Baudrillard e mundo contemporâneo
Baudrillard trouxe explicações muito razoáveis sobre o mundo contemporâneo, principalmente, sobre as trocas simbólicas e sobre a história que se repete e, a farsa que se repete em história.
Jean
Baudrillard[1]
em sua obra “Simulacres et Simulation” apontou que a realidade deixou de
existir e, passamos a viver a representação da realidade, difundida, na
sociedade pós-moderna e, principalmente, pela mídia.
Com
sua ironia sofisticada embasada em fundamentos sólidos, o filósofo defendeu que
vivemos em uma era cujos símbolos têm maior peso e maior força do a própria
realidade. E, desse fenômeno surgem os simulacros, simulações imperfeitas e
malfeitas do real que, contraditoriamente, são mais sedutores e atraentes ao espectador
do que o próprio objeto reproduzido.
O
filósofo e sociólogo expôs nova ótica sobre as mudanças impostas pela mídia na
vida contemporânea[2].
Utilizou linguagem irônica o que o tornou tão popular tanto que chegou a
inspirar filmes norte-americanos tais como Truman Show, de 1998, e a série
Matrix, de 1999.
Quando
o real já não é, o que era, então a nostalgia assume todo o seu sentido. A
sobrevalorização dos mitos de origem e dos signos de realidade. De verdade, de
objetividade e de autenticidade ficam em segundo plano.
Escalado
do verdadeiro e do vivido. Com a ressureição do figurativo onde o objeto e a
substância desaparecem. A produção desenfreada do real e de referencial paralelo
superior ao desenfreamento da produção material.
Assim,
surge a simulação na fase que nos interessa: uma estratégia de real, de
neorreal, de hiper-real. Que faz por todo lado a dobragem de uma estratégia de
dissuasão. (In: S&S, p. 14). In: Simulacros e Simulação, de Jean
Baudrillard. Tradução de João da Costa Pereira. Lisboa: Relógio D'água, 1991.
Afinal,
como descrever o real? Em que consiste a realidade? Pois, damos valores[3] diferentes para as mesmas coisas
e, temos diferentes pontos de vista sobre um mesmo tema, levando por vezes, em
consideração diferentes perspectivas sobre o que é a vida e como devemos nos
comportar diante dela.
De
acordo com Baudrillard[4], o que toda uma sociedade
procura ao continuar a produzir e reproduzir, é ressuscitar o real que tanto
lhe escapa. Por isso, a produção material atual é própria, é hiper-real. Tal
realidade conserva todas as características do discurso da produção
tradicional, mas não é além que sua refracção desmultiplicada. O hiper-realismo
da simulação traz alucinante semelhança do real consigo próprio.
Ensinou
Baudrillard, in verbis:
“As pessoas já não se olham, mas
existem institutos para isso. Já não se tocam, mas existe a contatoterapia. Já
não andam, mas fazem jogging. Por toda a parte se reciclam as faculdades
perdidas, o corpo perdido, a sociabilidade perdida, ou o gosto perdido pela
comida. Reinventa-se a penúria, a ascese, a naturalidade selvagem
desaparecida.” (S&S, p. 22).
Diferenciar
a simulação do simulacro de fato, é relevante pois que é na simulação, ainda
conseguimos perceber onde e como que estamos, e que de alguma forma, somos enganados,
ou vivendo de alguma forma, algo que não é real.
Enquanto
no simulacro, perdemos a noção de realidade, adentramos nessa suposta verdade,
em um conceito onde já não possuímos mais o discernimento de saber que é uma
distorção ou simulação.
Em vez
de comunicação, esgota-se na encenação da comunicação. Em vez de produzir
sentido, esgota-se na encenação do sentido. É um gigantesco processo de
simulação[5].
É
possível mensurar nossa percepção de realidade? Ou estaríamos tão imersos no
processo de comunicação hiper-real[6], quando estamos conectados
nas redes sociais? Perdemos o rumo e procuramos nelas uma vida supostamente
perfeita, que segue uma nababesco roteiro de cinema, onde encenamos com nossos
amigos e familiares aquilo que não somos de fato, somos apenas personagens de
nós mesmos...
De
onde vem tanta desinformação do mundo contemporâneo? “A desinformação vem da
profusão da informação, de seu encantamento, de sua repetição em círculos, que
cria um campo de percepção vazio, um espaço como que desintegrado por uma bomba
de nêutrons, ou por uma bomba que absorve todo oxigênio em volta." "O
canibalismo é a forma última e mais sutil da hospitalidade.
E,
ainda aduziu:
“Não
é quando se retira tudo que não resta nada, mas quando as coisas se revertem
sem cessar e a própria adição já não faz sentido. O nascimento é residual se
não for retomado simbolicamente pela iniciação. A morte é residual se não for
resolvida no luto. O valor é residual se não for reabsorvido e volatilizado no
ciclo das trocas”.
A
sexualidade é residual quando se torna produção de relações sexuais. O próprio
social é residual quando se torna produção de relações sociais. Todo o real é
residual, e tudo o que é residual está destinado a repetir-se indefinidamente
no espectral.” (S&S, p. 179).
Baudrillard
propôs uma série de conceitos ou senhas para tentar entender o mundo atual. Os
aforismos são fragmentos que criam espaço simbólico ao seu redor, e assim facilitam
a troca simbólica entre palavras e ideias.
O
objeto então pertence ao reino do signo, designa a ausência do real e participa
de trocas. E, a troca não envolve valor, feita como dádiva, sem compromisso, é
uma troca simbólica, provoca a circulação de coisas, não seu acúmulo.
A
sedução, uma peculiar estratégia feminina ligada ao universo simbólico, que
desvia a pessoa de sua própria verdade. Enfim, o significado último do seduzir
vem ultrapassar sua própria simulação, e inaugura um modo de circulação que só
obedece à regra de seu próprio jogo, escapa ao sistema de produção e acumulação,
inclui a troca simbólica[7].
A
simulação é fingir ter o que não se tem, gera os simulacros. Estes, podem ser
de três tipos: os naturais, otimistas e harmoniosos. O virtual ou hiper-real,
mais real que o real, provoca a implosão do real, torna as pessoas sensíveis à
quarta dimensão como verdade oculta. Os referenciais liquidados ressurgem como
signo.
Baudrillard
colocou o consumo no mesmo estatuto da linguagem e da cultura, na medida em que
este é um sistema de troca socializada de signos.
Assim,
a ciência se apresenta como simulacro ao destruir seu objeto de estudo. A única
potência mundial entrou em processo de implosão e, tornou-se, um simulacro de
poder. Há outro simulacro: o modelo civilizatório da universalidade, a tentativa
da modernidade de uniformizar a tradição e o pluralismo cultural.
O
capital inescrupuloso vem a desestruturar os referenciais e destrói o princípio
de realidade no extermínio de todo valor de uso, de toda equivalência real, da
produção e da riqueza. Os consumidores percorrem hipermercados para coletar
objetos variados, arrastados pela ilusão de felicidade. Os meios de comunicação
alienam as massas que desejam ser domesticada[8].
E, o humano pode ser “xerocado”, resultante de clonagem perpetrada pela cultura de massa. Assim, chegamos ao indivíduo fractal, que corresponde ao menor fragmento de metonímia de massa, sujeito[9] sem o outro. Baudrillard afirmou in litteris: "A clonagem é uma maneira de desaparecer. A clonagem é uma multiplicação ao infinito do mesmo, é o sistema do mesmo que recusa a alteridade.".
Relatou
a história disfarçada. Jean Baudrillard é um dos filósofos mais respeitados,
ganhando destaque internacional, foi crítico voraz da sociedade do espetáculo[10], onde todos são
acometidos de firme vontade de aparecer, ou como dizem na gíria, “causar”.
A
análise de Baudrillard sobre a cultura de massa que resulta nas realidades
virtuais que se tornaram protagonistas ao ponto de inspirar filmes tal como a
trilogia Matrix. Analisou a presença hegemônica dos EUA e sua relação de
dominação com o resto do mundo.
Afinal, para o sociólogo e filósofo, a hegemonia é estado supremo da dominação e, ao mesmo tempo, sua fase terminal. Afirmou ainda que se pode caracterizar a dominação existente entre mestre e escravo[11], como potencial alienação e, de relação de força e revolução e, sobretudo, simbólica.
E,
tudo com a emancipação do escravo e a interiorização do senhor pelo escravo ora
emancipado. Etimologicamente, “hegemon” significa aquele que comanda,
que ordena e, não aquele que domina e explora.
Pode-se
afirmar que a hegemonia põe fim a dominação. O dispositivo operacional nos
torna seus reféns, além de escravo. Afinal, a dominação clássica passou pela
substituição autoritária de um sistema de valores positivos, sua apresentação
ostensiva e defesa.
Já a
hegemonia contemporânea passa, ao revés, por uma liquidação simbólica de todos
os valores. Enfim, para o filósofo francês o que divorcia a dominação da
hegemonia é a falência da realidade, é o surgimento de princípio mundial de
simulação e de virtualidade.
Desta
forma, o filósofo chamou de hipocrisia ocidental[12] que repousa sobre a
canibalização da realidade pelos signos. Então é uma sociedade que através da
música, de dança, de absorver e, até mesmo devorar os mestres. Tal devorar é a
forma mais sutil de hospitalidade.
Em
face da hegemonia, todo pensamento crítico, toda reação à opressão, à alienação
é virtualmente extinta. Quando, finalmente, o escravo emancipado interioriza o
mestre, o que antes era dominação, torna-se hegemonia, e ao mesmo tempo o
escravo devora o mestre.
E, a
força absorve o negativo, e esta é devorada por quem a absorve. Daí, se explica
a negatividade se faz de terrorismo. Quando a vitória é apenas aparente e a
absorção do negativo anuncia sua própria dissolução. É o que se chama de agonia
da força ou a agonia do poder.
O
polêmico filósofo francês comentou sobre a eleição de Arnold Schwarzenegger
para ser o governador da Califórnia, que atesta a farsa, onde a política não
passa de um jogo de ídolos e de fãs, o que significa um passo para o fim do
sistema representativo.
Com
razão[13], Baudrillard, vaticinou:
“aquele que participa do espetáculo, morre para o espetáculo”. O que vale tanto
para o cidadão comum como para os políticos. Porém, a degradação dos hábitos
políticos norte-americanos não significa o declínio de sua força.
Por
detrás da farsa, há, positivamente, uma estratégia política de nítida
envergadura. Bem como o político que reproduz jargões populares, mas
inescrupulosos, produzindo uma paródia de todos os sistemas de representação
política, destilando desprezo à sua maneira.
Portanto,
há a extrema forma de profanação de valores que fascina a todos, a vulgaridade
e bizarrice e atingem de forma certeira o segredo da hegemonia. Ocorre a
onipotência explícita sem o menor pudor ou cuidado.
O
desafio dos EUA, segundo Baudrillard, é o de simulação que impõe ao mundo, como
simulacro da força militar. Trata-se da
carnavalização da força conforme concluiu o filósofo com pessimismo que a
história que se repete se torna a farsa. E, por sua vez, a farsa que se repete
se torna história.
Referências
BAGDIKIAN,
Ben. O monopólio da mídia. São Paulo: Página Aberta, 1993.
BAUDRILLARD,
Jean. A sociedade de consumo. Tradução de Arthur Mourão. São Paulo:
Edições 70, 1970.
__________________.
A troca simbólica e a morte. São Paulo: Loyola, 1996.
BAUMAN,
Zygmunt. A cultura do lixo. Em: Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2004. p. 119.
BOURDIEU,
Pierre. Gostos de classe e estilos e lógica de classe. Em ORTIZ, Renato
(org.). Pierre Bourdieu: Sociologia. São Paulo: Ática, 1983.
CATTANI,
Rosane Maria Rizzi. Baudrillando: o
lado mais obscuro da globalização. Revista FAMECOS. nº 19, dezembro de
2002. Porto Alegre. pp.49-64.
GERBER,
Daniel. 2020, o ano da hipocrisia. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/337981/2020--o-ano-da-hipocrisia Acesso em 03.11.2021.
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Márcio Luiz; SOARES, Maria Lúcia Amorim. Fragmentos de um Baudrillar virtual
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Disponível em: https://medium.com/refracoes/hiper-realidade-simula%C3%A7%C3%A3o-e-simulacro-25b35dc4416d Acesso
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ROBLES,
Fernando Luís Pereira. Por uma proposta baudrillardiana em psicossomática e
psicanálise contemporâneas: algumas ponderações concernentes aos fenômenos
corpo e alma na obra Da sedução. Disponível em: https://www.scielo.br/j/fractal/a/66yDwqkvDV7SzPyc5cmGmvz/?format=pdf&lang=pt Acesso
em 03.11.2021.
THIRY-CHERQUES,
Hermano Roberto. Baudrillard: trabalho e hiper-realidade. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/raeel/a/XLCG9KDtPBPK8YSqmk6bDrq/?lang=pt
Acesso em 03.11.2021.
Notas:
[1]
Jean Baudrillard (1929-2007), sociólogo e filósofo francês. É considerado um
dos principais teóricos da pós-modernidade e um dos doutrinadores que melhor
diagnosticamente o mal-estar contemporâneo. Foi um dos fundadores da Revista
Utopia, além de ter publicado mais de cinquenta livros ao longo de sua vida.
Estudou alemão na Sorbonne, tendo traduzido para o francês obras de Karl Marx e
Bertolt Brecht. Lecionou sociologia na Universidade de Nanterre e sua tese de
doutorado, "O sistema dos Objetos", foi publicada em 1968. A obra era voltada para um estudo semiológico
do consumo, assim como seus dois livros seguintes, “A Sociedade de
Consumo" (1970) e "Por uma Crítica da Política Econômica do
Signo" (1972). Outras de suas obras
que merecem destaque são: "À Sombra das Maiorias Silenciosas" (1978),
"Simulacros e Simulações" (1981), “América" (1986), "A
Troca Impossível" (1999) e "O Lúdico e o Policial" (2000). Pensador polêmico, Baudrillard desenvolveu
uma série de teorias sobre os impactos da comunicação e das mídias na sociedade
e na cultura contemporâneas. Baseou sua filosofia no conceito de virtualidade
do mundo aparente, refutando o pensamento científico tradicional. Criticava a
sociedade de consumo e os meios de comunicação e considerava as massas como cúmplices
dessa situação.
[2] Do mundo bipolarizado passamos ao mundo
globalizado, após a queda do Mura de Berlim, em 1989. Os conceito de pós-orgia
e simulacro de Baudrillard, dão sustentação à interpretação da nova ordem
capitalista, entrelaçada com as concepções com a pós-modernidade e
pós-história. As questões centram-se nos fenômenos extremos da dessimbolização,
da clonagem e do panopticismo, como apanágios depois da orgia. Diante tanta
efervescência, levanta-se o questionamento para o Terceiro Mundo: realizaram-se
as utopias? Baudrillard nos indica o lado mais obscuro do fenômeno chamado
globalização.
[3]
Baudrillard afirmava que os objetos não possuem apenas um valor de uso (sua
finalidade) e um valor de troca (seu preço), como enfatizados na teoria econômica
clássica, mas também um valor de signo, por meio do qual eles atribuem um
determinado status aos seus proprietários.
[4]
As suas obras principais: Le Système des Objets (1968); La Societé de
Consommation: ses mythes et ses Structures (1970); Pour une Critique de
l'Économie du Signe (1972); Le Miroir de la Production ou l'Illusion Critique
du Matérialisme Historique (1973); L'Échange Symbolique et la Mort (1976); De
la Séduction (1979); Simulacres et Simulation (1981); Le Crime Parfait (1995);
Le Paroxyste Indifférent (1997).
[5]
A partir das elucubrações de Baudrillard, precisamos questionar até onde o
Terceiro Mundo, onde se situa o Brasil se enquadra plenamente nesta perspectiva
de globalização e de pós-modernidade. Abre-se a caixa de Pandora e, nos torrentes
questionamentos, sonhamos com a realização de liberdades e só que os caminhos
não se subvertem fora dela e, o paradoxal, é que o outro já esgotou seu limite
e, só lhe resta o estado de simulação, aquele em que só podem repetir todas as
cenas porque elas já aconteceram, seja real ou virtualmente.
[6]
Hiper-realidade é o conceito que se aplica à filosofia contemporânea. Em
semiótica e na filosofia pós-moderna, o hiper-realismo (não confunda com
surrealismo) é um termo para descrever um indício de uma expansão da cultura
pós-moderna. A hiper-realidade é um meio de caracterizar a via das interações
conscientes com a "realidade". Especificamente, quando uma
consciência perde sua habilidade de distinguir a realidade da fantasia, e passa
a se relacionar com ela, posteriormente, sem dispor da compreensão que ela
requer, de modo que acaba por ser deslocado para o mundo do hiper-real. A
natureza do mundo hiper-real é caracterizada pelo "aperfeiçoamento"
da realidade. Alguns famosos teoristas
da hiper-realidade são Jean Baudrillard, Albert Borgmann, Daniel Boorstin e
Umberto Eco.
[7]
Em "A troca simbólica e a morte" (1976), Baudrillard prossegue na
argumentação, afirmando que a troca simbólica perdeu seu caráter organizador
uma vez que o campo simbólico só subsiste na forma do simulacro. Os simulacros
substituíram as ideologias. O código marxista e o código freudiano escondem a
perda do valor. O código da sociedade de
consumo é o da salvação do corpo enquanto signo da saúde, da beleza, do
erotismo. É o do desprezo pelo espírito, pela sensatez, pelo saber, pelo amor.
Vale a função-signo, o corpo, que não é um artigo, uma mercadoria, mas um
artifício de venda: um simulacro. A violência que obriga ao esforço produtivo
não existe mais. O trabalho se tornou uma demanda social, como o lazer. Cada
vez menos energia humana é necessária à produção de coisas reais. Vive-se a
dramaturgia do trabalho, com seus ritos, suas obrigações, suas férias, suas
greves. Trabalhamos para gerar simulacros.
O próprio trabalho é um simulacro onde o posto, o nível, o lugar, a
organização identificam o signo. Nem o produto nem o esforço produtivo são
valorizados. Só o simulacro. In:
THIRY-CHERQUES, Hermano Roberto. Baudrillard: trabalho e hiper-realidade. Disponível
em: https://www.scielo.br/j/raeel/a/XLCG9KDtPBPK8YSqmk6bDrq/?lang=pt
Acesso em 03.11.2021.
[8]
Bauman também é pertinente ao estudo de Baudrillard, o sociólogo da modernidade
líquida, onde cunhou o conceito que se embriaga de infinitude que norteou as
ações humanas durante muitos séculos, até na passagem da idade média para a
idade moderna, onde começa desaparecer junto à importância da religião, da
família e, de outros sistemas de controle social. Enfim, a segurança antes
oferecida pelo eterno começou a ser corroída pela modernidade, quando tudo
começa a derreter, o que antes era é solido.
Pois, profanar tudo que é sagrado. In: BAUMAN, Z. A cultura do lixo. EM:
Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004. p. 119.
[9]
O protagonismo das noções de corpo e alma enquanto pontos de apoio para os
complexos jogos simbólicos, rituais e antagonísticos, na complexa relação
interdependente em que se pode cogitar em sempre dinâmicos, reversíveis em
termos mais do léxico de Baudrillard do que seria um sujeito versus objeto, na
lógica do afeto e na imanência dos duelos intersubjetivos.
[10]
A própria expressão "sociedade do espetáculo" pode dar margem a
interpretações equivocadas, se for entendida como o poder que as imagens
exercem na sociedade contemporânea. É certo que Guy Debord, o criador do
conceito de "sociedade do espetáculo", definiu o espetáculo como o
conjunto das relações sociais mediadas pelas imagens. É impossível haver
separação entre essas relações sociais e as relações de produção e consumo de
mercadorias. A sociedade do espetáculo corresponde a fase específica da
sociedade capitalista, quando há interdependência entre o processo de acúmulo
de capital e o processo de acúmulo de imagens. A produção de imagens, a
valorização da dimensão visual da comunicação como instrumento de exercício do
poder, de dominação social, existe, conforme argumentou Debord na obra
intitulada "Sociedade do Espetáculo", publicado em 1967, em todas as
sociedades onde há classes sociais, isto é, onde a desigualdade social está
presente graças à divisão social do trabalho, principalmente, a divisão entre o
trabalho manual e trabalho intelectual.
[11]
Somos todos servos de códigos, seja o binário, DNA, o digital e, etc... A era
do código supera a era do signo. Praticamente não produzimos mais,
reproduzimos. Codificamos para copiar. Enfim, a crítica de Baudrillard às
abordagens convencionais ao trabalho é a mesma feita por Derrida ao
logocentrismo e de Foucault ao racionalismo: as epistemologias que aí estão são
inadequadas para analisar o quadro da sociedade, à informação e à dinâmica
voraz da vida contemporânea. A racionalidade dos códigos significa que a
qualidade não precede a quantidade. E, na sociedade codificada não existe a
liberdade nem tempo livre.
[12]
O ano 2020 nos parece que trouxe um disrupção absoluta para com o conceito de
verdade, abandonando-o em prol da narrativa de maior conveniência ao momento ou
ao grupo político que dela se utiliza. Os governantes das mais variadas
graduações ordenaram o trancamento geral da população do globo, medida essa sem
precedentes históricos, de violência ímpar em relação ao direito de ir e vir
das pessoas, que nos traz à memória, imediatamente, a Segunda Guerra e dois de
seus grandes exemplos de humanidade possível: de um lado, Eichmann e o retrato
do mal, escancarando ao mundo pela figura do "alemão médio" como a
burocracia e o correlato cumprimento do dever de cidadão é a mola mestra de um
verdadeiro genocídio; de outro Churchill, soldado de inúmeras incursões,
prisioneiro na Primeira Guerra Mundial e dono de uma personalidade sem igual na
história do século XX, protendo aos seus conterrâneos sangue, sofrimento,
lágrimas e suor. In: GERBER, Daniel. 2020, o ano da hipocrisia. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/337981/2020--o-ano-da-hipocrisia
Acesso em 03.11.2021.
[13]
"Todos os grandes esquemas da razão sofreram o mesmo destino. Eles só
descreveram sua trajetória, só seguiram o curso de sua história no diminuto
topo da camada social detentora do sentido (e, em particular do sentido
social), mas no essencial somente penetraram nas massas ao preço de um desvio,
de uma distorção radical". Jean Baudrillard, in The Shadow of the
Silent Majorities.