Dilemas do Constitucionalismo Contemporâneo
Entre os dilemas do constitucionalismo contemporâneo está a necessidade de materialização dos direitos fundamentais e, simultaneamente, prover a sustentabilidade do Estado Democrático de Direito. Nesse labor, alguns alvoraçam em apontar uma ditadura judicial calcada no forte ativismo judicial, porém, convém jamais esquecer que o Judiciário é sempre solicitado a decidir, mui excepcionalmente, atuando de ofício ou sem a devida provocação dos interessados.
As
reflexões da doutrina demonstram três principais dilemas do constitucionalismo
atual, a questão de escolha entre os modelos procedimentalista ou
substancialista de Constituição, a importância e função da jurisdição
constitucional e ainda a questão da legitimidade ou não democrática da
jurisdição constitucional bem como a postura ativista ou restritiva do
Judiciário em face de questões políticas submetidas à sua apreciação, tendo por
base principal as respostas contidas no texto constitucional vigente.
Cada
dilema expõe os marcos teóricos essenciais para a inspiração constitucional e,
aponta a prevalência do paradigma substancialista tanto da Constituição como da
jurisdição constitucional. Ao indicar as fontes das quais a jurisdição
constitucional adquire sua legitimidade democrática, promove a desmistificação
do ativismo judicial principalmente em face da realidade sociopolítica
brasileira.
Diante
de três dos principais dilemas enfrentados pelo Estado Democrático de Direito[1] na ótica do
constitucionalismo contemporâneo, quais sejam a escolha entre os paradigmas procedimentalista
ou substancialista de Constituição e jurisdição constitucional, bem como sua
legitimidade democrática e a escolha consciente entre a postura ativista ou
restritiva do Judiciária diante de questões políticas submetidas ao seu crivo.
Muitas indagações, sobretudo, nos força avaliar a efetividade de direitos
fundamentais sociais e têm mobilizado a atenção da doutrina sob as diferentes
perspectivas teóricas e promovem acalorados debates.
O
embate entre as correntes procedimentalista e substancialista sobre a missão da
Constituição Federal e da jurisdição constitucional no Estado de Direito[2] com a identificação do
modelo assumido pela Constituição Federal brasileira de 1988, o que nos remete
a análise das relações existentes entre direito, política e democracia sob
variados enfoques teóricos, o que nos leva até as teses que orbitam sobre dois
eixos: o procedimentalismo[3] e o substancialismo[4]. A principal controvérsia
sintetiza o debate sobre os papéis da Constituição Federal e da jurisdição
constitucional no Estado de Direito contemporâneo.
O
procedimentalismo atribui ao texto constitucional a nobre tarefa de garantir o
funcionamento adequado do sistema de participação democrática, sendo a maioria
quem dita a cada momento histórico, a definição e defesa de valores e opções
políticas em prol do povo. Já o substancialismo sustenta competir ao texto constitucional
impor ao contexto político, um conjunto de decisões valorativas e axiológicas capazes
de serem essenciais e consensuais. E, de acordo com uma outra vertente, há a
variação da extensão da censura judicial das leis e dos atos normativos e atos
governamentais.
Já os
adeptos do procedimentalismo reconhecem à jurisdição constitucional a
legitimidade para o exercício de tal controle principalmente para aferição do
correto cumprimento dos procedimentos adequados públicos para deliberação e
formação da vontade coletiva.
Os
substancialistas, a seu turno, vão mais longe, pois autorizam a averiguação do
conteúdo dos atos dos Poderes Legislativo e Executivo, tendo como paradigmas as
escolhas ético-políticas fundamentais materializadas na Lei Magna.
Em
verdade, a visão essencialmente substancialista tende a justificar um controle
de constitucionalidade mais firme e severo dos atos e normas produzidos no
âmbito do Estado. Diferentemente dos processualistas que conduzem a uma atitude
diferenciada sobre o núcleo de decisões dos Poderes Públicos.
Em
nosso país, o doutrinador Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira (2002) sagrou-se
como defensor do procedimentalismo e afirma que não é possível entender o
Estado como corporificação e a instância única de estabilização de identidade
ética, de uma certa forma de vida e de determinados padrões de vida ideal. Não
há mais, portanto, como mitigar a esfera pública ao ente estatal, conforme
atestam com veemência os direitos fundamentais de terceira geração.
O
público tem dimensão mais complexa, do que mero locus estatal, isto é uma
dimensão discursiva de mobilização e expressão de muitos e variados fluxos
comunicativos. Destaque-se ainda, da falsa e recente homogeneidade criada
artificialmente e levada a termo pelo processo formativo do Estado-Nação[5] que propiciou a formação
de identidade política necessária para a mobilização e garantia da república
plural e formada por cidadãos livres e conscientes e, iguais perante o direito.
Pelo
viés procedimentalista, Dierle Nunes aponta que o Estado Democrático de Direito
se impõe simultaneamente a prevalência da soberania do povo e dos direitos
fundamentais em todos os campos e contextos, particularmente, no âmbito
estatal, onde existe a contínua formação de provimentos que geram efeitos para
a pluralidade de cidadãos.
Destaca
ainda André Cordeiro Leal, que a forma que torna possível a legitimidade
permanente do ordenamento jurídico se dá mediante a institucionalização de
condições para a ação comunicativa, isto é, pela garantia constante de
participação
dos
destinatários das normas jurídicas em sua produção e aplicação, se afastando de
decisões arbitrárias que visam o retorno contínuo a autopoiese[6].
Desponta
Habermas[7] como um dos principais
expoentes do procedimentalismo e preleciona que dentro do contexto do Estado
Democrático de Direito e da ideia de auto-organização jurídica, a Constituição,
não pode ser apenas compreendida como
reguladora primária da relação existente entre o Estado e seus cidadãos,
deixando de fora os poderes de cunho
social, econômico e administrativo, nem como uma ordem jurídica global e
material destinada apenas a impor a priori certa forma de vida ou de dignidade
sobre a sociedade humana.
Ao
revés, a ordem jurídica global determina procedimentos políticos mediante os
quais os cidadãos, assumindo seu direito de autodeterminação, podem perseguir o
projeto cooperativo para produzir as condições justas de vida e sobrevivência
digna. Em síntese, cabe ao ente estatal tutelar a integridade dos ritos
políticos e constitucionais exigidos para a devida e escorreita formação da
vontade da maioria. Mas, não se pode confundir a democracia como a ditadura da
maioria.
Lenio
Streck um fervoroso adepto do substancialismo coloca ênfase exatamente na regra
contramajoritária, como freios às vontades de maiorias eventuais, o que reforça
a relação existente entre Constituição e democracia. Afinal, a regra contramajoritária
traduz adequadamente a materialidade do núcleo político-essencial da
Constituição Federal vigente, representado pelo firme compromisso de resgate
das promessas da modernidade que apontam para a concretização de direitos
prestacionais e as negativas, como a proibição de retrocesso social.
Lembremos
que cada norma constitucional possui diversos âmbitos eficaciais. E, as
posturas substanciais, por isso, intensificam a força normativa da Constituição
Federal, ao evidenciarem o seu conteúdo promissório a partir da concepção de
direitos fundamentais[8] sociais a serem
concretizados. A fora isso, mostra-se a partir da concepção dos direitos fundamentais
sociais a serem materializados.
Torna-se
difícil defender as teses processuais-procedimentais em países como o Brasil em
que o déficit de cumprimento dos direitos fundamentais sociais ainda é
expressivo, parecendo muito pouco, atualmente, se considerada a pretensão do Estado
Social, destinar ao Poder Judiciário o encargo de zelar apenas pelo respeito às
normas procedimentais da política deliberativa.
Outro
doutrinador de escol é o Ministro Luís Roberto Barroso que é ligado ao
substancialismo, pois aponta que o texto constitucional
dentro
do Estado Democrático de Direito reúne basicamente duas funções cruciais. A
primeira que cabe veicular consensos mínios básicos para a dignidade das
pessoas e para o funcionamento da democracia e, que não devem estar submetidos
à disposição de maiorias políticas ocasionais.
E,
tais consensos que variam em face das circunstâncias políticas, sociais e
históricas de cada país, envolvendo a garantia de direitos fundamentais, a
separação e a organização dos Poderes Públicos constituídos e, ainda, a função
de determinados fins de natureza política ou valorativa.
Em
segundo lugar, compete à Constituição garantir o espaço próprio do pluralismo
político, assegurando o funcionamento adequado dos mecanismos democráticos, posto
que há um conjunto de decisões que não podem ser subtraídas dos órgãos eleitos
pelo povo em cada momento histórico.
Inexiste
um antagonismo entre o constitucionalismo e a democracia. Seja porque este
signifique essencialmente uma limitação do poder e a supremacia da lei, seja
porque esta se traduza como a soberania popular e governo da maioria, sendo
fenômenos que se complementam mutuamente no Estado contemporâneo.
Em
derradeira análise, é a promoção da justiça, segurança jurídica e bem-estar
social que são responsáveis pelo equilíbrio entre os preceitos materiais
constitucionais e a deliberação majoritária da sociedade, a fim de obter, simultaneamente
a estabilidade bem como a manutenção das garantias de valores essenciais e,
ainda, prover a celeridade de solução das necessidades cotidianas.
Robert
Alexy que se revela outro substancialista, afirmou que o modelo puramente
procedimentalista de Constituição mostra-se incompatível com vinculação
jurídica do legislador aos direitos fundamentais, posto que seja definido pela negação
de toda e qualquer obrigação legiferante (seja positiva ou negativa). E, há
outra advertência, a de Arthur Kaufman, para que os conteúdos do Direito e da
Justiça são demasiados relevantes para serem legados unicamente aos sempre parciais
políticos.
A
doutrinadora Ana Paula de Barcellos, a seu turno, não identifica incontornável
contradição entre o procedimentalismo e o substancialismo, argumentando que
mesmo o primeiro, em suas diferentes linhagens, admite que o funcionamento do
sistema de deliberação democrática demanda a satisfação de certas exigências
que pode ser descrita como opções materiais e se reconduzem às escolhas
valorativas ou políticas.
Realmente,
não é possível existir deliberação majoritária minimamente consciente e
consistente sem o respeito aos direitos fundamentais de participantes do
processo deliberativo, o que inclui a garantia de liberdades individuais e de
um mínimo de condições materiais indispensáveis ao exercício da cidadania.
Em
verdade, o fervor do debate entre procedimentalismo e substancialismo não será
lucrativo para a realidade brasileira, principalmente se observarmos que a
vigente constituição federal brasileira e o contexto histórico e geográfico e,
ainda, socioeconômico em que esta se insere.
Enfim,
ratifica José Joaquim Gomes Canotilho, a compreensão, que há de ser construída
com base em específico diploma constitucional e, não derivada ou desenvolvida a
partir da teoria da Constituição. Eis, porque o conceito de Lei Magna deverá
ser o constitucionalmente adequado.
E, assim, corrobora Daniel Sarmento que
sustentar ser nossa atual Carta Magna que se mostra nitidamente substancialista
porque
in
litteris: “(…) pródiga na consagração de valores substantivos. Ela
não se contenta em traçar as regras do jogo democrático, nem se limita a
estabelecer as condições materiais necessárias para tornar a democracia
possível – embora também o faça. Ela não é, definitivamente, uma Constituição
do tipo procedimental, já que acolhe valores materiais como dignidade da pessoa
humana e solidariedade social, tornando-os de observância compulsória no âmbito
do Estado e da sociedade. Ao dar forma jurídica a estes valores, convertendo-os
em princípios expressos em linguagem vaga e abstrata, mas não obstante dotados
de plena normatividade, a Constituição prepara o terreno para a filtragem constitucional
de todo o ordenamento jurídico.”
Destaca
Streck que a Constituição da República de 1988 aponta para linhas de atuação para
política, fixando as condições para a mudança da sociedade pelo direito.
Trata-se de pauta para a alteração das estruturas sociais, uma vez que reconhece as desigualdades sociais e coloca à disposição os instrumentos para alcançar tal desiderato. Trata-se de cláusula transformadora permanente, assim, a Lei Maior veio a albergar os conflitos que também dos fins, elencados no seu art. 3.º, que exatamente caracterizam o seu aspecto compromissório e dirigente, voltado à construção de um Estado Social[9].
A sua
efetividade, por conseguinte, é agenda obrigatória de todos que se preocupam
com a transformação de uma sociedade que, em cinco séculos de existência,
produziu pouca democracia e muita miséria, fatores geradores de violências
institucionais e sociais.
Alerta
Gustavo Zagrebelsky reconhecendo o caráter substancialista da Constituição e, portanto,
não deve ser concebida como sistema fechado de princípios, mas, como contexto
aberto de elementos, cuja determinação histórico-concreta, dentro de limites de
elasticidade tal como a contexto permite, sendo deixado ao legislador,
porquanto somente assim se torna possível a coexistência de uma lei
constitucional que contenha princípios substantivos com o pluralismo, a
liberdade da dinâmica política e a competição entre propostas alternativas.
Segundo
o constitucionalista italiano, pensar o contrário não só representa uma
manifestação de soberba dos juristas, como também um risco “holístico” de
asfixia política por saturação jurídica, situando a Constituição contra a
democracia.
Em
linha similar, Luís Roberto Barroso leciona que a importância da Constituição,
e do Judiciário como seu intérprete maior, não pode suprimir a política, o
governo da maioria e o papel do Legislativo. A Constituição não pode ser
ubíqua. Respeitados os valores e fins constitucionais, cumpre à lei fazer as
escolhas entre as diferentes visões alternativas que caracterizam as sociedades
pluralistas.
Frisada
a filiação de nossa Lei Maior ao paradigma substancial, conclui-se que incumbe
à jurisdição constitucional brasileira não somente o zelo pelas estruturas
procedimentais democráticas político-deliberativas nela sedimentadas, como
também a tutela das imposições constitucionais (positivas ou negativas) de
cunho material, em especial os referentes aos direitos fundamentais.
O controle
da compatibilidade vertical dos atos dos Poderes Legislativo e Executivo, a
cargo do Poder Judiciário, assume dessa maneira feição bastante ampla, o que
desperta inevitavelmente a atenção para as questões de sua legitimidade
democrática, da virtual tensão entre os âmbitos das funções estatais e dos
riscos do chamado ativismo judicial.
Outra
questão paira sobre a legitimidade ou não democrática da jurisdição
constitucional. Perquire-se a justificativa de um poder que é, via de regra,
investido exclusivamente de pessoas bacharéis em Direito, sendo composto por
todos seus órgãos e instâncias, por membros não eleitos diretamente pelo povo,
mas devidamente selecionados por meio de concursos públicos ou nomeados pelos
chefes dos Poderes Executivo da União, dos Estados e do Distrito Federal, possa
fulminar de invalidade os atos e
deliberações oriundos dos detentores de mandatos populares, ou mesmo, cominar a
estes determinadas sanções sejam por suas ações ou omissões.
De quais
fontes o Judiciário haure sua legitimação democrática? Quais são as fronteiras
para o desempenho de seus misteres sem invadir as esferas de competências
reservadas ao Legislativo e ao Executivo? E, como debelar as posturas
expansivas e invasoras na interpretação e aplicação direta da Constituição
Federal, sem haver margem aos subjetivismos e voluntarismos e ao arbítrio,
instaurando-se uma auspiciosa ditadura judicial? Não raras vezes, governos com
a verve nitidamente arbitrária e ditatorial acusam o Judiciário de impedi-los
de governar concretamente. Principalmente quando tripudiam das garantias
constitucionais e dos compromissos típicos do Estado Democrático de Direito.
Segunda
a Carta Magna de 1988, reprise-se, de teor nitidamente substancialista, torna-se
possível identificar três primordiais fontes que conferem à jurisdição
constitucional sua legitimidade democrática. A primeira fonte se refere ao
núcleo da atividade típica do Judiciário e que reconhece que a função
jurisdicional no Estado Democrático de Direito, razão por que parece ser
conveniente chamá-la de funcional- material.
Ferrajoli
destacou que as concepções de validade das normas no Estado constitucional
advêm da relação entre a democracia política ou formal e a democracia substancial
o que enfatiza o papel da jurisdição, ganhando robusta legitimação democrática
do Judiciário e sua independência.
Por
outro viés, a integração e incorporação dos direitos fundamentais no Estado
Constitucional, transformaram a relação entre o juiz e a lei, e transformaram a
jurisdição como sendo a função de garantia do cidadão em face das violações de
suas prerrogativas essenciais por parte dos Poderes Públicos.
A
sujeição do julgador à Constituição Federal e, ainda, em seu papel de garante
dos direitos constitucionalmente estabelecidos estão o principal fundamento da
contemporânea legitimação da jurisdição e de independência do Judiciário em
face dos demais poderes, ainda que sejam os poderes eleitos pelas maiorias.
Lembremos
que são nos direitos fundamentais onde se assenta a democracia substancial,
exatamente porque estão assegurados para todos e, inclusive contra eventuais
maiorias e que servem para fundamentar de forma escorreita o velho dogma
positivista da sujeição à lei, a independência do Judiciário está fulcrada para
ser o fiel defensor dos referidos direitos fundamentais.
Ipso Facto, o fundamento crucial da
legitimação da jurisdição constitucional não é outro, senão, o valor da
igualdade[10]
em direitos, a garantia dos direitos fundamentais exigida por juiz imparcial e
independente e subtraído de qualquer vínculo com os Poderes de maiorias e em
condições de censurar, como inválidos ou ilícitos, os atos mediante os quais
aqueles se exercem.
Tal
legitimidade nada tem a ver com a da democracia política, relacionada à
representação, nem deriva da vontade maioria, mas somente da intangibilidade
dos direitos fundamentais, traduzindo assim uma legitimação substancial.
Afinal,
incumbe ao juiz constitucional fiscalizar tanto o legislador ordinário quanto
ao administrador público, principalmente, quando violam a Constituição Federal,
independentemente do mérito dos atos legislativos, executivos ou
administrativos. Tal fonte funcional-material de legitimidade democrática, é
corolário lógico da estrutura escalonada presente no ordenamento jurídico e, da
superioridade e prevalência da Lei Maior e dos direitos fundamentais nesta
inscritos, relativamente aos atos produzidos pelos Legislativo e Executivo, exsurgindo
de forma positivo nos seguintes dispositivos constitucionais vigentes: o artigo
5º, que institui a isonomia e inviolabilidade dos direitos à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, e inciso XXXV, que aponta para
inafastabilidade do controle jurisdicional, o artigo 36, III combinado com o
artigo 34, VII, representação interventiva do Procurador-Geral da República perante o STF para assegurar
observância e respeito, pelos Estados, dos princípios constitucionais
sensíveis; o artigo 97, que trata da previsão da declaração de inconstitucionalidade
da lei ou ato normativo do Poder Público pelos tribunais, exigindo para tanto o
quórum de maioria absoluta de seus membros ou dos membros de respectivos órgãos
especiais; o artigo 102, caput e seus incisos I e III, §1º que refere-se
a missão do STF como guardião da Constituição Federal e dotado de competências
originárias e recursal relacionadas com o controle de constitucionalidade, o
artigo 103, que trata dos mecanismos processuais de controle concentrado de
constitucionalidade e o artigo 125, §2º que tem a previsão de controle de
constitucionalidade das leis e atos normativos estatais e municipais, em
contraste com as Constituições estaduais.
Outra
fonte de legitimação democrática da jurisdição constitucional pode ser
denominada de processual, tendo em vista se referir ao modo pelo qual esta se
desenvolve, isto é, o processo. E, Elio Fazzalari é seu precursor, e tem
refutado ao processo a natureza de relação jurídica e reabilitado seu conceito
a noção de procedimento, compreendido como sucessão de atos normativamente
disciplinados e vinculados reciprocamente e ordenados à preparação de um
provimento imperativo, somado ao contraditório, percebido como garantia de
participação nessa preparação, em situação de simétrica paridade dos
interessados, ou seja, daqueles que serão atingidos em suas esferas jurídicas
pelo aludido provimento.
Processo
é, portanto, espécie de procedimento pelo qual é realizado o contraditório,
traduzindo-se em ser o procedimento em contraditório em perfeita sintonia com o
paradigma do Estado Democrático de Direito.
O
contraditório segundo essa tese doutrinária, passa a integrar a própria
concepção do processo, que deixa de ser a ciência bilateral dos termos e atos
do processo e a possibilidade de contrariá-los, conforme aludiu Joaquim Canuto
Mendes de Almeida, ou de informação necessária e reação possível, para ser
contemplado o processo como autêntica garantia de participação simétrica de
paridade no procedimento.
Ganha
maior significado o contraditório, sobretudo de cunho político, conferindo face
democrática ao processo e o legitimando a ser instrumento para o exercício do
poder estatal sub specie jurisdicionis. A partir dessa ótico, o processo
traduz e constrói o microcosmo da democracia participativa.
Resultando
assim na construção participativa da decisão, trazendo a visão cooperativa do processo
e, sintetizando a decisão judicial mais escorreita, mais justa e adequada à luz
dos elementos do caso concreto, pois o julgador, mesmo nas hipóteses que
comportem mais de uma solução plausível, não ostenta poder de livre escolha e
de total discricionariedade.
O
dever de motivação, mediante o emprego de argumentação racional e persuasiva, é
um traço distintivo relevante da função jurisdicional e dá a ela uma específica
legitimação, decorrente de sua efetiva correspondência à ordem jurídica.
A
jurisdição constitucional, seja por via de ação (controle concentrado de
constitucionalidade), seja por via de exceção (controle difuso de constitucionalidade),
sempre se exerce por meio do processo e culmina com um pronunciamento judicial.
E,
nessa seara, quanto maior o espectro de abrangência dos efeitos do provimento,
maior o número de entes legitimados a integrar o contraditório, isto é, a participar
democraticamente do procedimento que precede sua formação e com ele se conclui.
Frise-se,
por exemplo, que no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, em que a
questão constitucional é apreciada incidenter tantum, como verdadeira prejudicial,
e o provimento jurisdicional emitido em princípio deverá operar efeitos apenas interpartes,
a imprescindível participação será destas, com a eventual possibilidade de
assistência ou intervenção de terceiros, nas formas dos arts. 50 e seguintes do
Código de Processo Civil de 1973, correspondente ao artigo 119 e seguintes do
CPC/2015.
Em se
tratando de controle concentrado de constitucionalidade quando se aufere a lei
ou ato normativo que é o próprio thema decidendum e a decisão obterá
efeito erga omens, dá-se a plena oportunidade de participação, até com a
admissão da participação de amicus curiae conforme prevê o artigo 7º, §2º da
Lei 9.868/1999, e artigo 6º, §§ 1º e 2º do mesmo diploma legal, providência que
confere aos chamados processos objetivos de caráter pluralista e por isso,
reforça a legitimação democrática da jurisdição constitucional.
Enfim,
o resultado da atividade jurisdicional haverá que ser, invariavelmente, decisão
dotada de adequada e suficiente fundamentação, que considere e sopese de forma
séria as contribuições argumentativas e probatórias trazidas pelos sujeitos
processuais interessados.
A
fonte processual confere à jurisdição constitucional uma legitimação de
natureza democrático-participativa, origina-se positivamente, na Lei Magna, da
cláusula do devido processo legal, da garantia do contraditório e do dever de motivação
decisões judiciais, ex vi o artigo 5º, LIV, LV e artigo 93, IX da
CFRB/1988.
Merece
ainda registrar a terceira fonte que pode se chamar de técnico-profissional e
que fornece à jurisdição constitucional uma legitimação por expressa delegação constitucional.
Leciona
Rodolfo de Camargo Mancuso, incumbe precipuamente ao Judiciário a aplicação da
norma de regência aos casos concretos que lhe são apresentados, tratando-se
sempre de atuação a posteriori, dependente de provocação a balizada por
esta, o que se explica pelo fato de que a legitimidade dos julgadores não
apresenta origem popular e, sim, de base técnica.
Ademais,
conforme realça Ministro Luís Roberto Barroso, a maioria dos Estados
democráticos reserva uma parcela de poder político para ser exercitada por
agentes públicos que não são recrutados pela via eleitoral, e cuja atividade é
de natureza predominantemente técnica e imparcial.
Na
tradição romano-germânica dos sistemas jurídicos, o juiz não detém grande
espectro de liberdade criativa na aplicação do direito, estando jungido ao
critério de legalidade, em sentido lato, ou seja, devendo se ater aos dados objetivos
extraídos da Constituição Federal e dos atos normativos em geral, tais como
leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias,
decretos e portarias e, etc., exigindo deste, por conseguinte, o adequado
preparo intelectual e técnico-científico e invulgares conhecimentos do
ordenamento jurídico, além da idoneidade moral.
Eis o
porquê a Lei Magna mesma, atenta às peculiaridades do labor judicante aliadas à
necessidade de se escolherem aqueles que em tese se mostrem mais aptos a
exercê-lo, instituiu dois modos essenciais para seleção e investidura originária
de magistrados, quais sejam, no que concerne aos juízes de carreira, o concurso
público de provas e títulos, realizado pelo respetivo tribunal (da União, dos
Estados, ou do Distrito Federal), com a participação da OAB em todas as suas
fases (artigo 93, I combinado com o artigo 96, inciso I, alínea c da CFRB/1988
e, no que se refere aos membros dos tribunais, a nomeação pelos chefes do
Executivo da União, dos Estados e do DF (artigo 84, XIV e XVI, 101, 104, 107,
111, 119, II, 120, III, 123 e 125 do texto constitucional brasileiro vigente).
Em
ambas as situações, no entanto, buscam-se
os mais qualificados para integrarem os quadros do Judiciário
brasileiro, quer seja pela submissão aos rígidos certames, nos quais não apenas
se mede o nível de conhecimentos jurídicos dos candidatos, como também, se investiga
a lisura de suas vidas pregressas, quer pelos requisitos do notável saber jurídico,
do tempo mínimo de experiência profissional e da reputação ilibada que devem
nortear as indicações feitas pelo Presidente da República, Governadores dos
Estados e do DF. Outrossim, em ambas, a Carta Magna de 1988 promoveu expressa delegação
para tais escolhas: aos tribunais de primeira, e aos chefes do Executivo da
União, dos Estados e do DF, na segunda.
Portanto,
superada a averiguação da legitimidade democrática da jurisdição constitucional
brasileira, é pertinente o questionamento sobre quais seriam os limites, isto
é, as fronteiras que, se forem violadas, ensejarão evidente invasão e usurpação
de poderes das esferas de competências reservadas ao Legislativo e ao Executivo
e, ainda, quais seriam as cautelas indispensáveis para mitigar os riscos de
exagerado protagonismo do Judiciário no trato de temas de princípios
constitucionais afeitos à esfera política. Imperioso, combater os
contemporâneos fenômenos da judicialização da política e do ativismo judicial.
Apesar de que o Judiciário é um poder provocado e dotado de natural inércia.
Luís
Roberto Barroso explana que a judicialização significa que algumas questões de
larga repercussão política e social estão sendo decididas pelos órgãos do
Judiciário, e não pelas instâncias políticas comezinhas, isto é, o Congresso
Nacional e o Executivo, o que, envolve certamente uma transferência de poder
para juízes e tribunais, com as devidas alterações marcantes na linguagem, na
argumentação e, ainda, no modo de participação da sociedade.
Enfim,
para Rodolfo Mancuso, a dita expressão judicialização da política ainda que tenha
clareza para referir-se à densidade conceitual, e não se disperse em
indesejável vazio ou latitude excessiva, pois há que ter por significado o
amplo acesso à Justiça de controvérsias atinentes às diversas políticas
públicas sejam programadas ou implementadas pelo Estado.
Outro
doutrinador que merece destaque é Eduardo Cambi que afirma que o direito
constitucional judicializou a política, poque vem a representar os conflitos
sociais e pela defesa de direitos fundamentais historicamente sonegados, o que
passou a ser um dos destaques, promovendo a relação de complementariedade entre
ambos.
Pode-se
arrolar três fatores principais da judicialização da política em nosso país, a
saber:
(a) a
redemocratização do país, cujo ponto culminante foi a promulgação da
Constituição de 1988, que
fortaleceu
e expandiu o Poder Judiciário e aumentou a demanda por justiça na sociedade
brasileira;
(b) a
constitucionalização abrangente, que incorporou na Lei Maior inúmeras matérias
antes deixadas para o processo político majoritário e para a legislação
ordinária; e
(c) o
sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, um dos mais amplos do
mundo, combinando aspectos dos sistemas americanos (controle incidental e
difuso, por qualquer juiz ou tribunal) e europeu (controle concentrado por meio
de ação direta) e concedendo a diversos órgãos e entes a legitimação para a
iniciativa dos processos objetivos.
Em
acréscimo, o fenômeno não é gerado espontaneamente, nem é autopoiético, mas
radica, remotamente, na recusa, na leniência ou na oferta insatisfatória de
prestações primárias que deveriam ser disponibilizadas pelo Poder Público à
população.
Essa
postura ineficiente abre um vácuo que passa a atrair as demandas reprimidas e
as insatisfações gerais, as quais, restando sem atendimento e sem canal de
expressão adequado, acabam se voltando para a instância que se apresenta quando
as demais falham: o Judiciário.
O
Ministro Luís Roberto Barroso também esclarece habilmente o que se deve
entender por ativismo judicial e quais as suas causas, características e
relações com a judicialização, in litteris: “A judicialização e o
ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, frequentam os
mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas
mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato,
uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um
exercício deliberado de vontade política.
Em
todos os casos referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia
fazer, sem alternativa. Se uma norma constitucional permite que dela se deduza
uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a
matéria.
Já o
ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de
interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele
se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo
descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as
demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva.”
O que
denominam de postura ativista está associada a uma atuação mais incisiva do
Judiciário na materialização de valores e fins constitucionais, com maior
interferência nas competência e atribuições do Executivo e Legislativo,
manifestando-se de formas diferenciadas, tais como a aplicação direta da Lex
Magna às situações não expressamente contempladas em seu texto original e,
independentemente de manifestação do legislador pátrio, a declaração de
inconstitucionalidades de atos normativos com base em critério menos rígidos
que os de patente e crassa violação constitucional, bem como a imposição de
ações ou até abstenções aos Poderes Públicos, notadamente, no que se refere às
políticas públicas.
A
judicialização da política é, contemporaneamente, inevitável em face das
peculiaridades da realidade brasileira, bem ao caráter analítico da Carta Magna
de 1988 e, o amplificado acesso ao Judiciário que ela garantiu.
E, não
mais engloba apenas os titulares dos interesses substanciais contrariados ou
insatisfeitos, tendo sido acrescido de outros órgãos e entidades aos quais se
abrem as vias das ações coletivas e dos instrumentos de controle concentrado de
constitucionalidade, é certo que qualquer ato comissivo ou omissivo dos Poderes
Legislativo e Executivo pode ser questionado e submetido à apreciação do
Judiciário, que verificará sua conformidade com a ordem jurídica como um todo,
em especial com o estrato constitucional, e concluíra, em caso positivo, por
sua validade ou licitude, ou, em caso negativo, por sua invalidade ou
ilicitude, julgando a causa de acordo com tal conclusão.
Trata-se
de regular exercício da atividade típica do Poder Judiciário, que a este não é
possível declinar quando presentes os pressupostos de constituição e
desenvolvimento válido do processo e as condições da ação. Não há aí nenhuma
invasão ou usurpação de competências alheias.
De
fato, assiste razão a Ronald Dworkin ao asseverar que a transferência do poder
político ao Judiciário certamente fará com que a maioria de cidadãos,
notadamente, aquela imensa parcela destituída de visibilidade e privilégios,
ganhe mais do que venha a perder.
E,
realmente, conquanto o aparato judicial se mostre imperfeito, em muitos casos
será o derradeiro refúgio para se obter a satisfação dos direitos fundamentais
dos excluídos, por vezes, tão ignorada pelo Legislativo e pelo Executivo.
Tal
pretensão deduzida perante os órgãos jurisdicionais, ao menos, será analisada e
fundamentada por decisão, ainda que seja contrária à concessão de tutela. A
singela possibilidade de a minoria acessar o Judiciário na busca de proteção de
seus interesses jurídicos já consubstancial eficaz instrumento para impedir a
ditadura da maioria e uma falsa democracia.
A já
alcunhada de "PEC Kamikaze" é um autêntico deboche do
Congresso Nacional. E, a cada ano eleitoral costumamos a ver os arroubos
midiáticos de líderes que só pretendem a reeleição.
Lula,
em seu derradeiro ato de "bondade" ainda em 2009 pôs em execução um
pacote que previa a revisão geral de valores de aposentadorias, reajuste no
valor do benefício chamado de Bolsa Família, bem como a coleta de frutos
advindos do Programa habitacional chamado Minha Casa, Minha Vida.
Batizada
de "Kamikaze" por liberar quarenta e um bilhões de reais, há
pouco menos de três meses das eleições. E, o referido projeto é visto pelos
analistas como burla de lei eleitoral que proíbe a criação de programas sociais
em ano de pleito, além de provar um aumento de déficit do teto de gastos.
Mas,
em 2022 o escárnio elevou-se potencialmente. E, não é um ato isolado do atual
do Presidente da República. E, conta com apoio de todos os congressistas.
Apenas o Senador José Serra ousou votar contrariamente à medida populista que
vai ocasionar em médio prazo subida do valor do dólar, dos juros e, até mesmo,
o aumento dos combustíveis. O Senador Serra foi uma voz isolada e, diante da
aprovação da PEC, o Presidente do Senado Rodrigo Pacheco, parabenizou os
parlamentares
pela
demonstração de maturidade política na aprovação dessa matéria como medidas
excepcionais, mas extremamente necessárias. Continuamos a ser o eterno país do
futuro e, onde cedemos mediante a coerção, o que, aliás é a regra. Mesmo a
oposição ao atual governo federal votou em prol da PEC.
Para
viabilizar a aprovação da dita PEC, o relator Fernando Bezerra retirou um
dispositivo do texto que significaria uma espécie de "cheque em
branco" para o governo federal atual gastar com auxílio sem que tenha que
ficar sujeito à aplicação de qualquer vedação ou restrição imposta e prevista
em norma de qualquer natureza. Enfim, nitidamente, o texto extrapola a todos os
limites legais em prol de pseudoemergência[11].
Foi
incluído também suplemento orçamentário de quinhentos milhões de reais ao
Programa Alimenta Brasil que foi regulamentado em dezembro de 2021 e, visa a
aquisição de alimentos de produtores rurais familiares, extrativistas,
pescadores artesanais, povos indígenas e demais populações tradicionais.
Todo o
cenário nos remete a Sérgio Buarque de Hollanda, em sua obra "Raízes do
Brasil que bem ilustra a figura do "homem cordial", tão apegado aos
vínculos afetivos e, avesso aos procedimentos formais e anônimos do mercado
capitalista e da burocracia moderna, sempre buscando, no contato individual, na
confiança e fidelidade intransferíveis, a garantia para obtenção de graça
exclusiva, seja material ou simbólica. Não importa quem se elegerá a Presidente
da República, pois sofrerá com o impacto orçamentário de bondades eleitoreiras.
O
partido Novo deverá ingressar com uma Adin (Ação Direta de
Inconstitucionalidade) no STF (Supremo Tribunal Federal) caso a chamada PEC Kamikaze[12],
aprovada em 30.6.2022 no Senado, passe na também na Câmara.
A PEC
tem potencial de aumentar o rombo das contas públicas em mais de R$ 40
(quarenta) bilhões, novamente flexibilizando o Teto de Gastos e prejudicando
ainda mais o cenário fiscal e econômico brasileiro.
Questionável
é a oposição existente entre procedimentalismo e substancialismo, pois a
priori, pode-se depreender que os direitos e valores inseridos na
Constituição Federal, foram construídos democraticamente, devendo sempre ter a
prevalência sobre os demais textos legislativos, ainda que produzidos por
maiorias eventuais, concebendo ao Judiciário a nova atribuição dentro das
relações entre os poderes do Estado.
Enfim,
o poder de Estado deve originariamente ser encarregado de efetivar tais valores
seja omisso e inerte, devendo-se atribuir ao Judiciário a incumbência nobre de
cumprir as promessas da modernidade, não podendo ter postura passiva e
contemplativa diante da sociedade.
Mesmo
para o defensor do caráter substantivo da Constituição Federal, o
procedimentalismo de Habermas não poderia ser aplicado em face das
peculiaridades brasileiras, uma vez que a proposta deste só pode ser alcançada com
um agir comunicativo e sujeitos autônomos e foi desta forma que questiona
Streck.
Em
nenhum momento, o Judiciário utiliza de ativismo judicial para se apoderar do
espaço reservado à produção democrática do direito, que encontra limite no
próprio texto normativo da Constituição. Confere-se que Streck apesar de ser adepto
do substancialismo, rechaça toda e qualquer hipótese de decisionismo e
ativismos.
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Notas:
[1]
Prima o Estado Democrático de Direito está baseado no cumprimento por parte dos
governos das normas de Direito, oriundo do Estado de Direito que teve seu
nascimento e ascensão nos séculos XVII e XVIII, e no Estado Social de Direito
ou de Bem-estar social, que compreende uma série de medidas que devem ser
atendidas pelo Estado soberano para tornar digna a vida do povo. É aquele que
garante, a partir de um Estado governado democraticamente e submetido ao
Direito como primeiro fundamento de suas ações, o atendimento aos elementos
básicos que realmente promovam uma vida digna a todos cidadãos. Cumpre
distinguir o Estado de Direito e o Estado Democrático de Direito. O Estado de
Direito surgiu no âmbito de revoluções que trouxeram mudanças sensíveis na
organização política das sociedades inglesa e francesa ao acabar com o
absolutismo (forma de governo autoritária lastreada na imposição da lei por um
governante absoluto) e implantar o parlamentarismo (sistema de governo composto
por corpo parlamentar composto de deputados, senadores e do Poder Legislativo
em geral, que resta submetido ao sistema de leis, a Constituição e, que deve
governar a partir do cumprimento dessas leis).
[2]
A ideia de Estado de Direito,
que tem origem na Idade Média, como forma de contenção do poder absoluto,
ressurgiu nas últimas décadas como um ideal extremamente poderoso para todos
aqueles que lutam contra o autoritarismo e o totalitarismo, transformando-se
num dos principais pilares do regime democrático.2 Para os defensores de direitos humanos, o
Estado de Direito é visto como uma ferramenta indispensável para evitar a
discriminação e o uso arbitrário da força.3 Ao mesmo tempo, a ideia de Estado
de Direito, ao ser renovada por libertários como Hayek em meados do século XX,
passou a receber forte apoio das agências financeiras internacionais e
instituições de auxílio ao desenvolvimento jurídico, como um pré-requisito
essencial para o estabelecimento de economias de mercado eficientes.4 Do outro lado do espectro político, até mesmo
os marxistas, que viam antigamente o Estado de Direito como um mero instrumento
superestrutural, voltado à manutenção do poder das elites, começaram a vê-lo
como um “bem humano incondicional”.5 Seria difícil encontrar qualquer outro
ideal político louvado por públicos tão diversos.6 Porém, a questão é: estamos
todos defendendo a mesma ideia? Obviamente não. Cada concepção de Estado de
Direito, bem como as características que lhes são atribuídas refletem distintas
concepções políticas ou econômicas que se busca avançar.
[3]
A teoria procedimentalista tem como justificativa e prioridade a proteção às
condições do procedimento democrático. Este eixo acentua o papel instrumental
da Constituição de forma que ela seria a garantia de instrumentos de
participação democrática, bem como a reguladora do “procedimento” de toma- da
de decisões.
[4]
L. H. Tribe apud Streck, um dos maiores defensores do substancialismo,
que faz severas críticas à teoria procedimentalista ao afirmar “o procedimento
deve completar-se com uma teoria dos direitos e valores substantivos. (...) As
teorias procedimentalistas não parecem apreciar que o processo é algo em si
mesmo valioso; porém, dizer que o processo é em si mesmo valioso é afirmar que
a Constituição é inevitavelmente substantiva”. Outra crítica reside no
entendimento de Streck que o Direito no paradigma do Estado Democrático de
direito possui uma nova legitimidade que viria da própria Constituição.
[5] Um
Estado-nação é constituído por uma massa de cidadãos que se considera parte de
uma mesma nação. Sob essa perspectiva, podemos afirmar que todas as sociedades
modernas são Estados-nações, isto é, todas as sociedades modernas estão
organizadas sob o comando de um governo instituído que controla e impõe suas
políticas. Um Estado-Nação é uma estrutura que une a instituição política
(Estado) com a unidade cultural (Nação). Ele possui autonomia e soberania
legítima, ou seja, é reconhecido por outros países e governa pelos próprios
meios, sem interferência externa.
[6]
Autopoiese deriva do grego (autopoiesis). A origem etimológica do
vocábulo é autós (por si próprio) e poiesis (criação, produção).
Seu significado literal é autoprodução. Os subsistemas produzem, e reproduzem,
a sua própria organização circular por meio de seus próprios componentes. Na comunicação luhmanniana, autopoiesis se
refere a um sistema autopoiético, definido como rede de produção de componentes
e estruturas. Como emissor da própria comunicação, opera, por isso mesmo, de
forma autorreferencial. Implica autorganização: elementos produzidos no mesmo
sistema.2 Decorre da auto-organização da natureza e da sua comunicação com o
seu ambiente, como se fossem células do corpo autorregenerado. Os sistemas autopoiéticos são sistemas
abertos ao futuro e teleológicos. Com isso, têm a possibilidade de projetar e
de reclamar a própria finalidade. Quaisquer das operações realizadas são
coligadas às suas antecessoras e às que lhes sucedem. Então, no sistema
econômico, pode-se encontrar uma diferenciação comunicativa ligada ao dinheiro,
em que as suas comunicações somente serão produzidas neste sentido, daí o termo
diferenciado. Neste processo de remeter o sistema a si mesmo pela comunicação,
produzir-se-á a autopoiesis do sistema econômico: a economia produz economia.
Nessas autorreferências, além do controle da produção, tem-se a condução dos
seus elementos como algo gerador de unidade indisponível, levando os sistemas a
se tornarem independentes, praticamente autossuficientes. O termo “autopoiesis”
foi utilizado em vários âmbitos científicos, da biologia ao direito. No campo
da biologia, Maturana e Varela têm definido “autopoiético” como um sistema
capaz de se reproduzir autonomamente, sejam os próprios componentes, sejam as
relações que unem o conjunto. Com isso, as transformações de um organismo,
mesmo as profundas, não colocam em discussão a sua identidade (se pensarmos nas
contínuas e profundas mudanças que todo ser humano registra na passagem da
própria vida). Obviamente o nível da autopoieticidade pode variar em um mesmo organismo,
conforme o seu grau de complexidade, vale dizer, a sua capacidade de adaptar-se
ao ambiente. No campo da biologia, pode-se distinguir entre sistemas
autopoiéticos mais simples – de primeira ordem –, similares às células e aos
organismos unicelulares, e sistemas autopoiéticos mais complexos – de segunda
ordem –, como o organismo humano. A
autopoiese foi utilizada no campo do direito pela teoria dos sistemas para
resolver o fundamental problema de delimitar externamente um sistema nos confrontos
do seu ambiente, sem excluir a própria capacidade de introduzir ao seu interno
mudanças que assegurem a sua sobrevivência. Em particular, a teoria dos sistemas
considera o sistema jurídico apto a gerir as relações entre os próprios
elementos com diversos níveis de complexidade do ambiente e da específica normatividade
capaz de atingir níveis de generalizações superiores aos dos outros sistemas
normativos.
[7]
Segundo o doutrinador Lucas, “as orientações procedimentalistas de Habermas e
Garapon, cada um a seu modo, segundo Vianna, destacam que ‘o que há de
patológico e de sombrio na vida social
moderna, do que a crescente e invasora presença do direito na política
seria apenas um indicador, deveria encontrar reparação a partir de uma política
democrática que viesse a privilegiar a formação de uma cidadania ativa. A
invasão da política e da sociedade pelo direito, e o próprio gigantismo do
Poder Judiciário, coincidiram com o desestímulo para um agir orientado para
fins cívicos, o juiz e a lei tornando-se as derradeiras referências de
esperança para indivíduos isolados, socialmente perdidos’. A invasão da
política pelo direito entorpece a capacidade democrática da sociedade e
enclausura todas as possibilidades de emancipação da racionalidade burocrática
do Judiciário, aumentando o desprestígio da política e das alternativas
democráticas na produção do direito e na condução do devir histórico”.
[8]
Direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas
concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional
positivo (na ótica do Constituinte), foram, por seu conteúdo e importância,
integradas – de modo expresso ou implícito, bem como por força da abertura
material do catálogo constitucional
(art. 5º, § 2º, CF) – à Constituição formal e/ou material, além de subtraídas à
plena disposição dos poderes constituídos,
porquanto dotadas de um regime jurídico qualificado e reforçado.32 É por tais razões – em particular pela aqui assim
chamada fundamentalidade formal – que os direitos fundamentais também tem sido
qualificados como sendo verdadeiros
trunfos contra a maioria, expressão aparentemente cunhada por Ronald Dworkin e
substancialmente coincidente com a proposta de Robert Alexy (posições subtraídas à plena disposição dos
atores estatais) e também assumida, mais recentemente e de modo mais
abrangente, por Jorge Novais, já que
controversa – e bastante distinta no direito comparado – a extensão de tal
qualidade a determinados direitos, como se dá no caso de direitos sociais.
[9] O Estado de Direito Social é uma fase, ou melhor, é o resultado de uma longa transformação por que passou o Estado Liberal clássico e, consequentemente, é parte do curso histórico Estado de Direito, quando incorpora os direitos sociais para além dos direitos civis. Consolida-se, após a Segunda Guerra Mundial, o Estado Social, também chamado Estado do Bem-Estar, Estado Providência, Estado do Desenvolvimento, Estado Social de Direito. Não mais se pressupõe a igualdade entre os homens, conforme se afirmava no período anterior, quando a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, afirmava, logo no art. 1º, que “os homens nascem e são livres e iguais em direitos”; a aplicação dessa norma produzira profundas desigualdades sociais. Atribui-se então ao Estado, em sua nova concepção, a missão de buscar essa igualdade; para atingir essa finalidade, o Estado deve intervir na ordem econômica e social para ajudar os menos favorecidos; a preocupação maior desloca-se da liberdade para a igualdade.
[10] Augustín Gordillo, colacionando lições do filósofo Hospers, bem anotou que “possivelmente não haverá duas coisas no universo que sejam exatamente iguais em todos os aspectos. De igual modo provavelmente não haverá duas coisas no universo tão diferentes entre si que careçam de algumas características comuns, de maneira a constituírem uma base para ubicá-la em uma mesma classe”. Vê-se, pois, que delas poder-se-ia dizer que são iguais... ou que são desiguais, dependendo dos fatores que se tomassem em conta! Aduza-se, mais, que o próprio das leis em geral é desigualar situações; ou seja, conferir tratamentos distintos às pessoas, inobstante todas sejam igualadas quanto ao fato de serem pessoas. Com efeito, discriminações terão de haver; as normas sempre fazem e sempre farão distinções entre coisas, seres, situações. Estas coisas, seres e situações sempre possuem entre si pontos comuns, os quais permitiriam considerá-los “iguais” com relação a determinados aspectos. É certo, de outro lado, que também sempre, apresentarão “diferenças” em relação a outros aspectos e circunstâncias que os envolvem, fato que ensejaria considerá-los distintos entre si.
[11]
No Senado, a referida PEC já foi aprovada em dois turnos, em processo que
congregou duas propostas, a saber: a PEC 1/2022 (apelidada de Kamikaze por
conta de seus efeitos orçamentários) e a PEC 16/2022. Tais medidas visam prover
a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da
Administração Pública, sendo proibida em ano eleitoral por força do artigo 73,
§10º da Lei 9.504/1997. Eis, onde reside a polêmica da PEC que já suscitou
diversos debates tanto na esfera pública como na privada. E, para se justificar
diante da proibição retromencionado, o parecer do Relator, o senador Fernando
Bezerra, recorreu a uma exceção prevista pela lei, argumentando que o país se
encontra em emergência provocada pelo forte aumento no preço dos combustíveis.
O mesmo relator destacou que tais medidas não são políticas com fins
eleitoreiros.