Peste, a protagonista

O protagonismo da Peste faz emergir análises sobre as medidas como confinamento, quarentena, o contágio e as mortes diante da atual pandemia de Covid-19. E, corrobora ainda para a reflexão sobre o plano político, social e literário do contágio coletivo. Afinal, como afirmou Camus: “O ser humano começa a viver antes de começar a pensar”.

Fonte: Gisele Leite

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Introdução

A obra intitulada "A Peste" de Albert Camus focaliza como a vida é impactada de forma abrupta com o surgimento da peste, transmitida por grande número de ratos, e vai aniquilando progressivamente a população. A narrativa representa uma alegoria da morte em massa ocasionada pela Segunda Guerra Mundial.

Há um enlace memorável entre história, literatura e ficção e, as múltiplas diferenciações e similitudes nos permite traçar um panorama, mas a problematização é mesmo a análise do discurso histórico e a confluência com o discurso literário.

Apesar do alerta de Karl Popper[1] onde é possível constatar que a história não produz um conhecimento objetivo, pois é marcada tanto pela emoção, como pela intuição, envolvendo convicções, juízos de valor, tendências e interesses.

Segundo Afrânio Coutinho, a literatura configura-se como a transfiguração do real, é a realidade recriada através do espírito do artista ou escritor e, retransmitida através da língua para as formas, que são gêneros e, com os quais toma corpo da nova realidade.

O argelino nascido em 1923, Albert Camus foi autor de "O Estrangeiro" (1942), "O Mito do Síssifo[2]" (1942) e "A Peste" dentre outas produções, sendo um dos grandiosos escritores da literatura e da filosofia francesa. Sua produção literária foi marcada por temáticas concernentes às experiências humanas, sob o prisma multifacetado e existencialista. 

A obra, em comento, dispõe de viés metaficcional, pois é composta por artifícios explicativos sobre o processo de construção, além do caráter historiográfico. Retratou a opressão  do regime nazista, ainda quem sem verbalizá-la propriamente, ainda que de forma alegórica.

Relata a obra, a mudança de vida na cidade argelina e, a aparência banal de Oran[3] que foi alterada pela patologia epidêmica, que aniquilou a população. Há um caráter alegorizante de Camus que reverbera pela voz do narrador-personagem, dando pista que a peste não significa somente o que a ciência desejou definitivamente atribuir-lhe, mas uma longa série de imagens inéditas e extraordinárias que não se harmonizavam com essa cidade amarela e cinzenta. Tons que acenavam e simbolizavam o horror.

A palavra "peste" acabava de ser pronunciada, pela primeira vez, e a narrativa justifica a incerteza e o espanto dos médicos, ainda que admitisse algumas variações, sua reação foi a redução em flagelos que se abatera sobre o local e os cidadãos. Já existiram no mundo tantas pestes e guerras. E, sempre encontraram pessoas e sociedades completamente desprevenidas.

Completando o cenário, a invasão repentina do regime totalitário em Oran demonstra a arbitrariedade com que as vítimas podem ser escolhidas e, para isso, foi decisivo que sejam, objetivamente, inocentes, que sejam selecionadas sem que se atente para o que possam ou não ter feito. O flagelo atingiu igualmente os homens, mulheres e crianças, e o terror não escolhe sua predileção.

A peste interrompeu os processos e procedimentos de rotina dos cidadãos argelinos e, os testemunhos dos personagens, dão a materialidade capaz de dimensionar a catástrofe.  A metahistória traz a imaginação do século XIX e escreve sobre a tenuidade da relação entre o ofício do historiador e do romancista.

Lembremos que a história oficial sempre privilegia a posição dos vencedores e, questiona-se a consagração do heroísmo de que estes, os gloriosos, dispõem e, também, a vileza creditada, naturalmente, aos vencidos. Será tudo mesmo tão maniqueísta?

“A Peste” representa a resistência ao regime totalitarista que realmente dizimou muitos durante a Segunda Grande Guerra Mundial e, denuncia a dor, o medo, a incerteza do futuro, a perda da esperança e grande solidão propiciada pelo flagelo. As narrativas da obra cumprem o papel social e, traça também uma postura revisionista da história[4] e, possibilita a supressão de lacunas deixadas pela historiografia tradicional, conservadora e preconceituosa, dando vez e voz a tudo que lhe fora negado, silenciado ou perseguido pela história.

O sentimento de absurdo que surge diante de traumas coletivos, quando a fé na condição humana é abalada, em atribuir algum sentido à vida, é firmemente impactada e as convicções da razão parecem, simplesmente, desmanchar-se no ar.

Enfim, a verdadeira peste que nos acomete é, sobretudo, a do vírus do ódio e da indiferença diante das desigualdades sociais. O flagelo que nos açoita, em verdade, é a morte como projeto político, o caos e o obscurantismo que faz reinar e dominar o regime político de terror.

O que representam mais de seiscentos mil mortos num país como o nosso, ou, quando se faz uma guerra, o que significa realmente um óbito ou muitos. Há mais de cem milhões de cadáveres semeados ao longo da história da humanidade. Qual foi o aprendizado de tudo isso?

A existência do ser humano é a marca do livro "A Peste". Afinal, existimos ou vivemos para quê ou para quem? A vida não passa de um sopro é o que exatamente cabe entre a primeira aspiração e a derradeira expiração, é, o que importa. Para o autor, o ser humano não passa de um joguete do destino.

Há, realmente, um sentimento de exílio, esse vazio em nós, essa emoção milimétrica, e o desejo irracional de retornar atrás, ou, pelo contrário de acelerar a marcha do tempo.

Enfim, reintegrávamo-nos, à velha condição de prisioneiros, reduzidos ao passado e, ainda que alguém fosse tentado a viver no futuro, logo renunciava, ao se deparar com as feridas que tanto nos afligem.

A obra contempla a beleza do otimismo do personagem Tarrou que, travando amizade com o desalentado Dr. Rieux, coloca-se na dianteira do combate à peste, seja organizando comissões e convocando os demais personagens, tal como o jornalista Rambert, a superarem seu horizonte individualista e se integrarem na força do coletivo, enfim, para galgar nova perspectiva para a própria vida.

A obra é, profundamente, marcada pela ocupação nazista[5] à França, aliás, tem como epígrafe uma frase sugestiva de Daniel Defoe (o escritor de Robinson Crusoé), in litteris: "É tão válido representar um modo de aprisionamento por outro quanto representar qualquer coisa que de fato existe por alguma coisa que não existe".

Há o paralelo entre os flagelos da doença e os da guerra, e o sentimento de exílio e aprisionamento dentro do próprio país. O desfecho da obra está associado ao fim da quarentena coincidente com a comemoração popular pela libertação de Paris[6], em 25 de agosto de 1944.

Desenvolvimento

As narrativas da obra se ocupam em explicar a história dada como oficial sob muitos e múltiplos enfoques, possibilitando sempre novas leituras e construções e pensamentos críticos em relação àquilo que nos é imposto como verdadeiro.

Tal como Síssifo de Camus, o ponto extremo da lucidez coincide com o ponto inicial da salvação (terrestre), no momento em que esses homens reconhecem na Peste uma realidade tão dura que qualquer álibi se torna impossível, eles percebem que sua sociabilidade é o único bem humano que podem opor sem mentira à Peste, vitoriosamente ou não, pouco importa.

A solidariedade é feita de metal tão duro quanto o da Peste na ordem dos males. Para Sartre, o inferno são os outros; para Camus, os outros talvez sejam o paraíso.

Exercer sua profissão, aplicar-se conscienciosamente a fazer recuar um mal  terrível e injusto, incompreensível, com as armas do médico que são armas modestas, mas ao menos  pacientes, objetivas e forjadas em comum e, sobretudo, jamais mortíferas, eis então, a medida de uma felicidade que não nasce da sublimação do sofrimento, mas da obstinação dos homens em  mitigá-la, permanecendo lado a lado, sem ilusão e sem desespero.

Curiosamente, a obra "A Peste" de Albert Camus voltou ao topo da lista das mais vendidas no ano de 2020 durante a pandemia de Covid-19. Outra obra que tratara de epidemias como "Um diário do ano da peste" de Daniel Defoe, romance publicado de 1722 que relatou os fatos da peste que assolou Londres em 1665, e, em menor escala, os livros de Tucídides[7], de Giovanni Bocaccio, Antonin Artaud, os quais o autor pode e deve ter lido.

Há, igualmente, obras brasileiras que se referiram à gripe espanhola que vitimou milhões de pessoas em 1918, "Chão de ferro" de Pedro Nava e "Água de barrela" de Eliana Alves Cruz.

Já peste negra foi o contexto da obra Decamerão de Giovanni Boccaccio, no momento em que chegava em Florença. Antonin Artaud em seu artigo "Le théâtre et la peste", ao se referir à peste de Marselha, afirmou que teria chegado no navio Le Grand-Saint-Antoine de 1720, proveniente de Beirute, no Líbano. Até hoje, no entanto, não sabe exatamente como a doença chegou nesses países, e suspeita-se até mesmo que a bactéria tenha ficado adormecida em cantos ou animais, conforme Camus relata no final de sua obra[8].

A Covid-19 surgiu na China[9], porém, não se trata que seja um vírus chinês, conforme alardearam certos políticos. Os vírus sempre foram transmitidos pelo contato com animais domésticos, tais como aves, porcos e, outros. O que muda é os novos vírus vêm de animais silvestres, tais como os morcegos, presumido como sendo o principal transmissor de coronavírus.

Basicamente, existem três tipos de peste, em razão de infecção, a saber: a bubônica, a septicêmica e a pneumônica.

A peste bubônica que é causada pela bactéria Yersinia pestis e pode ser disseminada pelo contato com pulgas e roedores infectados. Seus sintomas são inchaço de gânglios linfáticos na virilha, na axila ou no pescoço. E, outros sinais como febre, calafrios, cefaleia, fadiga e dores musculares. A Peste Negra[10] assolou a Europa no século XIV e matou cerca de duzentas milhões de pessoas, atingindo a Eurásia.

A varíola atormentou a humanidade por mais de três mil anos. Atingiu o faraó egípcio Ramsés II, a Rainha Maria II da Inglaterra, e o Luís XV da França. O vírus responsável é Orthopoxvírus variolae era transmitido de pessoa para pessoa, por meio das vias respiratórias.

A cólera teve sua primeira epidemia global, em 1817 e matou centena de milhares de pessoas, a bactéria responsável é Vibrio cholerae que já sofreu diversas mutações e causou novos ciclos epidêmicos, periodicamente.

A gripe espanhola matou cerca de cinquenta milhões de pessoas em 1918 e foi causada por subtipo de vírus influenza.

Em nosso país, atingiu o então Presidente da República Rodrigues Alves que morreu da referida doença em 1919. Seus sintomas eram muitos similares com os do atual coronavírus Sars-CoV-2 e não existia cura.

A gripe suína[11] (H1N1) é causada pelo vírus H1N1 e, foi o primeiro a gerar uma pandemia no século XXI. Surgiu em porcos no México, em 2009 e se disseminou pelo mundo, matando cerca de dezesseis mil pessoas.

No Brasil, o primeiro caso foi confirmado em maio daquele ano e, no fim de junho, 627 (seiscentos e vinte e sete) pessoas estavam  infectadas no país, de acordo com o Ministério da Saúde.

O contágio acontece a partir de gotículas respiratórias no ar ou em uma superfície contaminada.  Seus sintomas são os mesmos de uma gripe comum: febre, tosse, dor de garganta, calafrio e dor no corpo.

O romance “A Peste” está dividido em cinco partes, que correspondem à evolução da epidemia e cujo recorte corresponde às mudanças de estação: 1. Primavera: gênese; 2. Verão: crescendo; 3. Verão: platô; 4. Outono: decrescendo; 5. Inverno: desaparecimento.

Na primeira e última partes o narrador tem um estilo mais pessoal ao descrever acidade de Oran, na costa da Argélia, e os hábitos de seus personagens. A cidade é trivial, os habitantes têm seus hábitos e não querem mudá-los. A declaração oficial do estado de peste, que justifica o fechamento da cidade e o isolamento da população, marca novo período.

A partir daí, nas segunda e terceira partes, a cidade está cortada do resto do mundo, ninguém entra, ninguém sai: o verão e a peste formam o inferno. O céu é o único espaço aberto, mas só traz o sol inclemente.

Conclusão

São três os personagens centrais de “A peste”: Rieux, médico-narrador que mora em Oran, Tarrou e Rambert, homens de fora, que se encontram na cidade por razões desconhecidas. Antes da peste, esses personagens são inconscientes e despreocupados, desfrutando de seus pequenos prazeres. Tarrou, por exemplo, está hospedado num hotel e passa o tempo na praia, nos bailes dos espanhóis e a observar e conversar com as pessoas.

Anota em seus carnets os hábitos bizarros do velho que cuspia nos gatos, o comportamento de Cottard, um homem enigmático que depois se descobre ser um criminoso procurado pela polícia, observa o comportamento da família do juiz Othon, hospedada no mesmo hotel, enfim, são passatempos de um ocioso.

Já o jornalista Rambert, após o fechamento da cidade, considera que os problemas da cidade não lhe dizem respeito, quer voltar para a casa, para os braços de sua mulher.

Enfim, a estimativa de infectados e mortos afeta diretamente os sistemas de saúde, especialmente a exposição de populações e grupos vulneráveis, a sustentação econômica do sistema financeira e da população.

Além da saúde mental das pessoas submetidas ao confinamento e ao temor e risco de adoecimento e morte, bem como dificulta o acesso aos bens essenciais tais como medicamentos, alimentação, transporte, educação, entre outros[12].

O sucesso da vacinação em massa contra a Covid-19, a implementação de medidas preventivas como a vacinação, uso de máscaras faciais, assepsia com álcool em gel e, etc., torna possível responder parcialmente aos desafios propostos pela pandemia, bem como, enfatiza a necessidade de maiores investimentos na rede de pesquisadores, do pessoal da área de saúde[13], dos profissionais dos campos sociais, da educação e humanidades, visando a capacitação contínua para o enfrentamento da pandemia e a superação dos impactos sociais, econômicos, políticos, culturais e educacionais no país.

Referências:

ARTAUD, Antonin. Le théâtre et son double. Paris: Gallimard, 1964.

BARTHES, Roland. Albert Camus em português. Resenha do Livro “A Peste” de Albert Camus. Disponível em: http://revistapandorabrasil.com/camus/resenhabarthes.htm Acesso em 9.20.2022.

BOCCACCIO, Giovanni. Decamerão. Tradução de Torrieri Guimarães. São Paulo: Abril Cultural, 1971.

CAMUS, Albert. A Peste. 25ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2019.

CARVALHO, K. da. S. A.; LOPES, M. S. de O. A peste, de Albert Camus: uma leitura sob a ótica da metaficção historiográfica. Macabéa – Revista Eletrônica do Netlli, Crato, v. 9, n. 4, 2020, p. 468-482.

COUTINHO, Afrânio. Notas de teoria literária. 2ªed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

CRUZ, Eliana Alves. Água de barrela. Rio de Janeiro: Malê, 2018.

DEFOE, Daniel. Um diário do ano da peste. Tradução de Eduardo San Martin. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2014.

FIQUEIREDO, Eurídice. A peste de Camus em diálogo: epidemias do passado, pandemia do presente. Aletria, Belo Horizonte, v.31. n. 2. p. 183-201, 2021. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/aletria/article/download/26043/27562/101701 .  Acesso em 08.10.2022.

Instituto Butantan. A serviço da Vida. Como surgiu o novo coronavírus? Conheça as teorias mais aceitas sobre sua origem. Disponível em: https://butantan.gov.br/covid/butantan-tira-duvida/tira-duvida-noticias/como-surgiu-o-novo-coronavirus-conheca-as-teorias-mais-aceitas-sobre-sua-origem Acesso em 09.20.2022.

LEITE, Gisele; DA CRUZ, Ramiro L.P.; HEUSELER, Denise; CÓRDOBA, Diego. Covid-19: o fato jurídico. Disponível em:https://www.researchgate.net/publication/350354636_Covid-19_o_fato_juridico Acesso em 08.10.2022.

NAVA, Pedro. Chão de ferro. Memória. São Paulo: Ateliê Editorial, Giordano, 2001.

NORDENFELT, Lennart. The Varieties of Dignity. Disponível em: https://philpapers.org/rec/LENTVO Acesso em 09.10.2022.

POPPER, Karl. Em busca de um Mundo Melhor. Tradução de Milton Camargo Mota. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

RODRIGUES, Letícia. Conheça as 5 maiores pandemias da história. Revista Galileu. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Saude/noticia/2020/03/conheca-5-maiores-pandemias-da-historia.html Acesso em 09.20.2022.

Notas:


[1] Entre os seus temas centrais estão o critério de demarcação, conjecturas e refutações e o falsacionismo nas ciências. Buscar-se-á propor um breve resumo sobre os principais conceitos em Popper, através dos itens abaixo: Uma teoria científica somente pode ser refutada por meio da observação e da experimentação.

[2] Na mitologia grega, Sísifo foi o mais astuto dos homens, mestre da malícia e da felicidade punido pelos deuses a rolar uma pedra montanha acima  diariamente, por toda a eternidade - foi uma punição por ele tramar contra os deuses e uma maneira de envergonhá-lo, pois não havia esperteza  que fizesse a pedra não rolar montanha abaixo a cada final do dia.

[3] É uma cidade do litoral da Argélia, que vive um surto de peste bubônica em pleno século XX. A história é centrada no médico Bernard Rieux, e em sua rotina que varia entre visitas a doentes, atendimento no hospital e as relações com sua mulher doente e sua mãe idosa. Mas algo estranho começa a acontecer: ratos aparecem mortos em todos os cantos da cidade. Contudo, esse fato passa despercebido pelos cidadãos.

[4] "A Peste" inaugurou para seu autor uma carreira de solidão; a obra que nascera de uma consciência da História não vai a ela em busca de evidências, preferindo a lucidez no campo moral; é por via do mesmo movimento que seu autor, testemunha de nossa História presente, acabou por preferir recusar os compromissos -mas não a solidariedade- com seu combate.

[5] Bem similar aos governos fascistas do passado, existe até mesmo atitude de eugenia, porque, sendo grupo de risco os idosos, certas autoridades acreditam que estes devem morrer, pois suas vidas não têm importância. Até do ponto de vista da Previdência Social, quando menor número de benefícios e aposentadorias e pensões a serem pagas. Também os pobres são vidas entendidas como descartáveis, dotados de menor valor no que Achille Mbembe chamou de necropolítica, praticada por governos de extrema-direita. O autor ainda explica a intersecção do conceito de biopolítica, criado por Michel Foucault, que apontou a relação entre a política e a vida biológica e, a necropolítica que propõe que uma minoria rica prospere, sobretudo no momento de crise econômica.

[6] Em 25 de agosto de 1944, após mais de quatro anos de ocupação nazista, Paris foi libertada pela 2ª Divisão Blindada francesa e pela 4ª Divisão de Infantaria dos Estados Unidos.  +O general Leclerc recebeu em Paris, diante da estação de trem de Montparnasse, a rendição das tropas alemãs. Desembarcado na Normandia, no comando da 2ª Divisão Blindada, dois meses antes, ele foi o primeiro francês da resistência a entrar na capital pela Porta de Orléans. O general Von Choltitz, comandante das tropas alemãs, havia empreendido duas semanas antes a evacuação da cidade na previsão da chegada dos Aliados. No dia seguinte, o general De Gaulle se instalou no Ministério da Guerra na qualidade de chefe do governo provisório.

[7] A obra de Tucídides foi revalorizada no ocidente devido à tradução da História da Guerra do Peloponeso para o inglês, por Thomas Hobbes. Tucídides também foi um dos primeiros a notar que as pessoas que sobreviviam às epidemias de peste em Atenas eram poupadas durante  os surtos posteriores da mesma doença, conhecimento importante que num futuro remoto seria a base da vacinação. Portanto, considera-se  que por conta de sua imparcialidade analítica Tucídides foi um dos pais da ciência histórica. Sua imparcialidade o levou a negar a  influência de deuses em suas análises, o que gerou seu exílio de Atenas. Pelo foco no problema da guerra e devido à análise dos conflitos entre as Pólis da Grécia Antiga, a corrente de pensamento teórico  realista das Relações Internacionais, no século XX, passou a considerar Tucídides como o "avô" do próprio realismo.

[8] Em "O homem revoltado", ao associar religião com os totalitarismos, Camus faz um resumo de todas as imposições totalitárias. O diálogo à altura do homem custa menos caro que o evangelho das religiões totalitárias, monologado e ditado do alto de uma montanha solitária. Em nosso país, a associação crassa do autoritarismo e religião quer impor uma única verdade, negando a diferença e a alteridade. A pandemia tornou-se a inimiga, então a reação foi subestimá-la, chamá-la de “gripezinha”, zombando até dos sintomas de pessoas infectadas, como a apneia, zombando do uso de máscara facial, como se fossem bobos ao seguirem as recomendações das autoridades sanitárias. Até o uso de fake news para malbaratar  o temor à pandemia e, a necessidade dos cuidados sanitários.

[9] No começo da pandemia do SARS-CoV-2, muito se discutiu sobre as possíveis origens do vírus. Em maio de 2020, a Assembleia Mundial da Saúde, na resolução WHA73.1, solicitou ao diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, que continuasse a trabalhar em colaboração com outros órgãos para identificar a origem do novo coronavírus.  A principal pergunta a ser respondida era como ele foi introduzido na população humana, incluindo o possível papel de hospedeiros intermediários. Também participaram do estudo a Rede Global de Alerta e Resposta a Surtos e a Organização Mundial para Saúde Animal. De acordo com a OMS, o objetivo da descoberta era prevenir a reinfecção com o vírus e o estabelecimento de novos reservatórios zoonóticos (seres onde vive e se multiplica um agente infeccioso, reproduzindo-se de maneira que possa ser transmitido a um hospedeiro suscetível), reduzindo os riscos de surgimento e transmissão de outras zoonoses.  A epidemia começou na cidade de Wuhan, na China, em dezembro de 2019, mas rapidamente se espalhou para o mundo. As principais teorias levantadas incluíam o contato entre um ser humano e um animal infectado e um acidente em um laboratório na China.  No final de março, a OMS divulgou um relatório de 120 páginas, desenvolvido por cientistas da China e de outras partes do mundo, que reforçou a origem natural da epidemia. A tese mais aceita diz que o vírus passou do morcego para um mamífero intermediário, e dele para o ser humano. A transmissão de um morcego diretamente para um humano também foi apontada como uma hipótese possível e provável.

[10] O período mais duro foi vivido entre os anos de 1347 e 1353, em pleno século XIV, causando cerca de 75 milhões de mortos, sendo considerada a pandemia mais mortal da história da humanidade. O termo “quarentena”, não surgiu até ao aparecimento da Peste Negra. Segundo historiadores, foi em Veneza que o termo começou a ser usado “oficialmente”, provindo do nome “quaranta giorni”. O primeiro surto de Peste Negra que afetou a Europa durante a Idade Média chegou ao continente em 1347. A doença surgiu antes na região da China, em 1333. Mas relatos bíblicos mostram que, desde a antiguidade, o Oriente Médio já sofria com essa perturbação mortal. Um surto de Peste Negra que afetou Londres na era medieval, de 1348 a 1350, dificultou o enterro de tantos corpos. Eles simplesmente não cabiam nos cemitérios disponíveis na cidade.

[11] O vírus influenza causa epidemias recorrentes de doença respiratória febril a cada um de três anos há pelo menos 400 anos. Determinam também pandemias associadas à emergência de um novo vírus ao qual a população em geral não tem imunidade. Embora não seja possível predizer a ocorrência de uma nova pandemia, desde o século XVI o mundo experimentou uma média de três pandemias por século, ocorrendo em intervalos de 10 a 50 anos. A maior delas historicamente registrada, conhecida como gripe espanhola e causada pelo vírus influenza A H1N1, ocorreu em 1918-1919, determinando alta morbidade e mortalidade (mais de 20 milhões de mortes em todo o mundo). Em 1977, um surto de infecção pelo vírus A/H1N1 verificou-se nos EUA, atingindo principalmente pessoas jovens, com significativa morbidade.2 Apesar de localizada, houve decisão de vacinação em massa (40 milhões doses), ocasionando 532 casos da síndrome de Guillain-Barré e 32 mortes.

[12] Concluiu-se que a Dignidade da Pessoa Humana é um princípio muito importante, pois reconhece o valor intrínseco do homem, ou seja, como um fim em si mesmo, possuindo direitos pelo mero fato de nascer humano. Concluiu-se que a Dignidade da Pessoa Humana é um princípio muito importante, pois reconhece o valor intrínseco do homem, ou seja, como um fim em si mesmo, possuindo direitos pelo mero fato de nascer humano. Num primeiro grupo de espécies de dignidade, o autor coloca aquelas que são distribuídas de modo desigual entre as pessoas, e estão sujeitas a processos de aquisição e incremento por um lado; e decadência e perda por outro. Ou seja, segundo esses tipos de dignidade, as pessoas podem ser mais dignas ou menos dignas; e sua posição na “escala” de dignidade pode variar no tempo.

Lennart Nordenfelt menciona três dessas formas de dignidade: i) dignidade de mérito; ii) dignidade de estatura moral; e, iii) dignidade de identidade.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Pandemia Covid-19 Peste Consequências da Pandemia Regimes Políticos Totalitários

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