Apreciações sobre a teoria dos princípios
Por Gisele Leite.
Segundo
Paulo Bonavides, a evolução da juricidade dos princípios, divide-se em três
fases, a saber: a) jusnaturalista; b) juspositivista e, c) a pós-positivista.
Na
primeira fase, os princípios possuem conteúdos abstratos e sua normatividade
era nula e duvidosa, contrastando com o reconhecimento de sua dimensão
ético-valorativa que tanto inspira os postulados da justiça.
Na
segunda fase, os princípios constituem uma fonte secundária ou subsidiária do
direito, servindo de referências às grandes codificações, ou numa válvula de
segurança que garante o reinado absoluto da lei.
Nesse
sentido, é curial destacar que a Lei de Introdução ao Código Civil com a
redação dada pela Lei 12.376, de 2010. Em seu artigo 4º in litteris: “Quando
a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes
e os princípios gerais de direito”.
Na
fase pós-positivista, os princípios fundamentais adquirem eficácia jurídica e
se transformam em elementos hegemônicos sob os quais todo o sistema
político-constitucional se alicerça, de acordo com o modelo do Estado
Constitucional caracterizado como Estado Democrático de Direito[1].
Lenio
Luiz Streck nos acautela sobre o chamado panprincipiologismo. Em 2010 juntamente
com Ferrajoli, realizou conferência de abertura do Congresso Bianual da
Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) em Curitiba. O ilustre
doutrinador deflagra uma luta contra o panprincipiologismo e, deixou explícito tal
entendimento em sua obra intitulada "Verdade e Consenso", não é a
imperatividade da lei, nem juiz como boca da lei, ou a criatividade ilimitada
do intérprete que se constituem como inimigos da autonomia do Direito e da
democracia. Mas, sim, as condições pelas quais se dá a atribuição de sentido no
ato interpretativo-aplicativo. (In: STRECK, L.L. O panprincipiologismo e a
flambagem do Direito. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2013-out-10/senso-incomum-pamprincipiologismo-flambagem-direito Acesso
em 15.01.2022).
Nessa
derradeira fase, os princípios deixam de ser confundidos com simples
considerações de equidade ou meras regras consuetudinárias e passam a ter valor
de direito positivo. E, sua autoridade e sua função não se reportam a uma fonte
escrita, posto que existam independentes de forma e, o juiz os declara e, é
obrigado a garantir-lhe o devido respeito.
Curiosamente, ante à precariedade dos serviços públicos prestacionais, notadamente nas áreas de saúde, saneamento básico, habitação e educação, pode-se afirmar que Brasil jamais conheceu o Estado de Bem-Estar Social, e que em vista da sempre presente interferência do Estado na ordem econômica, também nunca houve um Estado Liberal em seu sentido substancial mais puro.
Segundo
o Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano,
princípio é ponto de partida e fundamento de um processo qualquer. Os
dois significados, de ponto de partida e fundamento ou causa estão
estreitamente ligados na noção desse termo, que foi introduzido em filosofia
por Anaximandro, ele recorria a Platão com frequência no sentido de causa de
movimento ou de fundamento da
demonstração.
Aristóteles
foi o primeiro a enumerar completamente seus significados, que são os seguintes: 1º) ponto de partida de um
movimento, por exemplo, de uma linha ou de um caminho; 2º) o melhor ponto de
partida, como por exemplo, o que facilita aprender uma coisa; 3º) ponto de
partida efetivo de uma produção, como por exemplo, a quilha de um navio ou os
alicerces de uma casa; 4º) causa externa de um processo ou de um movimento, como
por exemplo, um insulto que provoca uma briga: 5º) o que, com a sua decisão,
determina movimentos ou mudanças, como por exemplo, o governo ou as
magistraturas de uma cidade; 6º) aquilo de que parte um processo de
conhecimento.
Aristóteles
acrescenta a esta lista: "'Causa' também tem os mesmos significados, pois
todas as causas são princípios. O que todos os significados têm em comum é que,
em todos.
Princípio
é ponto de partida do ser, do devir ou do conhecer". Esses reparos de
Aristóteles contêm quase tudo o que a tradição filosófica posterior disse a
respeito dos princípios. Talvez caiba distinguir outro significado: como ponto
de partida e causa, o princípio às vezes é assumido como o elemento constitutivo
das coisas ou dos conhecimentos.
Este,
provavelmente, era um dos sentidos da palavra entre os pré-socráticos, às vezes
utilizado pelo próprio Aristóteles. Neste sentido. Lucrécio chamava os átomos
de princípios, e os estoicos distinguiam elementos e princípio, pelo fato de
que os princípios não são gerados e são incorruptíveis.
Já no
século XVIII, ao definir o princípio como o que contém em si a razão de alguma
coisa, Wolff observava que esse significado estava de acordo com a noção de
Aristóteles e que os escolásticos não se haviam afastado dela. Baumgarten, a
quem a terminologia moderna tanto deve, repetia a definição de Wolff.
Kant, por
um lado, restringia o uso do termo ao campo do conhecimento, entendendo por Princípio
"toda proposição geral, mesmo extraída da experiência por indução, que
possa servir de premissa maior num silogismo", mas por outro lado
introduzia a noção de "Princípio. absoluto" ou "Princípio em
si", vale dizer, conhecimentos sintéticos originários e puramente
racionais, que ele julgava insubsistentes. mas aos quais a razão recorreria no
seu uso dialético.
Referências:
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004
MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
SANTIAGO,
Marcus Firmino. Liberalismo e Bem-Estar Social nas Constituições Brasileiras.
História Constitucional, n. 16, 2015. Disponível em: http://www.historiaconstitucional.com
SANTIAGO,
Marcus Firmino. Estado de Bem-Estar Social: Da formação à sua mais recente
crise. MORAIS, Jose Luis Bolzan de; SOUZA, Leonardo da Rocha de; SALGADO,
Karine (Coord.). Teoria e Filosofia do Estado. Florianópolis: CONPEDI, 2015
(b).
SANTIAGO,
Marcus Firmino; SANTOS, Rosilene dos. Da Construção à Iminente Desconstrução do
Estado de Bem-Estar Social. Uma Análise da Realidade Constitucional Brasileira
Nascida em 1988. Revista Paradigma. Ribeirão Preto -SP. A. XXII, V. 26, n. 2,
Jul/Dez. 2017.
STRECK,
Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do
Direito. 8ª. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014.
Nota: