A questão militar e o caso Dreyfus
O caso Dreyfus fora um equívoco do judiciário francês resultando em escândalo político, ocorrido na última década do século XIX. A vítima era o oficial de artilharia do exército francês, de origem judaica que fora acusado de vender segredos militares a um adido alemão. Sua condenação pautada em documentação falsa e denunciada pelo escritor Èmile Zola que redigiu carta aberta ao presidente francês e publicada na imprensa francesa denunciando que o exército teria condenado um inocente deliberadamente.
O caso Dreyfus mostra-se muito
contemporâneo, particularmente, ao nosso país depois do impeachment de Dilma
Rousseff[1].
Há sinceras dúvidas e a
inexistência de estatísticas confiáveis sobre a afirmação de que a França
estava fendida ao meio. Aliás, tal termo "partida ao meio" é muito
usado de forma indiscriminada, como se tal fato tivesse aceitação pacífica, ou
ainda, relativamente metafórica.
Em verdade, a divisão do caso
segundo atestam os partidários de Dreyfus não passavam de um pequeno grupo,
ainda que dentre estes despontassem as celebridades tal como Émile Zola,
Anatole France e o próprio Clemenceau. Já os seus oponentes, apesar de quem
número maior, digladiavam-se entre a maioria desinteressada. Bem menor é a
relevância da influência do affaire sobre os envolvidos, fossem reais ou
imaginários.
O príncipe de Guermantes e
Robert de Saint-Loup são mais dois exemplos tirados de Proust: os personagens
(Saint-Loup é amigo próximo do narrador), pertencentes a uma das mais antigas
famílias aristocráticas da França, marcharam cada um para um lado, o primeiro
admitindo, constrangido, ter sido obrigado a apoiar a causa por uma questão de
honestidade, de respeito aos fatos; o segundo, único dreyfusard da
família, volta atrás por fidelidade à
instituição à qual pertence, o exército, mesmo reconhecendo a inocência do
capitão.
Ao lado dos “vira-casacas”,
não custa recordar a situação de Swann, que, embora nunca tenha mudado de
partido, demonstrou, ao final da vida, a mesma volubilidade ao mudar de opinião
a respeito dos amigos e inimigos de sua causa.
Em todos esses exemplos, já
que nada indica que achasse Dreyfus verdadeiramente culpado antes de sua
envergonhada apostasia (renúncia ao judaísmo) o que prevaleceu foi a paixão, o
comportamento típico do integrante da massa, cujos sintomas Freud identificou
na forma do “enfraquecimento da aptidão intelectual, a desinibição da
afetividade (…), a tendência a ultrapassar todas as barreiras na expressão de
sentimentos”.
Embora seja mais difícil alterar
a opinião sobre os pivôs das crises (mas não impossível), constrange-se com a
facilidade que se transformam os julgamentos sobre seus partidários, assim como
a maleabilidade lógica dos argumentos invocados numa causa ou outra, basta
perceber que o impeachment contra
Fernando Henrique Cardoso era uma legítima aspiração do povo brasileiro,
enquanto o processo contra Dilma Rousseff foi encarado como golpe[2]; o Brasil mergulhou-nos
num Estado de exceção, ao passo que países como a Venezuela são poupados; a
bandeira anticorrupção hasteada nos anos pré-mensalão transformou-se hoje numa proeminência
do Judiciário no cenário da política republicana.
Outra similitude relevante
entre os dois períodos em comento é da proporção diametralmente inversa
existente entre o significado histórico do caso e a relevância pessoal de seus
pivôs. Mesmo depois da reabilitação do capitão e, depois de punidos os
conspiradores e, as consequências do affaire persistiram, junto com o
trauma, porque afirmavam que era algo maior do que a acusação de espionagem
contra um oficial judeu.
Outras coisas relevantes
revelam que o que estava em jogo, era a divisão da França persistiu além do ano
de 1906. Eric Hobsbawm e Hannah Arendt argumentam que a “reação de horror”
provocada pelo caso engatilhou o estabelecimento do sionismo.
Acredita-se que a nossa
divisão ideológica não se diluirá no espaço após as eleições de outubro de 2022.
Esse novo trauma brasileiro seguirá ainda por um bom tempo e, queiram ou não,
seus admiradores ou detratores, poia cada vez menos refere-se à figura de Luiz
Inácio Lula da Silva[3].
O próprio Proust emprestou
dons premonitórios à duquesa de Guermantes, prima do príncipe, ao apontar para
a mediocridade das cartas e da personalidade de Dreyfus e afirmar, nas
entrelinhas, que o capitão, saindo vitorioso ou não, teria um futuro pouco
brilhante.
Arendt o descreveu como membro
de uma família de “judeus antissemitas” (ou seja, plenamente ajustados ao
sistema e desconfiados dos judeus estrangeiros ou recém-nacionalizados), o
“arrivista” que gastava altas somas de dinheiro com mulheres. Estou correndo
certo risco aqui, mas me tenta a ideia de seguir vendo os brasileiros metidos
numa discussão que, daqui a alguns anos e talvez por motivos diversos, não mais
terá o Presidente Lula como seu protagonista.
Em verdade, o caso Dreyfus
tinha apenas um lado escorreito, em face das evidências de fraude e tornaram-se
cristalinas com o passar do tempo.
Ademais formou-se autêntico
labirinto jurídico dos julgamentos, recursos, anulações, apelações e
julgamentos paralelos e paradoxais, havendo idas e vindas de teses alucinadas,
injustiças e um clima de total imprevisibilidade ou insegurança jurídica e a infiltração
da política a criar um conjunto no qual revela-se o caos, algo muito similar ao
contexto do Brasil contemporâneo.
Dreyfus culpado e acusado
falsamente de conspiração, veio a ser absolvido pela história, mas num
disputado cabo de guerra entre agressões e golpes baixos, todos perderam muito.
Os efeitos sociais do conflito
acarretarão pancadarias, destruições e instabilidade política e vigilância
ideológica tanto em aeroportos como na internet e que tantas outras tragédias
conhecidas ou não.
A confusão criada pela estreia
da peça “L’Affaire Dreyfus”, em 1931, quando militantes da Action
Française, movimento de extrema direita, tentaram impedir a apresentação,
foi prenúncio de um hábito que se multiplicou e intensificou nos anos
seguintes, e ganhou um estranho paralelo nos teatros e museus do Brasil no
século XXI.
Tais efeitos sociais deram
origem, também, a fenômenos remediadores, como o surgimento duma nova etiqueta,
um eco distante do que ocorreu na França do fin-de-siècle[4],
onde se falava (e muito) sobre Dreyfus, mas, geralmente depois de se tomar os
devidos cuidados – a começar pela identificação prévia do posicionamento do
interlocutor ou, na falta de certeza uma espécie de censura de salão.
Mas será que a questão judaica
morreu junto com Marx, Wagner e Dreyfus ou simplesmente se transferiu da Europa
Ocidental para o Oriente Médio, de onde é de novo irradiada para o resto do
mundo?
E, o embate entre
conservadores e progressistas, cristãos e anticlericais, jacobinos e liberais?
Eis o perigo das polaridades políticas num cenário incandescente. Eis que
Proust para nos lembrar que o resgate do tempo perdido serve, ou deveria
servir, para evitarmos as mesmas catástrofes.
Há mais de cem anos, o alto
comando do Exército francês encenou um lance de espionagem e condenou um
inocente. Era o capitão Alfred Dreyfus que fora acusado de vender informações
secretas aos alemães, recebeu a pena de prisão perpétua. A finalidade era
desviar a atenção dos inimigos do verdadeiro segredo, um novo canhão, uma arma
poderosa de guerra.
Porém, tudo fora descoberto.
Indignados, os cidadãos exigiram a revisão do caso. E, a França jamais seria a
mesma nação.
Quando o capitão de Artilharia,
Alfred Dreyfus, oficial do Estado-Maior do Exército, foi sentenciado à prisão
perpétua na Ilha do Diabo, Guiana Francesa, em 1894, não houve protesto. A
opinião pública também o condenou sumariamente.
O contexto mostrava a França,
que estava recém-saída da guerra contra a Prússia, vivia um período de
estabilidade política interna e a população encarava as Forças Armadas como as
intocáveis guardiãs da Segurança Nacional[5].
Alguns anos se passaram até
que algumas das ilustres personalidades francesas viessem a denunciar as
diversas irregularidades do processo e, entre estas estavam escritores como
Émile Zola e Anatole France, Charles Péguy e ainda, Alfred Bruneau e Albèric
Magnard. Porém, apenas em 1906 que finalmente sua inocência fora reconhecida e,
então, fora reabilitado.
Lastreado em minucioso exame
de toda a documentação existente, incluindo-se os arquivos nunca abertos e
sigilosos, formulou-se coerente justificativa e ergueu-se probabilidade de aproximar-se
do que realmente aconteceu, mas que difere do que é comumente aceita por especialistas
no tema, como Jean-Denis Bredin, respeitado autor da obra de L'Affaire
(O Caso).
Habitualmente, acreditou-se
que o Dreyfus fora acusado em face de erro decorrente de uma apressada perícia
e, a esse erro juntou-se também ao preconceito, pois o capitão era judeu, de
origem burguesa, numa arma do Exército onde predominava elites aristocráticas.
Assim, apoiado num antissemitismo
da opinião pública, sem poder admitir que escolhera o homem errado, o Exército
teria feito de tudo para condená-lo a fim de proteger o verdadeiro culpado.
Um renomado especialista Doise
opinou de que o indiciamento do capitão não ocorre por acaso e, sim, por
deliberada escolha de seus superiores. Afinal, para Doise, o antissemitismo,
embora tenha pesado no processo, não fora o elemento significativo no início.
E, o ponto de partida do Caso,
foi uma intox (abreviatura de intoxication) nome dado às
operações com que o Serviço de Renseignements (SR) serviços de
informações do Exército semeava notícias falas para despistar os inimigos em
potencial.
E, passados vinte e quatro
anos da derrota para os alemães na Guerra Franco-prussiana, a França
experimentava uma certa prosperidade econômica, além de grande efervescência
cultural e, também, intenso desenvolvimento científico.
E, externamente, graças à expansão
colonial das décadas de 1880 a 1890, recuperava igualmente o preponderante
papel entre as potências da Europa.
Porém, restava ainda ameaças:
a aliança da Alemanha com a Itália e o Império Austro-Húngaro e, os atritos com
a Grã-Bretanha devidos aos litígios coloniais.
E, tal situação amedrontava os
franceses com possibilidade de que houvesse nova guerra e que viesse a
perturbar a tranquilidade daqueles derradeiros dias do século XIX, ao qual se
chamou de Belle Époque, em que se imortalizaram os belos cartazes do pinto
checo Alfonso Maria Mucha.
Naquela época, o povo
enxergava as Forças Armadas como garantia da Segurança Nacional, e a necessidade
de preservar os segredos estratégicos gerava uma febre de espionagem e fobia de
traição.
Esses segredos, segundo Doise,
estava o mais importante que era o canhão de 75 mm dotado de revolucionário
freio que amenizava o recuo da arma depois do disparo, tornando-se mais rápido,
eficiente e letal arma e foi uma das causas principais da vitória francesa na
batalha de Marne, durante a Primeira Guerra Mundial.
A opinião pública, atemorizada
pelos riscos de segurança que a traição poderia acarretar, e envenenada pela
propaganda antissemita de jornais como o de Drumont ou o católico La Croix,
não estranhou as...
Para proteger um segredo de
guerra, o Exército francês condenou um de seus capitães, seguindo a onda de
antissemitismo que já assolava a Europa da época.
No dia treze de janeiro de
1898, o notável Émile Zola revelava aos leitores uma grande farsa. Denunciou o
Tribunal e o Alto Comando Militar da França, Zola publicou no jornal L'Aurore
extensa carta revelando toda a fraude contra Dreyfus. Denominada J'accuse,
(eu acuso), a carta denunciava que o exército condenou Dreyfus à prisão
perpétua calcado em documentos falsos e, acobertado por uma forte onda de
nacionalismo e xenofobia.
Em 1894 o capitão Dreyfus fora
acusado de vender informações secretas aos alemães e, fora condenado pelo seu
próprio exército sofrendo com antissemitismo que tanto assolavam a Europa,
sendo sentenciado à prisão perpétua na Guiana Francesa e, acabou ficando
isolado por quatro anos, até que muitas vozes se ergueram para defendê-lo.
A referida acusação fora feita
vinte e quatro anos depois da Guerra Franco-prussiana, quando a já tinha
conseguido se reconstruir e experimentava um florescimento cultural e
econômico, no contexto da Belle Époque.
Os franceses temerosos que uma
nova guerra contra a Alemanha abalasse a prosperidade do país e, colocavam toda
sua confiança nas forças armadas.
A acusação contra Dreyfus
surgiu devido a necessidade de proteger segredos estratégicos, pois novo e
poderoso canhão de guerra estava sendo construído, mais eficiente que qualquer
arma do Exército Alemão. E, para proteger essa informação, os franceses então
criaram uma série de documentos falsos sobre outra arma, que deveriam ser
entregues aos alemães por um espião.
Para que a mentira
funcionasse, tanto os documentos quanto o espião deveriam ser apanhados e
condenados. E, a vítima da vez foi o Dreyfus, membro de uma família de
industriais judeus-alemães e que já visto com desconfiança entre seus pares[6].
Quatro anos depois,
personalidades resolveram levantar a voz contra essa fraude. Mudando a opinião
do povo ao provar que o exército falsificara documentos, a carta de Èmile Zola
— junto a denúncias do poeta Charles Péguy e de compositores como Alfred
Bruneau — levou Dreyfus a deixar a prisão, e em julho de 1906 sua inocência foi
oficialmente reconhecida.
Em 15 de outubro do mesmo ano,
Dreyfus assumiu o comando da artilharia de Saint-Denis, se aposentando anos
depois para viver de maneira discreta em Paris e falecendo em julho de 1935,
aos 76 anos. Apesar de todas as provas que o inocentavam, o Exército Francês
continuou por muito tempo a acusá-lo como traidor.
Foi no dia 22 de dezembro de
1894 que foi proferida a sentença, após um breve julgamento, feito em tribunal
militar e à porta fechada, de prisão perpétua.
Dreyfus foi acusado de passar
documentos militares secretos ao exército alemão. Foi destituído da sua patente
e enviado para a Ilha do Diabo, a prisão militar francesa na Guiana, onde viveu
vários anos até à reabertura do processo, após o escândalo que rebentou junto
da opinião pública francesa.
A 15 de janeiro de 1895,
Dreyfus é solenemente destituído na grande parada da Escola Militar e depois
transferido para a Prisão de La Santé a 21 de março.
Em abril, é transferido para o
pior e mais desumano dos degredos: a Ilha do Diabo, ao largo de Caiena, na
Guiana Francesa.
Porém, em 1896, uma carta de Schwartzkoppen
para o comandante francês Esterhazy é interceptada pelo Serviço de Informações.
Reconhecida a similitude com carta atribuída a Dreyfus em 1894, o
tenente-coronel Picquart tenta persuadir os seus superiores de que o oficial
judeu é vítima de um erro judiciário.
Sucessivamente, surgem provas
da inocência de Dreyfus e tomam o seu partido muitos cidadãos franceses, entre
os quais numerosos intelectuais, grupo em que pontificam o grande político e
académico Clemenceau e o eminente escritor Émile Zola com o seu J'accuse, em
1898. Também o senador Scheurer-Kestner apoiava Dreyfus.
Esterhazy é, entretanto,
ouvido em Corte Marcial. Zola conhecerá igualmente perseguições, mas não
desiste, tal como bastante militares e escritores franceses. Os seus apoiantes
estavam nos "Direitos do Homem" e os seus inimigos na "Liga da
Pátria Francesa".
A data 30 de agosto, é
conhecida pelo autor da "nota de remessa", o tenente-coronel Henry,
que se suicida na sequência desta reposição da verdade. Esterhazy foge para Inglaterra.
O processo de Dreyfus começa a ser revisto. Em 1899, é analisado em Rennes. Em
julho, o deportado retorna a França.
Instaura-se um segundo
processo Dreyfus nessa cidade. Cinco dos sete jurados retiraram a acusação de
1894. Mesmo assim, Dreyfus é condenado a 10 (dez) anos de detenção.
Em 1900, foi anistiado por todos
os fatos relacionados com o caso e em 1906, sendo reabilitado e reintegrado no
Exército com dignidade de oficial da Legião de Honra.
Durante o processo, os
militares alegaram sigilo de documentos, fundamentando em questões de segurança
e ordem pública, interferindo diretamente nas provas apresentadas e no acesso
aos documentos. Fizeram um dossiê secreto e nos autos não apresentaram todos os
arquivos.
O único documento exibido pela
acusação no processo publicamente foi borderaux, uma carta enviada para
Shawartzkoppen, um militar alemão. Carta que supostamente foi escrita por
Dreyfus.
Sobre o fato, Louis Begley
descreveu: “Pelo que chegara a ele [Dreyfus], a condenação tivera por base unicamente
um pedaço de papel que continha, para poder ser associado à sua pessoa, apenas
uma pretensa semelhança com sua caligrafia, uma semelhança acercada qual os
grafologistas não entravam em acordo Alfred teve a defesa por advogado,
Démange, mas foi condenado a deportação e degradação militar.
Sobre as defesas apresentadas
e a abstenção dos judeus iniciaram uma luta política, Hannah Arendt escreveu:
“(...) advogado de Dreyfus, Démange, foi forçado a basear sua defesa numa
questão de dúvida” e “(...)realmente convencido da inocência de seu cliente,
mas baseando a defesa em itens secundários para livrar-se de ataques e danos
aos seus interesses pessoais”.
Destaca-se que Hannah Arendt
que ainda por volta de 1908, nove anos após o perdão e dois anos depois de ter sido
inocentado, quando a pedido de Clemenceau, o corpo de Èmile Zola fora
transferido para o Panteão, Alfred Dreyfus foi atacado na rua, isto é, pelo
menos uma parte da sociedade francesa não acreditou plenamente na inocência de
Dreyfus.
Ademais, a repercussão mundial
do caso expôs que a doutrina da igualdade perante a lei estava implantada no
mundo civilizado que um único erro da justiça fosse capaz de provocar a
indignação pública em todo mundo, exceto na França, sendo corriqueira associar
o tema às questões políticas da época.
In litteris
Arendt relatou: "é mais do que um "crime" bizarro e mal
resolvido, um caso de oficiais do Estado-Maior disfarçados, com barbas
políticas e óculos escuros, espalhando suas estúpidas falsificações à noite,
nas ruas de Paris (...) e o caso começa não com a prisão de um oficial judeu do
Estado-Maior, mas com o escândalo do Panamá." (ARENDT, 1989).
Dreyfus foi preso em 15 de
outubro de 1894. Depois ele foi enviado, sob deportação perpétua, para Ilha do
Diabo na Guiana Francesa, tornando o cumprimento da pena algo extremamente sofrido,
isolado. A condenação feriu sua honra, de sua família e da população judaica
francesa. O filme mostra o ambiente carcerário e o tratamento que Dreyfus
recebeu.
Nos derradeiros anos ganharam
holofotes em nosso país principalmente o acompanhamento pela grande mídia de
processos penais e militares, onde se questionam direitos e garantias de presos
ou acusados de crimes, somando-se as intolerâncias religiosas historicamente existentes,
aos discursos de ódio, por isso, faz-se relevante resgatar o caso Dreyfus.
O caso Dreyfus impactou
sensivelmente a confiança dos franceses em suas instituições e, também, em sua
justiça e dividiu a sociedade francesa entre apoiadores e detratores do referido
capitão, fazendo ressurgir o antissemitismo ainda latente e, também, as
frustações nacionalistas da França, uma vez que fora humilhada depois da
derrota sofrida em 1870.
Rapidamente alastrou pela
opinião pública a ideia de que o capitão fora um bode expiatório num processo
viciado à partida, que fora incriminado por ser judeu e que as autoridades
militares procuravam sobretudo salvar a face da instituição militar à custa do
sacrifício de um inocente.
A tardia resposta da Justiça
francesa trouxe à baila um subterfúgio legal. Pois a Corte de Cassação não
possui a competência legal para julgar os casos militares. Apenas um tribunal
militar poderia reverter o veredicto dado por outro tribunal militar e, nenhum
destes jamais chegou a fazer a pronúncia da não-culpabilidade de Dreyfus.
Em 1985, o Presidente da
França François Mitterrand ofereceu uma estátua de Dreyfus à Escola Militar. O
Exército recusou-se a exibi-la e, ainda hoje, está exposta nos Jardins das
Tulherias. E, apenas em 1995, mais de um século depois a deportação do capitão
para a Ilha do Diabo, que sua inocência fora reconhecida pelas Forças Armadas.
Em síntese, o processo
jurídico foi viciado e havia um acúmulo de evidências forjadas, midiatização do
rito jurídico, com a destruição da imagem pública dos acusados e, todos os
demais fenômenos do caso Dreyfus que servem de lição para os dias atuais quando
as atenções se voltam às práticas lawfare e a perseguição político-jurídica.
E, de fato, ocorreu apenas depois de que um historiador oficial do Exército provocou um escândalo ao questionar publicamente a injustiça histórica cometida.
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Acesso em 29.01.2023.
ZOLA, Èmile. Acuso! O caso
Dreyfus. Rio de Janeiro: Atlanta, s/d
Notas:
[1]
As relações entre civis e militares experimentaram um período de relativa
estabilidade durante o governo Lula (2003-2011). As FFAA mantiveram-se mais
restritas a participar politicamente apenas nas questões que, no entendimento
delas, traziam dilemas para a segurança nacional, como segurança pública,
demarcação de terras indígenas e nas políticas da área de Defesa. Nem Lula
adotou medidas que confrontassem a corporação, nem a subordinação das Forças
Armadas ao poder civil foi testada, como um pacto de coexistência pacífica. As
relações se deterioram paulatinamente no governo de Dilma Rousseff (2011-2016).
Ter uma comandante-em-chefe mulher e ex-guerrilheira, que lutou contra a
Ditadura de 1964, foi entendido como uma afronta aos valores militares. Para além
do machismo e do anticomunismo, os militares rejeitaram a criação da Comissão
Nacional da Verdade, garantindo coesão discursiva em torno de um inimigo comum
(a esquerda), que estaria em busca de cobrar os crimes cometidos durante a
ditadura. Este ponto era decisivo para a identidade política-cultural das
Forças Armadas, pois representava a prestação de contas de um passado há
décadas glorificado. Além disso, em várias democracias, este mecanismo antecede
reformas organizacionais na instituição militar.
[2]
O golpe contra Dilma foi uma articulação empresarial, parlamentar e judiciária.
Publicamente os militares se mantiveram discretos, mas nos bastidores
expressaram sua concordância aos conspiradores. O governo que sucedeu o de
Dilma, Michel Temer (2016-2018), foi tutelado pelas Forças Armadas, que
mantiveram as instituições continuamente sob pressão, como nos episódios
citados sobre o poder Judiciário. Assim, a eleição de Bolsonaro em 2018 foi
produto da confluência das crises política, social e econômica, que abriu uma
janela de oportunidades para a extrema-direita. Segmentos militares organizaram
a candidatura e estiveram presentes desde a transição, apresentando-se como uma
ala técnica – a “ala militar” – capaz de moderar os arroubos do presidente.
[3] Atualmente, em face da Constituição Federal brasileiro de 1988 que estabelece através dos artigos 136, 137, 138 e 139, as medidas excepcionais que possam ser decretadas sobre o tema, como o Estado de Defesa e o Estado de Sítio. Numa análise dogmática, a vigente Constituição brasileira, em seu artigo 109, inciso IV, prevê a competência da Justiça Federal para julgá-los e, também, que o duplo grau de jurisdição contra a sentença de mérito não será a Apelação, como previso no artigos 593 e seguintes do Código de Processo Penal brasileiro, mas o Recurso (Criminal) Ordinário, diretamente encaminhado para o STF, conforme prevê o artigo 102, II, alínea B da CFRB/1988. Igualmente, o artigo 64, inciso II do Código Penal brasileiro, afirma que a condenação por crime político não gera a reincidência e o artigo 200, da Lei 7.210/84(Lei de Execução Penal) que prescreve que o condenado por crime político não está obrigado ao trabalho, sendo que o atual sistema contempla o trabalho como principal critério para se atingir ressocialização do apenado, conforme a função declarada da pena privativa de liberdade no Brasil.
[4] Em França, fin-de-siècle traduzia-se num sentido de moda, de procuras, de sofisticação, mas, igualmente, em relação à queda do império de Napoleão. O termo às vezes engloba tanto o encerramento quanto o início de uma era, tendo sido considerado um período de degeneração, mas ao mesmo tempo um período de esperança para um novo começo. "Fin de siècle" é mais comumente associado com artistas franceses, especialmente os simbolistas franceses e foi afetado pela característica de sensibilização cultural da França no final do século XIX. No entanto, a expressão também é usada para se referir a um movimento cultural a nível europeu. As ideias e preocupações do fin de siècle influenciaram as décadas seguintes e desempenharam um papel importante no nascimento do modernismo.
[5]
A Lei de Segurança Nacional, a Lei 7.170 foi revogada pela Lei 14.197, de 2021.
A referida da LSN foi promulgada em 14 de dezembro de 1983 pelo último presidente
militar General João Batista Figueiredo (1979-1985), já em um período de
abertura política da ditadura brasileira, que durou de 1968 a 1984.