Consideração preliminares sobre a Responsabilidade Civil da União sobre exploração de minérios no Brasil
A Responsabilidade Civil do Estado abarca tanto o direito constitucional como o direito administrativo brasileiros e os recentes eventos que traduzem graves acidentes propiciando danos graves e sensíveis e, não deixam dúvidas sobre a responsabilização solidária da União que é a responsável por autorizar a extração de minérios bem como ainda periodicamente realizar fiscalização e a manutenção da tutela ao meio ambiente
O
colapso iminente de mina de extração de sal gema em Maceió onde já se registrou
a queda contínua de 1,42 metros com uma média de 2,6 cm por hora. Toda
estrutura subterrânea deverá em breve ceder completamente.
A
empresa exploradora na área urbana de Maceió está estabelecida desde a década
de 1970 quando conseguiu a licença da União ainda durante a ditadura militar.
No total são trinta e cinco minas e, num local de falha geológica o que majora
o risco iminente de afundamento. Espera-se uma cratera com aproximados
trezentos metros de diâmetro. Enuncia-se uma tragédia de proporções enormes e
graves. E, os estudiosos já comparam a Chernobyl em face do deslocamento humano
provocado. O que pode ser caracterizado até como dolo eventual.
A
propósito, no passado já se registrou rompimento de barragens da Samarco/Vale
em Mariana e Brumadinho em Minas Gerais. E, a responsabilidade civil da empresa
é nítida, mas também a responsabilidade solidária da União que é quem confere a
licença para exploração de minério, e, ainda se torna responsável por
periódicas fiscalizações para prevenir e solucionar eventuais danos ambientais
e danos materiais e extrapatrimoniais.
Trata-se
de tragédia anunciada pois há cerca de uma década vários estudiosos alertavam a
respeito dos riscos na região, mas foram sumariamente ignorados.
Ainda,
em 2019, casas apresentavam rachaduras e ficaram com suas estruturas abaladas.
E, o Ministério Público Federal investigou se a empresa utilizou areia da praia
que é imprópria para empreendimentos dessa natureza, para o preenchimento
cavernas com eminente risco de colapso.
Convém
frisar que as mineradoras foram os principais investidores em campanhas
eleitorais, o que lhe dá acesso fácil e representatividade certeira ao
Legislativo brasileiro, o que agrava a questão no cenário nacional.
Aliás,
a mina 18, que está cedendo, estava em processo de fechamento desde que o
Serviço Geológico do Brasil (CPRM) confirmou que a atividade havia provocado o
afundamento do solo na região.
O
sal-gema é uma matéria-prima usada na indústria para obtenção de produtos como
cloro, ácido clorídrico, soda cáustica e bicarbonato de sódio.
A
atividade mineradora no Brasil é regulada pelo DNPM (Departament Nacional de
Produção Mineral) que é órgão federal que tem como prioridade a administração e
fiscalização do exercício da atividade mineradora.
O
licenciamento ambiental corresponde ao procedimento administrativo pelo qual
seja no decorrer ou ao seu final será concedida a licença ambiental
correspondente pela Administração Pública. Trata-se de valoroso instrumento de
controle do poder estatal sobre os potenciais riscos à degradação do meio
ambiente consoante a política de preservação ambiental brasileira.
A
responsabilidade do Estado além da indisponibilidade e relevância do bem
jurídico a ser tutelado que é o meio ambiente, principalmente, pela prevalência
dos princípios da Política Nacional do Meio Ambiente.
Segundo
o Decreto-Lei 227/1967 quem deseja explorar minérios em uma determinada área
deve realizar o requerimento mineral junto à Agência Nacional de Mineração
(ANM) e a partir da concessão da autorização desse órgão o titular da área pode
iniciar os trabalhos de pesquisa ou lavra.
O
referido Decreto-Lei foi alterado pela Lei 7.805/1989 que criou o regime de
permissão de lavra garimpeira e extinguiu o regime de matrícula e deu outras
providências.
As
jazidas minerais pertencem à União, ou seja, de acordo com o Art. 176 da
Constituição Federal de 1998, o subsolo é propriedade da União. Portanto, a
lavra e pesquisa mineral só poderá ser realizada com a devida autorização da
ANM.
Eis, o
rol de leis que disciplina a exploração de minério no país:
Lei nº 6.938/1981: Política Nacional
do Meio Ambiente (PNMA, 1981) tem por objetivo a preservação, melhoria e
recuperação da qualidade ambiental, além de prever sanções em caso de não
cumprimento de medidas necessárias à preservação ambiental (que vão da perda de
incentivos fiscais à suspensão das atividades).
A Política Nacional do Meio Ambiente
(PNMA, 1981) também positivou a recuperação de áreas degradadas como um dos
seus princípios (art. 2, inciso VIII), sendo este regulamentado pelo Decreto
lei nº 97.632/1989, que obriga os responsáveis pela exploração de recursos
minerais, a apresentação de um Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) no
momento do licenciamento.
Também
cabe lembrar a Resolução ANM nº 68/2021, que dispõe sobre as regras referentes
ao Plano de Fechamento de Mina – PFM.
O PFM
é um conjunto de procedimentos para o descomissionamento de uma área de
mineração após o encerramento das atividades de lavra.
Lei nº 12.751/2012 (Código Florestal Brasileiro)
que estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, Áreas de
Preservação Permanente (APPs) e as áreas de Reserva Legal; a exploração
florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o controle da origem dos
produtos florestais e o controle e prevenção dos incêndios florestais, e prevê
instrumentos econômicos e financeiros para o alcance de seus objetivos.
Lei dos Crimes Ambientais (Lei
9.605/1998) contempla a esfera penal e dispõe sobre as sanções penais e
administrativas decorrentes de condutas e atividades que gerem impacto ou que
venham causar qualquer dano ao meio ambiente.
As
empresas que não respeitarem os decretos e leis, ficam sujeitas a aplicação de
medidas disciplinares e multas.
Conforme
descrito no art. 55 da Lei dos Crimes Ambientais (esfera penal) (Lei
9.605/1998), “executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a
competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a
obtida” pode gerar pena de detenção, de seis meses a um ano, e multa.
O
Decreto nº 6514/2008 reforça e atualiza a Lei dos Crimes Ambientais e dispõe
sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelecendo o
processo administrativo federal para apuração destas infrações.
As
infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções:
I -
advertência; II - multa simples; III - multa diária; IV - apreensão dos
animais, produtos e subprodutos da fauna e flora e demais produtos e
subprodutos objeto da infração, instrumentos, petrechos, equipamentos ou
veículos de qualquer natureza utilizados na infração; V - destruição ou
inutilização do produto; VI - suspensão de venda e fabricação do produto; VII -
embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas; VIII - demolição de
obra; IX - suspensão parcial ou total das atividades; e X - restritiva de
direitos.
A
sanção de advertência é aplicada para infrações administrativas de menor
lesividade ao meio ambiente. Nesse caso, a multa não ultrapassa o valor de R$
1.000,00 (mil reais).
Segundo
o art. 8º do Decreto nº 6514/2008 “a multa terá por base a unidade, hectare,
metro cúbico, quilograma, metro de carvão-mdc, estéreo, metro quadrado, dúzia,
estipe, cento, milheiros ou outra medida pertinente, de acordo com o objeto
jurídico lesado.
O
valor da multa é corrigido com base nos índices estabelecidos na legislação
pertinente, sendo o mínimo de R$ 50,00 (cinquenta reais) e o máximo de R$
50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais).
Decreto-Lei nº 227/1967 (Código de
Mineração) é o principal diploma legal da atividade mineradora no Brasil. O
Código de Mineração é regulamentado pelo Decreto nº 9.406/2018.
Tal decreto
dá definições sobre a atividade de mineração no Brasil, regulamenta os
processos e define obrigações dos órgãos competentes e de empreendedores no
ramo da mineração.
Lei
nº 14.514, de 29 de dezembro de 2022 dispõe sobre a empresa Indústrias
Nucleares do Brasil S.A. (INB), sobre a pesquisa, a lavra e a comercialização
de minérios nucleares, de seus concentrados e derivados, e de materiais
nucleares, e sobre a atividade de mineração.
Conveniente
conceituar o que seja minério é o mineral que contém substância suscetível de
exploração e aproveitamento econômico. Para tanto é necessário que essas
substâncias entrem na composição do mineral com quantidade significativa, daí
se falar no teor do minério. Esse teor varia com a necessidade da indústria, os
progressos tecnológicos e os preços da substância contida.
O que,
atualmente, é apenas um mero mineral, pode ser um minério amanhã, desde que,
com a melhoria dos transportes, a evolução dos processos de extração ou outros
fatores que reduzam o custo, a exploração se torne econômica com um teor mais
baixo. Em síntese, minério é a substância mineral que tenha valor econômico.
A
extração de minerais metálicos no Brasil concentra-se principalmente em Minas
Gerais, Goiás, Pará, Mato Grosso, Rondônia, Bahia e São Paulo. O extrativismo
mineral no país ocorre basicamente nas áreas de escudos cristalinos, que
correspondem aos cinturões orogênicos e às intrusões ígneas do período
Pré-Cambriano.
Considerando
a diversidade de substâncias minerais, o grau de dificuldade de seu
aproveitamento, o destino da produção obtida, além de aspectos de caráter
social, a exploração mineral é realizada pelas modalidades legais ou regimes de
aproveitamento dos recursos minerais abaixo relacionados:
Regimes
de Autorizações e Concessões – previstos para todas as substâncias minerais (artigo
2º do Código de Mineração);
Regime
de Licenciamento – para substâncias de emprego imediato na construção civil,
argila vermelha, e calcário para corretivo de solos; e facultado exclusivamente
ao proprietário do solo ou a quem dele obtiver expressa autorização (artigo 2º
do Código de Mineração);
Regime
de Permissão de Lavra Garimpeira – aplicado ao aproveitamento das substâncias
minerais garimpáveis (artigo 2º do Código de Mineração);
Regime
de Extração – restrito a substâncias de emprego imediato na construção civil,
por órgãos da administração direta ou autárquica da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, para uso exclusivo em obras públicas por
eles executadas diretamente (Parágrafo Único do artigo 2º do Código de
Mineração).
O
título autorizativo deste ato é o Alvará de Pesquisa, outorgado pelo
Superintendente de Pesquisa e Recursos Minerais publicado no DOU - Diário
Oficial da União. O prazo para efetuar a pesquisa é de 01 (um) ou 03 (três)
anos, dependendo das características especiais de localização da área e a
natureza da substância mineral.
A
Concessão ou Portaria de Lavra é um título mineral obtido após aprovação do
Relatório Final de Pesquisa e a execução do Requerimento de Lavra Mineral. A partir da data de aprovação do relatório
final de pesquisa, o titular terá até um ano para requerer a concessão de
lavra.
Convém,
contudo, lembrar que a ação movida pelo poder público com o objetivo de buscar
ressarcimento dos danos decorrentes da extração ilegal de recursos minerais é
prescritível. O prazo aplicável é o de cinco anos, previsto de maneira genérica
na Lei da Ação Popular (Lei 4.717/1965).
Outra
legislação, mais recente, corresponde a Lei 13975/2020, que simplificou as
normas para exploração de rochas ornamentais - como granito, mármore e ardósia,
usadas como revestimento de pisos; e rocha calcária – que gera a cal para usar
argamassa na construção civil.
A referida
lei abre a possibilidade de exploração dessas rochas apenas com licenciamento.
Até então, esse tipo de extração mineral estava submetido a regimes de
autorização e concessão.
O
texto legal também ampliou o licenciamento para argila de todo tipo de
indústria e não apenas para fabricação de cerâmica vermelha como prevê a Lei
6567/1978, que trata do regime de exploração e aproveitamento de rochas e
minerais como os de uso imediato na construção civil, conhecidos como
agregados.
A
responsabilidade civil por danos ambientais, além de objetiva, é integral e
solidária. Pois qualquer medida tendente a afastar as regras da
responsabilidade objetiva e da reparação integral é adversa ao ordenamento
jurídico brasileiro. A não-admissão do princípio do risco integral[1] é contrário a tutela do
meio ambiental positivada no país.
Os
principais impactos ambientais da mineração são: o aumento da turbidez e
variação da qualidade da água, alteração do seu pH (a água pode ficar mais
ácida), contaminação do solo e da água com metais pesados, redução do oxigênio
dissolvido nos ecossistemas aquáticos, assoreamento de rios, poluição do ar,
extinção da flora e fauna local.
Yussef
Cahali[2] ao abordar a
responsabilidade civil do Estado destacou que a história da responsabilização
civil dos entes públicos como fenômeno doutrinário, normativo e jurisprudencial
que delineou três principais correntes teóricas.
Inicialmente,
entendia-se não ser possível haver a responsabilização do Estado por danos
causados por seus agentes[3] à sociedade. Daí vem a ideia de que “O rei não pode
errar”, presumindo que, ainda que os atos da Administração possam causar danos
à população, por serem emanados da soberania estatal estes não podem ser contestados.
Com a
queda das monarquias absolutas e o surgimento das democracias modernas no
século XIX, ficaram claras as injustiças causadas pela teoria da irresponsabilidade,
principalmente quando considerados os conceitos de justiça e de soberania
popular levados a frente por movimentos como a revolução francesa.
Surgiram,
portanto, um conjunto de teorias da responsabilidade, inspiradas no modelo
civilista da responsabilidade civil, por meio das quais poderiam os cidadãos
ser devidamente indenizados por eventuais danos causados pelos agentes
públicos.
Inicialmente
se distinguiam, para tal finalidade, os atos de império dos atos de gestão,
sendo aqueles os atos diretamente emanados do poder e da autoridade estatal, contando
com regime jurídico próprio, e não podendo ser comparados com os atos dos particulares,
ainda que pra fins de responsabilização.
Os
atos de gestão, no entanto, não dependiam do poder coercitivo do Estado, de
forma que, no que se refere à responsabilidade civil, poderiam ser comparados
aos atos do cidadão comum.
Trata-se
de um momento de transição, em que se buscou relativizar a ideia de irresponsabilidade
estatal absoluta, trazendo à experiência jurídica um novo paradigma, que
distanciava o conceito de Estado do conceito de governo, mitigando a impunidade
dos atos dos agentes públicos.
Viu-se
obsoleta tal teoria, sendo rapidamente substituída pela mais moderna e
abrangente teoria da culpa civil (ou teoria da responsabilidade subjetiva). Tal
teoria se mostrou vantajosa sobre a anterior por abolir os conceitos de ato de
gestão e ato de império, focando tão somente na existência da conduta, do nexo
de causalidade[4],
e da culpa da administração pelos danos causados.
Na
experiência brasileira tal doutrina ficou consagrada pela redação do Código Civil
brasileiro de 1916, consolidando no país a ideia de responsabilidade subjetiva
do Estado.
No mesmo
período, no entanto, já se mostravam sinais na doutrina europeia da necessidade
de uma terceira, nova, corrente teórica, capaz de suprir as lacunas deixadas
pela interpretação civilista, principalmente no que se refere a seus conceitos
extremamente elásticos de culpa e dolo.
Sem
prejuízo de tal teoria, começam também a ser adotadas na França, em determinados
casos, as já mencionadas teorias do risco, sobretudo pela ideia de que, por se tratar
de serviços que atendem grande parte, ou mesmo a totalidade, da população, seus
ônus também devem ser socializados.
A ausência
da devida fiscalização sobre as atividades de mineração e de contenção de
rejeitos, como por exemplo, na Barragem do Fundão não trouxe prejuízo somente aos
direitos individuais e individuais homogêneos das populações ribeirinhas.
Atualmente,
Código Civil - Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 prevê, in litteris:
Art. 43. As pessoas jurídicas de
direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes
que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo
contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
Adotou
um modelo híbrido de responsabilidade civil. De um lado, apresenta o modelo de
responsabilidade civil subjetiva, o que indica a necessidade de observância dos
seguintes requisitos: ato, nexo de causalidade, dano e culpa ou dolo.
Caso o
Estado seja responsabilizado, tem direito de entrar com ação contra os
causadores do dano. A responsabilidade do Estado pode ser afastada pelas
excludentes nos seguintes casos: caso fortuito ou força maior, estado de
necessidade ou culpa exclusiva da vítima.
Consideradas
as dimensões da catástrofe mostram-se evidentes os prejuízos, também, à ordem
pública e ao bem estar social, bens jurídicos coletivos, cujo dever de proteção
é próprio do Poder Público, sendo inadmissível a transferência plena da
responsabilidade para a iniciativa privada.
Portanto,
existe a concreta possibilidade de responsabilização direta do ente político concedente,
ou seja, a União, pela parcela dos danos resultante do descumprimento das obrigações
legais estabelecidas pela Lei Federal 12.334/2010 e pela Constituição Federal
vigente.
Entende-se
razoável e concreta, portanto, a responsabilização solidária da União e do DNPM,
bem assim de sua concessionária, Samarco S.A., pelos danos causados, a menos que,
de alguma forma se provem danos específicos de autoria exclusiva de uma ou da outra.
Pacificado,
também, o entendimento de que, dadas as redações dos artigos 225, § 3º, da Constituição
e 14, §1º, da Lei 6.938/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente),
aplica-se em território nacional, nos casos relativos aos danos individuais ou coletivos
de caráter ambiental, a teoria do risco integral (ou absoluto), como forma de proteção
especial do bem jurídico tutelado.
Em
recente julgado, o Supremo Tribunal Federal assentou ou entendimento de que a
disposição do art. 37, §6º da Constituição, apesar de constituir norma padrão
para a responsabilidade civil do Estado, não representa parâmetro exaustivo das
possibilidades de responsabilização do Poder Público.
Explica,
didaticamente, o acórdão da ADI 4976 /DF[5] que, em casos especiais de
grave risco à população ou de relevante interesse público, nada impede a
ampliação da responsabilidade estatal para além das balizas do artigo supramencionado,
ainda que se fundamente tal ampliação em dispositivo de lei ordinária.
Nada
impede a aplicação, em relação à Administração Pública, do dispositivo do art.
14, § 1º, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente.
Tampouco
impede a criação de novos institutos normativos destinados à aplicação da teoria
do risco integral à responsabilidade civil do Estado, ainda que por meio de lei
ordinária.
A responsabilidade
civil do Estado, no ordenamento jurídico brasileiro, funda-se, em regra, no
dispositivo do art. 37, §6º, da Constituição Federal brasileira de 1988, que
estabelece em solo nacional a aplicação da teoria do risco administrativo.
De
forma complementar, também se constata que, segundo o entendimento do Supremo
Tribunal Federal, é possível a ampliação da responsabilidade do Poder Público,
em casos especiais de grave risco à população ou de elevado interesse público,
por meio da aplicação de regras da legislação infraconstitucional.
Neste
sentido, postulamos a aplicabilidade do Art. 14, § 1º da Lei 6.938/1981, que
estabelece, para os casos de dano de caráter ambiental, a utilização da teoria
do risco integral, ou risco absoluto, muito mais protetiva à vítima que o mero
risco administrativo[6].
Busca-se
agora provar a possibilidade de responsabilização de um dos entes políticos
constituintes de nossa federação (a União) em relação aos danos causados aos
demais (os Estados membros).
Toda a
evolução da responsabilidade civil do Estado, bem como os institutos jurídicos
e políticos dentro da federação brasileira nos faz concluir sobre os constantes
progressos realizados pela jurisprudência pátria para a construção e
funcionamento de um Estado mais justo e economicamente equilibrado, principalmente,
com o surgimento de novas doutrinas e jurisprudência voltadas ao
estabelecimento de uma real cooperação entre a União e os demais entes
federados.
Conclui-se,
portanto, ser evidente a responsabilização solidária da União no desastre
envolvendo extração de mineral no Brasil.
A
guisa de exemplo, há o caso específico do desastre de Mariana, da
responsabilização direta e concorrente da União e do DNPM, notadamente diante
da falta de fiscalização, e da Samarco S.A., em face da falha na segurança da
barragem, pelos danos causados não somente à população e ao meio ambiente, mas
também aos estados de Minas Gerais e Espirito Santo, bem como a seus municípios.
Contemporaneamente,
a responsabilidade civil do Estado resta fundada na teoria do risco
administrativo que é aplicável à Administração Pública direta, indireta e
também aos prestadores de serviços público.
In
casu,
pode-se admitir a responsabilização objetiva do Estado ante omissão específica[7], como falta de
fiscalização e prevenção de danos ambientais e demais danos[8].
Ressalte-se
que o dever de reparar o dano, instituído na Constituição Federal brasileira de
1988 e no Código Civil, não detém apenas caráter punitivo, tendo função
reparatória e educativa.
Vide
jurisprudência esclarecedora, in litteris:
(...) "responsabilidade civil objetiva do Estado está fundada na teoria do risco administrativo (artigo 37, §6º, da Constituição Federal), tanto para as condutas estatais comissivas quanto para as decorrentes da omissão[9]. No caso de omissão estatal, o nexo de causalidade decorre da verificação da omissão frente ao dano sofrido pelo indivíduo nos casos em que o Estado detinha o dever legal e a efetiva possibilidade de atuar para evitar o resultado danoso. 2) A definição de protocolos médicos como instrumentos de padronização de condutas clínico-hospitalares não deve servir como anteparo para justificar o desatendimento do dever estatal de prestar assistência médica irrestrita ao paciente com a observância de suas condições individuais e sintomáticas próprias do seu quadro de saúde. 3) É cogente o reconhecimento do intenso abalo sofrido pela gestante em face da infundada peregrinação em busca de atendimento público de saúde adequado à sua situação gestacional, omissão específica na consulta inicial que redundou em colaboração para a perda do filho que estava sendo gerado e na iminência do nascimento.” Acórdão 1216784, 07124884420188070001, Relatora: MARIA DE LOURDES ABREU, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 12/11/2019, publicado no DJE: 27/11/2019.
Referências
BRANCO,
P. G. G. Curso de Direito Constitucional. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva,
2009.
_____.
Código de Mineração. DECRETO-LEI Nº 227, DE 28 DE FEVEREIRO DE 1967. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0227.htm>.
_____.
Lei da Política Nacional do Meio Ambiente. LEI Nº 6.938, DE 31 DE AGOSTO
DE 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e
mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm>
_____.
LEI Nº 12.334, DE 20 DE SETEMBRO DE 2010. Estabelece a Política Nacional
de Segurança de Barragens destinadas à acumulação de água para quaisquer usos,
à disposição final ou temporária de rejeitos e à acumulação de resíduos
industriais, cria o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens
e altera a redação do art. 35 da Lei no 9.433, de 8 de janeiro de 1997, e do
art. 4º da Lei 9.984, de 17 de julho de 2000. Disponível em: http://www.planalto.gob.br/ccivil_03/_Ato20072010/2010/Lei/L12334.htm Acesso
em 4.12.2023.
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Y. S. Responsabilidade Civil do Estado. 3ª. ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2007.
CAVALIERI
FILHO, Sérgio apud BRITTO. Programa de responsabilidade civil. 9ª.
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em 4.12.2023.
Notas:
[1]
A teoria do risco integral também exige responsabilidade objetiva do Estado.
Porém, diferencia-se da teoria do risco administrativo, já que neste caso não
aceita excludentes na responsabilidade da administração. Por isso, o Estado
deve suportar os danos sofridos por terceiros em qualquer hipótese. Assim,
mesmo que se comprove culpa exclusiva de terceiro ou força maior, o Estado
deverá ressarcir o particular pelos danos sofridos.
[2]
Assim, como anota Yussef Said Cahali: [...] se o elemento culpa é previsto
apenas para assegurar a ação regressiva das pessoas jurídicas contra os
funcionários causadores do dano quando tiver havido dolo ou culpa deles, daí
resulta, por exclusão, que, omitindo-se o corpo do artigo quanto a referir-se
ao elemento subjetivo, terá estabelecido que essas entidades, devem reparar o
dano mesmo sem culpa, em qualquer caso; assim, a interpretação que se extrai da
ausência de referência ao elemento culpa do funcionário na disposição principal
só pode ser a de que prescinde desse elemento subjetivo para a obrigação de
indenizar nele estabelecida.
[3]
Já a responsabilidade do agente público causador do dano está sujeita às
disposições aplicáveis no âmbito do Direito Civil, ou seja, somente poderá ser
este responsabilizado se houver atuado com dolo ou culpa (negligência,
imprudência ou imperícia).
[4]
Vale reproduzir a lição de Serpa Lopes: [...] são dois pontos que não se
confundem — a relação causal e a imputabilidade. Quando se cogita de
imputabilidade ou da culpabilidade, temos que determinar quais as condições
necessárias que um resultado deva ser imputado subjetivamente ao seu autor,
enquanto o problema do nexo causal diz respeito às condições mediante as quais
o dano deve ser imputado objetivamente à ação ou omissão de uma pessoa. No
primeiro caso, temos uma questão de imputatio iuris, ao passo que, na
segunda, um problema de imputatio facti. Na imputatio iuris
impõe-se responder ao seguinte questionário: o causador do dano deve ser também
considerado dele culpado, para os efeitos da responsabilidade
[5]
ADI 4976 / DF
Improcedente a alegação de
ofensa ao regime de responsabilidade do Estado previsto na Constituição
Federal. A assunção dos efeitos da responsabilidade civil pela União, sem
atribuir-lhe a causação dos danos, não viola o artigo 37, § 6º da Carta Magna.
[6]
No Brasil vigora a teoria da responsabilidade objetiva do Estado na modalidade
do risco administrativo. Portanto, a Constituição Federal define quem deve
seguir essa teoria: as pessoas jurídicas de direito público e as de direito
privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus
agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de
regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
[7]
Considera-se omissão específica e por isso deve-se utilizar a teoria objetiva.
Ou seja, havendo conduta (ou falta de conduta), dano e nexo causal, o Estado
deverá indenizar terceiro prejudicado. No caso da omissão genérica, o Estado
tem o dever genericamente de realizar determinadas ações. Por exemplo, o Estado
tem obrigação de fiscalizar as vias de trânsito.
[8]
O elemento dano é necessário, tendo em vista que de acordo com o artigo 186, do
Código Civil, o mesmo é essencial, para que haja o dever de indenizar. No
âmbito jurídico a ideia de dano está ligada à diminuição do patrimônio
corpóreo, considerado um dano emergente ou positivo, na qual em uma situação
anterior à conduta, a situação da vítima era distinta da situação posterior à
conduta danosa. Entretanto, o dano vai além do patrimônio, de modo que há o
dano moral e estético.