Ainda sobre o Juiz das garantias

A introdução do juiz das garantias no contexto processual penal brasileiro a partir da Lei 13.964/2019 pretende, enfim, dar maior efetividade a imparcialidade do juiz bem como as demais garantias do Estado Democrático de Direito. Também promove a maior aproximação do processo penal pátrio ao modelo acusatório e, não há a maior parte das inconstitucionalidades arguidas pelas ADINs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305.

Fonte: Gisele Leite

Comentários: (0)




É verdade que o nomen juris dado ao juiz das garantias no CPP brasileiros não é dos melhores e, de fato, o instituto atendeu a antiga reivindicação de parte da doutrina pátria e lastreada em ciosos estudos do direito comparado, além de acolher também às convenções e tratados internacionais já ratificados pelo Brasil.

O questionamento a respeito da imparcialidade dos juízes na condução dos processos criminais ocorreu, particularmente, após o vazamento de dados e informações da Operação Lava Jato[1].

Não é novidade a extrema necessidade de reforma da estrutura processual penal brasileiro que veio por conta do CPP vigente decretado em 1941, por Getúlio Vargas, durante o Estado Novo[2], e mesmo após tantos sucessivos remendos, continua eivado de autoritarismo, havendo grande concentração da gestão e iniciativa probatório nas mãos do juiz. E, mesmo após mais de três décadas da vigência da atual Constituição Federal brasileira, já era tempo que o Congresso Nacional promovesse a conformação do modelo legal à sistemática constitucional vigente.

Frise-se que o Pacote Anticrime não representou a primeira tentativa legislativa de se inserir a figura do juiz das garantias. Tanto que o Projeto de Lei 156/2009 do Senado Brasileiro teve a finalidade de reformar o CPP em sua integralidade e já trazia uma capítulo vocacionado ao juiz das garantias.

Na ocasião, atuava a coordenação do Ministro Hamilton Carvalhido e a relatoria de Eugênio Pacelli de Oliveira, dando uma perspectiva garantista.  A mesma Comissão legislativa trouxe na exposição de motivos, a decisão de adotar dimensão transindividual, promovendo o distanciamento do julgador, não havendo a justificativa para manter a atividade instrutória do juiz na fase de investigação.

Sendo a instituição do juiz das garantias refere-se à concretização do modelo acusatório de processo penal onde o julgador na fase do inquérito policial seria o responsável pela tutela imediata e direta das inviolabilidades pessoais do indiciado. E, sem ter os poderes para a produção probatória, atuando no sentido de otimização da atuação jurisdicional criminal, diante da especialização da matéria.

O Pacote Anticrime promoveu diversas modificações no âmbito do processo penal, como também no Código Penal, na Lei de Execução Penal, a Lei dos crimes hediondos e, ainda, no Código Eleitoral. E, a positivação do juiz das garantias situa-se entre o artigo 3-A[3] ao 3-F do CPP.

Logo no primeiro artigo sinalizou-se com a observância da estrutura acusatória em contraoposição da inquisitória, ficando vedadas as iniciativas do juiz na fase de investigação e a substituição do órgão de acusação na produção de prova.

Adiante, no artigo 3-B trouxe medidas investigativas que serão necessárias para a atuação do juiz das garantias para salvaguardar os direitos individuais. Ademais, o juiz das garantias não poderá atuar no processo criminal para julgamento do mérito da acusação.

Já o artigo 3-F trouxe regras para tratamento dos presos, no tocante à exploração da imagem do preso, e tem duas diferenças fundamentais, pois o juiz de garantias é quem recebe a denúncia, examinando a absolvição sumário, e, além de que os autos relativos aos elementos de competência[4] do juiz das garantias, à exceção de provas irrepetíveis, as medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas não serão apensadas aos autos remetidos ao juiz de instrução e julgamento. O que consolida faticamente o maior distanciamento do juiz da fase processual dos atos pré-processuais, majorando o grau de garantismo do sistema processual penal brasileiro.

Relembre-se que a instituição dessa nova figura de julgador encontra apoio na legislação de outros países ocidentais, tal como Portugal onde é denominado de “juiz de instrução”, que atua em fase facultativa intermediária existente entre a investigação preliminar e o processo e, atua como juiz garantidor de direitos fundamentais, apurando a viabilidade da acusação em alheamento, conforme positivado no artigo 17 CPP português.

Na Itália, a partir do Codice di Procedura Penale em 1989, o MP passou a ser o titular da investigação criminal, incumbindo ao giudiceper le indagini preliminari exercer o controle sobre a atividade do órgão acusador para garantir os direitos do investigado, como um juiz garante, sendo afastado de prolatar o decreto condenatório conforme consta dos artigos 34 ao 50 do CPP italiano.

Igualmente, na América do Sul, existem outros ordenamentos que também acolheram a figura do juiz das garantias, com algumas alterações.

No Chile em 2005 e na Argentina em 2019 que promoveram recentes reformas processuais com o fito de ajustar a investigação preliminar ao modelo acusatório. E, seguindo a tendência processual penal europeia, atribuíram a titularidade da investigação criminal ao MP e passaram aos magistrados o poder de controlar os limites dessa fase pré-processual, reduzindo sua iniciativa probatória.

O CNJ ao tratar sobre a implantação do juiz das garantias nos tribunais brasileiros, entregou ao Ministro Dias Toffoli a proposta de resolução, e parece não indicar aumento de gastos. O Plenário do STF em 24.8.2023 decidiu pela implementação no prazo de 12 (doze) meses, prorrogável mais 12 (doze) meses a contar da data de publicação do julgamento, devendo todos entes da federação brasileira promover sua devida adequação, implementação e funcionamento em harmonia com as regras de cada organização judiciária.

Lembremos que a nossa Constituição Cidadã consagrou o processo penal acusatório pautado no contraditório, na ampla defesa e na imparcialidade do juiz, o que se chocou com o CPP de 1941, que contém traços fortes de sistema inquisitório, o que requer grande esforço para filtragem de tais disposições legais para haver a devida compatibilização com o modelo adotado constitucionalmente no país.

A vigente Carta Magna brasileira alinha-se ao modelo acusatório sendo calcada numa opção política democrática e com a afirmação dos direitos fundamentais, estabelecendo a necessidade premente de observar o devido processo legal, e assegurando amplo espectro de princípios e garantias aos indiciados e acusados.

A aglutinação das funções no juiz, entendido como protagonista do processo no sistema inquisitório, e presente ainda no CPP, permitia a autorização para agir ex officio na requisição de inquérito policial, na determinação de provas (artigo 156 CPP), na inquirição de testemunhas (artigo 209 CPP) e até mesmo na possibilidade de recorrer de ofício (artigos 574 ao 746 CPP) o que confere caráter muito autoritário e traduzindo em duvidosa imparcialidade sobre a pessoa que concentre os poderes de investigar, acusar e julgar.

Recorde-se que no sistema acusatório, o papel da acusação tem estreita relação com o princípio do dispositivo, em particular atenção à gestão da prova, que não poderá caber ao julgador. Portanto, o regramento do Pacote Anticrime vem limitar a tarefa do julgador àquela conferida constitucionalmente o que reforça a atribuição constitucional do Ministério Público.

Afora isso, com diferentes juízes para a fase investigativa e para fase processual, reduzem-se os prejuízos cognitivos, enfrentados pela defesa, pois o juiz que julgará o caso concreto não restará contaminado pela unilateral versão do inquérito, o que não significa que não existirá subjetividade, pois esta estará presente na decisão em face da própria condição indelével de ser-no-mundo do juiz, mas a alteração de magistrados é mais um item para o fortalecimento da imparcialidade no momento crucial da decisão judicial.

 Assim, afasta-se o juiz que deferiu medidas cautelares e fiscalizou a produção dos elementos probatórios, antes da formalização da acusação, em prol de outro julgador, alheio ao caso em apreciação.

Afinal, a jurisdição em Estado Democrático de Direito preza muito devido processo legal com imparcialidade e, apesar que o texto constitucional brasileiro vigente não tenha explicitado de forma expressa o direito a um juiz imparcial.

Tal modelo de Estado é resultado de muitas conquistas históricas que se aliaram o controle do poder estatal ao pluralismo social e conjuga as garantias do contraditório e da ampla defesa, da vedação aos tribunais de exceção, do devido processo legal e conduzindo a interpretação conforme à Constituição para construir definitivamente uma jurisdição com imparcialidade.

Porém, a incorporação do Brasil ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou Pacto de São José da Costa Rica se deu por força dos Decretos 592 e 679 respectivamente, já é suficiente para afastar a ideia de inexistir o direito ao juiz imparcial.

Sem adentrar ao debate teórico-doutrinário sobre o status normativo de tais diplomas legais, que preveem expressamente a garantia de um juiz ou tribunal imparcial, ex vi o artigo 14.1 do Pacto Internacional e o artigo 8.1 da Convenção Americana.

A atuação do juiz como garantidor dos direitos fundamentais do acusado no processo penal, mantendo-se afastado da investigação preliminar, é corolário da legitimidade da jurisdição e da independência do Poder Judiciário.

A equidistância do juiz é importante elemento da imparcialidade, sendo possível dizer que a separação entre os juízes das garantias e os juízes de julgamento promove a ampliação do distanciamento subjetivo do julgador no processo penal propriamente dito.

Na atual conformação do processo penal brasileiro, tem-se muitas vezes um juiz que, por ter atuado na fase investigatória, e com poderes para tomar iniciativa probatória, já concebeu uma imagem firme do caso, antecipadamente ao processo, ingressando na instrução apenas para confirmar suas suposições.

No ponto, a prevenção como causa de fixação da competência traz consigo a contaminação decorrente da prática de atos na fase pré- -processual, e o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) há tempos já afirma que juiz prevento é juiz contaminado.

A discussão sobre os impactos que a separação entre o juiz da fase de investigação e o juiz de julgamento acarretam para a garantia da imparcialidade não constitui inovação nem excepcionalidade proporcionada pelo legislador brasileiro.

Na verdade, ela encontra esteio tanto em jurisprudência de tribunais internacionais quanto no ordenamento jurídico de outros países ocidentais – como Portugal, Itália, Argentina, Chile, entre outros, como já mencionado na seção anterior.

No caso Piersack versus Bélgica, emblemático para que a doutrina passasse a distinguir entre imparcialidade objetiva e subjetiva, o mencionado Tribunal Europeu de Direitos Humanos asseverou que a imparcialidade pode  ser examinada sob diferentes ângulos, sendo possível extrair uma dimensão  subjetiva, atinente à convicção pessoal de determinado juiz em um dado  caso, e uma dimensão objetiva, concernente ao fato de o juiz oferecer garantias suficientes para excluir qualquer dúvida legítima a respeito da sua  imparcialidade. Essa diretriz foi adotada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos de modo similar no julgamento do caso Apitz Barbera y otros versus Venezuela.

É nesse sentido que a imparcialidade objetiva do juiz é comprometida quando ele realiza pré-juízos (pré-julgamentos) sobre os fatos em julgamento: a sua prévia relação com o objeto processual naturalmente produziu determinada convicção prévia, deixando o Magistrado propenso a decidir dessa ou daquela maneira.

O entendimento do TEDH (Tribunal Europeu de Direitos Humanos) tanto no citado caso Piersack versus Bélgica quanto no caso Cubber v. Bélgica. Para o Tribunal, o exercício prévio de funções processuais pode provocar dúvidas de parcialidade, sendo legítimo temer que um juiz que tenha atuado na fase investigatória, por já ter uma ideia de culpabilidade do acusado, não disponha de uma inteira liberdade de julgamento.

Veja-se que, para o TEDH (Tribunal Europeu de Direitos Humanos), a garantia da imparcialidade objetiva também é uma questão de aparência de justiça (justice must not only be done; it must also be seen to be done). É importante que a Justiça inspire confiança nos cidadãos.

O Tribunal Constitucional da Espanha e a Corte Constitucional da Itália têm jurisprudência importante no sentido de ser incompatível o sucessivo exercício de funções – na fase da investigação e na fase processual – por um mesmo juiz em um mesmo caso. A partir de decisões desses tribunais, a prevenção passou a ser entendida como regra de exclusão da competência, ao contrário do que sucede no Brasil, ante a previsão do art. 83 do Código de Processo Penal brasileiro.

A Sentencia 145/1988 foi importante marco para discussão sobre a imparcialidade do juiz na Espanha, chamando a atenção para os vieses que as atividades investigativas podem imprimir nos juízes: daí, inclusive, a figura do juiz não prevenido. A decisão desembocou na edição da Ley Orgánica 7/1988, que fortaleceu o papel do Ministério Público na investigação preliminar, apesar da manutenção do juiz-instrutor.

É verdade que, no caso italiano, a Corte Constitucional já tomou posições divergentes com relação a que atos o juiz da investigação pode realizar sem ter sua imparcialidade posta em xeque, a título de exemplo, já foi decidido que a decisão que confirma a prisão em flagrante não impede o juiz de atuar no giudizio imediato (Ordinanza 238/2008), mas torna-se incompatível um juiz que determina a readequação da capitulação penal na audiência preliminar (Ordinanza 400/2008).

Mas, em linhas gerais, é possível dizer que se tende a evitar que um Magistrado profira duas decisões conclusivas, ou seja, que avaliem, em algum grau, o mérito, em um mesmo procedimento.

Entretanto, essas cortes europeias, ainda que tenham desenvolvido entendimento relevante para a garantia de maior imparcialidade do juiz ao longo do trâmite processual, flexibilizaram sua compreensão e passaram a afirmar que o tipo de contrato do juiz na investigação importa para afastar sua imparcialidade objetiva.

Desde o caso Hauschild versus Dinamarca predomina no TEDH a visão de que o juiz deverá ter formulado juízo sobre a culpabilidade do imputado em suas decisões, o que só pode ser averiguado casuisticamente.

A ausência de parametricidade no contexto poderá conduzir a toda sorte de decisões ad hoc, principalmente, em casos em que a ausência de imparcialidade objetiva possa significar nulidade de atos processuais em processo de grande repercussão.

Frise-se que o juiz das garantias em determinada investigação não é o juiz que atuará na fase de julgamento, e não há espaço para “ponderar” (com toda a carga subjetiva que o termo representa no imaginário jurídico brasileiro) acerca do envolvimento do Magistrado na fase pré-processual.

Em outras palavras, uma vez que determinado juiz tenha praticado qualquer dos atos descritos no art. 3º-B da Lei nº 13.964/2019, ou seja, tenha ele atuado como juiz das garantias, ele não poderá instruir o processo e julgá-lo.

A minimização desse espaço de discricionariedade do órgão jurisdicional, em relação aos tribunais europeus mencionados, deve ser interpretada como uma evolução do “grau de garantismo” do sistema penal.

A dicção da lei brasileira, aliás, é bem-vinda em um país cuja comunidade jurídica, até hoje, não compreendeu os problemas causados por um Judiciário ativista: afinal, no Brasil nunca se sabe se o juiz invocará a interpretação “literal” de um dispositivo normativo ou se decidirá de modo voluntarista; não se tem noção da orientação das decisões.

Evita-se a contaminação com os atos pré-processuais do juiz que preside a instrução e profere o julgamento é impedir que julgadores que já tenham aderido a uma das teses de antemão tornem prescindível o processo, como se ele fosse um mero caminho para confirmação daquilo que havia sido decidido previamente.

Destaca-se que, com a Lei Anticrime, conforme exposto no item anterior, o juiz de julgamento sequer recebe o que foi produzido na fase anterior, salvo provas irrepetíveis, medidas de obtenção de provas e antecipação de provas (art. 3º-C, § 3º, da Lei nº 13.964/2019), proporcionando mais imparcialidade.

Analogicamente, o acréscimo do quinto parágrafo do artigo 157 do CPP, com vedação da prolação da sentença ou acórdão por juiz que conheceu de prova declarada inadmissível, corrobora a importância que o legislador pátrio deu à possibilidade de contaminação do julgador.

Segundo a teoria da dissonância cognitiva poderá ocorrer a inconsistência lógica entre ideias, hábitos culturais diferentes, da defesa de opiniões ou posições antagônicas ou ser reflexo de experiência passada.

Eis que surge o instante em que a pessoa toma consciência de duas cognições relevantes e destoantes. Assim, com base na teoria[5] da dissonância cognitiva de Festinger[6], a ausência de imparcialidade do juiz singular na persecução penal e com a nova figura do Juiz das Garantias que se apresenta na solução desse problema.

Segundo esta teoria, esse choque entre os conhecimentos, o antigo e o novo, é a dissonância cognitiva, o que acaba por gerar um desconforto psicológico. E, a partir disso, a tendência da pessoa nessa situação é evitar o contato com a informação dissonante e procurar apoio em informações que possam lhe oferecer suporte cognitivo.

Assim, o modelo do juiz das garantias brasileiro está atento a preocupação de parte da doutrina. A gestão da prova em fase de investigação ficou a cargo órgão de accusação, sistemática própria do princípio acusatório.

Afinal, é o MP totalmente separado do Poder Judiciário e quase completamente desvinculado do Poder Executivo que exerce função de fazer prova da acusação, e não de permanecer confinado como um coadjuvante do julgador, tal como acontece no sistema inquisitorial.

Conclui-se que no Estado Democrático de Direito, não há espaço e vez para o protagonismo da figura do juiz, sendo caudatário da acepção de Estado-Juiz em uma perspectiva solipsista (contaminada pelos velho esquema sujeito-objeto).

O arquétipo de juiz das garantias positivado reforçou tal noção, ou seja, de julgador equidistante para a fase pré-processual, a quem é reservada a função de controlar a legalidade do andamento do inquérito, salvaguardando os direitos individuais.

A legislação pátria é, inclusive, superior àquelas que ainda veem no juiz do inquérito um instrutor, como a da Espanha. A imparcialidade exigida do Judiciário está intimamente ligada a uma atuação que, com efeito, não tome parte nos casos que são submetidos a sua apreciação.

Toda vez que o juiz determina a produção de prova de ofício, ele não está julgando, mas invadindo o espaço de atuação constitucional atribuído ao órgão acusador.

Evidentemente que não se pode admitir que a referida alteração não pode vir sozinha e desacompanhada de debate doutrinário que avalie seriamente os problemas causados pelas vetustas práticas institucionalizadas na e pela dogmática jurídica.

 Aliás, enquanto a concepção de Direito no país restar vinculada aos paradigmas aristotélico- tomistas (ou sua vulgata) e da Filsofía da consciência, continuar-se-á traduzindo uma conjuntura autoritária.

Onde o interesse estatal na punição do acusado invariavelmente predominará sobre as garantias aos direitos constitucionalmente estabelecidos. O que prejudica escorreita aplicação de dispositivos legais sobre os quais não deveriam existir grandes perquirições.

O artigo 212 do CPP é bem exemplificativo, estando vigente por mais de uma década, que são as partes do processo penal que formulam as perguntas diretamente à testemunha, cabendo ao juiz complementar a inquirição somente sobre pontos não esclarecidos, até hoje o STF lhe nega validade (não cumpre um texto claro e não o declara inconstitucional), argumentando que não há proibição à inquirição prévia pelo juízo ou que não há prejuízo. É como se o respectivo artigo nem existisse. É mais fácil manter o sistema como era antes.

O sistema inquisitivo que há muito polui o processo penal, é perigoso, portanto, que o inegável avanço democrático oportunizado pelo juiz das garantias reduza-se a um texto convenientemente ignorado pelos tribunais. É nesse panorama que os constrangimentos epistemológicos se mostram sempre necessários.

A doutrina deve enfatizar a razão de ser das novas disposições legais. As referências à “estrutura acusatória” e à “vedação à iniciativa probatória do juiz” não são meras retórica.

Essas expressões têm um significado fundamental para a compatibilização do sistema processual penal brasileiro à principiologia constitucional.

O sistema inquisitório, centralizado na figura do juiz, que se apresenta todo poderoso diante do réu, é apenas um consectário da filosofia da consciência, como se o sujeito fosse senhor do sentido; a verdade pertence ao sujeito enquanto sujeito e apenas a ele. Por sua vez, a busca da “verdade real”, tão propagada na doutrina processual penal, está assentada na filosofia clássica, objetivista.

Conjugam-se essas duas ideias de projetos filosóficos diversos e chega-se ao protagonismo judicial, com a relativização de direitos individuais em prol de um interesse nebuloso, que, por vezes, se denomina de público.

A implementação do juiz das garantias apesar de não reformular a totalidade do processo penal brasileiro, se traduzindo como ruptura paradigmática, trazendo o enaltecimento do MP e da polícia judiciária em detrimento do juiz, que passa a efetivamente controlar a legalidade do procedimento, sem atrair a iniciativa probatória, fincando a conotação de acusatoriedade à investigação preliminar[7].

Em verdade, não há como superar o inquisitorialismo, sem derrotar o livre convencimento do juiz, sem confundir a motivação com fundamentação, ou escolha com decisão, noções que perpetuam o ideário jurídico, mas os dispositivos legais concernentes ao juiz das garantias indicam um norte para democratização do processo penal.

É possível afirmar que o juiz das garantias, implementado pela Lei nº 13.964/2019, proporciona maior efetividade à garantia da imparcialidade no sistema processual penal, atribuindo a competência para as fases investigatória e processual a Magistrados diferentes e proibindo a iniciativa probatória do juiz que controla a legalidade da investigação.

Ao se aproximar da experiência positiva de outros ordenamentos jurídicos ocidentais e da jurisprudência de tribunais internacionais, o processo penal brasileiro dá passos em direção ao modelo acusatório previsto constitucionalmente.

Evidentemente, que a introdução do juiz das garantias na legislação pátria não veio sem as críticas[8] que apontam as inconsistências estruturais inegáveis.

Há incoerência na referida lei quando se excepciona a competência do juiz das garantias nas infrações penais de menor potencial ofensivo, como se fosse possível transigir com a imparcialidade judicial em face do grau de potencialidade ofensiva do ilícito praticado e, quando não estende a incompatibilidade de atuação na fase processual aos juízes de instâncias superiores que tenham também atuado na investigação.

As críticas e as dúvidas sobre a constitucionalidade dos dispositivos legais do Pacote Anticrime foram veiculadas nas ADIns 6.298. 6.299, 6.300 e 6.305. Não podemos admitir dificuldades estruturais e operacionais do Judiciário que se erigem ser objeção à constitucionalidade da lei, tratando-se de divergência sobre a política judiciária, cujo espectro do debate escapa ao campo jurisdicional.

Sublinhe-se que a judicialização é mais que uma tendência de se submeterem aos tribunais, notadamente, os superiores, um crescente número de temas de grande relevância nacional, que passou por uma transformação constitucional relevante que conta com mais de três décadas.

Onde as promessas do welfare state[9] até os contemporâneos dias não foram materializadas, vez que promulgada a Carta Redentora dotada de amplo catálogo de direitos e garantias, o que trouxe inexorável judicialização da política.

A judicialização da política não é um fenômeno negativo em si, porquanto apenas reflete o funcionamento (in)adequado das instituições políticas. O busilis ocorre quando o Judiciário oferece respostas a essa judicialização que desbordam do seu papel constitucionalmente estabelecido, como se a vontade dos juízes pudesse substituir o debate político[10].

Em outras palavras: enquanto a judicialização é inexorável e contingencial, devido à inoperância dos demais poderes, o ativismo judicial traduz-se como um ato de vontade daquele que julga, ocorrendo no próprio interior da estrutura judiciária a partir do rompimento da relação constitucional entre os poderes (Streck, 2017b).

Equivale afirmar que um juiz é ativista quando decide com base em critérios não jurídicos (como política, economia, moral), satisfazendo um anseio pessoal em detrimento do elemento jurídico. Esse pragmatismo/consequencialismo/behaviorismo ataca a autonomia do Direito e o condena a uma inescapável discricionariedade.

Esclareça-se que o dever de fundamentação das decisões judiciais é derivado da responsabilidade política dos juízes com a comunidade de princípios que constitui e regem a sociedade, além da dogmática constitucional brasileira vigente, não poderá depender da volição pessoal dos julgadores, o que fragiliza muito a força normativa do texto constitucional. Afinal, se um julgador usurpa a atividade legislativa ao proferir uma decisão que menospreza a própria Carta Magna e até a democracia.

Inegavelmente, a instituição do juiz das garantias exige cruciais mudanças, seja no modo de pensar a estrutura processual penal, seja na organização do trabalho dos juízes.

A alteração atinge a tradicional atuação do juiz do processo penal, desde que acostumado a conduzir todos os atos desde o início da investigação. Em um primeiro momento, desconforto, até que os atores do processo penal se adaptem à nova situação.

A ideologia de práticas puramente consequencialistas ou teleológicas são características do ativismo judicial, está caracterizada quando o juiz se sobrepõe à vontade do legislador e utiliza o Direito como instrumento para impor visões políticas, morais ou econômicas na decisão (Streck, 2017a).

No caso do juiz das garantias, entendeu o relator que não era apropriado nem mesmo justo que os dispositivos legais surtissem efeitos diante das adversidades que surgiriam, substituindo o legislador ordinário e decidindo pela suspensão dos dispositivos legais questionados.

Seguindo essa linha de raciocínio, a constatação de que a investigação preliminar não poderá ser concluída em prazo razoável, em virtude do número insuficiente de Magistrados no Brasil, e que isso poderá conduzir à prescrição também é uma justificativa de cunho pragmático, pois tenta vincular a suposta inconstitucionalidade do juiz das garantias à situação estrutural do Poder Judiciário.

A hermenêutica do juiz das garantias se efetiva em dar maior efetividade ao devido processo legal. Em 22 de janeiro de 2020, o então Presidente do STF, Ministro Luiz Fux, atendendo ao pedido de concessão de medida liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 6298/DF que foi proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros e outro suspendeu sine die a eficácia, ad referendum do Plenário, a implantação do juiz de garantias e seus consectários.

Em 24 de agosto de 2023 o Plenário do STF finalmente julgou e, determinou a implementação e funcionamento em doze meses após a publicação da decisão, prorrogáveis uma única vez por mais doze meses. O STF, por maioria, nos termos do voto do relator julgou parcialmente procedente as ações diretas de inconstitucionalidade.

Por unanimidade, com interpretação conforme a Constituição dos incisos IV, VIII e IX do artigo 3-B do CPP frisando que todos os atos praticados pelo MP como condutor de investigação penal se submetam ao controle judicial e fixou prazo de até noventa dias contados da publicação da ata do julgamento para os representantes do MP encaminharem, sob pena de nulidade de todos PIC (Procedimentos Investigatório Criminal) mesmo que tenham outra denominação. O que, em meu modesto entendimento, sepulta definitivamente as divergências sobre a temática da Quinta e Sexta Turmas do STJ a respeito do pedido de arquivamento do inquérito policial ou pedido de absolvição do acusado feito pelo MP dirigido ao juiz.

Convém ressaltar que as diversas reformas pontuais, como relatou Michel Foucault, "não passam de um isomorfismo reformista, isto é, geralmente são caracterizados por alterações superficiais, incapazes a produzir qualquer tipo de mudança estrutural e finalística de determinados institutos". (In: FOCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da prisão. 42ª edição. São Paulo: Editora Vozes, 2017).

O desrespeito às garantias constitucionais são ofensas graves as imunidades que os cidadãos possuem contra ações arbitrárias do Estado.

Segundo Norberto Bobbio, Nicolla Matteucci e Gianfranco Pasquino na obra Dicionário de Política, há dois conceitos para ideologia. São a ideologia de significado fraco e a ideologia de significado forte.

    “No seu significado fraco, ideologia designa o genus, ou as espécies diversamente definida, dos sistemas de crenças políticas: um conjunto de ideias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo como função orientar os comportamentos políticos coletivos.  O significado forte tem origem no conceito de Ideologia de Marx, entendido como falsa consciência das relações de domínio entre as classes, e se diferencia claramente do primeiro porque mantém, no próprio centro, diversamente modificada, corrigida ou alterada pelos vários autores, a noção da falsidade: a ideologia é uma crença falsa. No significado fraco, ideologia é um conceito neutro, que prescinde do caráter eventual e mistificante das crenças políticas”.

Percebe-se, ipso facto, que a ideologia se encontra pulverizada inclusive em instituições de Estado. E, todos os operadores de direito, notadamente, os que exercem funções públicas do Estado, restam circundados pelo conteúdo ideológico de proteção estatal.  E, infelizmente, vige certa confusão, pelo menos no senso comum teórico em relação aos operadores do direito, no que se refere a função do Judiciário, inclusive.

Afinal, a ideologia não é mera fantasia descartável e sem utilidade sendo relevante para toda vida social e uma interpretação do direito de modo conservador, acaba por funcionar como instrumento do status quo, na manutenção de tudo conforme se encontram. Assim, a ideologia age na interpretação do direito, e não somente para distorcer a realidade, mas, igualmente para afirmar essa mesma realidade.

A inovação trazida pelo Pacote Anticrime, qual seja, o juiz de garantas veio para promover a superação de barreiras contundentes para a efetivação do devido processo legal além da plena instituição do sistema processual acusatório. Boa parte da resistência à efetiva implementação das garantias expressas constitucionais se dá por conta da tradição processualista privatista brasileira.

E, a adaptação da tradição autoritária na tradição processual privatista civil, o que contribuiu para a conservação de valores. Somente em 1988 deu-se a mudança de paradigma com a promulgação de nossa Constituição Cidadã que trouxe vasto cardápio de direitos e garantias para instituir o Estado Democrático de Direito, visando prover maior eficácia as garantias constitucionais, particularmente, ao devido processo legal.

Referências

BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: Editora UnB, 2004.

BOSI, A. A arqueologia do Estado-providência. In: BOSI, A. Dialética da colonização São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

Convenção Americana Sobre Direitos Humanos. Assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969.

FOCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da prisão. 42ª edição. São Paulo: Editora Vozes, 2017.

LIMA, Walter Alves. A figura do juiz das garantias no contexto internacional e nacional. Brasil, 2022.

LOPES, Aury Júnior e Ritter, Ruiz. A Imprescindibilidade Do Juiz Das Garantias Para Uma Jurisdição Penal Imparcial: Reflexões A Partir Da Teoria Da Dissonância Cognitiva. 2017.

_____, Aury. Direito processual penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

MESZÁROS, I. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

ROSA, Alexandre Morais; Junior, Aury Lopes. Entenda o impacto do Juiz das Garantias no Processo Penal. CONJUR, 2019.

STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de hermenêutica: 50 verbetes fundamentais da teoria do direito à luz da Crítica Hermenêutica do Direito. 2ª. ed. Belo Horizonte:  Letramento; Casa do Direito, 2020.

______. Dogmática jurídica, senso comum e reforma processual penal: o problema das mixagens teóricas. Revista Pensar, Fortaleza, v. 16, n. 2, p. 626-660, jul./dez. 2011a. Disponível em: .  Acesso em 1.9.2023.

Notas:


[1] A Lava Jato investigou crimes de corrupção ativa e passiva, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, organização criminosa, obstrução da justiça, operação fraudulenta de câmbio e recebimento de vantagem indevida. Foi apontada como uma das causas da crise político-econômica de 2014 no país.  De acordo com investigações e delações premiadas, estavam envolvidos em corrupção membros administrativos da empresa estatal Petrobras, políticos dos maiores partidos do Brasil, incluindo presidentes da República, presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e governadores de estados, além de empresários de grandes empresas brasileiras. A Polícia Federal considera-a a maior investigação de corrupção da história do país. A operação também é considerada por ser responsável pela destruição de milhões de empregos no Brasil. Ao longo de seus desdobramentos, entre outras pessoas relevantes que acabaram sendo presas pela operação, incluem-se o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral e o seu sucessor Luiz Fernando Pezão, ainda durante o mandato, o ex-senador Delcídio do Amaral, o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, os ex-ministros da Fazenda Antonio Palocci e Guido Mantega,  o publicitário João Santana, o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, o empresário Eike Batista e, em abril de 2018, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Ao final de dezembro de 2016, a Operação Lava Jato obteve um acordo de leniência com a empreiteira Odebrecht, que proporcionou o maior ressarcimento da história mundial, mas por outro lado causou graves danos à ordem econômica brasileira. O acordo previu o depoimento de 78 executivos da empreiteira, gerando 83 inquéritos no STF, e de que o ministro do tribunal Edson Fachin retirou o sigilo em abril de 2017. Novas investigações surgiram no exterior a partir destes depoimentos em dezenas de países, dentre eles Cuba, El Salvador, Equador e Panamá. Em fevereiro de 2021, a operação de combate à corrupção terminou, após quase sete anos de ação.

[2] O Estado Novo corresponde ao período em que Getúlio Vargas (1882-1954) governou o Brasil entre os anos de 1937 a 1945, no último momento da Era Vargas, marcado pelo autoritarismo, censura e centralização do poder. Em 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas realizou um Golpe que instaura o Estado Novo, que perduraria até 29 de outubro de 1945, quando, deposto por um movimento militar chefiado por generais, termina o governo Vargas. Durante todo o período, sua política priorizou investimentos em infraestrutura para o desenvolvimento industrial.

[3] Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedada a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.

[4] Nesse sentido, cabe ao Juiz de Garantias zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido a sua presença a qualquer tempo, inclusive para checar determinada ilegalidade. Ademais, cabe também ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal e decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar. Assim, cabe ao Juiz decidir também sobre determinados requerimentos importantes para fase de investigação como: Art. 3º-B, XI do Código de Processo Penal:  a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação; b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico;  c) busca e apreensão domiciliar;    d) acesso a informações sigilosas;   e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado.

[5]Leon Festinger (8 de maio de 1919 - 11 de fevereiro de 1989) foi um psicólogo da cidade de Nova Iorque que se tornou famoso pelo desenvolvimento da Teoria da Dissonância Cognitiva. Festinger se tornou bacharel em ciência pelo City College de Nova Iorque em 1939. Após completar seus estudos na graduação, ingressou na Universidade de Iowa e recebeu seu título de Ph.D. em 1942. Kurt Lewin, aclamado como o pai da psicologia social orientou Festinger. O psicólogo novaiorquino também desenvolveu a teoria da comparação social, na qual segundo ele, as pessoas avaliam seus desejos e opiniões através da comparação com outros indivíduo. A teoria de Festinger da dissonância cognitiva dá conta das consequências psicológicas de expectativas não-confirmadas. Um dos primeiros casos publicados sobre o tema é descrito no livro When Prophecy Fails (Festinger et al. 1956). Festinger e seus colegas leram uma nota num jornal local intitulada "Prophecy from planet clarion call to city: flee that flood", onde um grupo de pessoas dizia que uma tempestade de proporções catastróficas destruiria o Planeta Terra.

[6]  A Teoria da Dissonância Cognitiva explica que os indivíduos buscam informações para confirmar as decisões tomadas ou mudam suas atitudes para se conformarem com suas escolhas. Isso ocorre porque os indivíduos passam por experiências conflitantes ao decidir entre alternativas (Festinger, 1957). A Teoria da Dissonância Cognitiva, proposta por Leon Festinger em 1957, sugere que as pessoas têm uma tendência inata de manter suas crenças e atitudes em harmonia e evitar a dissonância. Primeiramente, descrita por Leon Festinger em 1957, a dissonância cognitiva é um conceito extremamente importante para entender como as pessoas conseguem mudar de opinião e comportamento — muitas vezes em pouco tempo. A dissonância cognitiva se refere a um mal-estar provocado por um conflito entre o que uma pessoa pensa, o que sente e o que faz. É o caso da pessoa que se vê como honesta, mas se pega mentindo para não ter que dar maiores explicações, e depois acaba se sentindo mal por isso. Apesar de ser um momento de emoções desagradáveis, a dissonância cognitiva é uma importante ferramenta para o nosso crescimento pessoal.

[7] Com a implementação do juiz das garantias será forçosa haver a sua regionalização, bem como a implementação do inquérito online ou pelo sistema de processo eletrônico, a distribuição cruzada quando houver um juiz criminal e outro cível; traduzindo-se uma concretização progressiva, no sentido da capital para o interior, iniciando-se pelas entrâncias finais até se galgar as iniciais, que contam com um único juiz, da mesma forma semelhante ao que fora feito no Chile, quando implementado o novo CPP chileno, enfim, existem várias soluções  bastando haver mínimo de boa vontade para implementá-las.

[8] In contrario sensu, alguns apontam que as diferenças das realidades regionais entre estados e até mesmo cidades de uma mesma unidade da federação dificultam a implementação da figura do Juiz de Garantias. Desembargadores de tribunais regionais e juízes de tribunais estaduais enfatizaram que a adoção da medida implica custos, com aumento de pessoal, de instalações físicas e de uso da tecnologia.

[9] O Estado do Bem-estar também é conhecido por sua denominação em inglês, Welfare State. Os termos servem basicamente para designar o Estado assistencial que garante padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e seguridade social a todos os cidadãos. Pelos princípios do Estado de bem-estar social, todo indivíduo tem direito, desde seu nascimento até sua morte, a um conjunto de bens e serviços, que deveriam ter seu fornecimento garantido seja diretamente através do Estado ou indiretamente mediante seu poder de regulamentação sobre a sociedade civil. A principal característica do Estado de Bem-Estar Social é a defesa dos direitos dos cidadãos à saúde, educação, previdência, etc. Foi criado a partir do modelo do economista John Maynard Keynes (1883-1946), que rompe com a visão de livre-mercado em favor da intervenção estatal na economia. Desta maneira, o Estado de Bem-Estar Social defende a estatização de empresas em setores estratégicos, a criação de serviços públicos gratuitos e de qualidade. Para tanto, o Estado necessita interferir na economia, regulando-a para impedir monopólios, gerar emprego e renda, construindo infraestruturas. Por conseguinte, as jornadas de trabalho são de 8 horas, o trabalho infantil é proibido e os trabalhadores possuem direito a seguro-desemprego e à Previdência Social.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Direito Processual Penal Direito Penal CF/88 Juiz das Garantias Modelo Acusatório

Deixe o seu comentário. Participe!

colunas/gisele-leite/ainda-sobre-o-juiz-das-garantias

0 Comentários

Conheça os produtos da Jurid