Afinal, o que é o processo? A velha discussão sobre a natureza jurídica do processo
O processo deve corresponder ao direito à tempestiva prestação jurisdicional, sem dilações indevidas, delimitando seus liames no contexto do Estado Democrático de Direito. Não é possível, contemporaneamente, cogitar num Direito Processual sem as adequações constitucionais que se impõe para uma pertinente cidadania e uma justiça digna. Revela-se em ser mais que mero procedimento em contraditório, ou uma relação jurídica, nem situação jurídica. É um fenômeno social, histórico, cultural e jurídico que envolve a relação entre as partes e o Estado-Juiz e, através do qual se impõe a tutela jurídica, principalmente, de direitos fundamentais. O processo obtém sua eficácia pelo contraditório efetivo que também legitima a atuação do Poder Judiciário e, a autoridade de seus provimentos judiciais definitivos.
A
evolução do contraditório representa a superação da teoria do processo como
relação jurídica e revela ainda a insuficiência da teoria do processo como
procedimento em contraditório.
É constatável a evolução do conceito de
contraditório que tem como consequência a superação da teoria do processo como
relação jurídica que fora idealizada por Oskar Von Bülow e, ainda demonstra a
insuficiência da teoria do processo como procedimento realizado em simétrico
contraditório conforme idealizado por Elio Fazzalari e Aroldo Plínio Gonçalves.
De
fato, existe a necessidade de se identificar a natureza jurídica do processo
diante do modelo comparticipativo de processo e, ainda aponta a necessidade de
tutela e concretização das garantias constitucionais do processo.
Faz
muito tempo que a discussão sobre a natureza jurídica do processo atormenta
tanto a doutrina como jurisprudência[1]. E, na longa evolução
histórica da processualística, surgiram várias teorias que tentaram definir, um
conceito de processo apto a sintetizar os mais diversos pensamentos sobre a
temática.
Lembremos
das teorias como a do processo como contrato, como quase-contrato, como
situação jurídica, como instituição jurídica, já forma em muito rechaçadas em
doutrina. E, os variados motivos foram fartamente enumerados, primeiramente,
notou-se a errônea atribuição de caráter privado, facultativo e convencional
atribuído à jurisdição; a imposição de obstáculos à independência da
magistratura, a dificuldade na definição de elementos conceituais; a mitigação
da juridicidade; a possibilidade de arbitrariedade no exercício da jurisdição
e, ainda, quanto os métodos alternativos de composição de lides (mediação, conciliação
e arbitragem).
Atualmente,
constata-se que há duas teorias muito habitualmente adotados pelos cientistas
jurídicos. A primeira é a de Oskar von Bülow, trata o processo como relação
jurídica típica de natureza pública. A segunda teoria fora desenvolvida por Elio Fazzalari e Aroldo Plínio
Gonçalves que definiu o processo como um procedimento realizado em simétrico
contraditório entre os interessados.
Apesar
de ambas tentarem definir o processo, nenhuma dessas fora hábil de definir com
precisão a natureza jurídica do atual estágio do contraditório. Afinal, em
Estado Democrático de Direito vige constante necessidade de se obter um
embasamento democrático e constitucional à atividade jurisdicional, o que
requer a compreensão do contraditório como sendo o próprio fundamento de
legitimidade democrática da função jurisdicional.
Realmente,
o processo se divorciou dos tecnicismos teóricos e das formalidades conceituais
que não se harmonizam com a real efetivação de um regime democrático. E, ainda
dentro de uma perspectiva constitucional, deve-se encarar o processo como sendo
direito fundamental ao devido processo legal e cuja estrutura está vocacionada
à tutela e à concretização de todas as garantias constitucionais processuais.
Oskar
Von Bülow desenvolveu sua tese na obra intitulada "Teoria das exceções
processuais e dos pressupostos processuais", na Alemanha em 1868 que é a
adotada pelo direito pátrio e, também no Código de Processo Civil de 1973 e seu
sucesso, o Código de Processo Civil de 2015 (Código Fux). A mencionada tese
disciplina o processo como relação jurídica muito particular, isto é,
representando elo de direitos e obrigações recíprocos e que determinam
faculdades e deveres e ainda, estipulam um mútuo vínculo entre os
jurisdicionados e o tribunal.
A
propósito, fora Hélio Tornaghi que Georg Hegel é apontado como o verdadeiro
precursor dessa teoria, quando mencionou que o processo põe as partes em
condição de fazer valer seus meios de prova e suas razões e permite ao juiz
chegar ao conhecimento da causa, o que
fazem exercendo direitos que, por isso mesmo, devem ser regulados em lei.
Mas,
fora Oskar von Bülow o primeiro a afirmar o processo como relação jurídica.
Prosseguiu o doutrinador explicando que a teoria se implanta realmente com as
obras de Adolph Wach[2], “Manual de Direito Processual
Civil” alemão (Alemanha, 1885) e de Josef Kohler, “O processo como relação
jurídica" (Alemanha, 1888), o primeiro deu sentido publicístico e, o
segundo deu um sentido privatístico, encontrando defensores também na Itália,
especialmente, em Lodovico Mortara, Giuseppe Chiovenda, Alfredo Rocco e Luigi
Ferrara. (In: TORNAGUI, Hélio. A relação processual penal. 2ª.ed. São
Paulo: Saraiva, 1987).
Analisando
o brocardo jurídico iudicium est actus trium personarum: iudicis,
actoris et rei (Juízo (processo) é ato de três pessoas: juiz, autor e réu),
a teoria preconiza a relação jurídica processual (pública) que se diferencia da
relação jurídica de direito material (privada), uma vez que demanda o
preenchimento de pressupostos processuais relacionados aos três aspectos, a
saber: a) sujeitos (autor, réu e Estado-juiz); b) objeto (prestação
jurisdicional); c) pressupostos[3] (de caráter processual).
Acreditando-se
que o processo consiste em relação jurídica especial de natureza pública,
dotada de características próprias, que destacamos, a saber:
1.
autonomia, pois é independente da relação jurídica substancial, de direito
material, deduzida em juízo (res in iudicium deducta);
2.
progressividade ou cinese e dinamismo, posto que a relação jurídica processual
se desenvolve gradualmente, e está sempre em dinâmica, ao contrário da relação
jurídica de direito material que é se mostra perfeita e acabada desde seu
nascimento;
3.
unidade e complexidade, pois a relação jurídica processual é única e complexa,
resultante de fusão de várias outras relações jurídicas, porém, não se
confundindo com um conjunto de vínculos ligados por traço comum;
4.
unicidade, porque cada ato não cria nova relação jurídica, mas alenta a que já
é existente;
5.
viva posto que a relação jurídica processual se e morre desenvolve, sendo que
desta vida é que resulta sua unidade e identidade, apesar das mutações
estruturais e anatômicas;
6.
pública, pois a validade da relação jurídica processual não depende do acordo
entre as partes, mas sim, de preenchimento dos pressupostos processuais
apreciáveis pelo juiz, sendo que a
interferência do magistrado na resolução do caso concreto cria vínculo
jurídico-processual público entre os jurisdicionados e o Estado-juiz.
Sublinhe-se
que a relação jurídica processual se caracteriza pelo vínculo de subordinação
entre os jurisdicionados e pelo caráter de exigibilidade da prestação demandada
perante o Estado. E, se estrutura com base no enlace normativo, mediante o qual
um dos polos litigantes poderá exigir do outro o cumprimento de dever jurídico
(exigibilidade da prestação).
Foi
Bülow que construiu em sua tese os pressupostos processuais[4] que são entendidos como os
requisitos de admissibilidade e as condições prévias para a tramitação de toda
relação processual e nas exceções processuais. E, com isso, a relação jurídica
processual apenas se aperfeiçoa com a litiscontestação, ou seja, com resposta
positiva quanto ao preenchimento dos pressupostos processuais e das condições
de existência do processo.
Assim,
forma-se de certo modo "contrato de direito público", por meio do
qual, de um viés, há o tribunal que assume a obrigação concreta de decidir e
realizar o direito deduzido em juízo e de outro viés, as partes ou jurisdicionados
que ficam obrigadas, para tanto, a prestar uma colaboração indispensável e a
submeter-se aos resultados desta atividade comum.
Nesse
diapasão, seguiu Hélio Tornaghi ao explicar que a relação jurídica processual
se conclui mediante a litiscontestação[5] (mit der
Litiscontestation), ou seja, por meio de um contrato de Direito Público
graças ao qual o juiz contrai o dever de cuidar, no caso concreto, da
declaração e da atuação do direito (pretensão, exigência ou Anspruch) feito
valer em juízo. E, por outro lado, as partes também se obrigam a cooperar e a
submeter-se ao resultado dessa atividade comum.
Uma
vez proposta a demanda, caberá ao réu (ou demandado) oferecer as exceções
dilatórias processuais, isto é, as defesas contra a própria existência dos
pressupostos processuais de formação válida e eficaz do processo que são
expressados negativamente, em forma de exceção) quais sejam, a coisa julgada
material, a litispendência, a perempção, a transação e a convenção de
arbitragem.
Todavia,
o preenchimento dos pressupostos processuais e admitido o processo resulta na
relação jurídica processual que estará válida e eficaz.
Depois
da análise da res in iudicium deducta, ao réu compete contestar a
demanda mediante o oferecimento de exceções relativas ao mérito. Então, a
partir dali, o julgador passa a ter condições de resolver a lide, decidindo
acerca da existência da relação de direito material litigiosa.
Em
resumo, Bülow propôs que a relação jurídica processual se divide em dois
processos, a saber: um prévio, preliminar ou in jure, de viés preparatório e
antecedente ao trâmite de mérito, relativo à análise dos pressupostos
processuais e à determinação da relação processual, dotado de prejudicialidade
e cujo ato final consiste ou em uma litis contestatio, admissão da demanda,
ou em uma absolutio ab instantia, recusa da demanda por ser inadmissível, o que
os romanos denominavam de denegatio actionis, e outro processo principal
ou in judicio, referente à relação de direito material e
referente ao exame do mérito da demanda (relação litigiosa material) que
redunda em uma condemnatio ou um absolutio ab actione.
A
teoria do processo como procedimento em contraditório fora desenvolvida
primordialmente pelo jurista Elio Fazzalari e, aperfeiçoada no Brasil por
Aroldo Plínio Gonçalves. Resume-se em: "o processo é concebido como “um
procedimento do qual participam (são habilitados a participar) aqueles em cuja
esfera jurídica o ato final é destinado
a desenvolver efeitos: em contraditório,
e de modo que o autor do ato não possa obliterar
as suas atividades”.
Para
essa teoria, processo e procedimento são conceitos distintos e inconfundíveis,
isto é, são fenômenos distintos apesar de essencialmente conexos. Atente-se que
o procedimento não retrata pura concatenação estática de atos e condutas e que
exterioriza a relação jurídica processual. Ao revés, o procedimento como
estrutura normativa traz a descrição de condutas e a qualificação de direitos e
obrigações, consiste em gênero do qual o processo é a espécie mais articulada e
complexa e, particularizada pela nota do simétrico contraditório entre os
interessados ao provimento jurisdicional final.
Portanto,
o procedimento consiste em uma sequência de normas e de posições subjetivas,
que é preparatória de um provimento estatal destinado a produzir efeitos na
esfera jurídica de seus destinatários. O procedimento denota uma atividade
preparatória a qual, disciplinada por uma estrutura normativa, precede a
emanação válida e eficaz de um ato estatal dotado de natureza imperativa e, por
isso, denominado de provimento.
Ressalte-se
ainda que também o jurista italiano Enrico Redenti, antes até de Fazzalari,
porém de forma incipiente, já laborava na renovação do conceito de procedimento
entendendo o processo como atividade destinada à formação do provimento jurisdicional.
E, para Redenti, a atividade preparatória do provimento é disciplinada por
vários esquemas propostos para as diversas possibilidades de processos e, que
devem tomar o nome de procedimento, entendido como o módulo legal do fenômeno
abstrato.
Afinal,
cada norma que incide para formar a sequência estrutural do procedimento
descreve conduta a ser praticada, e a qualifica como direito ou como obrigação.
Quanto mais existentes as normas quantas serão as condutas reguladas, qualificadas
como direito ou obrigação, a estrutura do procedimento constitui-se a partir de
uma série de normas, cada uma das quais reguladora de uma certa conduta, mas
que enuncia como pressuposto da sua própria aplicação, o cumprimento de uma
atividade regulada por uma outra norma da série.
O
procedimento, portanto, retrata estrutura normativa preparatória de um
provimento e se revela como uma sequência interligada de normas das quais se
extraem posições subjetivas. Segundo a ordem estabelecida pela lei, a prática de
um ato normativo subsequente é consequente lógico e temporal do exercício de um
ato normativo anterior que lhe é pressuposto. Daí, por diante, o procedimento
se desenvolve de forma coesa, conectada e integrada e até que se obtenha o ato
final conclusivo.
Ronaldo
Brêtas Dias leciona que, por influência da doutrina italiana, a
processualística pátria passou a usar o vocábulo provimento com o sentido de
decisão jurisdicional. Os italianos se valem com frequência da palavra "provvedimento"(provimento)
derivada de provvedere (prover), a fim de melhor expressar o
pronunciamento jurisdicional. Nestes termos, o termo provimento ora utilizado
tem o sentido de decisão judicial.
Lembremos
que a validade e/ou eficácia de ato posterior, incluindo-se a do ato final,
pode ser neutralizada caso não tenha sido observada a sequência precedente de
atos determinada pela estrutura normativa correspondente.
Um dos
requisitos de validade e eficácia de um ato inserido na estrutura normativa do
procedimento consiste, justamente, no fato de ser o epílogo de um procedimento
regular e, portanto, dependente da regularidade ou irregularidade do ato
precedente e influente sobre a validade e a eficácia dos atos subsequentes.
Uma
vez posta a definição de procedimento, torna-se plausível conceituar o processo
como sendo uma de suas espécies. Assim o processo é espécie do gênero
procedimento, devidamente qualificado pelo contraditório e realizado em
paridade simétrica. Procedimento sem contraditório não é processo. Assim, o
contraditório torna-se essencial para a definição do processo.
Fazzalari
nos ensina que para a compreensão do contraditório como "estrutura
dialética do procedimento", não se confunde com a noção de Piero
Calamandrei acerca do caráter dialético do processo.
Afinal,
para Calamandrei a dialeticidade processual se refere ao desenvolvimento do
processo, como sendo uma luta de ações e de reações, de ataques e defesas, na
qual cada um dos sujeitos provoca, com a própria atividade, o movimento de
outros sujeitos e, espera, depois deles um novo impulso para se pôr, novamente,
em movimento.
Essa
perspectiva decorre, então da ideia do procedimento como uma concatenação de
atos, em que "cada um deles nasce como consequência daquele que tem
precedido, e, por sua vez, atua como estímulo do que segue. (In:
CALAMANDREI, Piero. Direito Processual Civil: estudos sobre o Processo Civil.
Tradução de Luiz Abezia e Sandra Drina Fernandez Barbery. Campinas, SP:
Bookseller, 1999, v.1, p.266).
O
contraditório é concebido como a estrutura dialética do processo e que consiste
na participação dos destinatários dos efeitos do ato final (sentença), em
simétrica paridade de posições, na fase procedimental preparatória do
provimento; na mútua implicação das atividades dos destinatários, voltadas a
promover (requerente) ou a impedir (requerido) a emanação do provimento; na
efetiva relevância e influência de atividades desenvolvidas pelos destinatários
perante o autor do provimento final (juiz ou árbitro); na possibilidade de
exercício, por cada interessado ou destinatário dos efeitos do ato final
(denominados de contraditores), de um conjunto de escolhas, de reações e de
controles; na existência de controle não apenas das atividades de cada um dos
contraditores, mas também, na necessidade de fiscalização dos resultados da
função exercida pelo autor do provimento final.
Novamente,
o contraditório enquanto estrutura dialética do procedimento consista na razão
de distinção ou ratio distinguendi do processo. E, além de
possibilitar a participação dos interessados na atividade preparatória do
provimento, o processo esquematiza um conjunto de normas as quais, contemplando
atos e posições jurídicas, projetam-se para os destinatários dos efeitos do
provimento final, com o fito de viabilizar-lhes o exercício do paritário
contraditório.
Reprise-se
que a essência do contraditório se assenta na participação de ao menos dois
contraditores, um afirmando e outro contra-afirmando em posições simetricamente
iguais, um destes interessado e o outro contrainteressado na emanação do
provimento final que lhes produzirão, respectivamente, efeitos favoráveis e
prejudiciais. Ao autor do provimento final (juiz e árbitro) compete guiar o
desenvolvimento do contraditório, colocando-se em arranjo, estranho aos
interesses em contenda, não sendo parte daquela situação.
Frise-se
que a noção de contraditório como elemento do processo não apareceu apenas com
a divulgação da teoria de Fazzalari, nos idos de 1975. Pois, Adolf Wach em 1865
já realçava a relevância do contraditório, ao destacar o caráter dialético do
processo, observando que sua finalidade atendia a dois interesses em colisão, o
interesse da tutela jurídica afirmada pelo autor e o interesse contraposto
sustentado pelo réu. Igualmente, Piero Calamandrei, em 1965, entendia o contraditório
como "diálogo" permanente entre os envolvidos, correspondendo a força
motriz do processo, seu princípio fundamental[6] (apud DIAS, Ronaldo
Brêtas de Carvalho. Processo Constitucional e Estado Democrático de Direito. Belo
Horizonte, MG: Del Rey, 2010, p. 94-94).
Em
síntese, o processo consiste no procedimento realizado em simétrico
contraditório entre as partes, na busca da construção do provimento
jurisdicional por meio da participação dialética dos interessados. O grande insight
de Fazzalari e Gonçalves foi destacar o contraditório paritário para que o
simples procedimento se transforme em processo.
De
fato, deu-se a evolução do contraditório, notadamente, por conta do Estado
Democrático de Direito que já o consagra no artigo 5º,, IV da CRFB/1988, tido
como garantia fundamental do jurisdicionado à participação dialética no
processo em igualdade de oportunidades, com efetivo poder de influência nos
resultados advindos do exercício da atividade jurisdicional.
Epistemologicamente,
a definição de contraditório considera duas dimensões essenciais. A dimensão
formal ou estática que retrata a clássica concepção de contraditório como
ciência, informação, comunicação e/ou participação das partes no processo,
originária do instituto processual austríaco Parteiengehör, o qual é
entendido como princípio da audição ou audiência do cidadão interessado. E, a
dimensão material, substancial ou dinâmica, contraditório revela o poder de
influência e de controle dos destinatários na construção do conteúdo do
provimento.
O
contraditório, em dimensão formal, expressa o direito das partes ao
conhecimento da demanda, mediante citação, intimação e/ou intimação ou
notificação, com garantia de participação no curso do processo.
E,
baseado nos brocardos jurídicos audiatur et altera pars, audita altera parte
e audi alteram partem, o aspecto estático do contraditório resguarda ao
interessado, tão somente, o direito de ouvir e de ser ouvido (hearings).
A garantia de participação na construção da decisão judicial visa a assegurar
às partes, colocadas em posição de interessado (autor) e contrainteressado,
participar agindo.
O
contraditório formal possibilita que os destinatários do provimento tenham a
oportunidade de se pronunciar nos autos e de deduzir alegações e provas que
julgarem pertinentes, com a respectiva oportunidade de reação.
E,
assim, se objetiva expor e aclarar ao juiz os fatos e fundamentos jurídicos da
demanda, de forma que as partes tenham aumentadas as suas possibilidades de
êxito no processo, ao mesmo tempo, em que colaboram para o aperfeiçoamento da
prestação jurisdicional.
Porém,
a partir da teoria de Fazzalari e Gonçalves, o aspecto formal do contraditório
supera a sua definição como mero direito das partes ao conhecimento da demanda
e à participação no processo. Diante do princípio da isonomia, a participação
das partes no processo deve ser qualificada com a nota da igualdade de
oportunidades.
Apesar
de que um dos objetivos do contraditório seja o impedimento de prolação de
decisões judiciais inaudita altera parte, é relevante sublinhar que, nos casos
de provimentos liminares, é possível a edição da ordem jurisdicional antes da audiência
da outra parte, desde que haja a devida e circunscrita demonstração do
periculum in mora, sendo, que nesses casos, o contraditório resta diferido para
momento posterior.
Afinal,
como a expressão do princípio constitucional da igualdade, a participação das
partes no processo há de ser concretizada em paridade de posições. O
contraditório faz com que os litigantes, em posição de igualdade, disponham das
mesmas oportunidades de alegar e provar o quanto estimarem conveniente com vistas
ao reconhecimento judicial de suas teses.
A
função do contraditório como garantia de uma simetria de posições subjetivas,
além de assegurar aos participantes do processo a possibilidade de dialogar e
de exercitar uma série de controles, de reações e de escolhas dentro desta
estrutura.
Enfim,
a substância do contraditório estático consiste na igualdade simétrica de
oportunidades entre os destinatários dos efeitos do provimento final, não é o
mero e simples argumento e contra-argumento, mas sim, o dizer e contradizer[7] deduzidos em posição
paritária de chances entre os sujeitos processuais.
Anotou
Piero Calamandrei, a posição de paridade das partes no processo não se resume a
igualdade meramente jurídica, mas também se refere a uma isonomia técnica e
econômica.
Além
da isonomia, há igualmente a liberdade em face da concepção de contraditório
como participação das partes em igualdade de oportunidades. E, sendo o
contraditório o direito à ciência, ao conhecimento e à informação da demanda,
tem-se o correlato direito à liberdade de reação, formando o que se denomina de
bilateralidade da audiência.
Cabe à
parte, de acordo com o seu livre alvedrio e dentro dos parâmetros legais,
escolher em se manifestar ou não na contenda jurídica, agindo ou omitindo-se em
conformidade com conveniência e a oportunidade de sua ampla defesa.
Verifica-se
que a trelada ao aspecto formal, a dimensão material (ou substancial ou
dinâmica) do contraditório expressa o poder de influência (ou prerrogativa de
influência ou direito de influir) e a prerrogativa de controle na construção do
conteúdo da decisão judicial. Enfim, refere-se à conjugação dos direitos das
partes ao conhecimento e à participação no processo em simétrica paridade, com
a possibilidade de interferir e de fiscalizar os resultados advindos do
exercício da função jurisdicional.
Enfim,
às partes é conferida a prerrogativa de interferência material na decisão
judicial por meio da apresentação de provas e argumentos no bojo da instrução
probatória. E, aos julgadores, por sua vez, caberá o dever de garantia do
contraditório, de forma a assegurar que as alegações e as provas produzidas
pelas partes serão efetivamente examinadas pelo órgão jurisdicional.
Eis
que o ensinamento de Luigi Paolo Comoglio ao mencionar que o contraditório
garante uma tríplice ordem de situações subjetivas processuais, a saber:
1. o
direito de receber adequadas e tempestivas informações sobre o processo e as
atividades realizadas, as iniciativas empreendidas e os atos de impulso
realizados pela contraparte e pelo juiz, durante todo o curso do processo;
2. o
direito de defender-se ativamente, posicionando-se sobre cada questão, de fato
ou de direito, que seja relevante para a decisão da controvérsia;
3. o
direito de pretender que o juiz, a seu turno, considere as suas defesas, suas
alegações, suas provas, no momento da prolação da decisão ou provimento final.
Aliás,
"a duração razoável do processo é um dos componentes daquilo que Comoglio
denominou de processo équo, racional e justo. No Brasil, pode-se afirmar que a
garantir do término do processo em tempo justo, embora ainda não conste
expressamente no texto constitucional resta implícita na garantia do devido
processo legal."
Ainda,
segundo o doutrinador italiano Luigi Paolo Comoglio que ensinou que, para se
alcançar às garantias do devido processo legal e da efetiva tutela jurídica,
deve-se considerar que o direito ao processo abrange a garantia de sua duração
razoável e que, nesta busca, devem ser reforçadas as questões das partes e dos
envolvidos no processo acerca de sua boa-fé e da lealdade processual, com o
escopo de preservar a dignidade da justiça. (In: COMOGLIO, Luigi Paolo. Garanzie
costituzionali e giusto processo: modelli a confronto. Revista de Processo,
São Paulo, nº90, p.95-150, abril/junho de 1998, p. 138).
Conclui-se
que ao julgador não é conferido o poder de simplesmente desconsiderar a
atividade dos destinatários do provimento. A decisão judicial, pelo contrário,
deve ser o resultado do convencimento racional fundamentadamente construído por
um juízo natural, com base nos argumentos e nos elementos probatórios aventados
pelos interessados em simétrico contraditório.
Resultando
daí que a motivação decisória é elemento do contraditório. E, ao magistrado
compete o dever de apreciar e de examinar todas as alegações e provas deduzidas
pelas partes, resolvendo o caso concreto unicamente com base nos resultados decorrentes
da atividade dos interessados ao provimento. Já aos destinatários contrapõe-se
o direito fundamental de que terão seriamente analisados e considerados os seus
argumentos e elementos probatórios, os quais devem ter sido licitamente
produzidos como forma de tentativa de convencimento do órgão jurisdicional.
A
doutrina costuma usar a expressão "poder de influência" para designar
a dimensão material do contraditório. Contudo, para não deixar dúvidas de que
este poder não significa arbitrariedade ou posição de superioridade das partes em
relação ao juiz, preferimos as terminologias "prerrogativa de
influência" ou possibilidade de influência ou direito de influir[8].
Conclui-se
que a motivação decisória é elemento do contraditório e, ao juiz compete o deve
de apreciar e de examinar todas as alegações e provas deduzidas pelas partes,
resolvendo o caso concreto unicamente com base nos resultados decorrentes da
atividade dos interessados ao provimento. Já aos destinatários contrapõe-se o
direito fundamental de que terão analisados e considerados os seus argumentos e
elementos probatórios, os quais devem ter sido licitamente produzidos como
forma de convencimento do órgão jurisdicional.
Iluminado
e lapidar é o entendimento do Ministro do STF Gilmar Mendes proferido no
julgamento do Mandado de Segurança 25.787-3/DF. In litteris:
Há
muito vem a doutrina constitucional enfatizando que o direito de defesa não se
resume a um simples direito de manifestação no processo. Efetivamente, o que o
constituinte pretende assegurar – como bem anota Pontes de Miranda – é uma pretensão à tutela jurídica (Comentários à
Constituição de 1967 com a Emenda nº 1, 1969. T. V, p. 234). (...).
Não é
outra a avaliação do tema no direito constitucional comparado. Apreciando o
chamado Anspruch auf rechtliches Gehör (pretensão à tutela jurídica) no
direito alemão, assinala o Bundesverfassungsgericht que essa pretensão envolve
não só o direito de manifestação e o direito de informação sobre o objeto do processo, mas
também o direito do indivíduo de ver os
seus argumentos contemplados pelo órgão incumbido de julgar (Cf. Decisão da Corte Constitucional alemã –
BverfGE 70, 288-293; sobre o assunto, ver, também, PIEROTH, Bodo; SCHLINK,
Bernhard. Grundrechte – Staatsrecht II. Heidelberg, 1988, p. 281;
BATTIS, Ulrich; GUSY, Cristoph. Einführung in das Staatsrecht. 3. ed.
Heidelberg, 1991, p. 363-364).
Daí
afirmar-se, correntemente, que a pretensão à tutela jurídica, que corresponde
exatamente à garantia consagrada no art. 5º, LV, da Constituição, contém os
seguintes direitos:
1) direito
de informação (Recht auf Information), que obriga o órgão julgador a
informar à parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos
dele constantes;
2) direito
de manifestação (Recht auf Äusserung), que assegura ao defendente a
possibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos
fáticos e jurídicos constantes do processo;
3) direito
de ver seus argumentos considerados (Recht auf Berücksichtigung),
que exige do julgador capacidade, apreensão e isenção de ânimo (Aufnahmefähigkeit
und Aufnahmebereitschaft) para contemplar as razões apresentadas (cf.
PIEROTH; SCHLINK. Grundrechte – Staatsrecht II. Heidelberg, 1988, p.
281; BATTIS; GUSY. Einführung in das Staatsrecht. Heidelberg, 1991, p.
363-364; Ver, também, DÜRIG/ASSMANN.
In:
MAUNZ-DÜRIG. Grundgesetz-Kommentar. Art. 103, vol. IV, nº 85-99). Sobre o
direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão julgador (Recht
auf Berücksichtigung), que corresponde, obviamente, ao dever do juiz ou da Administração
de a eles conferir atenção (Beachtenspflicht), pode-se afirmar que ele
envolve não só o dever de tomar conhecimento (Kenntnisnahmepflicht), como
também o de considerar, séria e detidamente, as razões apresentadas (Erwä gungspflicht)
(Cf. DÜRIG/ASSMANN. In: MAUNZ-DÜRIGi. Grundgesetz- -Kommentar. Art. 103,
vol. IV, nº 97). É da obrigação de considerar as razões apresentadas que deriva
o dever de fundamentar as decisões (Decisão da Corte Constitucional – BverfGE
11, 218 (218); Cf. DÜRIG/ASSMANN. In: MAUNZ- -DÜRIG. Grundgesetz-Kommentar.
Art. 103, vol. IV, nº 97).
Supremo
Tribunal Federal, MS n.º 25787, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno,
julgado em 08/11/2006, DJe-101 DIVULG 13-09-2007 PUBLIC 14-09-2007 DJ
14-09-2007 PP-00032 EMENT VOL-02289-02 PP-00198 RTJ VOL-00205-03 PP-01160
LEXSTF v. 29, n. 345, 2007, p. 217-254, trechos do voto do Ministro Gilmar Mendes, destaques
no original.[9]
O
contraditório material reflete a prerrogativa de simétrica influência dos
interessados na construção do conteúdo da decisão judicial, em harmonia e
sintonia com o dever imposto ao juiz, como terceiro imparcial, capaz de
assegurar às partes iguais oportunidades de interferência no resultado da
atividade jurisdicional, inclusive quanto às questões apreciáveis de ofício.
Também
quanto as questões apreciáveis ex officio pelo juiz devem ser levadas ao
conhecimento das partes, para que tenham a oportunidade de se manifestarem a
respeito. E, assim, O CPC de 2015[10] adotou em seu artigo 10,
que explicitou que o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com
base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes a
oportunidade de se manifestar, ainda que se trata de matéria sobre a qual tenha
que decidir de ofício[11].
Quanto
à perspectiva dinâmica do contraditório, pois, consubstancia expressão da
democracia, realizada por meio do controle da motivação das decisões judiciais
por parte dos destinatários do provimento, e que impõe uma efetiva comparticipação
dos sujeitos processuais em todo o iter formativo das decisões e atua como
elemento incentivador ao aspecto dialógico do procedimento.
De
fato, o contraditório reflete a garantia constitucional de fiscalização da
atividade jurisdicional através do impedimento da prolação das célebres
"decisões-surpresa", entendidas como pronunciamentos jurisdicionais proferidos
com fulcro em alegações e provas que não foram dialeticamente aventadas nos
autos do processo[12].
Enfim,
o contraditório dinâmico atribui, aos interessados, as possibilidades de
participação preventiva em relação aos aspectos fáticos e jurídicos discutidos
no processo, o que acarreta à seguinte equação: defesa=contraditório= participação=audição
preventiva.
Evidencia-se
que a evolução do contraditório transcende a sua função apenas como ciência ou
conhecimento da demanda (informação), para galgar a sua definição também como
prerrogativa de influência no conteúdo do provimento jurisdicional.
O
contraditório conjuga os direitos à informação e à participação das partes, as
quais, em igualdade oportunidades, possuem prerrogativa de interferência e de
controle na construção do conteúdo da decisão judicial.
Para a
noção de efetivo e equilibrado contraditório deve-se partir da necessidade de
debate de todas as questões suscitadas nos autos, impede que o juiz, em
solitária onipotência, aplique normas ou embase a decisão sobre fatos completamente
estranhos à dialética defensiva de uma ou de ambas as partes.
Com
isso, o contraditório se consolida como direito fundamental o qual, em um
Estado Democrático de Direito, legitima a jurisdição mediante a participação
direta, isonômica e influente das partes na construção da decisão judicial, como
forma de expressão da cidadania, da democracia e da soberania popular.
Indubitavelmente
a importância do processo na conceituação da disciplina científica autônoma
reconhecendo a teoria do processo como relação jurídico conforme desenvolveu
Bülow, mostra-se inapropriada em face da compreensão atual do contraditório em
um Estado Democrático de Direito.
A
referida teoria conceituou o processo como uma relação jurídica peculiar de natureza
pública que estabelece entre as partes um vínculo de poder e sujeição. Com
isso, a teoria traz em si mesma, um busilis da definição da relação jurídica,
tendo como base o conceito de direito subjetivo. E, pode ser estendido como o
poder de exigir de outrem ações e omissões, ou como o poder de dispor e de
criar os meios garantidos pelo ordenamento jurídico contra os recalcitrantes,
conforme concebido por Windscheid (A ação do direito romano do ponto de vista
do direito civil, Alemanha, 1856).
O
direito subjetivo é o poder de vontade que possibilita a facultas agendi, a um
dos sujeitos, exigir ou facultas exigendi de outro o cumprimento de determinada
prestação (facere ou omittere). O poder, como expressão subjetiva do mandato,
significa a possibilita de mandar, retratando o domínio da vontade alheia, já a
sujeição, como o aspecto passivo do mandato, consiste na necessidade de
obedecer e denota a impossibilidade de querer com eficácia.
Surge,
então, a pretensão, do titular do direito, de submeter o obrigado à sua vontade
e de impor sujeições sobre o seu comportamento, enquanto a este cabe o dever
jurídico de realizar a conduta exigida.
É da
essência da conceituação de direito subjetivo a correlatividade entre os
sujeitos, tendo em vista que ao poder jurídico (faculdade/pretensão) de um
deles corresponde o dever jurídico (sujeição) do outro. O direito subjetivo
outorga ao seu titular "a possibilidade de impor judicialmente seus
interesses juridicamente tutelados perante o destinatário (obrigado)".
Existe, assim, um vínculo de subordinação entre pessoas, o qual permite, a um
dos sujeitos, compelir o outro (poder) ao cumprimento de determinada prestação
(dever).
O
conceito de direito subjetivo resultante na definição de relação jurídica como
um enlace normativo entre duas pessoas, das quais uma pode exigir da outra o
cumprimento de um dever jurídico. A relação jurídica pode ser definida,
portanto, como um liame que liga duas ou mais pessoas, estipulado em virtude de
certo objeto, por meio do qual uma norma jurídica qualificadora confere
direitos, poderes e faculdades a um dos sujeitos, bem como encargos, sujeições,
deveres e obrigações ao outro.
Desta
forma, torna-se possível superar a teoria de Bülow já que o vínculo jurídico de
sujeição/exigibilidade não se adéqua ao direito fundamental do contraditório, o
qual requer a igualdade de oportunidades entre os interessados.
De
fato, a presença do vínculo jurídico de subordinação equivale a admitir que, no
bojo da relação jurídica processual, uma das partes pode impor à outra a prática
de um ato processual. A predominância da vontade pessoal do titular do direito
subjetivo elimina a voluntas do sujeito processual obrigado ao cumprimento da prestação, além de provocar a subordinação
da própria atividade jurisdicional mediante
a imposição de condutas à atuação do juiz.
Disso
resulta a potestade de uma das partes de ditar a conduta processual alheia, o
que acarreta na restrição da liberdade individual de ação, da autonomia da
vontade, da personalidade, e em última instância, da própria dignidade dos
sujeitos processuais, os quais em situação de desigualdade processual, servem
de instrumento da manifestação da vontade de outrem.
A
ideia de direito subjetivo é inerente e não pode ser dissociada do conceito de
relação jurídico. Porém, alguns doutrinadores, aderem à tese de Oskar von Bülow
buscando desvinculá-la do direito subjetivo, o que, desnatura a própria
definição de relação jurídica.
E, no
mesmo sentido, Calamandrei afirmou: "A faculdade dada assim às partes de
provocar com suas atividades o exercício dos poderes jurisdicionais não se
pode, a rigor, fazer entrar no esquema típico do direito subjetivo, ao qual
corresponda no órgão judicial uma obrigação de prestação em relação às partes.
A
jurisdição, com todos os poderes preparatórios a ela inerentes, é função
eminentemente pública; e o Estado que, através do órgão judicial, a exercita em interesse geral da
justiça, isto é, do próprio interesse, não pode ser reduzido à figura do obrigado que, com sacrifício do interesse
próprio, se vê compelido a cumprir em interesse do titular do direito. (...).
Não se
pode dizer, que ao poder-dever que o órgão judicial tem de prover sobre as
demandas das partes e de realizar no
processo tudo aquilo que é necessário para preparar a providência, correspondam
nas partes verdadeiros e próprios
direitos subjetivos no sentido privatista da expressão” (In: CALAMANDREI,
Piero. Direito Processual Civil: estudos
sobre o Processo Civil. Tradução de Luiz Abezia e Sandra Drina Fernandez
Barbery. Campinas: Bookseller, 1999. v. 1, p. 269-270).
O
direito subjetivo outorga ao seu titular
“a possibilidade de impor judicialmente seus interesses juridicamente tutelados perante o destinatário (obrigado)”.
Há, assim, um vínculo de subordinação entre pessoas, o qual permite, a um dos
sujeitos, compelir o outro (poder) ao cumprimento de determinada prestação
(dever).
De tal
sorte, o conceito de direito subjetivo resulta na definição de relação jurídica
como “um enlace normativo entre duas pessoas, das quais uma pode exigir da outra
o cumprimento de um dever jurídico”.
A
relação jurídica pode ser definida, portanto, como um liame que liga duas ou
mais pessoas, estipulado em virtude de determinado objeto, por meio do qual uma
norma jurídica qualificadora confere direitos, poderes e faculdades a um dos
sujeitos, bem como encargos, sujeições, deveres
e obrigações ao outro.
Sob
esse prisma, é possível superar a teoria elaborada por Oskar von Bülow, já que
o vínculo jurídico de sujeição/exigibilidade não se adéqua ao direito
fundamental do contraditório, o qual requer a igualdade de oportunidades entre os
interessados.
De
fato, a presença do vínculo jurídico de subordinação equivale a admitir que, no
bojo da relação jurídica processual, uma das partes pode impor à outra a prática de um ato processual.
A
predominância da vontade pessoal do titular do direito subjetivo elimina a
voluntas do sujeito processual obrigado ao cumprimento da prestação, além de provocar a subordinação
da própria atividade jurisdicional mediante
a imposição de condutas à atuação do juiz.
Resulta
em potestade de uma das partes de ditar a conduta processual alheia, o que
acarreta na restrição da liberdade individual de ação, da autonomia da vontade,
da personalidade e, em última instância, da própria dignidade dos sujeitos
processuais, os quais, em situação de desigualdade processual, servem de
instrumento da manifestação da vontade de outrem.
A
teoria do processo como relação jurídica, ao se fulcrar em um vínculo jurídico
de exigibilidade, termina por atribuir ao processo um caráter que se distancia
do princípio democrático da igualdade que é tão essencial à definição do
contraditório.
Afinal,
a conferência a um dos sujeitos processuais, de poderes sobre a conduta alheia,
não se harmoniza com um contraditório que liga as partes por meio de um elo de
coordenação e que prima pela isonomia de chances entre os interessados ao
provimento jurisdicional.
Afora
isso, o desenrolar da história da processualística demonstrou que a teoria do
processo como relação jurídica ocasionou uma valorização extremada da atividade
judicante, em detrimento da garantia da liberdade e da igualdade entre os
sujeitos processuais. Porque para essa teoria, o juiz ostenta a exclusividade
na construção do provimento decisório e na entrega da prestação jurisdicional,
pois este substitui a atividade das partes pela prevalência de sua vontade.
A
comentada teoria possibilitou fortalecimento extremado e exagerado dos poderes
judiciais, vez que a vincula as partes ao controle do magistrado. A jurisdição
passou a ser entendida como atividade do juiz na criação do direito em nome do
Estado com a contribuição do sentimento e da experiência do julgador. É assim
que para Bülow é possível a prolação de decisões judiciais mesmo contra legem.
Então,
quando acontece, várias vezes, das decisões dos juízes contrariarem o sentido e
a vontade da lei, isso deve ser aceito tranquilamente, como um destino inevitável,
como um tributo, o qual os legisladores e juízes prestam à fraqueza do poder de
expressão e comunicação humanas. (...). Mesmo a decisão contrária à lei possui
força de lei.
Ela é,
como qualquer decisão judicial, uma determinação jurídica originária do Estado,
validada pelo Estado e por ele provida de força de lei. Com isso, não se quer
dizer outra coisa do que o juiz ser autorizado pelo Estado a realizar determinações
jurídicas, por eles criadas, escolhidas e desejadas!
A
superação da teoria do processo como relação jurídica é mesmo necessária bem
como para a desconstrução do dogma do protagonismo judicial. A desvinculação do
magistrado às alegações das partes origina em exercício arbitrário da
jurisdição, pois permite ao juiz, com exclusividade e sem a participação dos
jurisdicionados, exercer subjetivamente a judicatura de modo solitário, a partir
de suas próprias convicções particulares, como mero instrumento para a
positivação do poder.
De
fato, o processo num Estado Democrático de Direito, deve ser gerido por todos
os sujeitos processuais, sendo a decisão judicial o resultado da participação
isonômica, dialética e influente das partes na construção do provimento
judicial.
E,
nessa acepção, a direção do processo deve ser compartilhada igualitariamente
entre as partes e o juiz, os quais cooperam com a gestão da atividade
processual (policentrismo processual)
destinada a transformar o processo em uma comunidade de trabalho, é necessário que
o magistrado assuma a sua posição de interlocutor que dialoga com as partes.
O
contraditório no Estado Democrático de Direito, possui viés eminentemente
comparticipativo. O juiz não está sozinho na elaboração do provimento
jurisdicional. A prolação da decisão judicial requer a observância da
participação direta dos destinatários do ato final, mediante uma comunicação
isonômica e permanente entre o juiz e as partes.
Cabe
ao juiz envolver as partes, num diálogo humano construtivo em que o julgador
não se limite a ouvir as partes e nem que as partes se limitem a falar sem
saber que se estão sendo atentamente ouvidas.
Diferentemente,
o contraditório comparticipativo faz com que a solução da demanda seja
construída conjuntamente pelo juiz e pelas partes, o que foi denominado pela
doutrina anglo-americana de fair hearing.
O
modelo comparticipativo de processo é baseado na cooperação processual e no
policentrismo processual advindo de um contraditório simultaneamente estático,
dinâmico, equilibrado e comparticipativo. E, supera assim, a teoria do processo
como relação jurídica. Pois, a participação isonômica, coordenada, direta e
influente das partes, em um trabalho em conjunto com o magistrado, torna-se
essencial para a plena concretização dos ideais democráticos do Estado do
Direito.
A
teoria do processo como procedimento em contraditório simétrico entre as partes
foi desenvolvida por Fazzalari e aperfeiçoada
por Aroldo Plínio Gonçalves, e inseriu no contraditório a necessidade de
igualdade de oportunidade entre os sujeitos processuais, o que evidenciou a
impossibilidade de conciliar a ideia do contraditório, como posição de paridade
entre as partes, com a noção de vínculo de subordinação entre os sujeitos
processuais, por meio do qual um deles exerce poder em face do outro.
Já
ressaltou Ada Pellegrini Grinover que o processo como procedimento em simétrico
contraditório não passa e uma "ideia simples e genial", porém eficaz
em afastar o inadequado clichê pandetístico de relação jurídica processual,
esquema estático que leva em conta a realidade, mas não a explica.
Fazzalari
e Gonçalves tiveram o notável mérito de renovar estruturalmente o conceito de
procedimento e de atribuir viés democrático à concepção de processo, rompendo
categoricamente com a teoria processual de Bülow.
A
caracterização do processo como procedimento realizado em contraditório entre
as partes não é compatível com o conceito de processo como relação jurídica.
Ressaltou-se,
neste capítulo, o quanto foi possível, a ideia de contraditório como direito de
participação, o conceito renovado de contraditório como garantia de
participação em simétrica paridade, o contraditório como oportunidade de participação,
como direito, hoje revestido da especial proteção constitucional.
O
conceito de relação jurídica é o de vínculo de exigibilidade, de subordinação,
de supra e infra-ordenação, de sujeição. Uma garantia não é uma imposição, é uma liberdade protegida, não pode ser
coativamente oferecida e não se identifica como instrumento de sujeição.
Garantia é liberdade assegurada.
Se o contraditório
é garantia de simétrica igualdade de participação no processo, como conciliá-lo
com a categoria da relação jurídica? Os conceitos de garantia e de vínculo de
sujeição vêm de esquemas teóricos distintos. O processo como relação jurídica e
como procedimento realizado em contraditório entre as partes não se encontram no
mesmo quadro, e não há ponto de identificação entre eles que permita sua
unificação conceitual.
O
simétrico contraditório existe entre as partes como evidente forma de isonomia
processual. E, a igualdade tida como exigência democrática inerente ao
contraditório, resta respeitada quando se define o processo com base na
participação paritária dos interessados na atividade preparatória de um
provimento cujo autor (juiz ou árbitro) se enxerga materialmente influenciado
pelas alegações e provas deduzidas pelas partes no bojo do procedimento.
Além
da igualdade, também a liberdade representa outro sustentáculo da democracia,
sendo concretizada quando são conferidas às partes iguais oportunidades de
participação no processo.
A
liberdade, manifestada através do direito de participação, significa que cabe
às partes a valoração a respeito da conveniência e da oportunidade de exercício
do contraditório. A liberdade, assim, se revela na possibilidade de
autodeterminação do modo e da intensidade de que se valerão as partes na
atividade preparatória do provimento jurisdicional final.
Na
perspectiva da teoria do processo como procedimento em contraditório, o
conceito de direito subjetivo se dissocia do vínculo de subordinação entre as
partes. Ao revés, as faculdades outorgadas aos interessados são conceitualmente
revistas para refletirem eventual "posição de vantagem do sujeito
assegurada pela norma", a qual incide sobre o objeto do comportamento,
qualificador da conduta praticada (e não mais sobre o ato de outrem).
Portanto,
a teoria de Fazzalari e Gonçalves está em consonância com o regime jurídico
democrático pautado na proteção da igualdade e da liberdade. E, o paritário
contraditório entre os jurisdicionados oferece e confere a necessária validade e
eficácia de um conceito democrático de processo.
A
crítica à definição de processo formulada pro Fazzalari tida como emanações de
vontade dos órgãos públicos ou comandos que declaram manifestações de vontade
do juiz, assim, a decisão final que põe termo ao processo não seria um ato
subjetivo da vontade do julgador.
Pelo
contrário, o provimento jurisdicional, em face do modelo comparticipativo do
processo, é resultante de uma atividade preparatória (processo) realizada com
obediência ao simétrico diálogo entre as partes e entre estas e o juiz, com a
respectiva prerrogativa de influência dos interessados no conteúdo do
pronunciamento judicial decisório.
Outra
crítica exige análise mais apurada, no que se refere ao próprio conceito de
contraditório edificado pela mencionada teoria. E, porque se entende que a
teoria em apreço adotou visão restritiva e incompleta em face do contemporâneo
estágio evolutivo do contraditório.
Apesar
de vê-lo como estrutura dialética, limitou-se a defini-lo como simples
característica própria do processo, ainda que seja o seu elemento ou sua ratio
distinguendi. E, assim, o contraditório dentro da estrutura de atos e
posições subjetivas do processo, parece sustentar a existência, validade e
eficácia do provimento judicial final.
Todavia,
o contraditório não pode ser considerado, tão somente, como mera qualidade
particular ou simples predicado que diferencia o processo dos vários tipos de
procedimento.
Afinal,
o respeito ao contraditório e à estrutural procedimental embasa bem mais do que
a existência, validade, e a eficácia do provimento final. Pois, num Estado
Democrático de Direito, o contraditório erige-se como direito fundamental
constitucional que atua como a própria fonte de legitimação da ordem
jurídico-processual.
O
contraditório consubstancia o fundamento de legitimidade da função jurisdicional,
cuja inobservância, na atividade preparatória (processo), produz a
ilegitimidade absoluta de seu resultado (provimento).
Portanto,
mais do que a conditio sine qua non de existência, de validade e de eficácia do
processo e da decisão judicial, o contraditório retrata o próprio fundamento
que legitima o procedimento e o provimento daí advindo, como resultado da
atividade dialética dos seus destinatários.
Assim,
o contraditório, ao proporcionar a ampla participação dos interessados nos atos
preparatórios do provimento final constitui fator de legitimidade do ato
estatal, pois representa a possibilidade que as pessoas diretamente envolvidas
com o processo têm de influir em seu resultado.
Sobre
a legitimidade do Poder Judiciário surge sempre que se pergunta sobre o alcance
da norma constitucional expressa no enunciado de que "todo poder emana do
povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente"
(art.1º, parágrafo único). Se o poder judicial não é exercido pelo povo
diretamente, nem por meio de representantes eleitos, impõem-se investigar o que
torna justificável a aceitação das decisões dos juízes por parte da cidadania.
E, a
única possibilidade de conciliar a jurisdição com a democracia consiste em
compreendê-la também como representação do povo. Não se trata, obviamente, de
um mandato outorgado por meio de sufrágio popular, mas de representação ideal
que se dá no plano discursivo, é dizer, uma "representação argumentativa. Essa
representação argumentativa é exercida no campo das escolhas políticas cujas
deliberações versam (predominantemnte0 sobre o que é bom, conveniente ou
oportuno, mas no campo da aplicação do Direito, sob as regras do discurso racional
por meio do qual se sustenta e se declara o que é correto, válido ou devido. (ALEXY,
2007).
A
decisão judicial apenas existe e será validade, eficaz e legítima se
consentânea com as normas constitucionais que cotejam os ideais democrático, se
houver a observância da paridade processual entre as partes.
Quanto
a legitimidade de um poder estatal, esclareceu Bobbio que perpassa a discussão
acerca da justificação do poder político com relação à obediência de sua
autoridade, se pela força ou pelo
convencimento. A legitimação do poder estatal, no Estado Democrático de
Direito, relaciona-se ao seu exercício com observância das normas
constitucionais.
Porque
a justificação que possibilita a aceitação da imperatividade estatal, está
associada ao respeito aos princípios basilares da democracia, da cidadania, da
soberania popular e da dignidade da pessoa humana, bem como aos direitos e às
garantias fundamentais.
Tem-se
com crítica derradeira, o conceito restritivo de contraditório adotado pela
teoria de Fazzalari que não contemplou a dimensão dinâmica ou substancial do
contraditório. Ao revés, a referida teoria limitou-se a abarcar apenas o
aspecto formal ou estático do contraditório, pois se restringe a assegurar a
participação das partes na elaboração do provimento final, embora com o
acréscimo da garantia da igualdade de oportunidades.
Assim,
o contraditório, além da garantia de informação e de participação isonômica dos
interessados, resguardou também às partes a prerrogativa de influência material
e de controle do conteúdo da decisão judicial. Assim, a edição do provimento
final, requer necessariamente estar precedida de atividade preparatória que
garanta às partes igualdade de oportunidade de participar e influir no
resultado da atividade jurisdicional.
Portanto,
o contraditório[13]
representa mais do que informação e participação no processo (bilateralidade de
audiência), retrata o direito de a parte ter todos seus argumentos séria e
efetivamente considerados pelo julgador, por ocasião da prolação de um
provimento elaborado em comparticipação com as partes (motivação decisória como
elemento do contraditório).
A democracia e a cidadania atuantes no processo operam-se por meio da participação efetiva dos jurisdicionados na construção da decisão judicial e, a garantia fundamental do contraditório serve de base sólida para o exercício democrático da função jurisdicional e, reflete, igualmente a própria dignidade das partes na atuação processual.
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Notas:
[1]
Uma decisão interessante para demonstrar o que estamos falando foi o Habeas
Corpus n. 137.549/RJ, no qual a Relatora foi a Ministra Maria Thereza de Assis
Moura, da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça. Nesta decisão, o
Superior Tribunal de Justiça, entendeu que o princípio do contraditório deveria
ser limitado em nome da aplicação da lealdade processual e da boa-fé. Isso significou
dizer que não poderia uma pessoa se aproveitar da alegação de cerceamento do
contraditório, se foi a mesma que deixou de cumprir o dever de informar o
endereço correto para que as intimações fossem feitas de forma regular.
Verificando os fundamentos colacionados na decisão, buscando a confrontação do
princípio do contraditório com o princípio da boa-fé e lealdade processual,
verificamos que a Ministra Relatora, no presente caso, andou bem no que tange a
não reconhecer a nulidade do processo por ausência de contraditório. Isso
porque, nenhum princípio tem aplicação de forma absoluta e sempre deve ser
interpretado mediante a verificação de outras questões que envolvem os fatos.
No presente caso, o que se verifica é que a Ministra Relatora entendeu que a
culpa pela ausência de intimação se deu exclusivamente pelo fato de que o
paciente não informou o seu local de encontro/endereço, e, portanto, não
poderia agora se aproveitar de sua própria torpeza. No entanto, a decisão que
julgou o comentado HC deixou de considerar que o contraditório se revela na
verificação de participação do
interessado no processo e se houve a influência da decisão no resultado da
decisão jurisdicional. O contraditório, como ressaltado em tópico anterior, não
é apenas um direito de ser ouvido, mas sobretudo, um direito de participar,
influenciar o resultado da decisão com fatos e fundamentos jurídicos
relevantes.
[2]
Adolf Ludwig Eduard Gustav Wach (1843-1926) mais conhecido como Adolf Wach foi
jurista alemão. Foi professor de direito canônico da Universidade de Leipzig de
1875 a 1920. Sua especialidade era o direito de processos civis. A partir de
1879, ele trabalhou como auxiliar de um juiz do tribunal regional de Leipzig,
enquanto continuava seus estudos. Wach
foi membro do Conselho Secreto Real Saxão, e foi nomeado temporariamente um
membro do da segunda câmara, como representante da Universidade de Leipzig. Ele
foi membro de várias organizações: foi do conselho da Igreja de São Nikolai, e
membro do Sínodo. Ele era um membro do conselho
de administração da associação da Missão Interior, uma organização para
a distribuição de bíblias, etc. Wach foi nomeado para ser Ministro da Cultura e procurou se tornar
nobre, e era consequentemente visto como pretensioso.
[3]
Os pressupostos processuais podem ser conceituados como exigências ou
requisitos legais para o estabelecimento e desenvolvimento válido do processo
como relação jurídica. Tais requisitos
podem ser divididos em pressupostos de existência e pressupostos de validade.
[4]
Pressupostos Processuais de Existência Subjetivos. O aspecto subjetivo
relaciona-se com as partes envolvidas na lide e o órgão jurisdicional que irá
julgar o caso. Sobre as partes, pressupõe-se para a existência do processo que
elas sejam capazes civil e processualmente, significando que precisam estar
aptas a serem sujeitos processuais. Quanto ao órgão jurisdicional, exige-se
apenas que o mesmo exista e funcione, que seja possível de alcançá-lo para
tentar resolver a disputa; Pressupostos Processuais de Existência Objetivos. O
aspecto objetivo dos Pressupostos Processuais de Existência se refere aos atos
necessários para a constituição do processo, como a provocação do poder
judiciário (petição inicial) e a citação do réu. Entende-se que a relação
jurídica processual só irá se constituir para o autor mediante a realização da
petição inicial - que pode ser indeferida preliminarmente por falta dos
requisitos mínimos - e para o réu quando for citado, podendo efetivamente
participar ou ser revel; Pressupostos Processuais de Validade Subjetivos Os
requisitos que fazem parte desse aspecto tratam da capacidade das partes e da
competência jurisdicional. As partes precisam conter a capacidade civil,
processual e postulatória. Dessa forma, a parte deve possuir a capacidade de
assumir direitos e deveres (arts. 2º e 3º, CC), ter aptidão a ser sujeito
processual (estar em juízo) e ter um advogado ou defensor responsável no caso
(aquele que pode postular em juízo).
[5]
“LITISCONTESTAÇÃO – INALTERABILIDADIDE – A litiscontestação é formada pela
inicial e a defesa. E, fixados os limites da lide, não pode a mesma ser
alterada, devendo ser resolvida dentro
do que foi validamente, delimitado.” (TRT-RO-2643/88 – 3a. Reg. – Rel. Carlos
A. A. Pereira – DJ/MG 10.03.89, pag. 66) Litis contestatio era um termo
do Direito utilizado na Roma Antiga para designar o compromisso das partes em
aceitar a vontade do pretor.
[6]
Para Ronaldo Brêtas de C. Dias et al a interpretação correta sobre o
art. 489, §1º, IV do CPC sobre a obrigatoriedade do juiz ter que enfrentar todos os argumentos apresentados pelas partes
deve ser entendido como a necessidade e obrigatoriedade de enfrentar questões.
As decisões devem ser dadas no objetivo de resolver questão (ponto controvertido).
O juiz não julga os argumentos e sim questões. Sustenta Ronaldo Brêtas de C.
Dias et al que “juiz não julga argumentos, juiz julga questões. Assim, pode
acontecer que a decisão, no desate das questões, acolha os argumentos de umas
das partes, o que, em princípio, estará afastando os argumentos da parte
contrária.
[7]
No entanto, pelo que verificamos, havia no Superior Tribunal de Justiça a coesa
ideia de que o contraditório deveria ser apenas um direito de dizer e contradizer e nada mais. Poucos eram os
Ministros que julgavam de forma a indicar a necessidade de influência e de
vedação da decisão surpresa para a
garantia do contraditório. No acórdão julgado em Agravo Regimental n.
1413561/RS, no qual o Relator foi o Ministro Campos Marques, da Quinta Turma
do Superior Tribunal de Justiça
verificamos que o Ministro Relator entendeu que o art. 118, § 2º, da Lei de
Execução Penal não impõe a obrigatoriedade de
instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar para o
reconhecimento da referida infração de um detento infrator, mas somente exige a
realização de audiência de justificação
que possibilite a oitiva prévia do sentenciado, garantindo-se, desse modo, o
exercício do contraditório e da ampla defesa.
Nesta decisão, o Superior Tribunal de Justiça, admitiu a aplicação de
punição e, portanto, a redução de direitos do detento, aplicando a legalidade
da Lei de Execução Penal, sem observar
que a Constituição. Afastou-se a aplicação da Constituição e deu-se vigência ao
art. 118 da Lei de Execução Penal.
[8]
A dimensão tridimensional do contraditório já é ressaltada em doutrina. Não
basta que a parte apenas participe do processo. É necessário que se permita que
ela seja ouvida, mas em condições de poder influenciar a decisão do magistrado.
Se não for conferida tal possibilidade, de exercer seu poder de influência, de
interferir com argumentos, ideias, alegando fatos, a garantia do contraditório
estará ferida. É fundamental perceber isso: o contraditório não se efetiva
somente com oitiva da parte; exige-se a participação com a possibilidade,
conferida à parte, de influenciar o conteúdo da decisão.
[9]
O STF também já pacificou entendimento no sentido da tridimensionalidade do
contraditório, reconhecido como essencial ao processo judicial e
administrativo, assegurando às partes o direito de ver seus argumentos
analisados pelo órgão julgador sob pena de nulidade do provimento.
[10]
Após o CPC-2015, podemos encontrar inúmeras decisões pelos tribunais do Brasil
indicando que há a necessidade de respeitar o contraditório e a fundamentação
das decisões, sob pena de nulidade da decisão (art. 10 do CPC e art. 489, §1º
do CPC). Portanto, não se admite mais o indeferimento de petição inicial
(sentença sem o julgamento do mérito) sem que antes seja oportunizado ao autor
o direito de emenda e de manifestação sobre a ausência de interesse ou
legitimidade. Também não se admite mais a declaração de prescrição e
decadência, no curso do processo, sem que as partes possam ser previamente
ouvidas e nem decisão de ofício sem que haja prévia manifestação da parte. Inaugurou-se,
como o CPC-2015 uma nova realidade processual e uma nova de postura pelos
tribunais e seus julgadores. Há a indicação expressa e direta de que o
contraditório deve ser respeitado e que a motivação da decisão serve
diretamente para fiscalizar se ele está sendo observado.
[11]
É importante salientar que, no microssistema das execuções fiscais, o artigo 40
§ 4º da Lei nº 6.830/80, acrescentado
pela Lei nº 11.051/2004, prevê expressamente a necessidade de o juiz, antes de decretar de ofício a
prescrição intercorrente do débito, ouvir a Fazenda Pública. Trata-se de dispositivo que determina a
prévia intimação da parte antes do reconhecimento de ofício da prescrição, o que aparenta ser
um indicativo da legislação especial no sentido da consagração do poder de influência na
formação do provimento jurisdicional. Entretanto, não há qualquer dispositivo no CPC vigente neste
sentido.
[12]
O contraditório é considerado a manifestação do regime democrático no processo.
Por esta razão, o trâmite processual deve necessariamente contar com a
possibilidade de participação efetiva das partes envolvidas, não apenas
restrita à comunicação ou ciência dos atos processuais mas entendida também
como a possibilidade influência no convencimento do juiz. É em observância do aspecto
substancial do contraditório que os litigantes não podem ser surpreendidos com
uma decisão que leve em conta matéria não discutida nos autos, razão pela qual
o juiz deve possibilitar a manifestação das partes e o exercício do direito de
influenciar a formação do convencimento, para apenas, depois, proferir a
sentença/ decisão judicial.
[13] O contraditório, como está indicado no artigo 5º, inciso LV da Constituição da República estabelece que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Perceba que o art. 5º, inc. LV da CR/88 é uma norma fundamental de processo que precisava ser explicada e que não havia, até 2015, nenhum fundamento normativo que pudesse indicar e nortear o entendimento sobre a garantia ou não do contraditório e da ampla defesa. Havia apenas a preocupação pelos tribunais de se cumprir as normas processuais previstas pelo CPC-1973 e assim estariam automaticamente cumprindo o contraditório e a ampla defesa. A ideia que reinava para a garantia do contraditório no processo jurisdicional brasileiro pode ser bem-posta nas palavras de Liebman, segundo o qual, “o princípio do contraditório é a garantia fundamental da Justiça e regra essencial do processo. Segundo este princípio, todas as partes devem ser postas em posição de expor ao juiz as suas razões, antes que ele profira a decisão. As partes devem poder desenvolver suas defesas de maneira plena e sem limitações arbitrárias. Qualquer disposição legal que contraste com essa regra deve ser considerada inconstitucional e, por isto, inválida”.