A Lei do Superendividamento e ampliação principiológica do CDC
A Lei 14.181/2021 alterou dispositivos do Código de Defesa do Consumidor (CDC) brasileiro e do Estatuto da Pessoa Idosa (Lei 10.741/2003)[1] representa significativo progresso na defesa da cidadania e da dignidade da pessoa humana, resguardando as condições mínimas de subsistência das pessoas que se encontram em situação de superendividamento.
A Lei do Superendividamento, a
Lei 14.181 de 01 de julho de 2021 nasceu com a nobre missão de socorrer os
consumidores que sofrem qualquer infortúnio da vida, e mergulhassem num oceano
de dívidas impagáveis. Além de amargar o nome sujo, o corte de créditos e
padecer de uma reputação conspurcada, vindo a sofrer exclusão social.
A Lei do Superendividamento
promove a concreta efetivação da Justiça com a preciosa colaboração acadêmica
de obras de autoria de Clarissa Costa de Lima, Marília de Ávila e Silva Sampaio
e Cláudia Lima Marques. Bem como Flávio Tartuce e Fernando Rodrigues Martins.
Basicamente a nova lei repousa
no princípio do crédito responsável que direciona o ordenamento jurídico em
prol de práticas negociais saudáveis abrangentes das mais variadas formas de
crédito. Refere-se, em verdade, de conceito já esculpido pela doutrina e pela
jurisprudência pátria.
O referido princípio é
implícito no texto constitucional vigente e, finalmente, materializado pela lei
em comento que operou alterações salutares no CDC e no Estatuto da Pessoa
Idosa. Enfim, promover o crédito responsável significa tarefa tanto dos
credores como Poder Público com intenção a evitar a superendividamento.
Importante sublinha que o
superendividamento[2]
é situação que se encontra pessoa de boa-fé que não tem condições de pagar suas
dívidas sem comprometer o mínimo existencial. E, o artigo 54, §1º do CDC traz a
definição para a pessoa física. Porém, o conceito pode e deve ser estendido
para não consumidores também. Quanto ao
vocábulo "crédito" deve ser entendido como direito ao cumprimento de
uma obrigação pecuniária.
Quanto ao Poder Público,
impõe-se direcionar seus atos normativos, suas políticas públicas e suas atividades
de fiscalização no sentido de coibir práticas que contrariem o crédito responsável.
Já quanto aos credores surge
um dever jurídico de não fornecer créditos irresponsáveis, definidos por exame cioso
do caso concreto. Há nítida conexão dever jurídico de boa-fé objetiva que
resulta em comportamento ético entre particulares.
Relembre-se que esse dever é duty
to mitigate the loss[3],
segundo o qual o credor tem o dever de cooperar com o devedor e adotar um
comportamento que não estimule o aumento da dívida. Em resumo, o credor não
deve estimular o endividamento imprudente do devedor.
Por outro lado, o devedor tem
o dever jurídico de assumir comportamento prudente ao contrair dívidas,
respeitando a sua capacidade de pagamento. Afinal, o fato de o consumidor
contrair dívidas em situação de vulnerabilidade[4] econômica não significa,
obviamente, de per si, ter atuado em franca violação à boa-fé.
Contrariamente, se o devedor
efetivamente agiu dolosamente para praticar um golpe. Outro princípio que
merece destaque é o da proteção simplificada do luxa, segundo o qual o Direito
tutela tais situações, evidentemente, sem o mesmo prestígio de situações
essenciais ou úteis.
Esse conceito intimamente
ligado ao conceito de paradigma da essencialidade, conforme revelou Teresa
Negreiros. Assim, quanto menor for o grau de essencialidade do direito, menor
deverá ser a intervenção do Direito. Observa-se que o referido princípio também
tutela os casos de superendividamento.
A própria Lei de
Superendividamento é expressa nesse sentido (art. 54-A, § 3º, CDC).
A tutela do patrimônio mínimo[5] é exigência do princípio
da preservação da dignidade humana, pois, afinal, o superendividamento é dotado
de contornos de morte civil e social. E, impedido de trabalhar e até ter novos
negócios, sujeitas ao servilismo e o arremessa a desesperança.
É notável que o
superendividamento fulmina cruelmente o mínimo existência da pessoa humana.
Porém, não alcança situações que esse mínimo existencial está a salvo.
Convém mencionar que a
garantia do patrimônio mínimo existencial tem respaldo na doutrina do Ministro do
STF, Luiz Edson Fachin[6], sendo mesmo um conceito
aberto ou indeterminado. Sendo
indispensável ao julgador, ciosamente, atentar para o caso concreto, utilizando
os critérios do homo medius. Enfim, a nova lei visa que a pessoa em débito não
seja privada de direitos essenciais.
A nova lei vem inaugurar uma
Política Pública calcada no artigo 4º, IX e X, artigo 5º, VI e VII do CDC, in
litteris:
“Art. 4º
.....................................
IX - fomento de ações
direcionadas à educação financeira e ambiental dos consumidores;
X - prevenção e tratamento do
superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor.” (NR)
“Art. 5º
.....................................
VI - instituição de mecanismos
de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de
proteção do consumidor pessoa natural;
VII - instituição de núcleos
de conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento.
Alguns dispositivos por se
endereçarem ao Poder Pública em prol da defesa do consumidor, seja através de
órgãos como os Procons, a Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da
Justiça (Senacon), o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, e outros órgãos
federais ou estaduais que lidem com consumidor. O que integra o Sistema
Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) do Decreto 2.181/1997.
Afinal as normas que
orquestram a Política Nacional de Relação de Consumo também disciplinam as
relações entre particulares, e, não são apenas do Direito Administrativo. E,
nesse sentido, caberá ao Poder Público formular políticas públicas destinadas a
promover a educação financeira do consumidor e ainda prevenir as situações de
superendividamento.
E, nesse contexto, é relevante
e salutar o princípio do estímulo à autocomposição amigável conforme se pode
deduzir dos §§2º e 3º do CPC/2015 ou Código Fux.
Exige-se transparência e
coibir as práticas abusivas na oferta de crédito, conforme o artigo 6º, XIII,
do artigo 53-B, art.54-C, I ao IV e parágrafo único, artigo 54-D, artigo 54-G
do CDC.
No fornecimento de crédito e
na venda a prazo, além de prover as informações obrigatórias previstas no
artigo 52 do CDC e, ainda previamente informar, no momento da oferta sobre:
I - o custo efetivo total e a
descrição dos elementos que o compõem;
II - a taxa efetiva mensal de
juros, bem como a taxa dos juros de mora e o total de encargos, de qualquer
natureza, previstos para o atraso no pagamento;
III - o montante das
prestações e o prazo de validade da oferta, que deve ser, no mínimo, de 2
(dois) dias;
IV - o nome e o endereço,
inclusive o eletrônico, do fornecedor;
V - o direito do consumidor à
liquidação antecipada e não onerosa do débito, nos termos do § 2o do art. 52
deste Código e da regulamentação em vigor.
§ 1º As informações referidas
no art. 52 deste Código e no caput deste artigo devem constar de forma clara e
resumida do próprio contrato, da fatura ou de instrumento apartado, de fácil
acesso ao consumidor.
§ 2º Para efeitos deste
Código, o custo efetivo total da operação de crédito ao consumidor consistirá
em taxa percentual anual e compreenderá todos os valores cobrados do
consumidor, sem prejuízo do cálculo padronizado pela autoridade reguladora do
sistema financeiro.
§ 3º Sem prejuízo do disposto
no art. 37 deste Código, a oferta de crédito ao consumidor e a oferta de venda
a prazo, ou a fatura mensal, conforme o caso, devem indicar, no mínimo, o custo
efetivo total, o agente financiador e a soma total a pagar, com e sem
financiamento.
Art. 54-C. É vedado, expressa
ou implicitamente, na oferta de crédito ao consumidor, publicitária ou não:
I - fazer referência a crédito
‘sem juros’, ‘gratuito’, ‘sem acréscimo’, com ‘taxa zero’ ou a expressão de
sentido ou entendimento semelhante; VETADO
II - indicar que a operação de
crédito poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção ao crédito ou
sem avaliação da situação financeira do consumidor;
III - ocultar ou dificultar a
compreensão sobre os ônus e os riscos da contratação do crédito ou da venda a
prazo;
IV - assediar ou pressionar o
consumidor para contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito,
principalmente se se tratar de consumidor idoso, analfabeto, doente ou em
estado de vulnerabilidade agravada ou se a contratação envolver prêmio;
Parágrafo único. O disposto no
inciso I do caput deste artigo não se aplica à oferta de produto ou serviço
para pagamento por meio de cartão de crédito. VETADO
Art. 54-D. Na oferta de
crédito, previamente à contratação, o fornecedor ou o intermediário deverá,
entre outras condutas:
I – informar e esclarecer
adequadamente o consumidor, considerada sua idade, sobre a natureza e a
modalidade do crédito oferecido, sobre todos os custos incidentes, observado o
disposto nos arts. 52 e 54-B deste Código, e sobre as consequências genéricas e
específicas do inadimplemento;
II - avaliar, de forma
responsável, as condições de crédito do consumidor, mediante análise das
informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito, observado o
disposto neste Código e na legislação sobre proteção de dados;
III - informar a identidade do
agente financiador e entregar ao consumidor, ao garante e a outros coobrigados
cópia do contrato de crédito.
Parágrafo único. O
descumprimento de qualquer dos deveres previstos no caput deste artigo e
nos arts. 52 e 54-C deste Código (CDC) poderá acarretar judicialmente a redução
dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do
prazo de pagamento previsto no contrato original, conforme a gravidade da
conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem
prejuízo de outras sanções e de indenização por perdas e danos, patrimoniais e
morais, ao consumidor.
Tais ações são feitas por meio
da proibição de práticas abusivas de publicidade como propagandas de
empréstimos “sem consulta ao SPC”, já que passa a ser dever expresso das
empresas que concedem crédito a avaliação da situação financeira dos
consumidores antes da contratação.
Com isso, os bancos não
poderão ocultar aos consumidores os riscos da contratação dos empréstimos, por
exemplo.
Ou seja, as instituições
financeiras passam a ser obrigadas a informar os custos totais do crédito,
envolvendo os juros, tarifas, taxas e encargos sobre atraso, com a finalidade
de prevenir situações de superendividamento.
De acordo com a nova lei,
quando houver fornecimento de crédito e nas vendas a prazo, o fornecedor deverá
indicar:
1) o custo efetivo total e a
descrição dos elementos que o compõem; 2) a taxa efetiva mensal de juros; 3) a
taxa de mora e o total dos encargos previstos para o atraso no pagamento; 4) o
montante das prestações e o prazo de validade da oferta, que deverá ser de no
mínimo dois dias; 5) o nome e o endereço físico e eletrônico do fornecedor e; 6)
o direito do consumidor à liquidação antecipada e não onerosa do débito.
Todas essas informações
deverão ser apresentadas de forma clara, descomplicada e resumida no contrato,
na fatura ou no instrumento apartado, com fácil acesso pelos consumidores.
Nesse sentido, a primeira
prática proibida, conforme prevê a nova lei, é ofertar crédito ao consumidor
afirmando que a operação poderá ser efetivada sem a consulta aos serviços de
proteção ao crédito e sem avaliação da situação financeira do consumidor.
Em seguida, a segunda
proibição se refere à prática de ocultar ou dificultar a compreensão sobre os
riscos e os ônus da contratação do crédito.
Tal vedação é importante para
garantir ao consumidor o direito à informação clara e adequada, evitando que
tenha futuros problemas decorrentes de seus contratos de consumo.
E, a terceira prática vedada é
o assédio ou a pressão aos consumidores para contratar crédito, principalmente
se se estiver diante de pessoas idosas, analfabetas, doentes ou em estado de
vulnerabilidade.
Tal proibição também auxilia
na prevenção ao superendividamento, buscando evitar que pessoas em situação
vulnerável se tornem superendividadas.
Por fim, a quarta proibição se
refere ao condicionamento do atendimento dos desejos do consumidor à
desistência de demandas judiciais, ao pagamento de honorários advocatícios ou a
depósitos judiciais por parte do consumidor.
O descumprimento das regras
que buscam a prevenção ao superendividamento pode gerar a redução dos juros,
encargos ou acréscimos à dívida, a dilação do prazo de pagamento pelo
consumidor e outras sanções administrativas ou penais ao fornecedor, sem
prejuízo da indenização por perdas e danos patrimoniais e morais ao consumidor,
se cabível na situação concreta.
Importante mencionar que de
acordo com a Lei do Superendividamento, caso qualquer credor não compareça à
audiência de repactuação das dívidas, haverá a aplicação de certas penalidades[7].
Entre estas, a suspensão da
exigibilidade do débito em relação ao credor faltante e a interrupção dos
encargos da mora, bem como a sujeição obrigatória do credor ao plano de
pagamento[8] da dívida, caso o montante
devido ao credor faltante seja certo e conhecido pelo consumidor.
Outra penalidade sofrida pelo credor que não comparece à audiência de conciliação[9] para repactuação das dívidas é a estipulação de que o pagamento ao credor faltante somente poderá ocorrer após o pagamento aos credores presentes à audiência.
Verifica-se que o conteúdo obrigatório do
plano de pagamento das dívidas: A Lei do Superendividamento traz uma relação de
elementos que deverão estar presentes em tal documento:
1) Deverão estar presentes as
medidas de dilação de prazos de pagamento e de redução de encargos da dívida ou
da remuneração do fornecedor, para facilitar o pagamento pelo devedor;
2) Deverá estar expressa a
eventual suspensão ou extinção de ações judiciais em curso, à semelhança do que
ocorre no regime de falência de uma sociedade empresarial;
3) Deverá haver a previsão da
data a partir da qual o consumidor será excluído dos bancos de dados e de
cadastros de inadimplentes e;
4) Deverá ser previsto o
condicionamento dos efeitos do plano de pagamento à abstenção do consumidor de
agir de forma a agravar sua situação de superendividamento.
Com a Lei do
Superendividamento, o pagamento deverá ser realizado em no máximo cinco anos,
como ocorre com o plano de pagamento consensual da primeira audiência de
conciliação.
Além disso, a primeira parcela
deverá ser paga pelo consumidor no prazo máximo de cento e oitenta dias
contados da homologação judicial do plano compulsório de pagamento. O restante
do saldo devido será pago em parcelas mensais iguais e sucessivas, conforme a
lei em discussão.
A prevenção e disciplina legal
do superendividamento só atinge a pessoa natural de boa-fé, mas não às pessoas
jurídicas. E, engloba quaisquer compromissos financeiros decorrentes de relação
de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de
prestação continuada.
O custo efetivo total da
operação de crédito ao consumidor consistirá em taxa percentual anual e compreenderá
todos os valores cobrados do consumidor, sem prejuízo do cálculo padronizado
pela autoridade reguladora do sistema financeiro.
Resta a proibição expressa ou
implícita, de oferta de crédito ao consumidor, sendo publicitária ou não que
indicar que operação de crédito poderá ser concluída sem consulta aos serviços
de proteção ao crédito ou sem avaliação da situação financeira do consumidor;
que ocultar ou dificultar a compreensão sobre os ônus e riscos da contratação
do crédito ou da venda a prazo; que assediar ou pressionar para a contratação,
principalmente, quando se tratar de consumidor idoso, analfabeto, enfermo ou em
vulnerabilidade agravada, ou se a contratação envolver prêmio; o fornecedor ou
o intermediário deverá, entre outras condutas:
I – informar e esclarecer
adequadamente o consumidor, considerada sua idade, sobre a natureza e a
modalidade do crédito oferecido, sobre todos os custos incidentes, observado o
disposto nos arts. 52 e 54-B deste Código, e sobre as consequências genéricas e
específicas do inadimplemento;
II - avaliar, de forma
responsável, as condições de crédito do consumidor, mediante análise das
informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito, observado o
disposto neste Código e na legislação sobre proteção de dados;
III - informar a identidade do
agente financiador e entregar ao consumidor, ao garante e a outros coobrigados cópia
do contrato de crédito.
Parágrafo único. O
descumprimento de qualquer dos deveres previstos no caput deste artigo e
nos arts. 52 e 54-C deste Código poderá acarretar judicialmente a redução dos
juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo
de pagamento previsto no contrato original, conforme a gravidade da conduta do fornecedor
e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuízo de outras sanções e
de indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor.
Adiante, o art. 54-G do CDC, in
litteris: Sem prejuízo do disposto
no art. 39 deste Código e na legislação aplicável à matéria, é vedado ao
fornecedor de produto ou serviço que envolva crédito, entre outras condutas:
I - realizar ou proceder à
cobrança ou ao débito em conta de qualquer quantia que houver sido contestada
pelo consumidor em compra realizada com cartão de crédito ou similar, enquanto
não for adequadamente solucionada a controvérsia, desde que o consumidor haja
notificado a administradora do cartão com antecedência de pelo menos 10 (dez)
dias contados da data de vencimento da fatura, vedada a manutenção do valor na
fatura seguinte e assegurado ao consumidor o direito de deduzir do total da
fatura o valor em disputa e efetuar o pagamento da parte não contestada,
podendo o emissor lançar como crédito em confiança o valor idêntico ao da
transação contestada que tenha sido cobrada, enquanto não encerrada a apuração
da contestação;
II - recusar ou não entregar
ao consumidor, ao garante e aos outros coobrigados cópia da minuta do contrato
principal de consumo ou do contrato de crédito, em papel ou outro suporte
duradouro, disponível e acessível, e, após a conclusão, cópia do contrato;
III - impedir ou dificultar,
em caso de utilização fraudulenta do cartão de crédito ou similar, que o
consumidor peça e obtenha, quando aplicável, a anulação ou o imediato bloqueio
do pagamento, ou ainda a restituição dos valores indevidamente recebidos.
§ 1º Sem prejuízo do dever de
informação e esclarecimento do consumidor e de entrega da minuta do contrato,
no empréstimo cuja liquidação seja feita mediante consignação em folha de
pagamento, a formalização e a entrega da cópia do contrato ou do instrumento de
contratação ocorrerão após o fornecedor do crédito obter da fonte pagadora a
indicação sobre a existência de margem consignável.
§ 2º Nos contratos de adesão,
o fornecedor deve prestar ao consumidor, previamente, as informações de que
tratam o art. 52 e o caput do art. 54-B deste Código (CDC), além de
outras porventura determinadas na legislação em vigor, e fica obrigado a
entregar ao consumidor cópia do contrato, após a sua conclusão.
Os dispositivos focam a
necessidade de transparência perante o consumidor nas operações de crédito.
Exigem que o fornecedor se valha de um linguajar acessível ao indivíduo médio e
com clareza acerca das condições negociais.
A lei em comento[10] enfatiza que as práticas
comerciais abusivas de sedução e atração de clientes para a oferta de crédito
devem ser censuradas, visa dar maior concretude à cláusula geral de boa-fé,
especialmente, quanto ao dever de lealdade e o de informação.
A respeito das razões do veto
ao inciso I, do artigo 54-C do CDC, a Presidência da República, assim se
pronunciou literalmente:
"A propositura
legislativa estabelece que seria vedado expressa ou implicitamente, na oferta
de crédito ao consumidor, publicitária ou não, fazer referência a crédito 'sem
juros', 'gratuito', 'sem acréscimo' ou com 'taxa zero' ou expressão de sentido
ou entendimento semelhante.
Entretanto, apesar da boa
intenção do legislador, a propositura contrariaria o interesse público ao
tentar solucionar problema de publicidade enganosa ou abusiva com restrição à
oferta, proibindo operações que ocorrem no mercado usualmente e sem prejuízo ao
consumidor, em que o fornecedor oferece crédito a consumidores, incorporando os
juros em sua margem sem necessariamente os estar cobrando implicitamente, sem
considerar que existem empresas capazes de ofertar de fato 'sem juros', para o
que restringiria as formas de obtenção de produtos e serviços ao consumidor.
O mercado pode e deve oferecer
crédito nas modalidades, nos prazos e com os custos que entender adequados, com
adaptação natural aos diversos tipos de tomadores, o que constitui em relevante
incentivo à aquisição de bens duráveis, e a Lei não deve operar para vedar a
oferta do crédito em condições específicas, desde que haja regularidade em sua
concessão, pois o dispositivo não afastaria a oferta das modalidades de crédito
referidas, entretanto, limitaria as condições concorrenciais nos mercados”.
Há nítidas vantagens trazidas
pela lei em comento como o fato de o magistrado a impor sanções aos credores
que não aceitarem a renegociação. Os credores que comparecerem à audiência, mas
não aceitarem o acordo, podem ir para o fim da fila e só receber após quem
fechou acordo com o devedor.
Caso o credor nem sequer compareça
à audiência, o juiz pode suspender a cobrança da dívida, das multas e dos juros
enquanto durar o acordo.
Outra principal vantagem da
negociação em bloco consiste no fato de que o inadimplente não precisará
escolher qual dívida quitar. Ao incluir todos os débitos num mesmo plano de
pagamento, acaba o impasse financeiro e psicológico de pagar uma dívida e
faltar dinheiro para as demais.
O programa, no entanto, está
disponível apenas para dívidas ligadas a consumo, a contas domésticas e alguns
débitos com instituições financeiras de pessoas físicas.
Essas são algumas das
importantes modificações visando a resgatar a dignidade de pessoas que foram
atingidas pelo mercado de consumo, por ignorância, imprudência ou incontinência
de gastos, permitindo-lhes uma segunda chance, e auxiliar os credores a
resgatar uma parcela do crédito que já consideravam perdido.
Conclui-se que houve a
inserção de três novos princípios no CDC. E, o artigo 4º do CDC já elenca os
princípios da defesa do consumidor, sendo um dos mais relevantes dispositivos na
tutela consumerista. E, aponta para os objetivos a serem atingidos pela
política de proteção ao consumidor, assim, como enumera os princípios que
deverão ser observados na busca de tais finalidades.
De acordo com Eros Grau as normas
enumeradas no artigo 4º são consideradas normas objetivos e que condicionam a
interpretação a ser feita pelo CDC. E, tais objetivos devem ser perseguidos seja
por meio de políticas públicas, seja através da atuação do fornecedor e do
próprio consumidor, e também os princípios a serem aplicados, as demais normas
devem ser interpretadas finalisticamente, objetivando os resultados.
E, a Lei nº 14.181/2021
acrescentou dois incisos prevendo novos princípios:
Art. 4º A Política Nacional
das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos
consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus
interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a
transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes
princípios:
(...) IX - fomento de ações
direcionadas à educação financeira e ambiental dos consumidores;
X - prevenção e tratamento do
superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor.
Assim, tem-se os novos “princípios”
de defesa do consumidor: educação financeira dos consumidores; educação
ambiental dos consumidores; prevenção e tratamento do superendividamento como
forma de evitar a exclusão social do consumidor.
Art. 6º São direitos básicos
do consumidor:
(...)XI - a garantia de
práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e
tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial,
nos termos da regulamentação, por meio da revisão e da repactuação da dívida, entre
outras medidas;
XII - a preservação do mínimo
existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na
concessão de crédito;
XIII - a informação acerca dos
preços dos produtos por unidade de medida, tal como por quilo, por litro, por
metro ou por outra unidade, conforme o caso.
Destaca-se, ainda, duas novas
cláusulas abusivas, a saber:
A Lei nº 14.181/2021 acrescentou dois novos incisos, nos seguintes termos: Art. 51. São nulas de pleno direito[11], entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(...) XVII - condicionem ou
limitem de qualquer forma o acesso aos órgãos do Poder Judiciário;
XVIII - estabeleçam prazos de
carência em caso de impontualidade das prestações mensais ou impeçam o
restabelecimento integral dos direitos do consumidor e de seus meios de
pagamento a partir da purgação da mora ou do acordo com os credores.
Deve-se sublinhar que para
haver o processo de revisão dos contratos, a pessoa superendividada deve
procurar o Tribunal de Justiça de seu respectivo Estado. Ainda é possível
recorrer aos órgãos do Sistema Nacional de Defesa Consumidor, como o Procon, a
Defensoria Pública e o Ministério Público.
Frise-se que a liquidação
total da dívida no plano voluntário terá prazo máximo de cinco anos, sendo a
primeira parcela a ser paga em no máximo cento e oitenta dias contados da
homologação do acordo, com o restante das parcelas iguais e sucessivas.
E, também poderão promover a
conciliação voluntária os órgãos que integram o Sistema Nacional de Defesa do
Consumidor, desde que os conveniados com as instituições credoras ou
associações (artigo 104, C).
A ampliação principiológica do
CDC promovida pela lei em comento reforça a defesa do princípio da dignidade
humana que é um dos alicerces do Estado Democrático de Direito. Enfim, a lei em
comento procurou impedir as ofertas abusivas de créditos as pessoas vulneráveis,
e que já não são capazes de suportar suas dívidas sem comprometer a
sobrevivência.
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do Contrato - Novos Paradigmas. 2ª edição. Rio de Janeiro, Renovar, 2006.
SARMENTO, Daniel. Direitos
Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2006
SIQUEIRA, Carlos André
Cassani; Campeão, Paula Soares. A cessação dos efeitos do inadimplemento
obrigacional por não mitigação da perda pelo Credor. In: Congresso Nacional
do CONPEDI, XX, 2011, Vitória. Anais do [Recurso eletrônico] / XX Congresso
Nacional do CONPEDI. - Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011.
Supremo Concursos. Como funciona a Lei do Superendividamento. Disponível em: https://blog.supremotv.com.br/como-funciona-a-lei-do-superendividamento/ Acesso em 03.08.2022.
Notas:
[1] Redação dada pela Lei 13.423/2022 Lei n° 14.181/2021 realiza alteração no Estatuto da Pessoa Idosa: De acordo com o texto do novo parágrafo “§ 3º Não constitui crime a negativa de crédito motivada por superendividamento do idoso”.
[2]
As causas de superendividamento podem ser analisadas em três momentos: Causas
pré-contratuais: oferta de crédito e práticas abusivas na oferta de crédito;
Causas contratuais: durante a fase contratual – taxa de juros/correção
monetária; Causas pós-contratuais: cobrança abusiva do consumidor
(constrangimento do consumidor). Existem diversas políticas que buscam educar o
consumidor para que este possa planejar a saúde financeira de sua residência.
Fundamental é o estudo das informações apresentadas no site do PROCON,
especialmente na busca pela educação financeira do consumidor.
[3] Duty to mitigate the loss: o dever de mitigar o próprio prejuízo. Os contratantes devem tomar as medidas necessárias e possíveis para que o dano não seja agravado. A parte a que a perda aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano. O dever de mitigar o próprio dano à parte prejudicada ou credora de indenização por responsabilidade civil é frequentemente associado ao direito inglês. Historicamente, surgiu a partir de um caso julgado pela Câmara dos Lordes em 1912, sendo esta, a mais alta corte de apelação para a maioria dos processos no Reino Unido, com funções judiciais executadas por um grupo de membros com experiência legal conhecidos como Lordes da Lei. O caso citado acima envolveu a Metropolitan District Electric Traction Company e a British Westinghouse, tendo a primeira adquirido da última oito turbinas e igual número de alternadores para a construção de uma estação na região de Chelsea, no centro de Londres, ao preço fictício de US$250.000.00 Os bens entregues pela vendedora, no entanto não tiveram a performance desejada, consumindo mais vapor do que fora compactuado.
[4]Antonio
Herman Benjamim explica que: “A vulnerabilidade é um traço universal de todos
os consumidores, ricos ou pobres, educados ou ignorantes, crédulos ou espertos.
Já a hipossuficiência é marca pessoal, limitada a alguns – até mesmo a uma
coletividade – mas nunca a todos os consumidores...A vulnerabilidade do
consumidor justifica a existência do Código. A hipossuficiência, por seu turno,
legitima alguns tratamentos diferenciados no interior do próprio Código, como,
por exemplo, a previsão de inversão do ônus da prova – art. 6°, VIII”.
[5] A teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo tem como fundamento de partida a regra da proibição da doação universal (doação inoficiosa), segundo a qual é nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador. O Mínimo existencial é o conjunto básico de direitos fundamentais que assegura a cada pessoa uma vida digna, como saúde, alimentação e educação. Portanto, aquele que não tenha condições por si só ou por sua família de sustentar-se deverá receber auxílio do Estado e da sociedade.
[6]
O criador da tese na qual se sustenta a existência de um patrimônio mínimo
personalíssimo, imprescindível para a existência digna de todo e qualquer ser
humano. Este patrimônio mínimo está protegido dos interesses de eventuais
credores e sua sustentação encontra supedâneo constitucional no princípio da
dignidade da pessoa humana. A tese é construída a partir de uma interpretação
crítica do artigo 548 do Código Civil brasileiro e da legislação especial, a
exemplo da Lei nº 8.009/90, que institui o bem de família
[7]
Caso o credor nem sequer compareça à audiência, o juiz pode suspender a
cobrança da dívida, das multas e dos juros enquanto durar o acordo. A principal
vantagem da negociação em bloco consiste no fato de que o inadimplente não
precisará escolher qual dívida quitar.
[8]
O plano de pagamento apresentado deverá conter proposta de dilação de prazo
para pagamento e redução de encargos; suspensão ou extinção de eventuais ações
judiciais de cobrança que estiverem em curso; data de exclusão do nome do
consumidor do cadastro de inadimplentes e o compromisso de que o consumidor
tomará todas as cautelas necessárias para não agravar sua situação financeira
(artigo 104-A, §4º). Em caso de não comparecimento injustificado de quaisquer
dos credores, poderá ser declarada a suspensão da exigibilidade de seu crédito,
a interrupção dos encargos de mora; sujeição compulsória ao plano e este ficará
por último na fila de pagamento (artigo 104-A, §2º).
[9]
Não havendo conciliação com algum dos credores, a pedido do consumidor, o juiz
instaurará processo de superendividamento com o objetivo de revisar e integrar
os contratos, repactuar as dívidas remanescentes por plano compulsório e citar
todos os credores que estiverem fora do acordo celebrado (artigo 104-B). Será
assegurado prazo de 15 dias para o fornecedor justificar sua não aceitação ao
plano de pagamento voluntário (artigo 104-B, §2º), podendo o juiz nomear
administrador, que em até 30 dias deverá apresentar plano complementar de
alongamento de prazos e redução de encargos (artigo 104-B, §3º).
[10]
Segundo Joseane Suzart Lopes da Silva o mínimo existencial irrisório estipulado
para os superendividados não servirá para a manutenção do estado vital das
pessoas físicas de boa-fé, pois em seu artigo 3º "a renda mensal do
consumidor pessoa natural equivalente a vinte e cinco por cento do
salário-mínimo vigente" que corresponde ao montante de R$ 303,00 seria
suficiente para a sobrevivência do ser humano e a satisfação das necessidades
basilares, causando ampla e justificada irresignação por parte das entidades
que atuam na defesa dos consumidores.
[11] Harmonizado com os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva, o artigo 51 do CDC consagra rol exemplificativo de cláusulas abusivas que são consideradas como nulas de pleno direito nos contratos de consumo. A expressão "cláusulas abusivas" é mais contemporânea, para substituir o vetusto termo "cláusulas leoninas" que remonta ao Direito Romano.
*Gisele Leite, Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC – Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores – POA -RS.
*Ramiro Luiz Pereira da Cruz, Advogado, Pós-Graduado em Direito Processual Civil. Articulista de várias revistas e sites jurídicas renomados. Vice-Presidente da Seccional Rio de Janeiro da ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional.