Ab omnibus pro omnibus. A crise das fontes de direito. O poder persuasivo dos precedentes judiciais[1]
A crise das fontes do direito corresponde também à crise do Estado Democrático de Direito. A ruína do Império da lei estabeleceu questionamento sobre a prevalência do direito na regulação da sociedade, em franca oposição às outas formas de governo, especialmente, àquelas mais arbitrárias e tirânicas. A promoção dos direitos fundamentais é a grande protagonista que trouxe maior valoração da jurisprudência a fim de oferecer maior efetividade às previsões constitucionais e a preservação da dignidade da pessoa humana.
A
crise da teoria das fontes do direito se revela na perda de espaço da
exclusividade e primariedade da lei. Desta forma, a tradição ordenada e
monolítica do sistema de fontes é substituída por figuras mais complexas e
híbridas.
Padece
de precariedade defender que as relações entre normas e as fontes de direito
estejam reguladas por meios de caráter hierárquico. Depois, a individuação do
ato como fonte é determinada, prevalentemente, pela atividade interpretativa in
lato sensu seja feita pelos doutrinadores ou pelos órgãos de aplicação da lei e
das normas jurídicas.
Sem
dúvida, a era contemporânea é marcada por ser a das crises e, o tema referente
à crise do sistema de fontes é bastante debatido, principalmente, nas duas
derradeiras décadas. Inclusive registra-se um famoso precedente judicial por W.
Cesarini Forza, Le fonti del diritto italiano. Cedam, Padova, 2004, onde
se questiona se é possível falar em um sistema de fontes de direito.
Uma
prova cabal dessa crise é denunciada pela intensa fragmentação da ordenação
hierárquica das fontes de direito, sendo perdida a aspiração da modernidade,
bem como a racionalidade vertical nas fontes, sempre presidida pela rainha lei,
tida como pressuposto formal, apesar de não suficiente por si mesma, de uma
racionalização mais ampla do direito.
Clóvis
V. do Couto e Silva estabelece que in litteris:
"A crise da teoria das fontes
resulta da admissão de princípios tradicionalmente considerados meta-jurídicos
no campo da ciência do direito, aluindo-se, assim o rigor lógico do sistema com
fundamento no puro raciocínio dedutivo".
A
primeira dicotomia deve ser superada, pois é fundamental que se entenda como as
relações sociais, históricas e econômicas (fontes materiais) relacionam e condicionam
a criação da lei, dos costumes, da doutrina e da jurisprudência[2] (fontes formais).
Ao
invés dessa separação estanque, a reflexão jurídica precisa buscar a
interrelação entre esses fenômenos, até porque é impossível interpretar apenas
o texto legal sem que o conteúdo esteja enraizado em determinado contexto
existencial.
Por
sua vez, apesar de toda a construção teórica moderna, dando conta que o juiz
racional irá encontrar/extrair o conteúdo normativo, é inverossímil asseverar
que a jurisprudência somente revela um direito preexistente em nada criando com
sua atuação.
A
norma – enquanto resultado de um processo decisório - é sempre um constructo do
homem que interpreta.
Os
doutrinadores, por sua vez, pautados na liberdade científica e acadêmica (art. 5º, IX, CF), possuem relevante papel de
apresentação do sistema jurídico e social, assim como a doutrina possui
importante função de analisar a concretização da democracia, da separação dos
poderes e da efetivação dos direitos.
As
fontes costumeiras demonstram-se essenciais para a efetivação da democracia
constitucional brasileira, porque a concretização da Constituição pressupõe uma
cultura disseminada de observância da separação dos poderes, de respeito aos
direitos fundamentais e de promoção da democracia[3].
Todavia,
na práxis jurídica contemporânea, observa-se uma incontestável crise na
compreensão e na utilização das fontes do direito, gerada pela ausência de uma
metodologia clara e disseminada entre os teóricos e os operadores do direito
sobre como o direito é criado e concretizado, seguindo os ditames da
Constituição Federal brasileira de 1988.
Como
consequência, a crise de compreensão e utilização das fontes jurídicas gera uma
crise do Estado Democrático de Direito, especialmente quando se cogita em
segurança jurídica, previsão ex ante das condutas a serem evitadas e das sanções
e demais consequências da regulação jurídica.
Então,
percebe-se as inconstantes relações entre os diversos atores políticos
presentes na democracia pluralista, fluxo dinâmico e incessante de relações de
mercado na globalização, o pluralismo e complexidade do meio social contemporâneo.
Além de demais fatores, que repercutem intrinsecamente, desagregando a outrora
ordem estabelecida das fontes do direito.
Portanto,
resta superada a representação ordenada e monolítica do sistema das fontes de
direito. Aliás, nesse sentido, P. Grossi considerou que a ideia de hierarquia
de fontes do direito, bem como a do primado da lei, são exemplos que tais
mitologias passam por uma reconstrução história, até marcada por valoração
negativa, do advento da codificação e do ordenamento de fontes na modernidade
jurídica. (In: Pagina introdutiva (ancora sulle fonti del diritto)
(2000), in Id., Società, diritto, Stato. Um recupero per il diritto,
Giuffrè, Milano, 2005, pp. 325-331; Id., Globalizzazione, diritto, scienza
giuridica (2002), ivi, pp. 279-300.).
O
grande perigo da racionaliza em ordem vertical das fontes do direito está na
simplificação de conteúdos do direito, ao ponto de que em primeiro lugar sobre
a unidade do sujeito de direito. A simplificação das formas e dos conteúdos,
como sendo finalizado e, trabalhado com a noção de arquitetura fechada e
acabada sem direito de aperfeiçoamentos e cíclicos de desenvolvimento e
retração.
Outro busilis
é que ao cogitar em hierarquia das fontes do direito e da hierarquia das normas
jurídicas, em literatura constitucionalista, percebe-se a insuficiência, ou
ainda, inadequação do critério de hierarquia, principalmente para o
entendimento do ordenamento jurídico contemporâneo. A própria noção relevante
de hierarquia normativa, por exemplo, mostra-se ser metáfora enganosa e
sofista.
As
relações hierárquicas existentes entre as fontes de direito e entre as normas,
quando a individuação de um ato como fonte são determinadas, de forma prevalente,
pela atividade interpretativa que sofre influências de diversas ordens.
E, que
nos conduz ao paradoxo que se estabelece na relação entre as fontes do direito
e a interpretação jurídica. E, nesses pontos, será necessário introduzir
brevemente a noção de fonte do direito bem como outras ideias associadas
habitualmente.
Em verdade, as fontes do direito passaram por diversas fases, a de construção, desconstrução e reconstrução e da relação entre estas, assumindo, particularmente, relevância o papel da doutrina[4], da jurisprudência e, principalmente, e da política e contexto histórico.[5]
A
dimensão principal do funcionamento dos sistemas normativos existentes,
considerados como sistemas jurídicos, seja no sentido da aplicação, onde o
labor das instituições de aplicação do direito é essencial para conferir
identidade a um sistema normativo. A razão relativa, especialmente, a
individuação das fontes e sua ordem hierárquica que dependem principalmente de
várias atividades dos intérpretes[6] e dos aplicadores de
direito.
Assim,
as fontes do direito e o sistema das fontes, enfim, não são um dado, mas pelo
menos parcialmente, são dados por estes mesmos determinados.
A
própria expressão "fontes do direito", uma expressão metafórica, são
todos aqueles fatos, em sentido amplo, tanto atos, quanto fatos jurídicos, aos
quais, em certo contexto cultural, histórico e social, é reconhecida a
capacidade de modificar e de inovar o ordenamento jurídico em si.
Evidentemente
trata-se de uma definição incompleta, posto que, entre outras coisas, não esclareceu:
quais são os fatos qualificáveis como fontes de direito, qual o fato
determinado é considerado como produtor de direito; em que consiste a produção
do direito, isto é, o que é produzido pelas fontes.
Assim,
o conceito de fontes e direito deverá incluir também esses elementos. E, pode indicar coisas diversas, mesmo que
coligadas e interligadas.
Quanto
ao contexto de justificação, ou seja, àquilo que os intérpretes justificam ou
consideram justificado como fonte, tem-se o sentido normativo de fonte que
indica o texto, documento onde foi produzido segundo determinada modalidade e
ao qual é reconhecida a capacidade de exprimir normas, após a interpretação. E,
tal significado mais comum é atribuído quando se menciona que a lei ou a
Constituição Federal são fontes do direito. No entanto, pode ser compreendido, por
sua vez, que essas duas variantes podem distinguir-se.
Assim,
num primeiro momento, a fonte do direito se refere ao tipo de documento ou de
ato normativo, seja lei, seja Constituição, seja Código, ou o precedente
judicial, são ao menos, fontes do direito.
Noutra
acepção, a fonte do direito se refere ao específico documento ou ato normativo
que de forma verossímil, reconhece que certa Lei é a fonte de determinada
disciplina[7].
Como
ECA quanto a situação jurídica da criança e do adolescente. O Estatuto do
Idoso, quanto a situação jurídica do idoso. E, recente, a Lei dos portadores de
deficiência física e mental.
Tal acepção torna inteligível a possibilidade
dos intérpretes, embora reconhecendo que um certo tipo normativo, de documento,
concederem que, por certas razões, possa ser qualificado como fonte de direito,
até em razão de política legislativa.
Apesar de que os intérpretes concordem que a lei seja, abstratamente, uma fonte do direito, é possível que eles mesmos não considerem propriamente fonte do direito certa lei, por exemplo, quando for inconstitucional[8], ou por invocar motivos alheios ao Direito e, impróprios para o exercício do controle social.
Em
outra acepção, a fonte, por vezes, usada para indicar também o tipo de
procedimento ou de atividade que poderá produzir regulação ou textos. E, assim,
a legislação é fonte de direito, resultante da atividade que produz documentos
normativos.
Adiante,
as fontes do direito são, às vezes, indicadas como normas que autorizam a
produção de outas normas, assim, a fonte da atividade legislativa é a
Constituição, tal como as normas constitucionais, o procedimento legislativo e,
etc.
Portanto,
as fontes do direito são todos os fatores que influem no processo de atribuição
de significado semântico aos documentos jurídicos pelos intérpretes.
E,
nesse derradeiro sentido, inserem-se as fontes substanciais do direito,
diferente das fontes formais indicadas, particularmente, nas variantes.
E, assim,
o significado normativo e não puramente descritivo da fonte, percebe-se que as
fontes substanciais são tipicamente internas e específicas do discurso jurídico,
enquanto outas fontes são comuns aos outros tipos de discursos, são obtidas de
outros universos. E, desta forma, os métodos interpretativos são fontes
substanciais internas ao discurso jurídico, mesmo que apenas em pequena parte
seja explicitamente disciplinado pelo direito positivo.
E, as
convenções sintáticas e semânticas sejam comuns à linguagem jurídica e à
linguagem ordinária, a exemplo de regras matemáticas.
São
fontes do direito documentos normativos, textos idôneos capazes de exprimir
normas jurídicas que são seguidas de interpretação[9]. E, que em um Estado de
Direito, ainda que em um âmbito de concessão nomodinâmica do Direito, em cada
atividade de produção do direito, é também, simultaneamente, uma atividade de aplicação
do direito, o sujeito que produz documentos normativos o faz em geral com base
no poder atribuído pelas normas jurídicas.
Essas
normas que são produto de interpretação de outros documentos normativos.
Conclui-se que documento normativo é fonte, produzido e interpretado pelo
sujeito. Entretanto, Kelsen não distinguiu a norma e documento normativo, tanto
que usou norma para se referir-se a ambas as coisas.
Evidente
que o problema da individuação das fontes do direito, seja em teoria ou na
prática, passa pela distinção entre direito e não-direito.
E,
será direito somente aquilo que é reconhecível como tal, conforme uma fonte do
direito. E, na prática, a individuação das fontes é essencial como bússola da
atividade de aplicação do direito, a guiar no mar da Hermenêutica Jurídica.
Em
geral, os órgãos de aplicação do direito estão vinculados a aplicar a norma
identificada sobre a base das fontes, a possibilidade de identifica a norma
como regularmente produzida por uma fonte e a disponibilidade dos critérios de
ordenação e de preferência entre as múltiplas fontes existentes em um
ordenamento suficientemente complexo, são, assim, fatores essenciais no
procedimento de aplicação do direito.
É
possível distinguir três níveis no problema das fontes. O primeiro nível de
cunho filosófico jurídico e que corresponde perguntar o que são as fontes do
direito, qual tipo de fato pode ou não aspirar à qualificação de fonte de
direito.
Na
visão juspositivista, as fontes do direito são exclusivamente fatos humanos,
particularmente, não apenas fatos humanos voltados para criação do direito.
E, na
visão jusnaturalista, serão incluídos entre as fontes, além dos fatos humanos,
os entes posteriores relativos aos comportamentos humanos voltados para criação
do direito, tais como a natureza das coisas, a razão humana, a intuição moral,
e cultura jurídica.
O
direito positivo, é cediço, é subordinado quanto à sua validade, sua
obrigatoriedade, ao seu ser "verdadeiro direito", ao direito natural.
E, na perspectiva jusrealista, na medida em que seja distinguível do
positivismo jurídico, serão fontes do direito os comportamentos e crenças
comumente não-conscientes de certos atores sociais.
Lembremos
que a teoria das fontes do direito, estruturada em sistema ordenado pelo
princípio da hierarquia e da regra
intérprete, e então, do juiz. Nesse propósito, Hart, em sua obra The Concept of Law[10], traz indicação mais detalhada das consequências práticas da identificação das fontes no ordenamento jurídico, particularmente, o italiano.
Há uma
posição juspositivista, que por sua vez, admite que fatos humanos façam, por
sua vez, referência aos critérios morais. E, a resposta positivista que é
defendida pelo positivismo jurídico inclusivo. Enquanto que a resposta negativo
pelo, chamado positivismo jurídico exclusivo, defendido por Joseph Raz, Shapiro
e Gardner)
Noutro
patamar de análise, o teórico-jurídico e que corresponde a demonstrar como
funcionam as fontes do direito, previamente individualizadas sobre uma base de
opção jusfilosófica, suas relações com a validade, aplicabilidade,
interpretação e relação entre diferentes fontes e sobretudo em que consiste o
produto das fontes. Questiona-se se serão somente normas gerais e abstratas? Ou
serão também normas individuais?
Já a
análise dogmática é consistente em questionar quais são as fontes do direito em
determinado ordenamento jurídico, e pressupõe, obviamente possuir mesmo que
implicitamente, a ideia filosófica e teórica sobre as fontes.
Em
verdade, o questionamento teórico traz uma função reconstrutiva e explicativa
e, ajuda elaborar os modelos e categorias, pelos quais sejam compreendidos os
fenômenos em observação.
O
questionamento teórico sobre as fontes do direito resta sujeito ao duplo crivo
em relação aos dados provenientes de um ou mais ordenamentos jurídicos, isso
devido a elaboração de próprias categorias a partir de tais dados e, porque
resulta exitoso se consegue explicar adequadamente tais dados.
São
fontes do direito aqueles fatos (em sentido amplo) considerados como produtivos
de direito em um determinado ordenamento jurídico. Esta resposta é, contudo,
evidentemente, question-begging: o que quer dizer de fato que “um
ordenamento jurídico” considera qualquer coisa como fonte?
Parecem
possíveis duas respostas: uma primeira resposta é que existe uma fonte dentro
de um ordenamento, se um certo tipo de fato é considerado produtivo de direito
de uma norma jurídica válida daquele ordenamento.
Se
existe uma fonte dentro de um ordenamento jurídico, se os intérpretes e,
especialmente, os órgãos de aplicação do direito, dentro de tal ordenamento,
aquele fato como produtivo de direito. Ambas as respostas, todavia, remetem a
hercúleos problemas teóricos. A primeira parece suscitar um regresso em looping
ao infinito, onde termina a cadeia de normas convalidantes do ordenamento?
A
segunda, por sua vez, parece vítima da circularidade, o direito positivo é,
realmente, identificado pelos órgãos de aplicação, os quais são, por sua vez,
identificados sobre a base do direito positivo.
A
resposta óbvia é que as fontes do direito produzem as normas jurídicas, mas é
enganadora. Pois as fontes não produzem diretamente as normas jurídicas.
Produzem um pressuposto de modo que possam então ser identificadas, após a
atividade interpretativa, as normas jurídicas. E, depois, é preciso delimitar o
conceito de norma jurídica.
Em
doutrina constitucionalista, igualmente se conhece a distinção entre
disposições e normas, sendo frequente que se refira a uma relação direta e
imediata entre as fontes e as normas, no sentido de que fontes são as que
produzem normas, sem nenhuma referência ao papel indispensável da interpretação
na mediação entre as duas.
Em
primeiro lugar, os intérpretes devem ter uma razão de qualquer tipo (contudo,
em sentido normativo, atinente ao contexto de justificação) para considerar um
certo documento como fonte.
Em
segundo lugar, isso que a fonte produz (ou, conforme o caso, aquilo que a fonte
é) não é a norma, mas qualquer coisa que somente após a interpretação pode dar
lugar à norma.
Trata-se
de uma definição teórica e, não se diz nada sobre quais sejam os critérios que
permitem considerar justificada a qualificação de um documento como normativo.
Estes
critérios podem consistir, por exemplo, na existência de uma norma válida, positiva,
sobre produção jurídica que autoriza ou impõe expressamente aos órgãos de aplicação
o uso daquele tipo de documento como fonte do direito; ou podem consistir na
deferência ao nomen iuris atribuído a um certo documento por parte da
autoridade de produção normativa; ou na deferência à uma valoração (sobre a
postura de um certo documento como fonte) efetuada por um outro órgão de
aplicação; ou, em preferência, por parte do intérprete, pela norma emanada de
uma certa autoridade em relação àquela emanada por outra autoridade (por
exemplo, em uma certa matéria).
A mais
importante das hierarquias é a axiológica[11], pois traduz a relação
entre duas normas, de forma que uma norma é considerada mais importante,
prevalente, preferível, em relação à norma outra.
A
relação de preferência depende de uma valoração comparativa substancial da importância
das normas envolvidas: em base a uma hierarquia axiológica, uma norma prevalece
sobre outra, se é considerada mais adequada aos valores, aos princípios, à doutrina
ético-política que inspiram o sistema jurídico ou um seu subsistema (o juízo de
importância comparativa pode considerar, obviamente, seja específicas normas individualmente
consideradas, seja classes ou tipo de normas).
Em
geral, uma hierarquia axiológica determina a aplicabilidade de uma norma (considerada
mais importante) e a inaplicabilidade de outras (menos importantes).
Uma
hierarquia axiológica resolve-se, então, em um critério positivo ou negativo de
aplicabilidade. O conceito de hierarquia axiológica refere-se, portanto, à
noção de aplicabilidade (em particular, à aplicabilidade de normas): sempre que
um critério de aplicabilidade estabelece qual norma ou tipo de norma deva-se
aplicar com preferência a outra norma ou tipo de norma, estabelece, com isso,
uma hierarquia axiológica entre essas duas normas ou tipos de normas.
Uma
hierarquia axiológica pode concorrer também com uma hierarquia material, e em
tal caso a norma “inferior” é não só não-aplicada, mas também declarada
inválida (ou melhor, é desaplicada ou então declarada inválida, dependendo que
o órgão de aplicação, às vezes interessado, tenha ao menos também o poder de
anular normas).
Esta
é, entretanto, somente uma possibilidade contingente: não é dito que entre duas
normas haja, ao mesmo tempo, uma relação de hierarquia axiológica e uma de hierarquia
material.
Em um
sentido mais específico, contudo, a noção de hierarquia axiológica pode ser
referida somente aos casos aos quais venha instituído uma relação de
preferência entre duas (ou mais) normas, de acordo com um critério jurídico
positivo ou então sapiencial, sem que isso determine necessariamente a
invalidade, o anulamento ou a revogação da norma menos importante. É nesse
sentido que aqui ser verá definida a noção de hierarquia axiológica.
A
noção de hierarquia axiológica importa não só nas relações entre normas, mas
também nas relações entre documentos normativos (isto é, entre fontes). Isso em
duas modos: em primeiro lugar, muitas vezes o intérprete pode ter razões para preferir
um (tipo de) documento normativo a outro, independentemente do conteúdo dos
documentos envolvidos; e, assim, a hierarquia axiológica manifesta-se em uma preferência
que emerge já ao nível da fonte, e não da norma (esse é o caso, por exemplo, do
princípio da legalidade em matéria penal: o intérprete deve preferir a lei em
face das outras fontes; e o mesmo vale em geral para todos os casos de reserva
de lei).
Em segundo
lugar, uma atividade constante de inaplicação de uma certa norma da parte dos
órgãos de aplicação (porque aquela norma é considerada recessiva em relação a
uma outra em uma hierarquia axiológica) produz um resultado que, na verdade, é
indistinguível no que diz respeito à anulação da norma recessiva e à revogação
da disposição que a exprime.
Nem
todos os tipos de documentos em que vem reconhecido o valor de fonte do direito
possui a mesma força vinculante: o recurso a certos tipos de fontes pode ser
considerado “obrigatório” (fontes obrigatórias), enquanto o recurso a outros
tipos de fontes pode ser considerado somente “permissivo” (fontes permissivas).
As
fontes mais comuns são aquelas do primeiro tipo, aquelas as quais o intérprete tem
obrigação de utilizar. Os exemplos são bastante banais: a sujeição do juiz à
lei (pelo ordenamento italiano: art. 101, Const.); o princípio da
irretroatividade das leis penais.
Geralmente,
ignorar uma fonte desse tipo, ou errar sobre a sua aplicação são razões de invalidade
da decisão do órgão de aplicação.
As
fontes permissivas são fontes que podem ser levadas em consideração pelo órgão
de aplicação, mas que o órgão de aplicação poderia também ignorar sem que, com
isso, vicie a validade da decisão autorizativa.
São
exemplos de fontes permissivas (é obvio que o elenco é, sobretudo,
contingente): o direito jurisprudencial, a sentença interpretativa da Corte
Constitucional, os trabalhos preparatórios no procedimento legislativo, as
interpretações doutrinárias[12], os precedentes
estrangeiros (esses últimos, por ser normalmente utilizados como fontes
permissivas, merecem uma menção à parte pelo fato de serem fontes externas ao
ordenamento.
A
distinção entre fontes obrigatórias e fontes permissivas é, em certa medida, um
dado de direito positivo (isso fica evidente quando é estabelecida a invalidade
de uma decisão autoritária adotada em contraste com certo tipo de fonte).
Todavia
é uma distinção que, como vem se vê, é, muitas vezes, gradual, ou, melhor
dizendo, imprecisa, e depende, em última análise, da interpretação e da
construção dogmática dos intérpretes. Serão os intérpretes, em última análise,
que decidirão se uma certa fonte recai em uma ou em outra categoria. Para
exemplificar: a distinção entre reserva de lei “absoluta” e reserva de lei
“relativa” é uma distinção muito debatida, e com frágeis bases textuais na
Constituição[13].
Todavia,
tal distinção permite, onde for aceita, a utilização somente da lei como fonte
obrigatória em matérias cobertas pela reserva de lei absoluta, e a utilização
também de outros tipos de fontes em matérias cobertas por reserva de lei relativa.
Portanto,
a possibilidade ou não de utilizar uma fonte diversa da lei, em certa matéria
coberta por reserva de lei, depende, inteiramente, de uma construção dogmática (a
distinção entre reserva de lei “absoluta” e “relativa”) os intérpretes e, em
primeiro lugar os órgãos de aplicação, são efetivamente aqueles que controlam,
em última análise, a identificação das fontes e a sua ordenação hierárquica.
Todavia, eles podem fazer isto somente levando em consideração vários vínculos
(limites), alguns dos quais podem mesmo ser muito rigorosos.
Um
primeiro vínculo é a ideologia pessoal das fontes do direito do singular intérprete:
possuindo uma certa ideologia das fontes, ainda que inconscientemente, o
jurista será levado a “ver” as fontes e a sua ordenação em certo modo, será
guiado, também inconscientemente, a certas direções, em vez de outras.
Um
segundo vínculo é a ideologia das fontes do direito dominante em certo contexto
juspolítico: cada jurista e, sobretudo, cada órgão de aplicação, está inserido em
uma mais ampla “comunidade”, utilizando esse termo em sentido totalmente avalorativo,
de operadores jurídicos, comunidade que é, aliás, estruturada de maneira hierárquica,
cortes superiores que podem anular as decisões de cortes inferiores, órgãos de
mera execução, etc.; e ainda, no final das contas, ao menos parte das razões pelas
quais um jurista adota uma ideologia das fontes do direito será representada pela
circunstância que também outros juristas compartilham dessa mesma ideologia e
que, portanto, o jurista prefere, em última análise, jogar o mesmo jogo dos
outros juristas.
Precisamente, é provável que cada jurista negociará uma espécie de “overlapping consensus”[14] entre a própria ideologia das fontes e aquela dominante – e, muitas vezes, essa convergência “mantém-se”, em razão (e porque) não é discutida.
“Consenso
sobreposto” é um termo cunhado por John Rawls em Uma Teoria da Justiça e
desenvolvido. O termo consenso sobreposto refere-se aos defensores de
diferentes doutrinas normativas abrangentes que implicam concepções
possivelmente inconsistentes de justiça, pode organizar com princípios
particulares de justiça que subscrevem como instituições básicas de uma política.
Doutrinas abrangentes podem incluir sistemas de religião, ou moralidade.
O
jurista preferirá que as suas decisões e suas argumentações resultem
convincentes, compartilháveis, com seu auditório, as partes de um processo, os
juízes dos graus sucessivos, a comunidade dos juristas acadêmicos, etc., e por
isso deverá compartilhar com eles um léxico de base: a possibilidade do
desacordo pressupõe necessariamente um fundo compartilhado.
Provavelmente,
um acordo de máxima entre os juristas sobre individuação das fontes aplicáveis,
pelo menos prima facie, é uma condição imprescindível, necessária e
mínima para a própria sobrevivência e continuidade de um sistema jurídico.
Existe
igualmente uma crise no entendimento e no uso da doutrina, dos direitos humanos
e costumes enquanto fontes do direito, influenciando negativamente na promoção
do Estado Democrático de Direito. Deve-se a isso porque a doutrina deixa de
cumprir o seu papel de reflexão crítica, séria e profunda dos fenômenos sociais
e jurídicos pautados em valores da democracia constitucional.
Os
importantes direitos humanos não são conhecidos por doutrinadores, juristas,
operadores do direito e, mesmo cidadãos. Há subvalorização de costumes
jurídicos e desconsideração da fonte costumeira na garantia dos direitos e há
promoção da democracia.
Aliás,
o positivismo normativista do século XIX e, início do século XX propôs,
infelizmente, papel inadequado para a doutrina jurídica. A função social dos
doutrinadores e estudiosos da Ciência Jurídica era descrever o direito e o
sistema jurídico estabelecido.
E,
ainda, o ensino jurídico e as obras jurídicas contemporâneas são pródigas em
adotar um modelo meramente descritivo e não reflexivo do fenômeno jurídico.
Precisamos estar atentos ao fenômeno jurídico que abriga tantas tensões sociais
e, ainda, enfrenta dilemas e problemas transindividuais, constitui-se relevante
mecanismo de integração social.
Portanto,
não cabe mais a doutrina apenas apresentar o direito posto, sendo indispensável
analisar a função social do direito vigente, avaliando se é ou não socialmente
adequado.
Outro
viés da crise na teoria das fontes, refere-se a rasa compreensão a respeito de
costumes jurídicos. Indo além das regulamentações expressas e escritas em leis,
portarias, resoluções, contratos e etc., há necessidade de haver densificação
das prescrições normativas nas situações da vida contemporânea. Afinal, os
costumes jurídicos servem para contribuir para a legitimidade do Direito porque
não estão dissociados da cultura.
E, os
modos de ser de certo grupo, ou de parcela da sociedade condicionam as ações de
seus membros integrantes, sendo a cultura composta por uma sucessão evolutiva
de tradições e costumes.
As políticas públicas de combate as agruras como a miséria, a falta de inclusão do cidadão e outras polêmicas sociais, moradia, educação e saúde, nos faz recordar que o Brasil ratificou em 1992 o Pacto de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, através do Decreto 591/1992, para proteger seus cidadãos, contra as terríveis e nefastas consequências da miserabilidade e, extermínio da dignidade da pessoa humana.
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Notas:
[1]
Disposições como as do artigo 926 CPC (dever de uniformização da
jurisprudência), 927, IV CPC (dever de se observar o enunciado de súmulas sem
efeitos vinculantes do Supremo Tribunal Federal - em matéria constitucional - e
do Superior Tribunal de Justiça - em matéria infraconstitucional), as do artigo
1.043 (viabilidade dos embargos de divergência em sede de recurso especial e
de recurso extraordinário) e as do artigo 489, § 1º, VI (dever de
fundamentação, sempre que o julgador "deixar de seguir enunciado de
súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte"), pareciam
indicar que mesmo os precedentes persuasivos, especialmente aqueles oriundos
das nossas Cortes Superiores, estariam aptos a exercer inequívoco poder de
influência na formação das decisões judiciais.
A expectativa de
concretização dessa premissa decorre diretamente do papel atualmente
desempenhado pelas Cortes Superiores em nosso sistema, que vai muito além do
mero controle de legalidade/constitucionalidade das decisões oriundas das instâncias
ordinárias (função repressiva), alcançando, em sua essência, o papel de
orientar e integrar a aplicação do direito visando à solução dos casos futuros
(função proativa).
Ocorre que, por ocasião do
julgamento do Recurso Especial 1698774/RS (processo em segredo de justiça,
realizar busca pelo número de registro: 2017/0173928-2), a 3ª Turma do STJ
decidiu que juízes e tribunais não estão obrigados a justificarem a não
aplicação de precedente persuasivo e/ou súmula sem efeito vinculante invocados
pelas partes, o que afirmou por entender que a abrangência do artigo 489, § 1º,
VI, do CPC, "deve levar em consideração que o dever de fundamentação
analítica do julgador, no que se refere à obrigatoriedade de demonstrar a
existência de distinção ou de superação, limita-se às súmulas e aos precedentes
de natureza vinculante, mas não às súmulas e aos precedentes apenas
persuasivos." In: DA SILVA, Diego. Cortes Superiores, seus precedentes
persuasivos e fundamentação das decisões judiciais. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/335129/cortes-superiores--seus-precedentes-persuasivos-e-fundamentacao-das-decisoes-judiciais
Acesso em 06.02.2022.
[2] O Supremo Tribunal Federal expressou a percepção doutrinária, ao assinalar que “o ordenamento normativo nada mais é senão a sua própria interpretação, notadamente quando a exegese das leis e da Constituição emanar do Poder Judiciário, cujos pronunciamentos qualificam-se pela nota da definitividade”, Em seguida, registrou que “a interpretação, qualquer que seja o método hermenêutico utilizado, tem por objetivo definir o sentido e esclarecer o alcance de determinado preceito inscrito no ordenamento positivo do Estado, não se confundindo, por isso mesmo, com o ato estatal de produção normativa. Em uma palavra: o exercício de interpretação da Constituição e dos textos legais - por caracterizar atividade típica dos Juízes e Tribunais - não importa em usurpação das atribuições normativas dos demais Poderes da República”.
[3] O fenômeno da judicialização da política é
estrutural no mundo contemporâneo, mas se tornou nítido e importante no Brasil
principalmente após a Constituição de 1988. Em virtude i) da dificuldade
(custos políticos e formação de maiorias) de parlamentos regulamentarem questões
sociais importantes, ii) de diversas leis e da Constituição estabelecerem
direitos fundamentais e iii) da independência judicial e do controle judicial
de constitucionalidade, os Tribunais passam a decidir situações sociais
importantes e promoverem direitos, atuando em assuntos originalmente
enfrentados pelo Poder Legislativo e pelo Executivo. In: FEREJOHN, John.
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Southern California Law Review. V. 72, p. 353-384, 1999; FEREJOHN, John. Judicializing
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Estudos avançados. V. 18, n. 51, p. 91-92, maio/ago. 2004; ROBL FILHO, Ilton
Norberto. Conselho Nacional de Justiça: Estado Democrático de Direito e
Accountability. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 213-228.
[4]
O termo jurisprudência pode ser utilizado para significar a atividade romana de
julgar com prudência para obter justiça um caso concreto (jurisprudentia),
o estudo do Direito (jurisprudenz), o próprio Direito (jurisprudence)
ou como um padrão decisório que serve para decidir casos futuros
(jurisprudência). Entendo que no Brasil tal padrão não é, em regra, racional
(passível de controlabilidade democrática dos fundamentos decisórios pela
sistemática violação do dever de fundamentação) e, por isso, inexiste, em
sentido técnico, jurisprudência em nosso país. O precedente, em sentido não
jurídico, pode ser compreendido como uma referência, um modelo, uma razão que
serve de paradigma para o futuro, bem como, "no Direito, um precedente,
instituto tradicional e típico dos países sob o common law, é uma decisão
judicial pretérita que acaba por ter relevância em casos subsequentes, servindo
de referência na decisão desses casos"
[5]
Defendemos que as Cortes Superiores do nosso país precisam assumir e fazer
respeitar o relevante papel que desempenham em nosso sistema de justiça, o que
afirmamos não como quem quer criticar decisões judiciais por mera
desconformidade com seus interesses particulares e/ou políticos. Pelo
contrário: a nossa crítica - respeitosa, repita-se - é sistêmica.
Inclusive, Luiz Guilherme
Marinoni já nos alertava para isso, muitos anos antes de o atual código de
processo civil ser promulgado¹. Vejamos:
"(...) O que realmente
deve ter significado é a contradição de o juiz decidir questões iguais de forma
diferente ou decidir de forma distinta da do tribunal que lhe é superior. O
juiz que contraria a sua própria decisão, sem a devida justificativa, está
muito longe do exercício de qualquer liberdade, estando muito mais perto da
prática de um ato de insanidade. Enquanto isto, o juiz que contraria a posição
do tribunal, ciente de que a este cabe a última palavra, pratica ato que, ao
atentar contra a lógica do sistema, significa desprezo ao Poder Judiciário e
desconsideração para com os usuários do serviço jurisdicional.
(...) Muitas decisões do
juiz de 1º grau de jurisdição e do tribunal deixam de tomar em consideração os
próprios precedentes invocados pelos advogados, o que, além de significar
ausência de respeito ao tribunal a quem a Constituição atribuiu o dever de
definir a interpretação da lei federal, representa, no mínimo, violação do
dever constitucional de fundamentação. A circunstância de os juízes e os
tribunais não demonstrarem as razões para a não aplicação dos precedentes do
Superior Tribunal de Justiça elimina a possibilidade de ser ver neles qualquer
efeito."¹ In: DA SILVA, Diego. Cortes superiores, seus precedentes
persuasivos e fundamentação das decisões judiciais Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/335129/cortes-superiores--seus-precedentes-persuasivos-e-fundamentacao-das-decisoes-judiciais
Acesso em 06.02.2022.
[6]
É notável verificar que a ideologia pessoal das fontes do direito do singular
intérprete atua ainda que inconscientemente, pois o jurista será forçado a
enxergar as fontes e a sua ordenação em certo modo, sendo guiado, a certas
direções, em vez de outras. A ideologia das fontes do direito em certo
contexto, observar que cada jurista, cada órgão de aplicação da lei, está
inserido em ampla comunidade, que é estruturada de forma hierárquica, cortes superiores
que podem anular as decisões de cortes inferiores, como órgãos de mera
execução.
[7] Apesar de o Brasil adotar um sistema de governo presidencialista, não existe na dinâmica concreta da política e do plano institucional uma grande autonomia do Parlamento Nacional em relação à Presidência da República. Em verdade, a maioria dos congressistas constitui-se em base de apoio ao Executivo Federal, estabelecendo-se um presidencialismo de coalização. Desse modo, no âmbito da ciência política, é mais correto afirmar que a coalização governamental, guiada por interesses e propostas políticas do Executivo, produz decisões sociais e políticas na forma legal. Em outras palavras, a lei é uma decisão tomada pelo legislador com grande influência do Executivo.
[8]
A restrição dos efeitos das leis vigentes ainda ocorre pelas inúmeras
Resoluções, Portarias e Atos Administrativos postos pelo Poder Executivo e pelo
próprio Poder Judiciário. Observam-se, por exemplo, i) inúmeras Resoluções e
Portarias da Receita Federal sobre
Direito e Processo Tributários, ii) diversos atos normativos editados pelo Conselho Nacional de Educação
acerca do direito à educação e da gestão
das atividades educacionais, iii) importantes normas sobre direito à saúde e à pesquisa no Conselho Nacional de Saúde e
iv) atos normativos emanados pelo poder
regulamentar do Conselho Nacional de Justiça, atuando sobre assuntos claramente objeto de Reserva de Lei
(Estatuto da Magistratura).
[9] Para CELSO RIBEIRO BASTOS, a interpretação é sempre concreta, o que equivale dizer que só é passível de exercitar-se a interpretação quando se está diante de um caso a merecer decisão. Em síntese, especifica que “a interpretação tem sempre em vista um caso determinado”. A hermenêutica, de sua parte, tem por objeto os enunciados, fórmulas que serão utilizadas pelo intérprete.
[10]
Essa obra teve efeitos de longo alcance, não somente no pensamento e estudo da
fundamentação no direito comum inglês, mas igualmente, na teoria e moral.
Trata-se de exame filosófico da base do direito. Tem sido mesmo leitura
obrigatória nos cursos de filosofia. É obra relevante para aqueles que buscam a
compreensão da base filosófica do direito. A obra é constituída por dez
capítulos, cada um abordando um aspecto
do direito. O primeiro capítulo aborda questões persistentes e perplexidades da
teoria jurídica. Hart aborda três questões neste primeiro capítulo: "Como
o direito difere e como está relacionado a ordens apoiadas por ameaças? Como a
obrigação legal difere e como está relacionado à obrigação moral? O que são
regras e até que ponto O direito é uma questão de regras?". Perto do final de uma resposta a essas
perguntas, Hart oferece uma resposta para a pergunta; O que é lei? O capítulo
dois examina leis, comandos e ordens. Especificamente, o autor examina variedades
de imperativos e leis como ordens cogentes. Isto é seguido por uma discussão
sobre a variedade de leis, seu conteúdo, alcance de aplicação e modos de
origem.
[11] Para bem a compreender, imaginariamente,
pode-se criar uma estrutura piramidal, onde, de cima para baixo, se colocam
normas com maior caráter subordinante, a fim de imprimir, no campo da eficácia,
a orientação consequente da hegemonia e preeminência ideológica. A grande
importância normativa da jurisprudência pode ser demonstrada pela criação da
“Súmula da Jurisprudência Predominante” do Supremo Tribunal Federal, para
proporcionar maior estabilidade à jurisprudência e facilitar o trabalho do
advogado e dos tribunais, simplificando o julgamento das questões mais
frequentes. A súmula, enunciado que resume uma tendência sobre determinada matéria,
decidida contínua e reiteradamente pelo tribunal, constitui uma forma de
expressão jurídica, por dar certeza a certa maneira de decidir. Hodiernamente,
somente o STF (EC n 45/2004, que acrescentou à CF o art. 103-A) poderá emitir
súmula vinculante.
[12]
Existe aspecto da argumentação jurídica que intriga muito, a citação de fontes
doutrinárias. E, diante da decisão do STF no caso das células-tronco, vide ADI
3510/DF, Relator Ministro Carlos Britto, j.29.05.2008, é notável a expressiva
quantidade de autores e obras doutrinárias, ao longo de todos os votos que
compuseram o acórdão. A noção de integridade no Direito não atende cabalmente a
angústia do jurista ou à insuficiência teórica, mas ainda, é a que melhor se
aperfeiçoa sobre o problema da aplicação do Direito, principalmente, da
Constituição.
[13]
A valorização da Constituição não implica em recusa à importância da Lei, que
além de fonte imediata do Direito, é importante mecanismo de concretização e
regulamentação legítima da própria normatividade constitucional. A crise das
fontes do Direito ora diagnosticada demonstra Marrafon que o primado do
jurisprudencialismo promove grave insegurança jurídica e viola os princípios
estruturantes e basilares do modelo de Estado Democrático de Direito. Neste, o governo das leis é incompatível com
o governo dos juízes e suas vontades.
[14]
Em 1971 John Rawls publicou A Theory of Justice; com o tempo, ele parece
ter ficado insatisfeito com a forma que sua teoria tinha originalmente tomado.
O problema, diz Rawls, é que ele inicialmente havia assumido que os dois
princípios da justiça como justiça (o princípio da igualdade de direitos e
liberdades básicas e o princípio da igualdade justa de oportunidades
emparelhados com o benefício mútuo nos resultados e, no caso ideal, o maior
benefício do grupo de renda menos bem-fadado) se tornariam parte de uma teoria
moral abrangente em qualquer sociedade bem ordenada na qual esses princípios
eram os princípios públicos de justiça. Tal sociedade seria estável porque
todos nela continuariam a manter os dois princípios à luz dessa teoria moral
abrangente, que continha esses princípios como parte integrante. Mas essa
aceitação uniforme de uma teoria moral, Rawls agora diz, é implausível.