À droit et marche

O presente artigo discorre sobre temas relacionados com História, Sociologia e Política.

Fonte: Gisele Leite e Ramiro Luiz P. da Cruz

Comentários: (0)




O mundo contemporâneo naufraga em plena crise. Governos populistas e autoritários tomam o poder. O cidadão comum perde gradativa e crescentemente a confiança no sistema político. Aliás, alguns até passam odiar a democracia liberal que vive um momento paralisante e cáustico. O cenário atual conspira e, em diversas nações vivencia-se a derrocada de conquistas sociais e dos valores democráticos.


Chega-se ao cúmulo de haver nostalgia pela ditadura do passado e, passamos subitamente a acreditar num salvador da pátria.


Oh! Pátria amada. Você ainda dorme em berço esplêndido. A eleição nos EUA e na Europa pontuaram e elegeram radicais autoritários e que são dados a expressar bizarrices e, pior, em redes sociais. E não foi diferente nas Américas.


Ao final da sangrenta segunda grande guerra mundial, Churchill lamentava-se, pois, a Cortina de Ferro descia bem no coração da Europa, ia de Stettin, no Báltico, a Trieste, no Adriático. Aliás, atravessava-se países inteiros que não poderiam ser considerados livres.


Ainda no cenário europeu, na Itália, os populistas ocupam um governo de esquerda-direita que remete à tradição dos pactos vermelho-marrom[1].


A situação na Áustria também não é muito diferente, apesar que Sebastian Kurz[2], o mais jovem chanceler, ser membro de partido político sobretudo tradicionalmente moderado, onde a agenda do governo é ditada principalmente por seus parceiros de coalizão populista, com o Partido da Liberdade, de extrema direita.


A democracia já apresenta um brutal encolhimento global. E, a recessão democrática é apontada pois as quatro democracias mais populosas do mundo[3] são hoje governadas por populistas autoritários.


E, contexto brasileiro que não está indiferente à tendência, chegando-se até mesmo a elogiar a indigitada Revolução de 1964[4] que dominou o país por duas décadas.


Relembremos que o populismo se define, particularmente, pela reivindicação de representação exclusiva do povo. E apresenta expressiva relutância em tolerar a oposição, ou ainda, de respeitar a necessidade de instituições independentes que com muita frequência colocam os populistas em rota de colisão frontal com a democracia liberal.


Conseguiremos salvar nossa incipiente democracia? Temos esperanças que sim, pois um estudo sistemático sobre o impacto dos populistas do mundo que reverberou sobre as instituições democráticas de seus países, aponta que eles não se mantêm no poder por muito tempo.


Apenas uma pequena minoria de presidentes e primeiros-ministros populistas deixa voluntariamente o governo por perder eleições livres e justas ou chegar ao fim do mandato. E, quase metade dos populistas logrou êxito em mudar a Constituição dos países para admitir a expansão de poderes. E, muitos ainda, reduzem significativamente as liberdades políticas e civis pelos cidadãos sob seu governo.


E, apesar da campanha, não é raro prometerem erradicar a corrupção, mas os países que governaram apresentaram, em média, maior corrupção.


Mas não podemos ser fatalistas, afinal, em muitos casos a oposição disciplinada e atuante conseguiu realmente impedir a tentativa do governo em majorar e ampliar seus poderes. E, há casos também em que os cidadãos removeram os aspirantes a autocrata por meio de impeachment e, ainda, devido à generalizada improbidade e corrupção.


Assim. concluímos que a democracia brasileira está em grave perigo, mas o destino de nossa nação está nas ações de defensores da democracia. Não deve a oposição subestimar o populista, deixando de enxergar sua astúcia que vive à espreita e com um discurso sempre repleto de bravatas.


Com frequência, esse desdém pela figura de proa do populismo vinha acompanhado de uma palpável depreciação de seus partidários.


Estamos vivenciando o maior desafio que a democracia brasileira enfrenta em meio século e, seus partidários, são cidadãos como eu e você, que terão que compartilhar o país por uma década ou até um século.


Precisamos combater essa patológica bipolaridade e aprender a lidar tanto com a liberdade individual como também com a autodeterminação coletiva que precisam trabalhar juntos, a despeito de gigantescas diferenças políticas.


Podemos lutar por taxas de impostos mais justas e, ainda, debater os reais limites do Estado Social[5], depois que o perigo iminente já tiver sido afastado. É hora de união, e não de intolerância.


A grande maioria dos partidários dos populistas tem plena consciência de que seu líder mente compulsivamente, e dissemina mensagens de ódio e intolerância e, em geral, não passa de uma pessoa tosca e despreparada. Mas, o povo convencido de que os políticos tradicionais nada têm a oferecer, é precisamente, esse fato que torna o líder populista tão sedutor e redentor.


Não perdemos a batalha pela sobrevivência da democracia brasileira, e devemos persistir na luta pelas garantias constitucionais previstas na Constituição, e exercer o solene direito de exercer seus direitos e cumprir seus deveres.


A noção de triunfo infalível da democracia esteve ligada à obra de Francis Fukuyama[6] que em controverso ensaio publicado no final dos anos 1980 afirmava que o encerramento da Guerra Fria, acarretaria o ponto final da evolução ideológica da humanidade e à universalização da democracia liberal ocidental como forma definitiva de governo humano.


O triunfo da democracia foi sintetizado numa frase que veio a acenar com o otimismo eufórico de 1989 e que marcaria o "Fim da História".


A suposta ingenuidade de Fukuyama diante da disseminação da democracia liberal restava longo de ser inevitável, e que muitos países ainda eram resistentes à essa ideia importada do Ocidente.


Outros, porém, afirmavam que era cedo demais para se prever qual tipo de progressos a engenhosidade humana em toda sua complexidade seria mesmo capaz de conceber para o futuro. Talvez a democracia liberal fosse apenas um prelúdio para uma forma de governo cada vez mais justa e esclarecida.


Notas


[1] Outro período de colaboração vermelho-marrom seguiu a crise resultante do fracasso da política de apaziguamento das potências ocidentais em relação a Hitler ao violar o acordo de Munique (do qual a União Soviética havia sido excluída) anexando a Tchecoslováquia, levando Stalin a negociar abertamente uma potencial aliança contra Hitler com a Grã-Bretanha e a França, enquanto negociava secretamente com a Alemanha. Para a surpresa das potências ocidentais e dos comunistas em todo o mundo, em agosto daquele ano, o Acordo de Crédito Soviético-Alemão e o infame Pacto Ribbentrop-Molotov foram assinados, seguido por cerca de quinhentos comunistas alemães, que anteriormente haviam procurado o exílio na União Soviética, deportados por Stalin de volta para a Alemanha. Esses tratados eram acompanhados de protocolos secretos que dividiam a Europa Oriental nas esferas de influência soviética e nazista, e no mês seguinte os nazistas e os soviéticos invadiram a Polônia, com as tropas soviéticas e nazistas realizando desfiles conjuntos em Brest-Litovsk e Lvov. Depois disso, a URSS e a Alemanha realizaram mais conversas que resultaram em outro tratado pelo qual os nazistas cederam a Lituânia aos soviéticos em troca de Stalin reconhecer a ocupação de Varsóvia e Lublin por Hitler, e incluindo protocolos relativos à transferência de população entre a Alemanha e a União Soviética. como compartilhamento de inteligência para reprimir a resistência polonesa à ocupação. Mais conversas em Moscou diziam respeito à expansão da cooperação econômica e política entre os nazistas e os soviéticos, que Molotov e Ribbentrop declararam abertamente como uma “base sólida para a paz na Europa Oriental”.


[2] Sebastian Kurz é político austríaco do partido democrata-cristão conservador, Partido Popular Austríaco (OVP) e chanceler da Áustria desde dezembro de 2017. No decurso da crise dos migrantes europeus em 2015, Kurz apelou a um controlo mais eficaz das fronteiras externas da União Europeia e apresentou um plano de 50 pontos para a integração, com especial ênfase nas áreas da língua e educação, trabalho e emprego. mercado, Estado de Direito e valores. Em 2015, ele propôs uma nova lei que proíbe o financiamento estrangeiro de mesquitas ou o pagamento de salários de imãs e a regulamentação da versão do Alcorão que pode ser usada na Áustria. A lei fornece aos muçulmanos direitos adicionais, como o direito à alimentação halal e o cuidado pastoral nas forças armadas. Kurz disse que as mudanças pretendiam "combater claramente" a influência do islamismo radical na Áustria. A lei aprovada pelo parlamento austríaco em fevereiro de 2015 não exigia uma versão autorizada do Alcorão. Em meio ao expurgo do governo turco contra membros de seu próprio serviço civil e militar em reação a um golpe de estado fracassado em julho de 2016, Kurz convocou o embaixador da Turquia para explicar as ligações de Ancara com manifestações de milhares de pessoas na Áustria em apoio ao presidente turco Recep Tayyip Erdoğan.


[3] Em termos de número de habitantes e de eleitores, o Brasil é a quarta maior democracia do mundo. Perdeu o terceiro lugar para a Indonésia, em 2004 quando realizou o primeiro turno de sua primeira eleição direta para Presidente da República. A mais populosa democracia é a Índia que conta com mais de um bilhão de habitantes e 668 milhões de eleitores. Apenas 4,5% da população global vive em um país cujo regime é encarado como plena democracia. É o que mostra o Índice da Democracia 2017, pesquisa anual conduzida pela The Economist Intelligence Unit  que foi divulgada nesta quarta-feira, 31 de janeiro de 2018.


[4] Movimento político-militar deflagrada em 31 de março de 1964 com o fito de depor o governo do Presidente João Goulart. Sua vitória acarretou profundas modificações na organização política do país, bem como na vida econômica e social. Todos os cinco presidentes militares que se sucederam desde então declararam-se herdeiros e continuadores da Revolução de 1964. Questiona-se se houve Revolução ou Golpe? As interpretações sobre a natureza do movimento que derrubou o governo do Presidente de Goulart, dificultaram o entendimento do processo que deu origem ao mais longo colapso democrático sofrido pela república brasileira. O movimento que culminou com a deposição de Goulart, manipulado semanticamente, tem sido exaltado com revolução ou condenado com o golpe de Estado.  Revolução ou golpe de Estado? Ambos são movimentos com características distintas e inadequadas — por ampliação no primeiro caso e por simplificação no segundo — para explicar os acontecimentos anteriores e posteriores à derrubada de Jango em 1964. O conceito de revolução com os contornos modernos e mais precisos que recebeu a partir da teoria marxista, supõe a ação revolucionária como um instrumento de transformação nas relações políticas, sociais e culturais, no ordenamento jurídico-institucional e na estrutura econômica. Historicamente, no plano da ação política, as revoluções têm-se dado com o emprego da violência e alteração de domínio de classe no aparelho de Estado. O golpe de Estado, sem as motivações ideológicas de uma revolução, limita-se a um movimento das elites políticas e visa à substituição de autoridades, para restabelecer a hegemonia de alianças políticas mais fortes entre a própria classe dominante. Como regra, não altera os marcos constitucionais e nem opera mudanças substanciais nos mecanismos jurídicos, políticos, econômicos ou sociais. No golpe de Estado é escassa ou inexistente a participação popular, é breve a duração da luta política e, normalmente, é reduzido o nível de violência.


[5] O Estado de Bem-Estar social, Estado-providência ou Estado Social é um tipo de organização política e econômica que coloca o Estado como agente da promoção social e organizador da economia. E, neste sentido, torna-se o Estado um agente regulamentador de toda a vida e saúde social, política e econômica do país, em parceria com sindicatos e empresas privadas, em diferentes níveis de acordo. Cabe ao Estado do Bem-Estar social, garantir serviços públicos e a proteção ao povo. E, se desenvolve particularmente na Europa, onde seus princípios foram defendidos pela social-democracia, tendo sido investidos com maior ênfase nos Estados escandinavos, tais como, Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia e sob a orientação do economista e sociólogo sueco Karl Gunnar Myrdal. Aliás, o mesmo economista que dividiu o prêmio Nobel em 1974 com seu rival ideológico Friedrich August Von Hayek, um dos maiores defensores do livre mercado e economista da Escola Austríaca. Pelos princípios do Estado de bem-estar social, todo indivíduo teria direito, desde seu nascimento até sua morte, a um conjunto de bens e serviços, que deveriam ter seu fornecimento garantido seja diretamente através do Estado ou indiretamente mediante o poder de regulamentação do Estado sobre a sociedade civil. Esses direitos incluiriam a educação em todos os níveis, a assistência médica gratuita, o auxílio ao desempregado, a garantia de uma renda mínima, possibilidade de livre associação, recursos adicionais para a criação dos filhos, direito de expressão, etc.


[6] Yoshihiro Francis Fukuyama é filósofo e economista político nipo-estadunidense. Foi figura importante e um dos ideólogos do governo Ronald Reagan. Sendo também figura importante do conservadorismo. Sendo considerado o mentor intelectual de Margaret Thatcher. É doutor em ciência política pela Universidade de Harvard e professor de economia política internacional na Universidade Johns Hopkins, em Washington. Ficou mundialmente conhecido em 1989, ao lançar artigo intitulado "O Fim da História", que fora transformado em livro em 1992, sob o título "O Fim da História e o Último Homem" tornando-o milionário. Atualmente vive em Palo Alto e leciona Estudos Internacionais na Universidade de Stanford. Suas posições ideológicas foram contestadas desde o lançamento de O Fim da História e o Último Homem, tornando-o uma figura repudiada pelos pensadores da esquerda. Fukuyama acredita que o seu livro foi mal interpretado no meio intelectual.


Autores:


Gisele Leite


Ramiro Luiz Pereira da Cruz

Palavras-chave: Mundo Contemporâneo Crise Governos Populistas Autoritarismo História Sociologia Política

Deixe o seu comentário. Participe!

colunas/gisele-leite/a-droit-et-marche

0 Comentários

Conheça os produtos da Jurid