Congresso Nacional
(Deputados federais e Senadores);
• Procurador-geral da República;
• Membros dos tribunais superiores (STF, STJ,
TST, TSE e STM).
O foro privilegiado é uma herança deixada pela
política adotada no tempo que o Brasil
era colônia portuguesa. Naquele tempo,
onde a escravidão era normalmente
praticada, não se admitia que um político ou uma pessoa “importante” para a
colônia fosse julgada da mesma maneira que um cidadão comum.
Já a
Constituição Federal brasileira de 1988, embora considerada a mais democrática de todas as Constituições
brasileiras, não previu expressamente a vedação de foro privilegiado. Pelo
contrário, estabelece até mesmo quem terá
direito ao foro.
E,
ainda a Súmula nº 704, do STF: Segundo a mesma é possível um cidadão comum ser
julgado simultaneamente no mesmo processo como corréu com aquele que possui
foro privilegiado (art. 78, III, CPP), nas hipóteses de conexão e continência.
A continência ocorre quando duas ou mais ações têm as mesmas partes (requisito ausente
na conexão) e a mesma causa de pedir,
mas o pedido de uma delas engloba o da
outra. Muito embora as duas ações não
sejam idênticas, já que os pedidos são
diversos, uma delas tem conteúdo abrangendo por completo à outra demanda.
Repetiu-se
a possibilidade de as demandas receberem julgamentos contraditórios,
circunstância que indica a necessidade de reunião. Ressalta-se que totalmente
desnecessária a estimulação legal da
continência como fenômeno distinto da conexão, pois toda ação continente é conexa pela
identidade da causa de pedir.
Logo,
a propositura de uma demanda continente
com outra já ajuizada gera a necessidade da distribuição por dependência.
Já a
conexão é o fenômeno processual determinante da reunião de duas ou mais ações,
para julgamento em conjunto, a fim de evitar
a existência de sentenças conflitantes. São conexas quando possui o mesmo
objeto e, mas mesma causa de pedir.
Um crime cometido em concurso com um prefeito
(foro privilegiado no Tribunal de Justiça) e um governador (foro privilegiado
no Superior Tribunal de Justiça), será julgado pelo STJ: juízo com graduação
superior.
Na
mesma linha, um crime comum cometido em concurso por um governador (STJ) e o
presidente da república (STF), será julgado pelo STF. Se a unidade de processo e julgamento causar
tumulto processual (art. 80, CPP), haverá obrigatoriamente a cisão dos
processos.
Qualquer crime que tais autoridades tenham
cometido, seu julgamento dar-se-á obrigatoriamente pelo Supremo Tribunal Federal, seguindo o
mesmo raciocínio de que o que se defende aqui não é a pessoa, e sim o cargo que
esta exerce.
Busca-se
o resguardo da ordem jurídica e, também da decisão do povo que elegeu tais representantes.
Assim que o ocupante do cargo em questão deixa suas funções ao término de seu
mandato, deixa de haver qualquer justificativa para a existência do foro
privilegiado, pois assim, dessa maneira estaria caracterizada a utilização de
um privilégio pessoal.
O foro
privilegiado foi defendido pelo Ministro do STF que apontou que a maldição ou
mal-entendido começa pelo nome. Poderia ter sido foro de reserva, foro único ou de instância única. Mas, foro
privilegiado, além de trazer ambiguidade, induz ao equívoco quando invoca
preferência, apadrinhamento ou mesmo proteção, que de fato, não existe.
Qualquer
senador julgado pelo STF, não terá direito a outro julgamento, como têm os
demais cidadãos, que chegam a obter três ou quatro revisões da primeira
decisão.
A
falácia de que a extinção desse instituto diminuíra a impunidade dos figurões
não resiste ao óbvio confronto com a duração média dos processos no país,
incluindo toda a longa caminhada recursal de praxe.
Afinal,
o duplo grau de jurisdição confere ao jurisdicionado a possibilidade de ter
decisões judiciais desfavoráveis, proferidas em primeira instância, revistas
por órgão judiciário de instância superior.
Quando uma das
partes no processo tem uma decisão judicial que lhe é desfavorável e não
se conforma com tal decisão, ela tem o
direito de recorrer a uma instância superior, isto é, a um tribunal, cujo
direito lhe é assegurado pelo princípio
do duplo grau de jurisdição.
Apesar
de não constar expressamente na Constituição Federal, o princípio do duplo grau
de jurisdição decorre do princípio do devido processo legal, previsto no art. 5º, inciso LV da nossa
Constituição, que assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Entretanto,
como a toda regra há exceção, há casos em nosso ordenamento jurídico em que o princípio do duplo grau de jurisdição nem
sempre é aplicado, como é o que está ocorrendo no julgamento do mensalão. Dos trinta e oito réus acusados
de participarem do chamado “esquema do mensalão”, três são deputados federais e têm foro
privilegiado.
A Ação
Penal 470 que apurou os crimes do mensalão[6], tramitou inicialmente no
STF, sendo que os demais réus que não possuem foro privilegiado também estão
sendo julgados pelo STF. Quando os réus foram condenados pela mais alta Corte de
Justiça brasileira, não terão como recorrer à outra instância para reexame da
demanda.
Foi
diante tal situação, que o advogado Márcio Thomaz Bastos que defendera um dos
réus do “mensalão”, arguiu perante o STF, no início do julgamento, a inconstitucionalidade
da Corte para julgar os réus que não fossem deputados e, consequentemente não
têm foro privilegiado, entendendo que tais réus deveriam ser julgados em
separado dos demais (deputados), isto é, quem deveria julgá-los seriam os
juízes de primeira instância, sendo que, na hipótese de serem condenados,
poderiam recorrer às outras instâncias, em obediência ao princípio do duplo
grau de jurisdição, cujo princípio tem respaldo na Constituição Federal
brasileira e na Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil
e denominada de Pacto de São José da Costa Rica.
Aliás,
em sua argumentação, Dr. Márcio Thomaz Bastos cito jurisprudência do próprio
STF e aplicada no chamado de “mensalão” mineiro, cujo relator do processo foi o
Ministro Joaquim Barbosa que, naquela ocasião, determinou o desmembramento do
julgamento.
No
primeiro dia de julgamento da Ação Penal 470 após ardorosa discussão entre o
revisor do processo, Ministro Lewandowski o relator o Ministro Joaquim Barbosa,
os demais ministros do STF decidiram negar por 9 votos a 2, o pedido da defesa dos réus do mensalão para desmembrar
o processo sob o entendimento que tal questão já havia sido dirimida e não
poderia mais ser questionada.
A não
observância ao princípio do duplo grau de jurisdição é uma das mais sérias
ofensas ao estado democrático de direito, tendo em vista que este princípio
constitui um dos pilares da democracia. Portanto depois da discussão chegou-se
ao entendimento que o Supremo tem competência para julgar os 38 réus.
O
revisor da ação penal, Ricardo Lewandowski se alinhou a proposta da defesa. Ele
argumentou que o STF deveria seguir o que fez no caso do Mensalão Tucano e deixar que os réus sem prerrogativa
de foro privilegiado fossem julgados pela primeira instância para terem o
direito de recorrerem.
Argumentou
ainda que traria prejuízos o envio do processo para a primeira instância, que
seria mais rápida do que colegiado da Suprema Corte.
O
Ministro Marco Aurélio Mello acompanhou o voto do revisor, para acatar a questão
de ordem e fez uma defesa pungente do princípio do devido processo legal, além
de deixar evidente que a tese de preclusão, arguida por Barbosa não se
sustentava e que a competência do STF para julgar ações penais restringe-se
àquelas autoridades enumeradas pela Constituição Federal brasileira vigente.
O foro
por prerrogativa de função é legal, está positivado, fora elaborado conforme os
procedimentos estabelecidos e goza de
eficácia, a lei deve ser o reflexo da realidade.
Conforme nos ensina Dalmo Dallari, pessoas
que não têm “foro privilegiado” – a maioria, no caso da Ação Penal 470 — estão sendo julgadas
originariamente pelo Supremo Tribunal.
Esse é
um erro fundamental e mais do que óbvio. É uma afronta à Constituição, pois essas pessoas não têm
“foro privilegiado” e devem ser julgadas inicialmente por juízes de instâncias inferiores. A Constituição estabelece expressamente quais
são os ocupantes de cargos que serão julgados originariamente pelo Supremo Tribunal.
A
decisão nos casos de foro privilegiado começa e termina do STF e, os
empresários, o pessoal do Banco Rural, o próprio Marcos Valério que são pessoas
que não ocupavam função pública, deveriam, primeiramente, ser processados e
julgados pelo juiz dde primeira instância.
Caso
fossem condenados, teriam direito a
recurso a um tribunal regional. E, se condenados ainda, teriam recurso a um Tribunal Superior. O Supremo, no entanto, acatou a denúncia e está julgando essas pessoas que não
terão direito de recurso.
O direito de ampla defesa dos réus que não têm
“foro privilegiado” foi prejudicado.
Isso vai contra a Constituição
brasileira, que afirma que elas têm esse direito. Vai também contra compromissos
internacionais que o Brasil assumiu de garantir esse amplo direito de defesa.
Uma
vez findo o julgamento, se abriu a possibilidade de nova etapa. E, os advogados
dos condenados sem foro privilegiado têm dois caminhos. Um, que será a denúncia
remetida a uma Corte Internacional, no caso, a Corte Interamericana de Direitos
Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Em
outro caminho, poderão entrar também com ação declaratório perante o próprio
STF para que declare nulas as decisões porque os réus não tinham foro
privilegiado. Foi criada uma situação complexa para o STF, que terá de julgar
os seus próprios atos.
Tourinho
Filho explica que o foro por prerrogativa de função é estabelecido em razão do
cargo ou função desempenhada pelo indivíduo. Trata-se, portanto, de uma
garantia inerente à função. Como por exemplo, o foro privativo dos Deputados
Federais no STF.
Já o
chamado “foro privilegiado” é aquele previsto, não por causa do cargo ou da
função, mas sim como uma espécie de homenagem, deferência, privilégio à pessoa.
Era o caso do foro privilegiado para condes e barões.
Todavia,
o próprio STF utiliza em seus julgamentos a expressão “foro privilegiado” como
sendo sinônimo de “foro por prerrogativa de função”.
Estão
previstas as regras sobre o foro por prerrogativa de função em:
•
Regra: somente a Constituição Federal pode prever casos de foro por
prerrogativa de função. Vide em art. 102, I, “b” e “c”; art. 105, I, “a”.
•
Exceção: o art. 125, caput e § 1º, da CF/1988 autorizam que as
Constituições Estaduais prevejam hipóteses de foro por prerrogativa de função
nos Tribunais de Justiça, ou seja, situações nas quais determinadas autoridades
serão julgadas originalmente pelo TJ:
Art.
125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos
nesta Constituição.
§ 1º A
competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei
de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.
No
entanto, que a previsão da Constituição Estadual somente será válida se
respeitar o princípio da simetria com a Constituição Federal. Isso significa
que a autoridade estadual que “receber” o foro por prerrogativa na Constituição
Estadual deve ser equivalente a uma autoridade federal que tenha foro por
prerrogativa de função na Constituição Federal.
A
guisa de exemplo, a Constituição Estadual poderá prever que o Vice-Governador
será julgado pelo TJ. Isso porque a autoridade “equivalente” em âmbito federal
(Vice-Presidente da República) possui foro por prerrogativa de função no STF
(art. 102, I, “b”, da CF/1988). Logo, foi respeitado o princípio da simetria.
Outro
exemplo é que a Constituição Estadual não pode prever foro por prerrogativa de
função para os Delegados de Polícia considerando que não há previsão semelhante
para os Delegados Federais na Constituição Federal (STF ADI 2587).
Atualmente,
estima-se que cerca de trinta e sete mil autoridades detenham a prerrogativa no
país. Não há, no Direito Comparado, nenhuma democracia consolidada que consagre
a prerrogativa de foro com abrangência comparável à brasileira.
No
Reino Unido, na Alemanha, nos Estados Unidos e no Canadá nem existe foro
privilegiado. Entre os países que adotam, a maioria o institui para um rol
reduzido de autoridades. Na Itália, por exemplo, a prerrogativa de foro se
aplica somente ao Presidente da República.
Em
Portugal, são apenas três as autoridades que detêm foro privilegiado: o
Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o
Primeiro-Ministro.
Este
modelo brasileiro amplo de foro por prerrogativa de função tradicionalmente
adotava acarreta duas consequências graves e indesejáveis para a justiça e para
o STF.
Primeiramente,
por afasta o Tribunal do seu verdadeiro papel, que é o de Suprema Corte, e não
o de tribunal criminal de primeiro grau. Tribunais superiores, como o STF,
foram concebidos para serem tribunais de teses jurídicas, e não para o
julgamento de fatos e provas.
Como
regra, o juízo de primeiro grau tem melhores condições para conduzir a
instrução processual, tanto por estar mais próximo dos fatos e das provas,
quanto por ser mais bem aparelhado para processar tais demandas com a devida
celeridade, conduzindo ordinariamente a realização de interrogatórios,
depoimentos, produção de provas periciais etc.
Em
segundo lugar, contribui para a
ineficiência do sistema de justiça criminal. Infelizmente, o STF não tem sido
capaz de julgar de maneira adequada e com a devida celeridade os casos
abarcados pela prerrogativa.
O foro
especial, na sua extensão contemporânea, contribui para o congestionamento dos
tribunais e, para tornar ainda mais morosa a tramitação dos processos e mais
raros os julgamentos e as condenações. O que desvaloriza a justiça brasileira e
a confiança do cidadão brasileiro no Poder Judiciário.
As
autoridades com foro por prerrogativa de função no STF ficam sujeitas a
julgamento por uma única instância, de forma que não gozam de duplo grau de
jurisdição.
Ademais,
esse modelo contraria os tratados internacionais sobre direitos humanos de que
o Brasil é signatário. Tanto a Convenção Americana de Direitos Humanos, quanto
o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos asseguram o “direito de
recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior”. Isso não ocorre com quem
tem foro privilegiado no STF. Após o julgamento pela Corte, não há recurso para
outro Tribunal.
O
direito ao foro por prerrogativa de função inicia-se com a diplomação do
Deputado Federal ou Senador e somente se encerra com o término do mandato.
Assim,
pelo entendimento que era tradicionalmente adotado pelo STF, se determinado
indivíduo estivesse respondendo a uma ação penal em primeira instância, caso
ele fosse eleito Deputado Federal, no mesmo dia da sua diplomação, cessaria a
competência do juízo de primeira instância e o processo criminal deveria ser
remetido ao STF para ali ser julgado.
Cabe
destacar que a diplomação é o ato pelo qual a Justiça Eleitoral atesta quem são
os candidatos eleitos e os respectivos suplentes. A diplomação é normalmente
marcada para dezembro e a posse somente ocorre alguns dias depois, em janeiro.
A
existência do foro por prerrogativa de função representa uma exceção ao
princípio republicano e ao princípio da igualdade. Tais princípios, contudo,
gozam de preferência axiológica em relação às demais disposições
constitucionais.
Daí a
necessidade de que normas constitucionais que excepcionem esses princípios como aquelas que introduzem o foro por
prerrogativa de função sejam
interpretadas sempre de forma restritiva.
O foro
especial está previsto em diversas disposições da Carta de 1988. O art. 102, I,
“b” e “c”, por exemplo, estabelece a competência do STF para “processar e
julgar, originariamente, (...) nas infrações penais comuns, o Presidente da
República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios
Ministros e o Procurador-Geral da República”, bem como “os Ministros de Estado
e os Comandantes Militares, os membros dos Tribunais Superiores, os membros do
Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter
permanente”.
O art.
53, § 1º determina que “Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma,
serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal”.
Embora
se viesse interpretando tais dispositivos de forma literal, ou seja, no sentido
de que o foro privilegiado abrangeria todos os crimes comuns, é possível e
desejável atribuir uma acepção mais restritiva, com base na teleologia do
instituto e nos demais elementos de interpretação constitucional.
Trata-se
da chamada “redução teleológica” (Karl Larenz)[7] ou, de forma mais geral,
da aplicação da técnica da “dissociação” (Riccardo Guastini), que consiste em
reduzir o campo de aplicação de uma disposição normativa a somente uma ou
algumas das situações de fato previstas por ela segundo uma interpretação
literal, que se dá para adequá-la à finalidade da norma.
Nessa
operação, o intérprete identifica uma lacuna oculta (ou axiológica) e a corrige
mediante a inclusão de uma exceção não explícita no enunciado normativo, mas
extraída de sua própria teleologia.
As
normas da Constituição brasileira de 1988 que estabelecem as hipóteses de foro
por prerrogativa de função devem ser interpretadas restritivamente,
aplicando-se apenas aos crimes que tenham sido praticados durante o exercício
do cargo e em razão dele.
Assim,
por exemplo, se o crime foi praticado antes de o cidadão ser diplomado como
Deputado Federal, não se justifica a competência do STF, devendo ele ser
julgado pela primeira instância mesmo ocupando o cargo de parlamentar federal.
Além
disso, mesmo que o crime tenha sido cometido após a investidura no mandato, se
o delito não apresentar relação direta com as funções exercidas, também não
haverá foro privilegiado.
Foi
fixada, portanto, a seguinte tese:
“O foro por prerrogativa de função
aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e
relacionados às funções desempenhadas. STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min.
Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018”.
Questiona-se:
se o parlamentar federal (Deputado Federal ou Senador) está respondendo a uma
ação penal no STF e, antes de ser julgado, ele deixe de ocupar o cargo (exemplos:
renunciou, não se reelegeu etc.) cessa o foro por prerrogativa de função e o
processo deverá ser remetido para julgamento em primeira instância?
O STF
decidiu estabelecer uma regra para situações como essa:
• Se o
réu deixou de ocupar o cargo antes de a instrução terminar: cessa a competência
do STF e o processo deve ser remetido para a primeira instância.
• Se o réu deixou de ocupar o cargo depois de a
instrução se encerrar: o STF permanece sendo competente para julgar a ação
penal.
Assim,
o STF estabeleceu um marco temporal a partir do qual a competência para
processar e julgar ações penais, seja do STF ou de qualquer outro órgão
jurisdicional, não será mais afetada em razão de o agente deixar o cargo que
ocupava, qualquer que seja o motivo (como por exemplo: renúncia, não reeleição,
eleição para cargo diverso).
Não
foram raros os casos em que o réu procurou se eleger a fim específico de mudar
o órgão jurisdicional competente, passando do primeiro grau para o STF. De
outro viés, alguns deixaram de candidatar à reeleição, com o objetivo inverso,
qual seja, passar a competência do STF para o juízo de primeira instância,
ganhando tempo com isso. E, houve também os que renunciaram quando o julgamento
estava próximo de ser pautado no STF.
Isso
gerava, muitas vezes, o retardamento dos inquéritos e ações penais, com
evidente prejuízo para a eficácia, a racionalidade e a credibilidade do sistema
penal. Houve inclusive casos de prescrição em razão dessas mudanças.
Analisando
o critério do encerramento da instrução identifica-se três razões, a saber:
1ª)
Trata-se de um marco temporal objetivo, de fácil aferição, e que deixa pouca
margem de manipulação para os investigados e réus e afasta a discricionariedade
da decisão dos tribunais de declínio de competência;
2ª)
Este critério privilegia o princípio da identidade física do juiz[8], ao valorizar o contato do
magistrado julgador com as provas produzidas na ação penal;
3ª) Já
existia precedente firmado pelo STF já adotando este marco temporal.
Após o
final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para
apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações
penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro
cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo. STF. Plenário.
AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018.
Assim,
se o Deputado Federal ou Senador estiver respondendo ao processo criminal no
STF e terminar o seu mandato, cessa a competência do STF para julgar esta ação
penal, salvo se a instrução processual já estiver concluída, hipótese na qual
haverá a perpetuação da competência e o STF deverá julgar o réu mesmo ele não
sendo mais um parlamentar federal.
Antes
da decisão da AP 937 QO, as investigações envolvendo Deputado Federal ou
Senador somente poderiam ser iniciadas após autorização formal do STF.
Desta forma,
por exemplo, se, a autoridade policial ou o membro do Ministério Público
tivesse conhecimento de indícios de crime envolvendo Deputado Federal ou
Senador, o Delegado e o membro do MP não poderiam iniciar uma investigação
contra o parlamentar federal.
O que
eles deveriam fazer: remeter esses indícios à Procuradoria Geral da República
para que esta fizesse requerimento pedindo a autorização para a instauração de
investigação criminal envolvendo essa autoridade. Essa investigação era chamada
de inquérito criminal (não era inquérito "policial") e deveria
tramitar no STF, sob a supervisão judicial de um Ministro-Relator que iria
autorizar as diligências que se fizessem necessárias.
Em síntese,
a autoridade policial e o MP não podiam investigar eventuais crimes cometidos
por Deputados Federais e Senadores, salvo se houvesse uma prévia autorização do
STF.
A
Corte Especial do STJ, seguindo o mesmo raciocínio do STF, limitou a amplitude
do art. 105, I, “a”, da CF/1988 e decidiu que:
O foro
por prerrogativa de função no caso de Governadores e Conselheiros de Tribunais
de Contas dos Estados deve ficar restrito aos fatos ocorridos durante o
exercício do cargo e em razão deste.
Assim,
o STJ é competente para julgar os crimes praticados pelos Governadores e pelos
Conselheiros de Tribunais de Contas somente se estes delitos tiverem sido
praticados durante o exercício do cargo e em razão deste.
Vide a
jurisprudência:
STJ.
Corte Especial. APn 857/DF, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha,
julgado em 20/06/2018;
STJ.
Corte Especial. APn 866/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
20/06/2018.
Os
Desembargadores dos Tribunais de Justiça continuam sendo julgados pelo STJ mesmo
que o crime não esteja relacionado com as suas funções.
Assim,
o STJ continua sendo competente para julgar quaisquer crimes imputados a
Desembargadores, não apenas os que tenham relação com o exercício do cargo.
STJ.
APn 878/DF QO, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 30/05/2016.
É uma
espécie de “exceção” ao entendimento do STJ que restringe o foro por
prerrogativa de função.
O STJ
entendeu que haveria um risco à imparcialidade caso o juiz de primeira
instância julgasse um Desembargador (autoridade que, sob o aspecto
administrativo, está em uma posição hierarquicamente superior ao juiz).
Veja
as palavras do Min. Relator Benedito Gonçalves:
“É
que, em se tratando de acusado e de julgador, ambos, membros da Magistratura
nacional, pode-se afirmar que a prerrogativa de foro não se justifica apenas
para que o acusado pudesse exercer suas atividades funcionais de forma livre e
independente, pois é preciso também que o julgador possa reunir as condições
necessárias ao desempenho de suas atividades judicantes de forma imparcial.
Esta
necessidade (de que o julgador possa reunir as condições necessárias ao
desempenho de suas atividades judicantes de forma imparcial) não se revela como
um privilégio do julgador ou do acusado, mas como uma condição para que se realize
justiça criminal.
Ser
julgado por juiz com duvidosa condição de se posicionar de forma imparcial,
afinal, violaria a pretensão de realização de justiça criminal de forma
isonômica e republicana.
A
partir desta forma de colocação do busilis, pode-se argumentar que, caso
Desembargadores, acusados da prática de qualquer crime (com ou sem relação com
o cargo de Desembargador) viessem a ser julgados por juiz de primeiro grau
vinculado ao Tribunal ao qual ambos pertencem, se criaria, em alguma medida, um
embaraço ao juiz de carreira.”
Verifica-se as seguintes conclusões e dúvidas:
Existe
como regra: as autoridades listadas no art. 105, I, “a”, da CF/1988 somente são
julgadas pelo STJ em caso de crimes cometidos durante o exercício do cargo e
relacionados às funções desempenhadas. Exemplo: membro do Tribunal de Contas
pratica violência doméstica contra a sua esposa. Será julgado pelo Juiz de
Direito de primeira instância.
E,
como exceção: os Desembargadores dos Tribunais de Justiça são julgados pelo STJ
mesmo que o crime não esteja relacionado com as suas funções. Exemplo:
Desembargador pratica violência doméstica contra sua esposa. Será julgado pelo
STJ (e não pelo juiz de primeira instância).
Vivenciamos
tempos estranhos onde os paradoxos colidem. Há, de fato, uma reminiscência
aristocrática, incomparável em outras democracia no mundo, trata-se da questão
do foro por prerrogativa de função. É um privilégio que traduz uma diferença de
tratamento injustificável entre indiciados e indiciadas e, mesmo, acusados e
acusadas.
A
existência de foro privilegiado que é aplicável as autoridades públicas de
maior escalão, em detrimento do cidadão comum. E, conclui-se que os princípios
republicanos pautados na igualdade não se harmonizam com tais privilégios que
visam proteger governantes e autoridades.
Em boa
hora, ocorreu a decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal no bojo da Ação
Penal 937, julgada em 3/5/2018, na qual foram fixadas as seguintes teses:
“(i) O
foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o
exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii) Após o final
da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para
apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações
penais não será́ mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro
cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.
Essa
nova linha interpretativa deve se aplicar imediatamente aos processos em curso,
com a ressalva de todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e
pelos demais juízos com base na jurisprudência anterior, conforme precedente
firmado na Questão de Ordem no Inquérito 687 (Rel. Min. Sydney Sanches, j.
25.08.1999).”
Em que
pese ser o Legislativo o Poder com maior representatividade para modificação do
texto constitucional, não é dado retirar do Supremo Tribunal Federal a função
de interpretar a Constituição.
Nesse
contexto, é importante registrar que ainda tramita, no Congresso, a PEC 333/17
para pôr fim à prerrogativa do foro especial. Ademais, os atuais Presidentes da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal deram declarações públicas favoráveis
à restrição do foro privilegiado.
Já na
Ação Penal 937, o STF conferiu interpretação restritiva das competências e
prerrogativas constitucionais.
Para
tanto, o Ministro Luís Roberto Barroso, acompanhado pela maioria, fez uso “da
chamada ‘redução teleológica’ ou, de forma mais geral, da aplicação da técnica
da ‘dissociação’, que consiste em reduzir o campo de aplicação de uma
disposição normativa a somente uma ou algumas das situações de fato previstas
por ela segundo uma interpretação literal, que se dá́ para adequá-la à
finalidade da norma.
Nessa
operação, o intérprete identifica uma lacuna oculta (ou axiológica) e a corrige
mediante a inclusão de uma exceção não explicita no enunciado normativo, mas
extraída de sua própria teleologia.
Como
resultado, a norma passa a se aplicar apenas a parte dos fatos por ela regulados.
A extração de ‘cláusulas de exceção’ implícitas serve, assim, para concretizar
o fim e o sentido da norma e do sistema normativo em geral”.
É bem
verdade que não se trata de uma técnica sem precedentes. A jurisprudência do
STF tem enfatizado “a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal, atuando na
condição de intérprete final da Constituição, proceder à construção exegética
do alcance e do significado das cláusulas constitucionais que definem a própria
competência originária desta Corte” (ADI 2797).
O
Ministro Luís Roberto Barroso, em seu voto, colaciona vários exemplos
relacionados à interpretação restritiva, mas limito-me a citar dois. São eles:
i) a
Carta Magna pátria prevê̂ que compete ao Supremo processar e julgar “a ação
direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual”
(art. 102, I, “a”). Embora o dispositivo não traga qualquer restrição temporal,
o STF consagrou o entendimento de que não cabe ação direta contra lei anterior
à Constituição, porque, ocorrendo incompatibilidade entre o ato normativo
infraconstitucional e a Constituição superveniente, fica ele revogado (ADI 521,
Rel. Min. Paulo Brossard, j. 7.2.1992);
ii) o
Supremo definiu que a competência para julgar “as causas e os conflitos entre a
União e os Estados” (CF, art. 102, I, “f”) não abarca todo e qualquer conflito
entre entes federados, mas apenas aqueles capazes de afetar o pacto federativo
(ACO 359-QO; ACO 1048-QO; ACO 1295-AgR-Segundo).
Após a
análise do que foi decidido pela Suprema Corte, respeitáveis juristas e
doutrinadores, a exemplo do Professor Aury Lopes Júnior e do Procurador de
Justiça do Ministério Público da Bahia Rômulo de Andrade Moreira, elogiaram e
criticaram a referida decisão. Passo a tratar de alguns aspectos negativos
para, posteriormente, demonstrar os positivos.
Relatam
os seguintes pontos negativos da decisão:
i) foi
incompleta e desigual, pois apenas abrangeu os parlamentares federais;
ii) um
juiz de primeiro grau poderá julgar um parlamentar em exercício, o que pode
gerar constrangimentos, pressões, favorecimento ou perseguição política
(lawfare), enfim, embaraços e problemas para a independência e imparcialidade
da jurisdição[5];
iii) a
prerrogativa somente se aplica aos crimes praticados durante o exercício do
cargo e relacionados às funções, ou seja, propter officium. Cria-se,
assim, a possibilidade de um perigoso exercício de subjetividade que pode
conduzir ao decisionismo judicial, pois ficaria ao alvedrio do julgador
verificar e decidir se o ato praticado é ou não próprio do ofício;
iv) o
novo entendimento aplicar-se-á a todos os processos pendentes no Supremo
Tribunal, de modo que, com isso, a Corte pretende remeter aos Juízos
competentes os processos que lá aguardam julgamento de ex-parlamentares e
daqueles acusados por crimes praticados anteriormente à posse ou não cometidos
em razão do cargo. Isso, na visão de alguns, seria alterar a competência
jurisdicional em momento posterior ao fato e no curso do processo, o que
violaria a garantia do juiz natural.
Realmente,
a decisão foi incompleta por não abranger outras autoridades, mas não há dúvida
de que foi o primeiro passo rumo ao fim do foro privilegiado.
O
próprio Ministro Luís Roberto Barroso afirmou: “Eu acho que, a partir desta
decisão, tudo vai ter que ser repensado. Apenas como que o caso concreto
envolvia um prefeito que se tornou parlamentar, a tese que eu propus no meu
voto se referia a parlamentar, mas a ideia de que regime de privilégio não é
bom… O regime de privilégio não é bom e que, portanto, o foro deve ser
repensado de alto a baixo, eu acho que ela vai se espraiar pela sociedade e
esta matéria vai voltar para cá”.
“Não
comungo da ideia de que um juiz de primeira instância não seja imune a pressões
ou constrangimentos para julgar certas autoridades, pois todos os membros do
Poder Judiciário, da primeira à última instância, desfrutam das mesmas
garantias constitucionais de independência e imparcialidade”.
Prossegue:
“Se há
preocupação com influências políticas nos julgamentos, essas parecem mais
prováveis em órgãos jurisdicionais em que a investidura dos magistrados depende
de escolhas também políticas do que na primeira instância, onde ela se dá pela
aprovação em concurso público. É preciso valorizar o juiz de primeira
instância, o juiz dos fatos.
Talvez
a crítica menos irrefutável seja a da ausência de um critério claro para
definir o que é ou não ato próprio do ofício, o que resultaria, como mencionado
anteriormente, em um perigoso decisionismo judicial.
Entretanto,
considero que a Corte fixou um parâmetro, qual seja, somente os atos praticados
durante o mandato e relacionados às funções do parlamentar devem ser valorados
no caso concreto. Não havendo ato próprio do ofício, o julgamento será remetido
à instância competente. Criar uma regra clara nesse sentido é função difícil
tanto para o legislador quanto para o julgador”.
O
derradeiro contraponto diz respeito à pretensa quebra de garantia ao juiz
natural em razão da alteração de competência pós-fato e no curso do processo.
Com todo o respeito, a violação da referida garantia parecia ser mais evidente
com a aplicação do entendimento anterior, tendo em vista o efeito gangorra que
havia nos processos relacionados às autoridades.
Era
comum o sobe-e-desce dos processos, pois, com a eleição, o processo era transferido
para o STF e, depois, com a vacância do cargo, o processo descia para a
instância competente. Agora, com as teses fixadas pelo Supremo Tribunal
Federal, isso tende a diminuir.
Os
efeitos dessa decisão já repercutem nos Tribunais. A exemplo do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e dos Territórios que, em 15/5/2018, por intermédio
do Conselho Especial, por unanimidade, acolheu a questão de ordem suscitada
pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, e determinou que a
ação penal que apura a suposta prática de crimes de falsificação de documento
público pela deputada distrital Telma Rufino seja remetida para a 8ª Vara
Criminal de Brasília.
Em
razão de tudo o quanto exposto, considero que foi dado o primeiro passo para
cessar esse privilégio do estamento público brasileiro. Uma pergunta final há
de ser feita: A sociedade brasileira não deseja mais o foro privilegiado, mas o
Brasil está preparado?
Recordando
a saudosa Professora Ada Pellegrini Grinover assim respondeu: “Então vamos
cruzar os braços e esperar que o Brasil se prepare? É o imobilismo que também
impede efetivamente mudanças. A mudança assusta, a mudança preocupa e na
verdade, principalmente, quem é beneficiário de benesses quer que tudo
permaneça como está.
O STF
concluiu em 3.5.2018 julgamento, por maioria, o Plenário decidiu que o foro de
prerrogativa de foro por prerrogativa de função no STF ficando restrito aos
parlamentares federais nos casos de crimes comuns cometidos após diplomação e
relacionados ao cargo.
O foro
por prerrogativa de função conferido aos deputados federais e senadores se
aplica apenas a crimes cometidos no exercício do cargo e em razão das funções a
ele relacionadas.
A
decisão foi tomada no julgamento de questão de ordem na Ação Penal (AP) 937. O
entendimento deve ser aplicado aos processos em curso, ficando resguardados os
atos e as decisões do STF – e dos juízes de outras instâncias – tomados com
base na jurisprudência anterior, assentada na questão de ordem no Inquérito
(INQ) 687.
Prevaleceu
no julgamento o voto do relator da questão de ordem na AP 937, ministro Luís
Roberto Barroso, que estabeleceu ainda que, após o final da instrução
processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de
alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será
mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o
cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.
Seguiram
integralmente o voto do relator as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia,
presidente da Corte, e os ministros Edson Fachin, Luiz Fux e Celso de Mello.
O Ministro
Marco Aurélio também acompanhou em parte o voto do relator, mas divergiu no
ponto em que chamou de “perpetuação do foro”. Para ele, caso a autoridade deixe
o cargo, a prerrogativa cessa e o processo-crime permanece, em definitivo, na
primeira instância da Justiça.
Ficaram
parcialmente vencidos os ministros Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski,
que reconheciam a competência do STF para julgamento de parlamentares federais
nas infrações penais comuns, após a diplomação, independentemente de ligadas ou
não ao exercício do mandato.
E,
ainda, os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que deram maior extensão à
matéria e fixaram também a competência de foro prevista na Constituição
Federal, para os demais cargos, exclusivamente para crimes praticados após a
diplomação ou a nomeação (conforme o caso), independentemente de sua relação ou
não com a função pública em questão.
O
julgamento foi concluído com o voto do ministro Gilmar Mendes, segundo o qual a
restrição do foro por prerrogativa de função é incompatível com a Constituição
Federal. Segundo o referido Ministro, a prerrogativa de foro com a amplitude
dada pelo texto constitucional tornou-se insustentável e, relembrou o
julgamento da AP 470 (“mensalão”), que afetou substancialmente a pauta de
julgamentos do Plenário.
No
entanto, explicou Mendes, não basta a percepção do STF quanto à inconveniência
da prerrogativa de foro para autorizar a reinterpretação da norma
constitucional.
De
acordo com o ministro, as Constituições brasileiras sempre trouxeram regras
sobre prerrogativa de foro, com algumas alterações quanto ao número de
autoridades contempladas. Entretanto, destacou, “desde sempre a interpretação
estabelecida, pública e notória, alcança todas as acusações criminais contra as
autoridades, independentemente do tempo do crime ou de sua ligação ao cargo ou
função pública”.
A
restrição da prerrogativa de foro em relação aos crimes cometidos no exercício
do cargo, mais ainda, se ligados ao ofício, “desborda não apenas do texto
constitucional, mas da interpretação a ele dada ao longo da história”, afirmou.
O Ministro
Gilmar Mendes seguiu a posição apresentada pelo Ministro Dias Toffoli, mas
acrescentou em seu voto proposta de edição de súmula vinculante para considerar
inconstitucionais dispositivos de constituição estadual que estendam a
prerrogativa de foro a autoridades em cargo similar ao dos parlamentares
federais.
Também
para o Ministro Gilmar Mendes, as consequências da nova interpretação acerca do
foro por prerrogativa de função devem ser estendidas aos ministros do Supremo e
membros do Ministério Público Federal, inclusive, declarando-se
inconstitucionais todas as normas que dão prerrogativas aos membros do
Judiciário e do MP.
Em seu
voto, o ministro criticou relatório apresentado pela Fundação Getúlio Vargas
(FGV) que aponta lentidão do STF no julgamento de casos criminais. “O Supremo,
a despeito de todas as dificuldades, vem enfrentando os feitos criminais de sua
competência originária sem pender para nenhuma das partes ou servir de porta à
impunidade.
Os
feitos aqui chegam e são julgados em tempo que, para os padrões da justiça
brasileira, não foge aos limites do razoável”, defendeu.
Quanto
ao caso concreto, os ministros determinaram a baixa dos autos da AP 937 ao
juízo da 256ª Zona Eleitoral do Rio de janeiro, tendo em vista que o crime
imputado a Marcos da Rocha Mendes não foi cometido quando este ocupava o cargo
de deputado federal ou em razão dele.
Recentemente,
o Supremo Tribunal Federal (STF) tem cinco votos para ampliar o foro
privilegiado em um inquérito sigiloso que está sendo julgado em plenário
virtual. Foram favoráveis à matéria o relator do caso, Ministro Gilmar Mendes,
além de Dias Toffoli, Flávio Dino e Cristiano Zanin[9].
Entretanto,
Luís Roberto Barroso pediu vista e mais tempo para análise. Posteriormente,
Alexandre de Moraes antecipou seu voto e acompanhou o relator. Falta um voto
para ter maioria. Entretanto, mesmo que todos votem, o processo só será
encerrado quando Barroso fizer a devolução.
No
entendimento dos magistrados que acompanharam o relator, o foro privilegiado
deve ser mantido mesmo em julgamentos de casos após o fim de mandatos de
políticos.
A
regra atual sobre o foro, válida desde 2018, determina que, para que o processo
ocorra no STF, é preciso que o crime tenha sido cometido no exercício do cargo
e tenha relação com a função ocupada.
Neste
cenário, se o agente público perder seu mandato, o processo sai do STF e vai
para a primeira instância. A única exceção é para quando o caso já estiver na
fase final de tramitação.
Está
sendo analisado outra matéria sobre o mesmo tema, um habeas corpus apresentado
pelo senador Zequinha Marinho (Podemos-PA).
Nessa
questão, Gilmar Mendes, Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes foram favoráveis.
Barroso também pediu vista.
Em seu
voto, o Ministro Gilmar Mendes disse: “Estou convencido de que a competência
dos Tribunais para julgamento de crimes funcionais prevalece mesmo após a cessação
das funções públicas, por qualquer causa (renúncia, não reeleição, cassação
etc.).”
“Proponho
que o Plenário revisite a matéria, a fim de definir que a saída do cargo
somente afasta o foro privativo em casos de crimes praticados antes da
investidura no cargo ou, ainda, dos que não possuam relação com o seu
exercício; quanto aos crimes funcionais, a prerrogativa de foro deve subsistir
mesmo após o encerramento das funções.”
O
Ministro Gilmar Mendes defendeu em seu voto a aplicação imediata da nova interpretação
de aplicação de foro privilegiado aos processos em curso, “com a ressalva de
todos os atos praticados pelo STF e pelos demais Juízos com base na
jurisprudência anterior”.
A
discussão envolve a possibilidade de ser fixada a competência do Supremo em
situações de troca sucessiva de mandatos eletivos, mesmo que um dos cargos não
tenha, especificamente, foro no STF.
Em
duas decisões do STF, em 2020, deixaram a questão do foro privilegiado em
aberto. Quando a prerrogativa de foro não se aplica a determinado parlamentar,
de quem é a competência para determinar eventual busca e apreensão em seu
gabinete funcional no Congresso Nacional. Mesmo do STF ou de outro juízo.
O STF
fixou em 2018 a tese dde que o foro por prerrogativa de função só aplica aos
fatos relacionados ao exercício do mandato representativo.
Assim,
sem o foro especial, poderia outro juízo, que não o STF, autorizar buscas
dentro do Parlamento?
Em
2020, a decisão do então Presidente do STF, Ministro Dias Toffoli, sugeriu que
não. Plantonista durante o recesso de julho, ele despachou em caso atribuído ao
Ministro Gilmar Mendes e concedeu liminar em reclamação ajuizada pelo senador
José Serra (PSDB-SP), alvo de busca e apreensão determinada pelo juízo da 1ª
Zona Eleitoral de São Paulo.
Segundo
seu entendimento, a busca e apreensão
que não chegou a ocorrer porque o presidente do Senado, Davi Alcolumbre,
impediu a entrada dos policiais federais para cumprir a ordem e
eleva o risco potencial de apreensão de
documentos e informações relacionadas ao desempenho da atividade parlamentar.
"Indevida intromissão da autoridade reclamada, pelo menos nesse primeiro
exame, na competência do Supremo Tribunal Federal para analisar a medida",
concluiu.
A
decisão de Toffoli considerou especificidades do caso concreto: "a extrema
amplitude da ordem de busca e apreensão" impossibilita "a delimitação
de documentos e objetos que seriam diretamente ligados ao desempenho da
atividade típica do atual mandato do Senador da República".
Assim,
por haver risco de que fossem apreendidos materiais relacionados à atividade
parlamentar do senador, o ministro decidiu por suspender toda a investigação.
A
decisão não torna expressa a afirmação de que o STF tem competência para
determinar, sempre, busca e apreensão em gabinete de congressistas. Na prática,
de todo modo, a determinação da diligência por outro juízo, nesse caso, não foi
autorizada.
Para o
Ministro Marco Aurélio, a resposta é sim, correspondendo a outro juízo, que não
o STF, pode determinar busca e apreensão em gabinetes no Parlamento.
O
vice-decano, que combinou com a presidência de continuar despachando durante o
recesso, negou seguimento à reclamação impetrada pela Câmara em favor do
deputado federal Paulinho da Força[10] (Solidariedade-SP), que
teve documentos apreendidos em seu gabinete no Congresso em 14 de julho, a
mando da mesma primeira Zona Eleitoral de São Paulo.
Para
ele, considerado o princípio do juiz natural, ou existe a competência para
atuar no processo, praticando atos que entender cabíveis, ou não há. O local
onde será realizada a diligência não serve para atrair atuação do Supremo
Tribunal Federal.
No
entanto, a decisão de Marco Aurélio, ao contrário da de Toffoli, não considera
eventuais especificidades do caso concreto. Ela se ampara sobretudo em
elementos abstratos.
Constitucionalistas
se dividem ao analisar o tema do foro privilegiado. Ambos os casos tramitam no
juízo de primeiro grau porque foi aplicada a diferenciação feita pelo STF em
maio de 2018.
Portanto,
o parlamentar só tem foro especial em fato ocorrido em função do mandato. Tanto
Serra quanto Paulinho da Força são investigados por suspeita de uso de caixa
dois para financiar campanhas eleitorais.
Para o
doutrinador e professor de Direito Constitucional Lenio Streck, a decisão
tomada pelo Ministro Dias Toffoli foi a mais acertada. Ele se filia ao
entendimento de que houve usurpação da competência ao determinar busca e
apreensão que pode, potencialmente, abarcar documentos e, logo, assuntos
diretamente ligados à atividade parlamentar.
"O
juiz usurpou da competência. Não parece razoável pensar que um juiz possa
mandar fazer busca e apreensão no prédio do STJ ou STF. Se não pode isso, por
que poderia mandar fazer busca no Parlamento?", exemplificou.
Para a
advogada constitucionalista Vera Chemim, no entanto, a competência para
quaisquer providências necessárias para o andamento das investigações,
inclusive a expedição de medidas cautelares, deve ser do juízo de primeiro
grau. Entender diferentemente contraria o próprio entendimento do Plenário do
STF.
"O
argumento de que ainda persistem lacunas sobre a restrição do foro privilegiado
não faz sentido, uma vez que o agente político só teria direito ao foro desde
que os atos ilícitos tivessem sido cometidos durante o atual mandato e
relacionados ao exercício das suas funções", destacou.
Para o
doutrinador constitucionalista Daniel Sarmento, "são orientações
diferentes, em um tema que envolve certa complexidade". "É
fundamental que o Plenário assente orientação definitiva na matéria, em prol da
segurança jurídica, para evitar a loteria judiciária", disse.
Para Lenio Streck, “as duas decisões a de Marco Aurélio e a de Toffoli, tomadas no mesmo dia, não constituem ameaça à segurança jurídica no que diz respeito a cautelares tomadas contra parlamentares. "Não há impacto”. É recomendável que isso seja definido, em definitivo, pelo colegiado do STF, apontou.
Vera
Chemim apontou que essas questões precisam ser claramente fechadas com bastante
previsão, enquanto os precedentes existentes são monocráticos. Para ela, as
decisões potencialmente conflitantes geram, de maneira inevitável, insegurança
jurídica.
"O
fato é que, diante de tantas demandas remetidas ao STF, não se pode descartar a
possibilidade de uma sutil politização de suas decisões, especialmente as
decisões monocráticas", destacou.
A
decisão do Ministro Toffoli citou como precedente outra monocrática, de 2019,
na Reclamação 36.571, do Ministro Alexandre de Moraes. Na ocasião, a 7ª Vara
Criminal de Cuiabá (MT) decretou a busca e apreensão na casa da deputada
federal professora Rosa Neide, no bojo de inquérito policial instaurado para
investigar a suposta prática de crimes ocorridos à época em que era secretária
Estadual de Educação.
Para o
Ministro Alexandre de Moraes, se o local da cautelar é a casa ou o gabinete,
"admite-se que possa ter ocorrido desrespeito às prerrogativas
parlamentares, à cláusula de reserva jurisdicional e ao princípio do juiz
natural, que exigiam, desde logo, decisão do órgão jurisdicional constitucionalmente
competente: Supremo Tribunal Federal".
Já o Ministro
Marco Aurélio citou pronunciamento recente de outra deputada federal que também
foi alvo de busca e apreensão em seu gabinete: Rejane Dias (PT-PI). No caso
dela, que é investigada por desvio de verbas para educação, a Terceira Vara
Federal do Piauí peticionou ao STF sobre a necessidade de autorização.
A
ministra Rosa Weber não conheceu do pedido, remetendo os autos de volta ao
juízo de piso para que decidisse conforme sua convicção.
"Em
resumo, medidas cautelares penais visando às dependências das Casas
Legislativas terão de ser submetidas ao crivo da Suprema Corte apenas quando
tenham como alvo parlamentares federais cujos atos se amoldem aos critérios
definidos por ocasião do julgamento da Questão de Ordem na Ação Penal
937", apontou a ministra, no trecho citado pelo vice-decano.
O que
o Plenário do STF já decidiu foi que juízo de primeiro grau não tem competência
para determinar operação da Polícia Federal que investigue atos de policiais do
Senado cometidos por ordem de senadores. Na ocasião, os policiais legislativos
chegaram a ser presos.
Prevaleceu
o voto do Ministro Luiz Edson Fachin. Concordou
com ele na ocasião o Ministro Alexandre de Moraes, que deixou claro: "O
juiz de primeira instância que autoriza mandado de busca e apreensão no
Congresso, no Senado, na Câmara, em imóveis funcionais, sabe que sua medida
será também invasiva da intimidade, da vida privada, dos parlamentares".
Ficaram
vencidos os Ministros Marco Aurélio e o decano da corte, Ministro Celso de
Mello, que, ao votar, destacou a preocupação de que "se construam
santuários de proteção de criminosos comuns com relação a certos espaços
institucionais reservados a determinadas autoridades com prerrogativa de
foro". Vide os processos: Rcl 42.446; Rcl 42.389; AGr na Rcl 26.745; AC
4.297; Rcl 25.537; AP 937.
O foro
privilegiado é mecanismo pelo qual se altera a competência penal sobre ações
contra certas autoridades públicas. Tecnicamente, o nome escorreito é o foro
especial por prerrogativa de função.
Quando
há uma ação penal contra uma autoridade pública como os parlamentares, é
julgada por tribunais superiores, diferentemente de cidadão comum julgado pela
justiça comum.
Inegavelmente,
admite-se que o foro privilegiado quebra o princípio de que todos são iguais
perante a lei. E que, portanto, estão submetidos a lei da mesma forma. Por que,
então, foi criado o foro por prerrogativa de função?
A
justificativa é a necessidade de se proteger o exercício da função ou do
mandato público. Como é de interesse público que ninguém seja perseguido pela
justiça por estar em determinada função pública, então considera-se melhor que
algumas autoridades sejam julgadas pelos órgãos superiores da justiça, tidos como
maior independência.
Frise-se que o foro protege a função, e não a
pessoa. Justamente por essa lógica, qualquer autoridade pública deixa de ter
direito a foro especial assim que deixa sua função pública (ex-deputados não
possuem foro especial, por exemplo).
São as
autoridades públicas com foro privilegiado e como elas são julgadas quando
necessário, a saber:
Governadores são julgados, em crimes comuns,
pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ);
Os prefeitos são julgados pelos Tribunais de
Justiça estaduais;
E, não
são apenas políticos que possuem o foro privilegiado: membros dos tribunais
superiores, do Tribunal de Contas da União e embaixadores são julgados pelo
STF;
Já o
STJ julga desembargadores dos tribunais de justiça, membros de Tribunais de
Contas estaduais e municipais, além de membros de Tribunais Regionais (TRF,
TRT, TRE etc.)
Juízes
Federais, do Trabalho, Juízes Militares e Procuradores da República são julgados
pelos Tribunais Regionais Federais;
Membros
do Ministério Público também possuem foro privilegiado.
Em
maio de 2018, o Senado, por unanimidade, decidiu mudar a regra para foro
privilegiado de deputados federais e senadores. A partir de então, esses parlamentares
passam a ter acesso ao foro apenas quando julgados por crimes que foram cometidos
durante o mandato e/ou que possuam relação com o cargo. (grifo meu)
Existem
outros países que adotam sistemas parecidos, como Portugal, Espanha, Argentina
e Colômbia. Mas é possível afirmar que em nenhum outro país essa prerrogativa é
estendida a tantos indivíduos quanto no Brasil (ao menos se analisarmos a
constituição de cada país).
Segundo
reportagem da Revista Exame, até 2017 cinquenta e cinco mil pessoas possuíam foro privilegiado por aqui. O número
condiz com estudo feito pela Consultoria Legislativa do Senado Federal, que em
2015 já havia apontado cinquenta e quatro mil autoridades possuindo a
prerrogativa de foro naquele ano.
Em
alguns Estados, como o Distrito Federal, só vinte e duas autoridades recebem o
foro graças à lei local. Em outros, no entanto, a cifra é elevada como na
Bahia, são 4.880; no Rio de Janeiro, outros 3.194; no Piauí, são mais 2.773.
Há
quem afirme que as ações de foro privilegiado sobrecarregam os tribunais
superiores. Eles acabam por julgar desde fatos graves, como homicídios, até
fatos banais.
O STF,
por sua vez, já é muito sobrecarregado, afinal, julga cerca de cem mil casos ao
ano. Para efeito de comparação, a Suprema Corte dos Estados Unidos, análoga ao
STF, julga apenas cem casos anualmente. A discrepância do número de julgamentos
salta aos olhos.
O
julgamento de crimes comuns de autoridades públicas no Brasil mistura-se a uma
imensa pilha de processos que o STF precisa julgar. Ainda pior pois, os
tribunais superiores não estão acostumados a realizar uma ação penal,
inexistindo uma estrutura adequada na maior parte deles para receber esses
casos.
É por
esses e outros motivos que pouco se ouve sobre políticos condenados na justiça.
Levantamento feito pela Revista Exame em 2015 revelou que, de quinhentos
parlamentares que foram alvo de investigação ou de ação penal no STF nos
últimos vinte e sete anos, apenas dezesseis foram condenados.
Desses,
oito foram presos (apenas um esteve preso até 2016). Os demais ou recorreram,
ou contaram com a prescrição para se livrar das ações penais.
Em
dezembro de 2018 voltou a debate na Câmara dos Deputados a possibilidade de
extinção do foro privilegiado. A PEC 333/2017 teve seu parecer aprovado em comissão
e, enfim, propõe que o foro seja extinto no caso de julgamentos por crimes
comuns.
Além
disso, ficaria restrito aos Presidentes da República, da Câmara, do Senado
Federal e do STF. Assim, perderiam direito ao foro os ministros de Estado,
governadores, parlamentares e outras autoridades.
Caberá
o julgamento pelo STF: Presidente da República, vice-presidente, ministros de
Estado, senadores, deputados federais, integrantes dos tribunais superiores, do
Tribunal de Contas da União e embaixadores;
Caberá
o julgamento pelo STJ: governadores, desembargadores dos Tribunais de Justiça,
integrantes dos Tribunais de Contas estaduais e municipais e dos tribunais
regionais (como TRF, TRT e TRE), integrantes do Ministério Público que atuam em
tribunais superiores;
Caberá
julgamento pelo TJ estadual (segunda instância): prefeitos e promotores e
procuradores de Justiça;
Caberá
o julgamento pelos TRFs: juízes federais, do Trabalho, juízes militares,
procuradores da República e integrantes do Ministério Público que atuam na
segunda instância.
Em
linhas gerais, o conceito de foro privilegiado é uma importantíssima ferramenta
para preservar o exercício da atividade parlamentar livre de qualquer pressão
externa.
Contudo,
infelizmente, no Brasil o foro privilegiado tem servido de escudo a alguns
poucos políticos que perpetuam condutas contrárias aos ideais da República.
Ocorre que o melhor juiz deve ser o eleitor, negando-se a renovação de mandato
àqueles que não estão à altura desta importante missão.
O STF
analisa um habeas corpus protocolado pelo senador Zequinha Marinho
(Podemos-PA). Os ministros do Supremo vão decidir se a Corte pode julgar uma
ação contra o congressista por suposta prática de “rachadinha” quando ainda era
deputado federal.
O
processo está aberto no plenário virtual do Supremo até o próximo dia 8 de
abril de 2024. Se todos os ministros depositarem os votos, o processo se
encerra. Mas há possibilidade de pedido de vista – quando um ministro pede mais
prazo (ou destaque) nesse caso, a discussão é levada ao plenário físico do
Supremo.
Ministro Barroso pediu vista na análise de recurso do
senador Zequinha Marinho; placar é de cinco votos para ampliar o alcance do
foro por prerrogativa de função. Agora, o ministro terá 90 (noventa) dias para
analisar o processo.
Na
ação, o congressista afirma que ocupou, de forma sucessiva, cargos com
prerrogativa de função. Por isso, diz que deveria ser julgado pelo STF e não
pela primeira Instância.
A
regra atual da Corte estabelece que uma ação deve ser remetida à primeira
Instância depois do fim do mandato, a não ser que o processo esteja na fase
final de tramitação. Gilmar Mendes é o relator do habeas corpus impetrado pelo
senador.
Em
despacho de 13 de março de 2024 ele declarou que o caso pode “recalibrar” os
contornos do foro privilegiado e a questão é “relevante e tem assento
constitucional”.(Disponível em:
https://static.poder360.com.br/2024/03/despacho-gilmar-foro.pdf Acesso em
29.3.2024)
Em seu
voto, inserido sistema do STF na madrugada desta sexta-feira (29.03.2024)
(disponível em: https://static.poder360.com.br/2024/03/despacho-gilmar-foro.pdf Acesso
em 29.3.2024), o ministro da Corte afirmou estar convencido de que “a
competência dos Tribunais para julgamento de crimes funcionais prevalece mesmo
após a cessação das funções públicas, por qualquer causa (renúncia, não
reeleição, cassação etc.)”.
O
Ministro Gilmar declarou que seu entendimento diverge da atual jurisprudência
da Corte e, por isso, propõe “que o Plenário revisite a matéria, a fim de
definir que a saída do cargo somente afasta o foro privativo em casos de crimes
praticados antes da investidura no cargo.
Segundo
o magistrado, a discussão “não altera a essência da atual jurisprudência da
Corte”, mas “avança para firmar o foro especial mesmo após a cessação das
funções”.
Lê-se
no voto de Gilmar: “Em termos práticos, a aprovação da proposta estabilizaria o
foro nos Tribunais quando estiverem presentes os requisitos da
contemporaneidade e da pertinência temática”.
O
ministro do STF afirmou que, no caso específico de Zequinha Marinho, “a própria
denúncia indica que as condutas imputadas ao paciente foram praticadas durante
o exercício do mandato e em razão das suas funções”.
Por
esse motivo, Gilmar Mendes reconheceu a competência do Supremo para processar e
julgar a ação. “Proponho a aplicação
imediata da nova interpretação aos processos em curso, com a ressalva de todos
os atos praticados pelo STF e pelos demais Juízos com base na jurisprudência
anterior”, disse o magistrado.
A
Constituição Federal brasileira estabelece no artigo 105, I, "a", as
autoridades que serão julgadas pelo STJ: nos crimes comuns, os governadores dos
estados e do Distrito Federal; nestes e nos de responsabilidade, os membros dos
Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais
Eleitorais e do Trabalho, Tribunais e Conselhos de Contas estaduais, municipais
e do DF, além dos membros do Ministério Público da União que oficiem perante
tribunais.
Foi
originalmente pensado para assegurar a independência de órgãos, ou seja, para
garantir o livre exercício de cargos constitucionalmente relevantes. Portanto,
trata-se de uma diferença que encontra suporte na função exercida no âmbito
administrativo ou político", disse.
No
entanto, de acordo com o ministro, a evolução do pensamento social diante de
situações que não havia no passado – e que, inclusive, afetam o funcionamento
da Justiça – exige que se adote uma interpretação restritiva das normas
constitucionais sobre foro por prerrogativa de função.
Em
algumas situações, ainda que o crime imputado não tenha relação com a atividade
do cargo, não se aplica a restrição ao foro. Em questão de ordem na AP 878, a
Corte Especial estabeleceu que crimes comuns e de responsabilidade cometidos
por desembargadores – mesmo que não tenham sido praticados em razão do cargo –
poderão ser julgados pelo STJ.
Por
maioria, o colegiado seguiu o voto do relator, Ministro Benedito Gonçalves,
para quem o foro especial tem por finalidade também resguardar a imparcialidade
necessária ao julgamento, uma vez que evita o conflito de interesses entre
magistrados vinculados ao mesmo tribunal.
Dessa forma,
a prerrogativa de foro estabelecida no inciso I do artigo 105 da Constituição
Federal será mantida sempre que um desembargador acusado da prática de crime
sem relação com o cargo tivesse de ser julgado por juiz de primeiro grau
vinculado ao mesmo tribunal que ele, pois a prerrogativa de foro visa, também,
proteger a independência no exercício da função judicante.
O caso
tratou de denúncia oferecida contra um desembargador do Tribunal de Justiça do
Paraná (TJPR), acusado de lesão corporal. Como o crime não tem relação com o
desempenho das funções de desembargador, o Ministério Público Federal pediu o
deslocamento da ação para a primeira instância.
A
Corte Especial entendeu que o precedente do STF não se aplica a todos os casos
– apenas àqueles em que o juiz (julgador) e o desembargador (julgado) não
estejam vinculados ao mesmo tribunal.
Segundo
o relator, ao prever foro especial para desembargadores no STJ, o constituinte
originário queria "resguardar a própria prestação jurisdicional criminal
de questionamentos que, em tese, poderiam ser feitos em razão da prolação de
decisões por juiz que poderá eventualmente, no futuro, ter interesse em
decisões administrativas que dependerão de deliberação da qual venha a
participar o desembargador acusado".
Em
março de 2020, a Quinta Turma decidiu que o foro privilegiado não impõe
condições à atuação do Ministério Público ou da polícia na atividade de
investigação.
Com
esse entendimento, o colegiado negou provimento ao RHC 104.471, no qual um
prefeito pedia o trancamento de ação penal contra ele, ao argumento de que
haveria ilegalidade na investigação que se desenvolveu sem a supervisão
judicial por parte do Tribunal de Justiça do estado, não respeitando, assim, a
sua prerrogativa de função.
O
relator do recurso no STJ, Ministro Ribeiro Dantas, explicou que, "nas
hipóteses de haver previsão de foro por prerrogativa de função, pretende-se
apenas que a autoridade, em razão da importância da função que exerce, seja
processada e julgada perante foro mais restrito, formado por julgadores mais
experientes, evitando-se persecuções penais infundadas".
O
ministro lembrou que o STF e o STJ já se pronunciaram no sentido de que a
prerrogativa de foro é critério relativo à determinação da competência
jurisdicional originária do tribunal respectivo, quando do oferecimento da
denúncia ou, eventualmente, antes dela, caso haja necessidade de diligência
sujeita à autorização judicial, mas não há razão jurídica para condicionar a
investigação à prévia autorização judicial.
A
Quinta Turma do STJ, no julgamento do HC 347.944, negou o pedido de um
ex-deputado estadual para que fosse reconhecida a incompetência do tribunal
estadual para julgá-lo, uma vez que, no decorrer do processo, deixou de ocupar
o cargo, não possuindo mais o foro por prerrogativa de função.
O
mesmo pedido já havia sido negado pelo tribunal estadual ao fundamento de que
um corréu ainda detinha a prerrogativa de foro, pois foi reeleito deputado
estadual. Diante da praticidade para a instrução probatória, foi mantida a
competência do Tribunal de Justiça para julgar o processo, sem desmembramento.
O
relator do habeas corpus no STJ, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca,
explicou que a conexão/continência é a regra estabelecida na legislação
processual (artigo 79 do Código de Processo Penal) "e tem por escopo
garantir o julgamento conjunto dos fatos e também dos corréus que respondem
pelo mesmo crime, permitindo ao juiz uma visão completa do quadro probatório e
uma prestação jurisdicional uniforme".
Desse
modo – ressaltou –, no concurso de jurisdições de diversas categorias, deve
prevalecer a de maior graduação – no caso, o Tribunal de Justiça. O ministro
ressaltou que o STF já se posicionou no sentido de que o desmembramento das
investigações e o levantamento de sigilo competem, com exclusividade, ao
tribunal competente para julgar a autoridade com prerrogativa de foro.
"Em
suma, a separação dos processos constitui faculdade do juízo processante e tem
em vista a conveniência da instrução criminal", disse. Esta notícia
refere-se ao(s) processo(s): APn 857; APn 874; APn 878;RHC 104471; HC 347944.
Nos
termos do artigo 53, §1º da CF/1988, “Os Deputados e Senadores, desde a
expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal
Federal”. Trata-se de foro por prerrogativa de função, exercido pelo STF.
Percebe-se
que o foro especial se estende da diplomação (e não da posse) até o fim do
mandato.
Em
razão da amplitude que pode ser extraída do texto literal da Constituição,
sempre se considerou que todo e qualquer processo criminal a que respondesse o
parlamentar deveria ser levado ao Supremo Tribunal Federal a partir da
diplomação, ou seja, passavam à jurisdição do tribunal eventuais processos por
crimes cometidos antes da diplomação e nela se iniciava qualquer processo por
crime cometido após a diplomação e até o fim do mandato parlamentar.
O
tribunal, no entanto, por meio de questão de ordem na Ação Penal 937, decidiu
que: 1) a prerrogativa de foro se limita aos crimes cometidos no exercício do
cargo e em razão dele; 2) a jurisdição do STF se perpetua caso tenha havido o
encerramento da instrução processual – leia-se: intimação das partes para
apresentação das derradeiras alegações – antes da extinção do mandato.
A
aplicação literal do dispositivo constitucional vinha causando certos problemas
em virtude da mudança de circunstâncias envolvendo o agente processado.
Eram
frequentes as modificações de foro porque alguém respondia criminalmente em
primeira ou em segunda instância, mas, diplomado, passava a desfrutar da prerrogativa
de ser julgado pelo STF.
Da
mesma forma, não eram raras as remessas de processos a instâncias inferiores
porque o agente, por algum motivo, havia perdido a prerrogativa.
Para
evitar essas modificações de foro – que não necessariamente decorriam de má-fé
–, o STF determinou que o foro por prerrogativa se limita aos crimes cometidos
no exercício do mandato e em razão dele.
Em
outra situação, um conselheiro de Tribunal de Contas estadual estava sendo
processado no STJ sob a acusação de crimes de peculato, lavagem de dinheiro e
associação criminosa quando exercera o cargo de deputado estadual, sendo que os
autos da ação penal haviam sido remetidos àquele tribunal superior em razão da
posse no cargo de conselheiro da corte de contas. Diante da restrição imposta
pelo STF ao foro por prerrogativa, decidiu o STJ remeter os autos para
julgamento em primeira instância:
“3. Na
espécie, verifica-se que os fatos imputados ao acusado detentor do foro por
prerrogativa neste Sodalício foram praticados no exercício do mandato de
deputado estadual, não possuindo qualquer relação com o cargo de Conselheiro do
Tribunal de Contas do Estado do Amapá, que ocupa atualmente. 4. Inexistindo
liame entre os crimes ora apurados e o cargo de Conselheiro do Tribunal de
Contas do Estado […], estando o feito na fase instrutória, e não havendo, entre
os corréus, autoridade com foro por prerrogativa perante outro Tribunal,
impõe-se a remessa dos autos à Justiça de primeira instância.” (QO na APn
839/DF, j. 07/11/2018)
Posteriormente,
o próprio STF, por meio da Primeira Turma, aplicou seu precedente para remeter
à primeira instância um inquérito policial que tramitava no tribunal para
apurar supostos crimes cometidos por ministro de Estado – licenciado do cargo
de senador – quando era titular do Executivo no Estado do Mato Grosso.
O
julgamento se deu em questão de ordem no inquérito 4703 (j. 12/11/2018). Em seu
voto, o Ministro Luiz Fux se referiu ao precedente estabelecido na AP 937 para
declinar da competência para apreciar fato não cometido no exercício do cargo
de ministro – e tampouco do mandato legislativo – nem em razão dele.
Assentou
que, a partir do precedente firmado, a restrição se aplica a qualquer hipótese
de foro por prerrogativa. Foi acompanhado pelos Ministros Luís Roberto Barroso,
Rosa Weber e Marco Aurélio.
Como
se pode notar, nos julgamentos acima citados as decisões proferidas
consideraram a perda de fundamento para a manutenção do foro por prerrogativa
em virtude de condutas alheias ao cargo ocupado naquele momento e remeteram os
autos para que a primeira instância lhes desse o necessário seguimento.
Não
podemos deixar de mencionar a existência de outra questão com a qual certamente
nos depararemos. É o caso de deputados federais eleitos senadores e vice-versa.
Ambos
os cargos têm prerrogativa de foro no STF, mas, a rigor, a decisão tomada na AP
937 deve impedir a permanência de inquéritos policiais e de ações penais
naquela corte, pois, se o foro por prerrogativa existe no caso de crimes
cometidos no exercício do cargo e em razão dele, a extinção do mandato faz
desaparecer a prerrogativa.
Ainda que, em virtude da eleição, o agente permaneça com prerrogativa perante a mesma corte, trata-se de cargos distintos e de crimes cometidos em outras circunstâncias, que não justificam a manutenção do foro.
Súmula
Vinculante 45: A competência
constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de
função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual[11].
Precedentes
Representativos
No que
concerne à competência do Tribunal do Júri, para o processo e julgamento dos
crimes dolosos contra a vida, tem o STF decidido que apenas podem ser
excepcionadas, nos casos de foro especial por prerrogativa de função, as
hipóteses previstas na própria CF/1988, quanto à competência para o processo e
julgamento de crimes comuns em geral, consoante se depreende dos arts. 102, I,
b e c; 105, I, a; 108, I, a. (...) o foro especial por prerrogativa de função,
regulado em Constituição de Estado-membro, não afasta a norma especial e
expressa da competência do Júri, ut art. 5º, XXXVIII, d, da CF/1988, ao
conferir ao Tribunal do Júri a competência para o processo e julgamento dos
crimes dolosos contra a vida. [RHC 80.477, voto do rel. min. Néri da Silveira,
2ª T, j. 31-10-2000, DJ de 4-5-2001.]
Habeas
corpus. 2. Procurador do Estado da Paraíba condenado por crime
doloso contra a vida. 3. A Constituição do Estado da Paraíba prevê, no art.
136, XII, foro especial por prerrogativa de função, dos procuradores do Estado,
no Tribunal de Justiça, onde devem ser processados e julgados nos crimes comuns
e de responsabilidade. 4. O art. 136, XII, da Constituição da Paraíba não pode
prevalecer, em confronto com o art. 5º, XXXVIII, d, da CF/1988, porque somente
regra expressa da Lei Magna da República, prevendo foro especial por
prerrogativa de função, para autoridade estadual, nos crimes comuns e de
responsabilidade, pode afastar a incidência do art. 5º, XXXVIII, d, da CF/1988,
quanto à competência do Júri. 5. Em se tratando, portanto, de crimes dolosos
contra a vida, os procuradores do Estado da Paraíba hão de ser processados e
julgados pelo Júri.
[HC
78.168, rel. min. Néri da Silveira, P, j. 18-11-1998, DJ de 29-8-2003.]
Desde
2018, o entendimento do STF é que o foro privilegiado é válido apenas para
crimes cometidos durante o mandato parlamentar vigente. Entretanto, em alguns
casos isso não tem sido a regra. Um dos exemplos é o processo contra o deputado
Chiquinho Brazão (sem partido -RJ), acusado de envolvimento na morte de
Marielle Franco e cujo caso foi enviado ao Supremo. Quando o crime ocorreu, em
2018, ele era vereador, e não deputado federal.
Restringir
o alcance do foro por prerrogativa de função, mais conhecido como foro
privilegiado. Esta prática antiga vem desde a Constituição de 1891, que no
artigo 59, inc. I, “a”, atribuía ao Supremo Tribunal Federal competência para
processar e julgar o presidente da República, nos crimes comuns, e os ministros
de Estado.
Ocorre
que, as Constituições que sucederam a primeira da República, foram elevando o
número de pessoas com direito à prerrogativa de foro. A de 1988, pródiga em
conceder direitos e não impor deveres, superou todas incluindo um extenso rol
de autoridades. As Constituições de vários Estados foram além, estendendo o
benefício a outras tantas.
A Lei
8.038 de 1990, que fixou o rito processual nas ações penais originárias, tornou
ainda mais difícil a tramitação dos processos, burocratizando e atrasando o
final.
Estabeleceu
que a denúncia teria que ser recebida pelo Tribunal e não pelo relator,
inclusive possibilitando sustentação oral. Ainda, que depois de feita a
instrução, dado quinze dias aos réus para apresentar alegações finais, tivessem
mais uma hora de sustentação oral no dia do julgamento.
A Questão
de Ordem em um caso emblemático, que se arrastava por dez anos entre diferentes
tribunais. O voto do Ministro Luís Roberto Barroso, que prevaleceu, fixou que:
Por
todo o exposto, resolvo a presente questão de ordem com a fixação das seguintes
teses: “(i) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes
cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas;
e (ii) Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de
intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e
julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a
ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo”.
O voto
condutor teve a adesão total de mais seis votos e, assim, por maioria, deu nova
interpretação ao artigo 53, § 1º da Carta Magna. Houve, contudo, algumas
objeções.
Para
os Ministros Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandovski não deveria prevalecer a
tese de que a competência se vinculava às funções desempenhadas. Portanto,
todos os crimes deveriam continuar na competência do tribunal e não do juiz de
primeira instância.
Exemplo:
para a corrente vencedora, um acidente de trânsito praticado por um deputado
federal que cause a morte de alguém, deve ser julgado pelo juiz de direito do
local da infração. Para os dois votos divergentes, ele deveria ser da
competência do Supremo Tribunal Federal.
O Ministro
Dias Toffoli acompanhou os votos divergentes de Moraes e Lewandowski, mas foi
além, pois “propôs que, além de deputados e senadores (objeto da análise da corte), a limitação ao
foro atinja também ministros de estado, magistrados de cortes superiores e
detentores de cargos estaduais e municipais, como governadores, secretários e
prefeitos”.
O STF
não é corte de apelação, seus julgamentos vão muito além do caso concreto
julgado. Por tal razão, suas conclusões devem ser debatidas à exaustão e ditar
a política judiciária sobre o assunto.
Infelizmente,
tudo parece afirmar que o acórdão lavrado perdeu uma oportunidade de solucionar
a questão do foro privilegiado, pois deixou várias perguntas sem resposta.
Poderia ter feito considerações nos votos e incluí-las, ainda que de forma
incidental, na motivação (obiter dictum). Uma a uma, poderiam ser
submetidas a votação. Evidentemente que seria trabalhoso, tomaria muito tempo.
Mas, dispensaria longas discussões posteriores, na própria Corte Superior e nos
outros sessenta e seis tribunais do Brasil com competência originária para
julgar tais crimes.
Portanto,
tinha razão o Ministro Dias Toffoli quando pediu a extensão do julgado a outras
autoridades. É que, da forma como foi lavrado o voto condutor, as outras
autoridades ficaram fora do alcance do que foi decidido.
O Ministro
Gilmar Mendes manifestou preocupação com a interpretação do que seriam crimes
“relacionados às funções desempenhadas” e exemplificou com a hipótese de
assassinato de inimigo político antes da posse no cargo ou tráfico de droga
dentro de um gabinete funcional.
Em suma, a questão permanece
sendo complexa e, suscitará dúvidas na aplicação, mas teve o importante mérito
de mostrar a disposição do STF em acabar com a impunidade reinante. Foi feita
com olhos na realidade, na prática, nos resultados e não em meras teses
jurídicas.
O
Presidente do STF, Ministro Luís Roberto Barroso pediu vista e, com isso,
interrompeu o julgamento no plenário virtual da Suprema Corte o que poderá
mudar o atual entendimento sobre a aplicação do princípio foro por prerrogativa
de função, o chamado foro privilegiado. O julgamento começou na madrugada de
29.3.2024 e teve quatro votos favoráveis à ampliação do alcance do foro
privilegiado.
O
relator, o Ministro Gilmar Mendes definiu que a saída de um cargo público com
foro privilegiado por renúncia, não reeleição, cassação, aposentadoria, entre
outros, só afastará a prerrogativa se o delito tiver sido praticado antes da
investidura no cargo ou não tenha relação com o exercício da função pública.
Já se
o crime tiver relação com a atuação funcional, a prerrogativa deverá se manter
mesmo com afastamento posterior do cargo. Este voto foi seguido integralmente
pelo Ministro Cristiano Zanin, o segundo a votar, antes do pedido de vista.
"Se
a própria Constituição Federal delimitou o juízo competente para processar e
julgar determinados agentes em razão do cargo, é possível depreender que atos
contingentes de aposentadoria, renúncia e exoneração, bem como a circunstância
de não ser reeleito o agente público, não devem possibilitar a desnaturação do
foro previamente traçado. Como já dito alhures, em atenção à garantia do juiz
natural deve prevalecer a regra de competência prevista no texto constitucional
no momento da eventual prática do fato criminoso", escreveu Zanin em seu
voto.
Após o
pedido de vista, o Ministro Alexandre de Moraes antecipou seu voto no plenário
virtual, seguindo o mesmo entendimento do relator. "Acompanho o Ministro
Gilmar Mendes no sentido de estabelecer um critério focado na natureza do fato
criminoso, e não em elementos que podem ser manobrados pelo acusado
(permanência no cargo). E a proposta apresentada atende a essa
finalidade", escreveu. O Ministro Flávio Dino também acompanhou o relator.
A
ampliação do alcance do foro especial fora proposta pelo Ministro relator
Gilmar Mendes em resposta a habeas corpus do senador Zequinha Marinho (PA). O
parlamentar é suspeito de ter exigido, a servidores de seu gabinete, o depósito
de cinco por cento de seus salários em contas do partido, prática conhecida
como "rachadinha".
Considerando
que a própria denúncia indica que as condutas imputadas ao paciente foram
praticadas durante o exercício do mandato e, em razão de suas funções, concedeu
a ordem de habeas corpus para reconhecer a competência desta Corte para
processar e julgar a ação penal, decidiu o ministro em seu voto.
O
crime começou a ser investigado ainda em 2013, quando Marinho era deputado
federal. Ele, depois, foi eleito vice-governador do Pará e, em seguida,
senador, cargo que ocupa atualmente. Ao longo desse período, o processo foi
alternado de competência, conforme o cargo ocupado. O parlamentar defende que o
caso permaneça no Supremo, uma vez que recuperou o foro privilegiado ao ter se
elegido para o Congresso novamente.
"O
entendimento atual reduz indevidamente o alcance da prerrogativa de foro,
distorcendo seus fundamentos e frustrando o atendimento dos fins perseguidos
pelo legislador. Mas não é só. Ele também é contraproducente, por causar
flutuações de competência no decorrer das causas criminais e por trazer
instabilidade para o sistema de Justiça", observou o Ministro Mendes em
seu voto. Ele ainda argumentou sobre a necessidade de manter o foro, para fazer
jus ao princípio constitucional.
"A
subsistência do foro especial, após a cessação das funções, também se justifica
pelo enfoque da preservação da capacidade de decisão do titular das funções
públicas. Se o propósito da prerrogativa é garantir a tranquilidade necessária
para que o agente possa agir com brio e destemor, e tomar decisões, por vezes,
impopulares, não convém que, ao se desligar do cargo, as ações penais contra
ele passem a tramitar no órgão singular da Justiça local, e não mais no
colegiado que, segundo o legislador, reúne mais condições de resistir a
pressões indevidas", escreveu.
O caso
estava sendo julgado em plenário virtual, em que os ministros votam sem
deliberação presencial. Com o pedido de vista, o prazo para que Barroso devolva
o processo com seu voto é de 90 dias.
A
proposta contida no voto de Mendes altera os contornos da prerrogativa de foro
que foram definidos pelo Supremo em 2018, quando os ministros restringiram o
alcance do instituto para cobrir apenas os crimes cometidos durante o mandato e
em razão dele.
Na
época, a restrição ocorreu por meio de uma questão de ordem levantada em ação
penal pelo atual presidente do Supremo, Ministro Luís Roberto Barroso.
Com
isso, após o fim de um mandato, por exemplo, um processo penal que não tivesse
relação com o exercício da função era automaticamente remetido a instâncias
inferiores.
O tema
coincide também com a prisão do deputado Chiquinho Brazão (sem partido -RJ),
apontado pela Polícia Federal (PF) como um dos mentores do assassinato da
vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
Brazão
foi preso em 25.3.2024 por ordem de Ministro Alexandre de Moraes. A prisão foi
referendada pelo plenário do Supremo no dia seguinte, por unanimidade.
Entretanto, na época do crime, em 2018, Brazão era vereador do Rio de Janeiro.
As
motivações apontadas - a disputa fundiária em zonas controladas por milícias -
também não têm relação com o mandato federal do parlamentar, exercido desde
2019 na Câmara dos Deputados.
Somente
por Brazão ser deputado federal é que o caso Marielle chegou ao Supremo, onde
aparenta ter ganhado tração.
O
entendimento atual do STF já define que qualquer conduta de um parlamentar
federal, mesmo se cometida antes do mandato, deve automaticamente tramitar na
corte a partir da posse ou diplomação no cargo.
Na
mesma investigação do caso Marielle, o Supremo decidiu pela prisão de Domingos
Brazão, irmão de Chiquinho, que é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado
do Rio de Janeiro (TCE-RJ), bem como do delegado Rivaldo Barbosa, da Polícia
Civil do Rio de Janeiro.
Repise-se
que segundo as previsões constitucionais vigentes no Brasil, o STF possui a competência
para julgar casos envolvendo o presidente da República, e vice, bem como
ministros de Estado, parlamentares federais, embaixadores e membros de
tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União (TCU).
No
Brasil, esta forma de fixar-se a competência penal é muito utilizada pela
Constituição em vigor, com um rol ampliado de agentes públicos que devem a ela
se submeter e de tribunais responsáveis pelo julgamento.
Entre
as autoridades que são julgadas originariamente por um tribunal no Brasil,
temos: o chefe e os ministros (tanto civis como militares) do executivo federal
e os chefes dos poderes executivos estaduais; todos os membros do Poder
Legislativo (bem como os membros do Tribunal de Contas da União); todos os
membros do Poder Judiciário; e, ainda, todos os membros do Ministério Público.
Em
relação aos tribunais que exercitam este tipo de competência, temos: o Supremo
Tribunal Federal; o Superior Tribunal de Justiça; o Tribunal Superior
Eleitoral; o Superior Tribunal Militar; os Tribunais Regionais Federais; os
Tribunais eleitorais; e os Tribunais de Justiça dos Estados-membros.
A
maior parte da competência originária dos tribunais está definida na
Constituição da República, mas existe espaço para que haja novas definições nas
Constituições estaduais, em relação às autoridades estaduais, e em leis
federais, em relação à competência das justiças eleitoral e militar.
Ainda
que seja constitucional, o foro especial por prerrogativa de função tem sido
muito criticado. O instituto é questionado quanto ao rigor das decisões, da
imparcialidade dos ministros do STF que são indicados pelo Presidente da
República e sabatinados pelo Senado, e
ainda, em relação à ineficiência na coleta de provas e à demora nas decisões,
que aumenta a chance de prescrição e dificulta a condenação das autoridades.
Anualmente,
a Fundação Getúlio Vargas faz um levantamento dos processos julgados pelo STF,
e a pesquisa mais recente apontou que, de 2011 a 2016, menos de 1% dos
processos concluídos no Tribunal resultou em condenação.
Conforme
assinalou Luís Roberto Barroso, a interpretação dos fenômenos políticos e
jurídicos não é exercício abstrato de busca de verdades universais e
atemporais, mas sim, produto de uma épocca, de um momento histórico. E, nesta ordem
de ideias, o direito não é apenas um ato de conhecimento, mas também um ato de
vontade, de escolha de uma possibilidade dentre as diversas que se apresentam.
A Constituição é um conjunto de normas que deverão orientar as escolhas, tendo em conta princípios, fins públicos e programas de ação. Portanto, o foro privilegiado é prerrogativa constitucional, só resta reconhecê-lo.
Referências
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Publicado em O Globo, em 12 de julho de 2013. Acesso em: 29.3.2024.
AZEVEDO,
Reinaldo. Fim do mal chamado foro privilegiado é só o moralismo dando um
tiro no pé da moralidade. Publicado em Veja.com, em 9 de julho de 2013.
Acesso em: 29.3.2024.
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Orlando Carlos Neves. Do Foro Privilegiado à Prerrogativa de Função. Dissertação
de Mestrado. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2008.
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Eduardo e RECONDO, Felipe. Proposta acaba com foro privilegiado de
parlamentares. Publicado em O Estado de S. Paulo, em 17 de setembro de
2013. Acesso em: 25 de novembro de 2017.
BRÍGIDO,
Carolina. Barbosa critica foro privilegiado de políticos no Brasil. Publicado
em O Globo, em 3 de maio de 2013. Acesso em: 25 de novembro de 2017.
CALIXTO,
Rubens Alexandre Elias. Foro Privilegiado no Brasil. Revista Eletrônica
da Faculdade de Direito de Franca. v.10, n.2, dez. 2015.
Carta
Capital Ministros do STF antecipam voto sobre o ‘foro privilegiado’ apesar
de Barroso suspender o julgamento; entenda. Disponível em:
https://www.cartacapital.com.br/justica/ministros-do-stf-antecipam-voto-sobre-o-foro-privilegiado-apesar-de-barroso-suspender-o-julgamento-entenda/
Acesso em 29.3.2024.
CHAGAS,
Rodrigo. BrasildeFato. STF retoma julgamento sobre foro privilegiado para
parlamentares Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2024/03/29/stf-retoma-julgamento-sobre-foro-privilegiado-para-parlamentares
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Notas:
[1] Lei Complementar 64, de 18 de maio de
1990. Estabelece, de acordo com o artigo 14, § 9º da Constituição Federal,
casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e determina outras providências.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp64.htm Acesso
em 29.3.2024.
[2]
O escândalo estourou em 6 de
junho de 2005, quando o deputado brasileiro Roberto Jefferson disse ao jornal
Folha de S. Paulo que o Partido dos Trabalhadores (PT) pagou a vários deputados
30 mil reais por mês para votar pela aprovação de projetos de interesse do
partido na Câmara dos Deputados do Brasil. O julgamento do Mensalão é o mais
longo da história da Corte e ocorreu ao longo de 53 sessões, em 138 dias. Em
apenas um mês, já haviam sido computadas mais de 100 horas, o dobro do que se
levou na AP 307, que absolveu o ex-presidente Fernando Collor do crime de
corrupção em dezembro de 1994. O “Caso Collor” foi concluído em quatro sessões.
Até então, em mais de 100 anos de história, os casos mais longos demoravam, no
máximo, sete sessões. Por causa do
Mensalão, houve mudança de entendimento sobre ato de ofício, por exemplo. À
época, a ministra Rosa Weber sustentou que não seria necessário comprovar o
“ato de ofício” para gerar a condenação por corrupção. Bastaria a perspectiva
de que o ato pudesse ocorrer.
[3]
O Ministro Joaquim Barbosa defendeu que existe dupla normatividade em
matéria de improbidade e que não há
impedimento à coexistência de dois sistemas de responsabilização dos agentes do Estado, pois, nas verdadeiras
democracias, quanto mais elevadas as
funções, maior há de ser o grau da responsabilidade dos agentes públicos. Em
seu voto, também divergente, o Ministro Celso de Mello ressaltou que a responsabilidade dos
governantes é inerente à ideia republicana e que o princípio da moralidade
administrativa é vetor que rege as atividades do Poder Público. Acentuou que as
sanções em ação por improbidade não têm natureza penal e que a improbidade
comporta múltiplas condutas delituosas, sendo muito claro o § 4º do art. 37 da
Constituição quando distingue esta multiplicidade. Por isso, os agentes
políticos também ficariam sujeitos às
sanções da Lei 8.429/1992, respeitadas apenas
as exigências constitucionais no tocante à perda do cargo e privação
do mandato.
[4] Crimes de responsabilidade são uma
série de condutas ilícitas que só podem ser cometidas por determinados agentes
públicos. Diferente, então, de ilícitos comuns, apenas alguns agentes públicos
específicos podem ser acusados desses crimes, sendo eles o Presidente da República,
os Ministros de Estado, os Governadores e seus Secretários, os Ministros do
Supremo Tribunal Federal e o Procurador-Geral da República. Prefeitos também
podem cometer crimes de responsabilidade, embora haja algumas diferenças neste
caso. Constituem crimes de responsabilidade dos governadores dos Estados ou dos
seus Secretários, quando por eles praticados, os atos definidos como crimes
nesta lei. Art. 75. É permitido a todo cidadão denunciar o Governador perante a
Assembleia Legislativa, por crime de responsabilidade.
[5]
Os crimes de responsabilidade
estão previstos em dois lugares na legislação brasileira. Em ordem hierárquica,
na Constituição Federal e na Lei nº 1.079/1950.
A Constituição não entra em muitos detalhes, mas expõe de forma geral a direção
que as definições de crimes de responsabilidade devem tomar, anotando, no
Parágrafo Único do artigo citado, que os crimes serão propriamente definidos em
“lei especial”. Na verdade, estas definições existem em lei desde muito antes
da Constituição Federal, que foi promulgada em 1988. Os crimes de
responsabilidade (não só do Presidente da República, mas de outros agentes
públicos) foram definidos já em 1950 pela Lei nº 1.079. O que a Constituição
fez foi dar legitimidade às antigas definições, renovando, no mesmo ato, as
diretrizes para outras possíveis previsões de crimes de responsabilidade.
[6]
Entre 22 e 27 de agosto de 2007,
o Supremo Tribunal Federal (STF), o tribunal máximo do Brasil, iniciou o
julgamento dos quarenta nomes denunciados em 11 de abril de 2006 pelo
Procurador Geral da República, em crimes como formação de quadrilha, peculato,
lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta e evasão de divisas.
[7]
Aceitar a restrição de uma norma
pela via da sua redução teleológica, é necessário realçar que essa redução pode
ser acompanhada da ampliação do âmbito de aplicação de outra norma. Trata-se de
uma extensão teleológica: a própria razão de ser da lei postula a aplicação a
casos que não são diretamente abrangidos pela letra da lei, mas são
compreendidos pela finalidade dela, estando em causa a plena realização do fim
da regra legal. Pois onde a razão de decidir seja a mesma, ela deve ser a
decisão. Afigura-se importante esta consideração, no sentido de que, em
primeiro lugar, se deve verificar se, por interpretação extensiva de uma norma,
não deverão por ela ser abrangidos casos não diretamente contemplados na sua
hipótese. A redução teleológica deverá ser sempre encarada como um último
recurso, aplicável na inexistência de alternativa. Apontadas as características
da redução teleológica e, bem assim, a sua relação próxima com a interpretação
restritiva da norma jurídica, importa agora questionar se os nossos tribunais
terão já pugnado por um desenvolvimento do direito superador da letra da lei,
recorrendo ao instituto da redução teleológica.
A obtenção do direito do caso, da decisão a assumir, vai
também englobar uma convicção de justeza formada pelo juiz, na medida em que
não existe antes ou independentemente da resolução de casos. A interpretação,
pressuposto da aplicação da norma, pressupõe uma escolha entre vários sentidos
possíveis, na qual o conhecimento prévio do intérprete desempenha um papel. Não
existindo a ordem jurídica de forma inteiramente independente do processo do
compreender, resulta em cada caso, por via interpretativa, também da
compreensão daqueles que são chamados à sua aplicação e desenvolvimento.
[8]
A reforma processual penal de
2008 instituiu, no § 2º do artigo 399 do Código de Processo Penal, o princípio
da identidade física do juiz, o qual afirma que “o juiz que presidiu a
instrução deverá proferir a sentença”, cuja regra está ligada à garantia do
juiz natural (artigo 5º, incisos LIII e XXXVII, da Constituição Federal).
Ressalte-se que o princípio da identidade física do juiz impõe, por decorrência
lógica, a obediência aos subprincípios da oralidade, concentração dos atos e
imediatidade. O princípio da identidade física do juiz atende ao interesse
público, pois destinado a conferir maior eficiência ao julgamento, possibilitando
seja a sentença proferida por quem, em tese, reúne melhores condições para
fazê-lo.
[9] Ministros do Supremo Tribunal Federal
decidiram antecipar votos no julgamento que pode alterar o alcance do
conceito de foro por prerrogativa de função, conhecido como “foro
privilegiado”, apesar de o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, ter
pedido vista e interrompido a análise. Em um dos processos, já há cinco
ministros a favor de ampliar a abrangência do foro – ou seja, falta um voto
para formar maioria. Em outro, são quatro votos favoráveis. Os dois julgamentos
começaram no plenário virtual na sexta-feira 29, mas foram suspensos pelo
Ministro Barroso.
[10]
O caso é remanescente da
Operação Lava Jato e tem como base delações premiadas de antigos executivos da
empresa JBS. O parlamentar foi denunciado pelo Ministério Público Eleitoral
pelos crimes de falsidade ideológica com fins eleitorais, corrupção passiva e
lavagem de dinheiro. De acordo com a denúncia, Paulinho teria recebido R$ 1,7
milhão a título de propina, no âmbito do esquema de compra de apoio político
supostamente montado pela JBS. Os recursos teriam sido utilizados em campanhas
eleitorais nos anos de 2010 e 2012. No
TSE, a defesa do deputado alegou não haver provas para embasar a denúncia, além
da palavra de um colaborador. A Procuradoria-Geral da República (PGR) também
solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a anulação das delações da JBS,
pedido que ainda se encontra pendente de julgamento, argumentou a defesa.
[11]
É inconstitucional dispositivo
de Constituição Estadual que confere foro por prerrogativa de função para
Defensores Públicos e Procuradores do Estado. Isso porque a Constituição
Federal não confere prerrogativa de função para Defensores Públicos nem para
Procuradores do Estado.