Algumas linhas sobre a teoria dos princípios. Entre jus & lex

De fato, é a lei que institui a ordem, em que se funda a regulamentação, evolutivamente estabelecida, para manter o equilíbrio entre as relações do homem na sociedade, no tocante a seus direitos e a seus deveres. Já a palavra "Direito" provém do latim directum, do verbo dirigere (dirigir, ordenar, endireitar), sendo o conjunto de preceitos, regras e leis com as respectivas sanções que serão adotadas para a sociedade solucionar os conflitos. Ressalta-se a importância dos princípios que edificam a ponte semântica entre a lei e o Direito.

Fonte: Gisele Leite

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Segundo Paulo Bonavides, a evolução da juridicidade dos princípios divide-se em três fases, a saber: a jusnaturalista, a juspositivista e a pós-positivista[1].

Na primeira fase, os princípios possuem conteúdos abstratos e sua normatividade era nula e duvidosa, contrastava com o reconhecimento de sua dimensão ético-valorativa eu inspira os postulados de justiça.

Na segunda fase, os princípios constituem uma fonte secundária ou subsidiária às grandes codificações, ou numa válvula de segurança que garante o reinado absoluto da Lei.

Nesse sentido, é a Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) o artigo 4º “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Na fase pós-positivista, os princípios fundamentais adquirem eficácia jurídica e se transformam em elementos hegemônicos sob os quais todo o sistema político-constitucional se alicerça, de acordo com o modelo do Estado Constitucional[2], caracterizado como Estado Democrático de Direito.

Nessa fase, os princípios deixam de ser confundidos com simples considerações de equidade ou meras regras consuetudinárias e passam a ter valor de direito positivo. E, sua autoridade e sua função não se reportam a uma fonte escrita, existem independentes de forma e, o juiz declara e, é obrigado a garantir-lhe o respeito.

Já na terceira fase, a pós-positivista, tem-se prevalente entendimento de que os princípios trazem consigo uma normatividade própria.

Depois do advento da Constituição Federal brasileira de 1988, constatou-se a sua máxima relevância como o mais importante elemento normativo de coerência geral do sistema jurídico e funcionam como eficazes critérios de interpretação e integração de todo ordenamento jurídico.

No fundo, os princípios são normas supremas de um sistema jurídico, como a natureza normogenética, o caráter de fundamentalidade, generalidade e plasticidade. E, com essas características, possuem grande importância para a motivação judicial para a justificação do direito como o todo. Os princípios incorporam os principais valores que guiam todo ordenamento jurídico.

Com a doutrina, a normatividade dos princípios é plenamente consagrada. É necessária a distinção entre as regras e princípios[3] como espécies distintas de norma. Sua distinção não mais se contrapõe e, sim, se complementam.

É culminada pela contribuição de Dworkin[4] ao prescrever que as regras são aplicadas de forma peremptória, num jogo de tudo ou nada (all or nothing), sob a significação de que a hipótese de incidência de uma rega é preenchida, ou é a regra válida e a consequência normativa deve ser aceita, ou se ela não é considerada válida, e por conseguinte, não gera quaisquer consequências normativas.

Para as regras jurídicas sejam válidas, cogita-se em subsunção, ou seja, a adequação completa entre o dispositivo e a situação fática prevista na regra.

Já, os princípios não exigem esse cumprimento pleno, podem ser cumpridos ou não, sem que afete sua validade.

Assim, no caso de colisão entre regras uma delas deve ser considerada inválida e o conflito se resolve por meio de critérios tradicionais de solução de antinomias, pelo critério hierárquico, cronológico e de especialidade.

Os princípios, ao contrário, não determinam vinculativamente a decisão, mas contêm elementos, os quais devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros princípios numa dimensão de peso ou importância e o conflito de princípios é resolvido pela ponderação.

A linha traçada pro Dworkin exsurge da perspectiva exposta por Robert Alexy[5], na qual se releva a compreensão da estrutura das normas jurídicas, agora conceitualmente elevadas à categoria de gênero que tem como espécies as normas-princípios e as normas-regras, ambas compondo o ordenamento jurídico a fim de lhe garantir a unidade e coerência sistemática decorrente da teoria dos princípios da argumentação jurídica[6].

Para Alexy, o conceito de princípio é mais amplo, tem caráter de mandado de otimização, o que implica que deve ser aplicados na medida possível e que, em caso de lesão a direito fundamental, o princípio da proporcionalidade deve ter papel central e, com isso, a ponderação.

Na teoria de Alexy, os bens coletivos[7] também podem ser objeto de regulação de princípios[8]. Por outro viés, na visão de Dworkin, os direitos são visualizados com trunfos (trumps) e somente os direitos individuais podem ser objeto de regulação de princípios, também há diferenças na determinação das relações entre igualdade e liberdade.

Alexy considera que a liberdade e igualdade como princípios[9] da mesma classe que podem entrar em colisão, mas tal possibilidade foi excluída pela teoria de Dworkin que considera a igualdade (equal concern) com a virtude suprema da comunidade política.

Willis Santiago Guerra Filho afirma que Dworkin considera princípios como proposições que descrevem direitos, pelo que se diferenciam de outras, são importantes standard argumentativo aquele que invoca as políticas públicas que descrevem objetivos.

Tal distinção, se afirma superada pela concepção corrente na doutrina alemã dos direitos fundamentais dotados de dupla dimensionalidade, a subjetiva individual, a que tradicionalmente a eles vem associada, e uma outra objetiva que expressa valores almejados por toda comunidade política.

A distinção de princípios e regras é feita por Alexy, através de diversos critérios. Os princípios são normas dotadas de grau de generalidade relativamente alto, enquanto as regras possuem baixo grau de generalidade[10].

Os princípios são tidos como mandado prima facie, pois ordenam que algo deve ser realizado na maior medida possível, tendo-se em vista as possibilidades jurídicas e fáticas do caso concreto. Isto implica que, em casos de conflito e colisão, resolve-se pela ponderação[11].

Para Dworkin, a distinção[12] entre princípios e regras pode ser feita por critérios lógicos e formais. Os princípios possuem uma dimensão e peso ou importância que implica no processo argumentativo que resulta em juízos ponderados relacionados com a tradição institucional ao sistema normativo e aos valores morais institucionais de uma comunidade.

As regras, ao contrário, não possuem essa dimensão e obedecem a uma apreciação mecânica, à maneira do tudo ou nada, sem admitir ponderações e valorações estranhas ao seu conteúdo, devendo ser complementadas e enumeradas no enunciado todas as exceções cabíveis.

Outros critérios também são utilizados para distinção entre os princípios e as regras[13]: a) o grau de determinabilidade dos casos de aplicação nas situações enquanto os princípios, caracterizadoras do juiz ou do legislador, como fundamentos jurídicos para as decisões; b) o caráter de fundamentalidade do sistema; princípios e regras se distinguem por exercerem aqueles um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema, ou à sua posição estruturante, por serem dedutíveis objetivamente do princípio do Estado do Direito da ideia de Direito ou do princípio da justiça; c) natureza normogenética os princípios são normas que estão na base ou constituem a ratio das regras jurídicas.

Segundo Canaris[14], os princípios têm quatro características básicas, que são: a) não valem sem exceção e podem entrar entre si em oposição ou em contradição; b) não têm a pretensão de exclusividade; c) ostentam seu sentido próprio apenas uma combinação de complementação por meio de subprincípios e valores singulares, com o conteúdo material próprio.

Quanto à função, os princípios têm utilidade tanto argumentativa, quanto de normas de conduta. Na função argumentativa, eles permitem, por exemplo, denotar a ratio legis de uma disposição.

Como normas de conduta, permitem revelar normas qu3e não estão expressas por qualquer enunciado legislativo, sendo úteis, nesses casos, aos juízes que deverão proteger e proceder à integração e à complementação do direito.

Em razão a sua generalidade, os princípios funcionam ainda, como elementos de ponderação[15] valorativa e de unidade inferior do direito. Possuem ainda, caráter de plasticidade que permitem ao intérprete judicial adequar o sistema jurídico às normas situações e transformações da sociedade com a manutenção nominal da integridade do sistema constitucional, sem a imediata e constante necessidade de edição de novas regras ou de modificação das já existentes para regulamentação dos avanços sociais.[16]

Enfim, para Alexy, os princípios podem ser equiparados aos valores: uma concepção de valores ou axiológica, seguindo o doutrinador, traz uma referência não ao nível de dever ser deontológico, mas ao nível do que pode ou não ser considerado como bem.

Os valores têm como caraterísticas a possibilidade de qualificação, isto é, permitem que um determinado juízo possa ser classificado, comparado ou medido.

É de observar que apesar dos princípios se equipararem aos valores, eles não são valores, porquanto apontem para o que se considera devido o passo que os valores indicam o que é de melhor ou de mais vantajoso.

Possuem os princípios ainda, um aspecto que coloca, simultaneamente, no universo do direito e da moral. Assim, os princípios jurídicos básicos do constitucionalismo alemão, por exemplo, a dignidade humana, liberdade, igualdade, Estado de Direito, democracia e o Estado Social, também possuem dimensão de moralidade.

No que tange à sistematização das normas constitucionais, Alexy expõe três modelos possíveis, a saber: a) modelo puro de princípios; b) modelo puro de regras; c) modelo de regras e de princípios.

No modelo puro de princípios, as normas de direito fundamental são exclusivamente princípios. Nesse modelo, evidenciam-se óbvias objeções e a principal delas é que a indeterminação e a completa inexistência de regras precisas e de restrições constitucionais explícitas acarretariam uma enorme insegurança jurídica.

No modelo puro de regras em que todas as normas de direito fundamental são as regras, com a consequente renúncia à ponderação[17], esse modelo, apesar de grande segurança jurídica, é falho pela impossibilidade prática e teórica de se proceder pleno e exaustivo disciplinamento das situações da vida e pela existência de muitas lacunas e de situações antinômicas não solucionáveis pelas velhas regras da hermenêutica jurídica.

O modelo de regras e princípios é de forma mista na qual se combinam os dois modelos. A norma de direito fundamental é um dado de caráter duplo, tanto podem ser regras como princípios. Trata-se de forma mais racional de integração das regras e princípios no sistema jurídico.

É a forma racional de integração das regras, quanto como princípios possibilitando o funcionamento mais racional as normas jurídicas.

Nesse modelo misto de regras e princípios, a atuação dos princípios como mandamentos prima facie, possibilita uma crescente importância na análise de formas pelas quais as decisões judiciais são justificadas em nome do direito. O que permite maior amplitude e aplicação máxima de Alexy que os conflitos de regras que se resolvem na dimensão de validade e a colisão de princípios na dimensão de valor.

Toda a filosofia do Direito construiu uma contínua busca de parâmetros estáveis e duradouros, mas, encontra dramáticos obstáculos que aparentemente intransponíveis no interior do ordenamento jurídico.

Enfim, o processo normativo contemporâneo permanece em estado de vulnerável, principalmente, por conta a transição da modernidade para quadro de perplexidade que envolve o Estado de Direito contemporâneo. Gradativamente, como uma resposta à essas contradições, surgiu nova dinâmica caracterizada pelo avultamento da era dos princípios.

De fato, Leon Trotsky tinha razão, quando certa vez afirmou que "Todo Estado se mantém pela violência".

O pensador da revolução russa de 1917, verificou que ao longo da história da humanidade sempre se buscou fundamentos filosóficos que fossem capazes de validar e justificar toda a violência institucionalizada.

Infelizmente, o pressuposto básico da ciência jurídica não é a conciliação e o entendimento, nem mesmo o diálogo, mas, sim a força e a sujeição que são legitimadas plenamente pelas regras jurídicas e chanceladas pela coerção e, por vezes, pela sanção, mediante a violação dos preceitos jurídicos.

A luta pelo direito e do direito que fora timbrado pelo humanismo, valorizando a prevalência dos princípios em relação às regras. Enfim, segundo Kelsen, o Direito é prescrição e resume-se, exclusivamente, à norma em sua dimensão coercitiva.

Assim, uma vez prescrita a norma jurídica, dirigida ao seu destinatário, a quem competiria somente cumpri-la. E, para garantir seu cumprimento, paira sobre o mundo o Direito todo um aparato de instrumentos de força, com poderes suficientes para anular a vontade do indivíduo, em razão de um pacto social que o autoriza.

Diante da grande discussão sobre a liberdade da pessoa, Hobbes, de pronto, aponta o problema da sujeição. E, para o filósofo, ser livre é ser sujeito à lei, e não a outro indivíduo.

É relevante a célebre definição dada por Von Ihering, segundo a qual "(...) ninguém existe para si só, nem tampouco por si só: cada um existe para os outros e pelos outros, intencionalmente ou não, pois assim como o corpo reflete o calor que recebeu de fora, também o homem espalha em torno de si o fluido intelectual ou moral que aspirou na atmosfera da civilização da sociedade".

Enfim, a relação humana não se submete à ascendência do outro, nem se deixa contingenciar pela irrevogabilidade do elemento definitivo. Duradouro sim, porém, jamais eterno. Pois é o signo da temporariedade que fez com que homem construísse o próprio conceito de perenidade de valores que o servem e que transcendem o espaço.

É a dinâmica jurídica. De início, temos a norma fundamental. Esta é diferente de todas das demais, por ser uma norma básica, não positiva, simples ponto de partida para a sustentação lógica das demais normas. É simples hipótese de ordem gnoseológica. A norma fundamental só diz que o primeiro legislador age com legitimidade e juridicidade. É apenas, uma norma pensada, hipoteticamente. Não tem existência objetiva.

Para que os mandamentos legais possam ser considerados obrigatórios é indispensável supor a existência de uma norma fundamental, que admita a legitimidade do poder e o dever de obediência da comunidade. A ordem coativa da conduta humana, como sistema de normas obrigatórias, promana do referido axioma da teoria formal do Direito.

À norma fundamental seguem-se as normas constitucionais. Ocupam estas o segundo plano. Dizem respeito à organização do Estado, bem como as competências dos poderes legitimamente constituídos e suas relações com os membros da comunidade. A estes últimos são atribuídos direitos e garantias individuais.

Em terceiro lugar, surgem as normas ordinárias, isto é, todas as leis que preveem   sociais básicas. Dizem respeito ao equacionamento dos poderes e deveres dos membros da comunidade, referentes às diversas situações de vida. (...) Ao lado destas normas ordinárias devem ser colocadas as normas costumeiras. O costume, embora fonte subsidiária, opera na falta da lei, pertencendo, ambos, ao ordenamento jurídico.

Decorrem de um sistema de delegações (complementação autorizada), sendo sua elaboração consequência da atribuição concedida, pelas normas superiores, aos agentes públicos (juízes e órgãos da administração) e membros da comunidade para a disciplina de determinadas relações jurídicas específicas. Assim sendo, as normas individualizadas são imperativos autorizantes específicos. Através delas se opera a passagem do plano abstrato ao concreto com as implicações que a simples dedução deste último com relação ao primeiro pode operar.

De fato, para compreender o fenômeno jurídico é preciso dominar a violência estatal, mantendo-a sob vigilância rigorosa e atenta legalidade.

Sem o elemento coercitivo, não há como fazer valer a norma. E, tal comprovação, porém, não altera em nada a composição essencial desse instrumento, responsável pela heteronomia do mandamento jurídico. A supressão da vontade, uma vez declarada, revela-se com as mesmas características da violência que desconhece e tripudia da alteridade do ser-em-si. Hegel já ensinava que a superação desse impasse tem de ocorrer no plano do ser-para-o-outro.

Sobretudo, é o Direito essa noção de temporariedade ilimitada. Pois a única coisa que jamais se revoga é o tempo e sua fatalidade. E, nesse estado de constantes e inevitáveis mutações, passamos a examinar amiúde o ser-para-o-novo.

Enfim, o homem é singular e a própria realização humana onde participa com o status de criador. E, a capacidade universal dos direitos de personalidade em adquirir gerar direitos, e cumprir deveres.

Posto que seja um pressuposto inalienável do exercício de toda e qualquer faculdade ungida por virtudes jurídicas. Assim, sem tal revestimento primário, toda e qualquer manifestação, neste sentido, será tomada em sua expressão meramente ornamental.

O conceito de direito natural traz o dilema essencial existente entre direitos e deveres confrontados ao sabor das intercorrências advindas da vida normatizada.

Tal vida se revela tanto na necessidade de governo, mediante a proteção de direitos naturais do homem, quanto pela sua justificação, através da transferência contratual à autoridade civil do direito natural de punir.

O equilíbrio entre os dois extremos, o conceito do alterum non laedere e, de outro lado, o jus puniendi concentrado no monopólio estatal que responde por toda unidade do ordenamento jurídico cultivado no Ocidente.

Em nosso texto constitucional vigente, mais precisamente, no artigo 5, inciso V, tem-se que é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, por dano material, moral ou à imagem.

O dano tido como categoria ontológica, no entanto, não ocupa o mesmo espaço na ordem jurídica.

E, esta, em seu pragmatismo positivista enxerga o bem imediato, bem como o seu valor conversível à cotação do prestador jurisdicional. É difícil ao julgador cotar e mensurar o efeito danoso sobre a reserva dos direitos conferidos ao cidadão, calcule-se o dilema de quem aprecia a lesão moral que se agrega ao patrimônio jurídico.

Aliás, o maior pecado o juspositivismo ortodoxo ou xiita é ignorar a aura de princípios e valores, que contemporaneamente

voltam a reacender o científico interesse dos filósofos e juristas.

Boa parte da questão civilizatória prende-se à valorização da Política e do Direito. E, ainda depende de todo o processo da relação de equilíbrio entre a capacidade disciplinar toda essa trama de ações e reações movida pelo pensamento pela dinâmica social.

Foram os gregos quem mais devotaram à causa da ideação desses valores e formularam as bases filosóficas que nos levam até Heródoto, Tucídides, Platão e Aristóteles.

Por outro viés, os romanos fundamentalistas do Direito e amantes das legalidades privativas da ordem jurídica mais ampla que se conheceu no ocidente, em verdade, não se preocupavam com o revestimento teórico ou doutrinário que esses institutos teriam a oferecer.

O pragmatismo da relação jurídica trouxe como era natural, uma gama de postulados de grande serventia, nesse espaço, como é o caso de todo o patrimônio civilista do qual somos herdeiros e legatários.

Os romanos erigiram todo esse arcabouço que, pragmaticamente e concretamente instalou os fundamentos de todo positivismo jurídico ocidental, ao ponto de garantir a proteção legal através do Estado, mediante a mais irrestrita operacionalização das instituições e do Estado.

A noção de plenitude institucional se desenvolveu ao longo dos séculos e escreveu notáveis páginas da história da humanidade, como exemplo, há a declaração universal dos direitos do homem.

Mas, tais noções não se esgotaram na esterilidade da norma positiva, impermeável à razão humana. E, a lei resume a postura mítica de esfinge que desafia: Decifra-me ou eu te devoro!

Em verdade, a norma jurídica em sua bravura e crueldade costuma devorar os menos favorecidos, os excluídos e os sem-direito. Interessante é perceber através de Carnelutti que a configuração do Estado, o que reproduz o dito de Trotsky ao profetizar que o Direito é a armação do Estado.

Os filólogos até o presente momento não descobriram o vínculo entre as palavras ius e iungere, entretanto, não duvido de que na mesma raiz destas, manifeste-se uma as mais maravilhosas instituições do pensamento humano. O ius une os homens e o iugum une os bois e como a armação une os tijolos. (Carnelutti).

O Direito e o Estado interagem no espaço que se sujeitam às mesmas normas, ou seja, simbióticas. Tanto um como outro só se realizam devido ao processo interativo que flui da emissão das ideias, da livre manifestação do produto da inteligência humana.

O homem não é um conjunto previsível ajustado para atuar na cena história e social conforme os limites de um software de potencial definido e funções programada.

O zoon politikon de Aristóteles opera na cadeia da realização cultural sob os signos da improvisação e da criatividade. Vindo de elementos compatíveis com a norma fundamental e com a dinâmica do Direito seguirá o seu curso independentemente de outras questões de natureza axiológica ou social

O dever-ser de Kelsen é inquestionável sendo inegável a precisão das formas prescritivas do conjunto complexo que é o Direito. A concepção normativista do dever-ser de Kelsen traz o componente de tensões resultantes da própria organização da sociedade, e da natureza conflitiva do homem.

Se o Direito é prescrição, a norma condutora dessa prescrição é, fundamentalmente, resultado da pressão exercida por uma certa massa crítica que aflora à superfície da trama social, a exigir mecanismos de controle que só a ordem jurídica pode oferecer.

Interessante é notar a noção de Direito sugerida por Gény: de um lado, o elemento “dado”, oriundo “das realidades de fato ou dos princípios essenciais à ordem geral do mundo que comporta certa permanência e se nos impõe, do outro, “o construído”, conjunto de elementos artificiais, variáveis e contingentes, que tiram seu valor e eficácia da vontade humana e constituem os meios necessários para dar efeito às direções gerais fornecidas pelos fundamentos da sociedade”.

Enfim, são os fatores de natureza social, econômica, étnico e cultural que atuam na configuração dessas condições, criando o meio no interior do qual se defrontam os interesses concorrentes ou antagônicos.

E, por mais que pretenda atribuir à norma uma autonomia impermeável às manifestações da causalidade histórico-social, não se pode confiar, nem muito menos concentrar o processo de formação do ordenamento jurídico somente nas mãos do legislador, como se fosse o único artífice do fenômeno jurídico e não o intérprete, ou se desejarem, o porta-voz do grupo social para o qual está legislando.

Compete, realmente, ao aparato estatal velar pela integridade desse ordenamento, seja pela sustentação das estruturas fundamentais da sociedade e, naturalmente, das instituições de modo muito particular. E, aí se concentrar a principal questão do processo jurídico numa visão monista do Direito.

Essa unidade só se constrói pela força dos princípios e, a sua função ordenadora revela-se nítida e forte nos momentos revolucionários, quando é nos princípios que traduz a nova ideia do direito e não nos precários preceitos escritos, que assenta diretamente a vida jurídico-política do país.

Graças à Hugo Grócio, o Estado moderno acolheu a subjetivação do Direito, que sedimentou a ideia da liberdade do agente perante uma ordem jurídica configurada nos limites do Direito natural.

De alguma forma, a proteção à individualidade humana surge, apesar de não explicitamente normatizada, como fundamento do processo de conhecimento da Antiguidade Clássica, e consta nas primeiras páginas da Paideia, é indiscutível que foi a partir do momento em que os gregos situaram o problema da individualidade no cimo de seu desenvolvimento filosófico que principiou a história da personalidade europeia.

As conotações indevidas surgem por conta do processo de formação de valores humanísticos da Grécia Antiga ou mesmo na Idade Média, um arquétipo individualista ou competitivo.

Recorre-se a reflexão imediata sobre o ambiente em que passam a se desenvolver os elementos de referência de uma personalidade social fundada em suporte juridicamente válido.

A obra de Dante Alighieri tem trazido especial interesse sobre a natureza ética.  Aliás, Ítalo Sciuto, num criterioso estudo realizado para a Universidade de Verona, sintetiza essa feição ético-política numa longa citação do próprio Étienne, que vale a pena reproduzir:

“Em seu famoso estudo Dante e a Filosofia, Etienne Gilson encara o tema como sendo de absoluto relevo no pensamento dantesco, sobretudo pela sua inquestionável originalidade no contexto da filosofia medieval, aponto de manter o permanente interesse da crítica, de modo a assumir o caráter de tema central.

Segundo Gilson, a orientação filosófica do convívio resta fundada substancialmente sobre a função primeira consoladora e, portanto, indutora da felicidade produzida pela filosofia, perpassada por um conteúdo eminentemente moral.

Aqui, Dante dirige-se a um público de nobres, políticos e homens de ação, nunca aos especialistas das escolas que dedicam o seu tempo aos prazeres da especulação.

No mais, a sua vida de exul immeritus lo obriga a involuntárias, injustas e continuas preocupações práticas extremamente envolventes, cujos efeitos o mesmo Convívio inspira a dramática passagem «peregrino, quase um mendigo, tenho andado mostrando contra a minha vontade a roda da fortuna que tão injustamente contra mim se tem voltado.

Verdadeiramente, tenha sido, as mais das vezes, barco sem vela e sem governo, levado a portos diversos e abismos pelos ventos secos, envoltos no miasma da cruel pobreza.» (Cv I III 4-5). Refletindo sobre o tema, Dante desenvolve uma longa analogia entre os céus e as ciências. A ciencia moral, mostra-se superior a metafisica, logo abaixo da ciencia teológica. E conclui que a ciencia moral detém um primado “arquitetônico” idêntico ao que Aristóteles atribui aos fundamentos da ética a Nicômaco”.

Seria esse primado arquitetônico aquilo que os romanos, de sua parte, já enxergavam na dinâmica dos fatos: uma poderosa fonte produtora de Direito.

“Ex facto oritur jus” – conforme o brocardo. Nas sociedades primitivas, a ideia de um Direito ideal, superior, confundia-se com os desígnios dos deuses.

Entre os gregos, especialmente, a consciência jurídica era algo indissociável da noção de comunidade enquanto polis. A extensão da facultas agendi confundia-se com a simples expressão e o exercício da cidadania, sem o aparato legal do Direito contemporâneo, que, se por um lado, dignifica e singulariza o sujeito da relação jurídica, por outro lado, reifica o objeto da pretensão juridicamente posta.

Ao exercitar a sua personalidade e a sua capacidade, o cidadão romano, por exemplo, unifica as duas condições fundamentais da cidadania – status libertatis estatus civitatis – na mesma prerrogativa de cidadania.

Essa introdução no mundo jurídico do Ego magnetizado pela norma foi a base de fundação do direito subjetivo e a proteção dos direitos fundamentais do cidadão. E, o direito natural foi o habitáculo perfeito para essa nova servidão do Dever Ser.

Os gregos tiveram o senso inato do que significa ‘natureza’. O conceito de natureza, elaborado por eles em primeira mão, tem indubitável origem na sua constituição espiritual. Muito antes de o espírito grego ter delineado essa ideia, eles já consideravam as coisas do mundo numa perspectiva tal que nenhuma delas lhes aparecia como parte isolada do resto, mas sempre como um todo ordenado em conexão viva, na e pela qual tudo ganhava posição e sentido.

Alguns milênios mais tarde, a humanidade voltará a reconhecer que a natureza tinha razão. Pode-se, então, afirmar que a ordem jurídica fundada nos princípios há de devolver ao homem o humanismo perdido neste último século de mundialização[18].

E, juntamente com os doutrinadores é preciso crer nas teorias críticas do Direito que afirmam: "promovem a contestação das noções rígidas e irrefletidas do juspositivismo, tais como: a autossuficiência do direito positivo, a identificação sem mais entre jus e lex, a subsunção silogístico-axiomática do fato à norma por um formalismo lógico-mecânico, o  caráter apolítico e neutro da lei e da hermenêutica, a separação absoluta entre o Direito e a Moral, a pureza científica dogmatista, a negação da lógica dos juízos de valor no raciocínio jurídico, a completude objetiva e hermética do ordenamento legislado.

E, conclui, brilhantemente, o autor: A crise jurídica é dupla. É a crise do Direito que vem se desconstituindo ea crise do Direito que ainda não se constituiu em substituição. É necessário ir além do rompimento do juspositivismo e alcançar a sua superação. Urge que as teorias críticas apresentem alternativas construtivas para um novo Direito. Deveras, a crítica sem proposta é delação resignada".

Inegável que vivenciamos a mais grave de todas as crises[19] já enfrentadas pelo Direito. Pois, os ideais de multilateralidade entre as nações são esquecidos pelos poderosos, sob a invocação da lei do mais forte.

Nas suas sucessivas conquistas científicas e tecnológicas, o homem apenas suspeitava que um dia era capaz de alcançar a perfeição. Operando o Direito, no paroxismo de sua soberba.

A razão solitária deverá resgatar o mundo que nos restas e livrá-lo de tiranias ambiciosas que matam sem dó nem piedade, seja em nome de deus que cospem fogo atômico sobre campos de concentração e sopram ventos de urânio sobre os inocentes, escolhendo a culpa que mandam publicar nas manchetes sangrentas dos seus jornais e noticiários.

Infelizmente,[20] não basta invocar a lei, deve-se começar invocando o princípio fundamental da equidade, que é a matriz de todos os demais.

E, na suprema fraternidade entre os homens, será suficiente para preservar o patrimônio que é a dignidade humana. Eis aí, o verdadeiro destino do Direito. Deixar de ser mero sistema imperativo-atributivo, custodiado pela sanção, para se transformar em efetiva consciência coletiva, cristalizado na espontaneidade do dever de todos, aí sim. Se obterá o verdadeiro legado a Justiça[21].

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DUARTE, Adriano Luiz. Lei, Justiça e Direito. Algumas Sugestões de Leitura da Obra de E. P. Thompson. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rsocp/a/cz4Fc5XqNWM5cxVzqVRP4Zz/?format=pdf&lang=pt Acesso em 30.08.2022.

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TOCQUEVILLE, Aléxis. De la Démocratie en Amérique. Paris: Gallimard, 2002.

Notas:

[1] O pós-positivismo é designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, trazendo aspectos da alcunhada nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade da pessoa humana. Basicamente, leva em consideração os princípios e valores para determinar a interpretação legal. Transcende sua visão de Direito apartado de outras ciências sócias, o que significa que este nega a separação entre Direito e moral. O positivismo é postura filosófica que destaca a relevância da objetividade e da necessidade de estudar os componentes observáveis. Já o pós-positivismo é uma filosofia que rejeita o positivismo e apresenta novos pressupostos, a fim de desvendar a verdade. Não foi mera revisão do positivismo, mas rejeição completa dos valores centrais do positivismo e aponta que o raciocínio científico é bastante semelhante ao nosso raciocínio de senso comum. Ao contrário dos positivistas, pós-positivistas salientam que nossas observações nem sempre podem ser invocadas já que elas também podem ser sujeitas ao erro. É por isso que os pós-positivistas são considerados realistas críticos, que são críticos da realidade que eles estudam. Uma vez que eles são críticos da realidade, pós-positivistas não dependem de um único método de investigação científica. Eles acreditam que cada método pode ter erros. Estes só podem ser evitados se um maior número de métodos é usado. Isto é referido como a triangulação.

[2] O paradigma do neoconstitucionalismo, notadamente, a dimensão normativa e de concepção política de específica forma de Estado de Direito traz propostas e contradições e, ainda, os percalços peculiares do Estado Social. Persiste ainda a pretensão de se fundar um constitucionalismo verdadeiro que apesar de dotado de grande potencial hermenêutico, prossegue consistente. A Constituição assume essa posição graças a ingredientes culturais forjados historicamente: a dignidade humana, o pluralismo, a democracia constitucional, a inevitabilidade do conflito e a Constituição como veículo de consensos. Parte-se da necessidade de caracterização do Estado constitucional de Direito e suas bases sociopolíticas e tem como objetivos descrever a mudança de paradigmas no sistema de fontes do Direito no Estado constitucional e identificar os seus fundamentos."

[3] Segundo Bonavides, Alexy teria encontrado três teses acerca da distinção entre regras e princípios. A primeira assegurava que nenhum dos critérios distintivos seria suficiente para, isolado dos demais, garantir o acerto da diferenciação; a segunda é a que admite a diferença entre regras e princípios com base no grau de generalidade; a terceira tese (única aceita como válida por Alexy) defende que a diferença entre regras e princípios se estabelece tanto em razão de grau, como de qualidade. É o critério gradualista-quantitativo.

[4] A teoria de Dworkin é então apresentada como uma teoria que, inicialmente, preocupa-se em entender a controvérsia no direito. Por isso, esta se vale de argumento dos desacordos teóricos e do argumento relacionado do ferrão semântico. Esses argumentos revelam uma característica política da prática jurídica que o positivismo analítico desconsiderou, ao tentar entender essa prática da filosofia da linguagem. Ao interpretativismo é contraposto então o desafio proposto por uma teoria positivista contemporânea, a qual, ainda que não discorde do caráter normativo da prática, pretende defender o descritivismo na teoria. A resposta ao desafio, é apresentada a formulação mais recente do interpretativismo, a partir de obras de Dworkin "Justiça de Toga e Justice for Hedgehogs. Onde formulou entendimento para a teoria interpretativa. A necessidade de ressignificação da dogmática jurídica, tida como instrumento que nos permite lidar com a controvérsia aceitando o caráter conflitivo e sempre incompleto da prática jurídica.

[5] A princípio, Robert Alexy verifica que o conceito correto ou adequado de direito é resultado da relação de três elementos: legalidade conforme o ordenamento, eficácia social e correção material. Sem esses três elementos, obter-se-á um conceito de direito positivista ou jusnaturalista. Um dos pontos mais importantes da teoria de Alexy é a distinção entre princípios e regras utilizada para analisar a estrutura das normas de direitos fundamentais. Segundo o doutrinador, essa distinção é a base da teoria da fundamentação no âmbito desses direitos e a chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais (p. 85). Sem essa distinção não pode haver nem uma teoria adequada sobre as restrições e as colisões entre esses direitos, nem uma teoria suficiente sobre o papel dos direitos fundamentais no sistema jurídico. Por isso, Alexy afirma que essa distinção é uma das "colunas-mestras" do edifício da teoria dos direitos fundamentais.

O doutrinador faz uma distinção precisa entre regras e princípios e uma utilização sistemática dessa diferença em sua teoria. O método adotado não é em relação ao grau de generalidade ou abstração das normas, como é usualmente descrito pela doutrina tradicional. Trata-se de uma distinção qualitativa. Isso porque, seguindo a concepção de Alexy, princípios são mandamentos de otimização, ou seja, normas que ordenam que algo seja feito na maior medida possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto (p. 90)3. Por outro lado, regras são mandamentos definitivos, ou seja, normas que só podem ser cumpridas ou não, sendo realizadas por meio da lógica "tudo ou nada". Isso implica formas diversas de solucionar conflitos entre regras e colisões entre princípios: enquanto o primeiro deve ser solucionado por meio de subsunção, a colisão deve ser resolvida por meio do sopesamento. Cabe aqui explicar o que significa cada método.

[6] A argumentação jurídica é a capacidade de gerar uma interpretação convincente do conteúdo de uma lei, através de um discurso escrito ou oral. Sem dúvidas, essa é um dos artifícios legais mais importantes para a atuação do advogado. A primeira função da argumentação jurídica está diretamente relacionada com a possibilidade de contribuição para o desenvolvimento de outras disciplinas e a possibilidade de uma melhor compreensão do fenômeno jurídico e da prática argumentativa. Quais são os tipos de argumentação jurídica? argumento de autoridade; argumento de oposição; argumento de analogia; argumento de causa e efeito.

[7] Ressalte-se que o doutrinador em estudo alerta que os chamados bens coletivos não irão se apresentar apenas como adversários dos direitos individuais. Eles também podem significar o pressuposto ou meio de realização desses direitos. O que há, na verdade, é um caráter ambivalente do bem coletivo, quando temos, por exemplo, o fato de que as indústrias de tabaco devem informar os danos do cigarro à saúde, que é uma restrição à liberdade do exercício profissional, extraímos um valor coletivo da defesa da população contra os perigos à saúde, e um valor individual de proteção da vida e saúde do próprio indivíduo.

Hipótese curiosa é a da possibilidade de embate entre regras e princípios e, caso possível, qual seria a precedência entre eles. De acordo com Alexy, este embate é possível, sendo que ambas as normas devem estar sujeitas à Constituição. Assim, tendo as regras menos generalidade e mais grau de certeza do que os princípios, elas têm prioridade em um eventual embate.

[8] A teoria de Alexy procura dar resposta a essas indagações com pretensão de cientificidade. Para isso, defende que os direitos fundamentais possuem caráter de princípios e, nessa condição, eles eventualmente colidem, sendo assim necessária uma solução ponderada em favor de um deles. [2] Para tanto, considera os princípios como um mundo de dever ser ideal, isto é, não diz como as coisas são, mas como se as deve pensar, com o objetivo de evitar contradições.

[9] Os princípios, como as regras, são fundamentos para os casos concretos, mas com aplicações distintas.

Assim, a distinção apontada pelo autor é a que se refere às regras como normas que podem ser cumpridas ou não, e aos princípios como normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas. Nesta mesma linha de raciocínio, as colisões de direitos fundamentais devem ser consideradas como uma colisão de princípios, sendo que o processo para a solução de ambas as colisões é a ponderação.

[10]  Enquanto as regras pertencem ao mundo do juridicamente existente e do peremptoriamente válido, os princípios estão no indefinido mundo do possível ou do concomitantemente possível. No conflito de regras, uma elimina a outra, por questão de invalidade. Na colisão entre princípios, um apenas afasta o outro no momento da resolução do embate, quando as possibilidades jurídicas e fáticas de um deles forem maiores do que as do outro. Alexy, em sua obra Teoria de los Derechos Fundamentales, apresenta a Lei de Colisão para solucionar a colisão de princípios utilizando um julgado do tribunal constitucional, que diz respeito à não realização da audiência oral tendo em vista a saúde delicada do acusado que sofre risco de infarto. Neste caso, há uma colisão entre o princípio da aplicação do direito penal (P1 — que obriga a audiência oral) com o princípio de proteção do direito à vida e integridade do acusado (P2 — que proíbe a audiência oral).

[11] Vejamos como Robert Alexy explica, através de suas fórmulas, a questão do peso para que haja a aplicação da ponderação: Gpi, jC = IPiC

WPjC

Onde, G é o peso final I é o grau de intensidade da intervenção no outro direito fundamental W é a importância do direito  fundamental justificador da intervenção C é a circunstância fática e jurídica Pi é um direito fundamental Pj é outro direito fundamental. Sendo que, os pesos atribuídos às variáveis são os seguintes: 2º = 1 é considerado peso leve; 2¹ = 2 é considerado peso médio; 2² = 4 é considerado peso grave; Então, considerando que dois princípios estão em colisão: Se o resultado for maior que 1 o direito fundamental Pi precede Pj conforme a ordem em Gpi,jC. Se menor, inverte-se a ordem em Gpi, jC para Gpj, iC, o que quer dizer que o direito precedente será Pj e não Pi.

[12] Vige problema sério em se permitir a falta de diferença a priori entre regras e princípios. Assim, competiria ao intérprete essa tarefa. Não há norma a priori: é o intérprete  quem a ria. E mesmo existindo sentidos comumente aceitos, clareza em uma aplicação costumeira de um texto, pode o intérprete deixar de aplicá-la ou mesmo infringi-la, mediante uma nova interpretação, em que as suas razões superiores se sobrepõem às razões justificadoras do legislador ao editar a norma.

[13]  O "grau de abstração", dizendo que os princípios apresentam elevado grau de abstração enquanto as regras têm reduzida abstração (reportou-se a Esser); O "Grau de determinabilidade", assegurando que nos casos concretos os princípios, por serem vagos e indeterminados, necessitam de mediação, do legislador ou do juiz, para serem concretizados, enquanto as regras podem ser aplicadas diretamente (reportou-se, outra vez, a Esser);  O "Carácter de fundamentalidade no sistema das fontes do direito", de vez que ocupam o papel ou função de fundamento no ordenamento jurídico ou importância que detêm, com posição de supremacia na escala hierárquica (reportou-se a Guastini);  A ‘Proximidade’ "da ideia de direito", destacando que os princípios seriam ‘standards’ que (segundo Dworkin) estariam radicados nas exigências da ‘justiça’, ou (segundo Larenz), na ‘ideia de direito’, enquanto as regras poderiam apresentar conteúdo "meramente funcional";

[14] Observando as características básicas dos princípios, ensina Canaris (1996): a) não valem sem exceção e podem entrar entre si em oposição ou em contradição - a decisão do julgador pode ser válida e eficaz, mesmo quando baseada em princípio singular que poderia levá-lo a uma decisão antagônica; b) não têm a pretensão de exclusividade - diversas vezes os princípios estão conectados; uma mesma consequência jurídica, característica de um determinado princípio, também pode ser conectada com outro princípio;  c) ostentam seu sentido próprio apenas numa combinação de complementação e restrição recíprocas - devem ser analisados de forma plena, e na da aplicação de um ou mais princípios se tenha em mente e faça parte da decisão final a ponderação dos demais princípios contrapostos e limitativos. Deve-se buscar os limites existentes entre os princípios, pois estes só adquirem seu significado próprio quando se ligam entre si, para, a partir de várias premissas, adequarem-se ao caso concreto; d) precisam, para sua realização, de uma concretização através de subprincípios e valores singulares, com conteúdo material próprio – os princípios não existiriam sem outros subprincípios e valorações de conteúdo material, não são capazes de aplicação imediata, antes devendo ser normativamente consolidados ou normatizados.

[15] Na ponderação, deve-se ter em conta a intensidade e a importância da intervenção em um direito fundamental.  Essas manifestações fazem referência a uma regra constitutiva para as ponderações do Tribunal Constitucional Alemão que pode ser formulada da seguinte maneira: “Quanto mais intensa se revelar a intervenção em um dado direito fundamental, maiores hão de se revelar os fundamentos justificadores dessa intervenção”. A bem da verdade é que Alexy, através dessa máxima, procurava explicar racionalmente o grau de importância das consequências jurídicas de ambos os princípios em colisão. Em outras palavras, na eventualidade de o embate não ter sido solucionado pelos critérios anteriores, coloca as consequências jurídicas dos princípios ainda em colisão numa balança (metáfora do peso), a fim de precisar qual delas é racionalmente mais importante naquele caso concreto.

[16] Canotilho (2000) assegurou que os princípios são qualitativamente distintos das regras, apontando diversos aspectos dessa distinção, dos quais podemos destacar:  1.°) Uma regra é ou não é cumprida, um princípio possui vários graus de concretização, variando em razão de condicionalismos fáticos e jurídicos;  2.°) Os princípios podem coexistir, apesar de serem antinômicos, as regras em conflito excluem-se. Aqueles permitem "balanceamento de valores e interesses", as regras exigem o tudo ou nada; 3.°) Os princípios podem envolver problemas de validade e de peso, as regras só enfrentam questão de validade.

[17] Segundo a lei de ponderação, há de se fazer em três planos: 1 — Definir a intensidade da intervenção, ou seja, o grau de insatisfação ou afetação de um dos princípios; 2 — Definir a importância dos direitos fundamentais justificadores da intervenção, ou seja, a importância da satisfação do princípio oposto; 3 — Realizar a ponderação em sentido específico, i.e., se a importância da satisfação de um direito fundamental justifica a não satisfação do outro.

[18] O sucesso dos princípios, quiçá, encontre-se em um dos seus traços mais marcantes, ou seja, na dimensão que não é própria das regras jurídicas: a do peso ou importância. Assim, quando se entrecruzam vários princípios, quem houver de resolver o conflito deverá levar em conta o peso relativo de cada um deles, em cada caso concreto. As regras não possuem tal dimensão. Não podemos afirmar que uma delas, no interior do sistema normativo, é mais importante do que outra, de modo que, no caso de conflito entre ambas deva prevalecer uma em virtude do seu peso maior. Se duas regras entram em conflito (antinomia jurídica própria), uma delas não é válida. Sim, as regras, no universo da normatividade jurídica, são partidárias do "tudo ou nada", os princípios por outro lado, contemporizam, podem ser contrapostos sem se excluírem mutuamente, e ser mais ou menos convenientes para certo caso concreto, e a contrario senso em outro caso, sem que com isso percam sua validade normativa. Por isso se diz do conflito entre normas antinomia jurídica própria, e do entre princípios, imprópria.

[19] No Direito, um dos postulados hermenêuticos seria o postulado da unidade do ordenamento jurídico; dele decorrendo um “subelemento” que Ávila chama de postulado da coerência, que — aparentemente — decorreria da hierarquia das normas. Veja-se a seguinte passagem da obra agora resenhada:  Essa noção de hierarquia, conquanto importante para explicar, entre outros fenômenos, o ordenamento jurídico como estrutura escalonada de normas, é insuficiente para cobrir a complexidade das relações entre as normas jurídicas. Com efeito, várias perguntas ficam sem resposta, segundo esse modelo. Quais são as relações existentes entre as regras e os princípios constitucionais? São somente os princípios que atuam sobre as regras ou será que as regras também agem simultaneamente sobre o conteúdo normativo dos princípios? Quais são as relações existentes entre os próprios princípios constitucionais? Todos os princípios possuem a mesma função ou há alguns que ora predeterminam o conteúdo, ora estrutura a aplicação de outros? Quais são as relações entre as regras legais, já consideradas válidas, e os princípios e as regras de competência estabelecidos na Constituição? São somente as normas constitucionais que atuam sobre as normas infraconstitucionais ou será que essas também agem sobre aquelas? Para responder a essas questões, propõe-se, como complementação a este modelo de sistematização linear, simples e não gradual, cuja falta de implementação traz consequência que se situa preponderantemente no plano da validade, um modelo de sistematização circular (as normas superiores condicionam as inferiores, e as inferiores contribuem para determinar os elementos das superiores), complexo (não há apenas uma relação vertical  de hierarquia, mas várias relações horizontais, verticais e entrelaçadas entre as normas) e gradual (a sistematização será tanto mais perfeita  quanto maior for a intensidade da observância dos seus critérios), cuja consequência preponderante está alocada no plano da eficácia. Entre em cena o postulado da coerência.

[20] Ainda que Humberto Ávila entenda que o intérprete cria a norma (norma = imputação da interpretação ao texto de lei), ele reconhece que há traços mínimos de significado “incorporados ao uso ordinário ou técnico da linguagem”: um Wittgenstein diria que aí estão os “jogos de linguagem”; um Heidegger invocaria o “enquanto hermenêutico”; um Miguel Reale preferiria falar em “condição a priori intersubjetiva”; um Aulis Aarnio optaria por falar em “condições dadas da comunicação”; um Bydlinsk falaria na “comunidade linguística”. Por isso, ainda que o intérprete lance sentido ao texto e que o resultado desse lançamento seja a norma, é impossível negar que há limites:  Compreender “provisória” como permanente, “trinta dias” como mais de trinta dias, “todos os recursos” como alguns recursos, “ampla defesa” como restrita defesa, “manifestação concreta de capacidade econômica” como manifestação provável de capacidade econômica, não é concretizar o texto constitucional. É, a pretexto de concretizá-lo, menosprezar seus sentidos mínimos. Essa constatação explica por que a doutrina tem tão efusivamente criticado algumas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.

[21] Há ainda outros critérios distintivos exibidos na obra, mas não cabe, numa resenha e dentro de nossas finalidades, exaurir todos esses pontos.  Um quadro esquemático é proposto pelo próprio Ávila, e segue abaixo: In: DA SILVEIRA, Marcelo Pichioli: 


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Teoria Geral do Direito Ciência do Direito Regras Princípios Ponderação

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