Estelionato. Peculato-furto. Crime contra o sistema financeiro.

Fixação da reprimenda. Erro material. Prescrição.

Fonte: Tribunal Regional Federal - TRF4ªR.

Comentários: (0)




Tribunal Regional Federal - TRF4ªR.


Acórdão Publicado no D.J.U. de 10/1/2007


APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1999.71.00.010671-9/RS


RELATOR: Des. Federal ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO


APELANTES: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: *****************


ADVOGADOS: Paulo Olimpio Gomes de Souza e outros


APELADOS: (Os mesmos)


EMENTA


DIREITO PENAL. ESTELIONATO. PECULATO-FURTO. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. FIXAÇÃO DA REPRIMENDA. ERRO MATERIAL. PRESCRIÇÃO.


1. Evidenciada a necessidade de fraude para obter vantagem e, assim, tornar possível sua prática, o ilícito caracteriza-se como estelionato, e não peculato, consoante orientação desta Corte. O peculato, por sua vez, pressupõe que o funcionário público, tirando proveito dessa condição, se aproprie ou desvie bem determinado, com existência concreta. Se não detiver a posse anterior do objeto e o subtrair valendo-se de facilidade decorrente da função, restará caracterizado o crime descrito no seu parágrafo primeiro (peculato-furto). 2. O delito insculpido no artigo 5º da Lei 7.492/86, que praticamente repete todos os elementos normativos do artigo 312, caput, do Código Penal (peculato-apropriação) distingue-se deste pela especificidade do sujeito ativo, o qual deverá, necessariamente, estar incluído no rol do artigo 25 da Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro. 3. Pelo princípio da adequação típica, configura-se o peculato-furto nos casos em que, como na hipótese examinada, o gerente da CEF subtrai valores utilizando-se da senha funcional. 4. Afigura-se erro material da sentença quando a pena mínima arbitrada está em dissonância com a fundamentação exarada na dosimetria. 5. Retificado o equívoco, constatou-se a extinção da punibilidade pela prescrição.


ACÓRDÃO


Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso do Ministério Público e dar provimento ao apelo do réu, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que integram o presente julgado.


Porto Alegre, 13 de dezembro de 2006.


Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro


Relator


RELATÓRIO


DES. ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO: - O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra *********************, dando-o como incurso nas sanções dos artigos 4º, caput, da Lei 7.492/86 e 171, parágrafo terceiro, do CP.


A exordial, recebida em 13/10/1999 (fl. 02) narrou, em síntese, os seguintes fatos:


"No período compreendido entre março de 1998 e janeiro de 1999, na cidade de Porto Alegre/RS, o denunciado, no exercício de suas funções de Gerente-geral da Caixa Econômica Federal, Agência Tristeza, geriu fraudulentamente a instituição bancária, obtendo para si vantagem ilícita em prejuízo da CEF, induzindo-a e mantendo-a em erro mediante a utilização de operações indevidas e transferências irregulares entre contas. A CEF, em 25/01/99, instaurou Sindicância Interna com o fim de apurar irregularidades verificadas na Agência Tristeza, que tinha como Gerente-geral o denunciado, tendo a comissão concluído pela responsabilização do acusado pelos fatos ocorridos. Tais irregularidades consistiam na realização de lançamentos de créditos e débitos indevidos, utilizando contas correntes e de poupança dos clientes daquela agência. ******** forjava débitos fictícios nessas contas e creditava tais valores em contas de terceiros, sendo que posteriormente os repassava para sua conta particular. No Relatório de Apuração Sumária (fls. 463-469) foram listadas inúmeras operações realizadas pelo denunciado nas contas dos correntistas da agência (...) durante o período examinado, com débito em diversas contas e posterior transferência para sua conta pessoal, ou então, para contas intermediárias. São exemplos de tais operações, descritas no relatório de Apuração Sumária que integra a presente denúncia: - Em 23/03/98, transferência da conta nº 003.600-2 (Associação de Moradores do Condomínio Mariante) a qual se encontrava bloqueada pela Justiça, para as contas nº 011.9248-4 (*******************) no valor de R$ 30.000,00, e nº 001.9278-6 (********) no valor de R$ 34.000,00 (fls. 405 e 413, vol. III).


- Em 14/05/98, débito na conta nº 011.9248-4 (*******************) no valor de R$ 27.937,61, tendo o denunciado posteriormente regularizado tal conta, em 15/05/98, com lançamento contábil de estorno de juros e comissões - entidades privadas (fl. 387, vol. III). (...) Conforme se verifica pela leitura do inquérito e demais documentos constantes nos volumes I, II e III, para regularizar as contas dos clientes o denunciado efetuava créditos nessas a título de juros, comissões e estornos, gerando valores indevidos em prejuízo da CEF. ********, pessoalmente, operava o terminal financeiro de caixa para realizar as operações indevidas, bem como o terminal de vídeo, onde fazia transferências de valores entre as contas. Cumpre ressaltar que tais terminais eram liberados somente aos empregados detentores de função de confiança e mediante inserção da senha de conhecimento exclusivo do titular. O prejuízo acarretado à CEF, decorrente dos fatos praticados pelo denunciado, é de R$ 399.128,01 (trezentos e noventa e nove mil, cento e vinte e oito reais e um centavo) sendo que desse valor, R$ 214.736,77 (duzentos e quatorze mil, setecentos e trinta e seis reais e setenta e sete centavos) são referentes a contabilizações indevidas de pagamentos de juros, correções de poupança e estorno no recebimento de juros e comissões de utilização dos limites de créditos de entidades privadas e R$ 184.391,24 (cento e oitenta e quatro mil, trezentos e noventa e um reais e vinte e quatro centavos) relativos ao montante subtraído da conta dos clientes, e que serão restituídos pela CEF, conforme demonstrado pelo Relatório de Apuração Sumária de fls. 463-469, anexo, volume III. A materialidade delitiva, assim como a autoria, encontram-se plenamente comprovadas pela farta documentação juntada aos autos, tais como extratos de conta corrente e poupança, listagens de transações autorizadas/estornadas de vídeo, diárias de contas corrente e cadastros de documentação de contas, constantes nos anexos, volumes I, II e III, bem como pelo interrogatório de fls. 44/45 e considerações preliminares de fls. 27/42."


Regularmente instruído e processado o feito, sobreveio sentença, publicada em 25/03/2004 (fl. 437) julgando parcialmente procedente a denúncia para condenar o réu a 03 (três) anos de reclusão e ao pagamento de 30 (trinta) dias-multa, no valor unitário de 1/2 (um meio) salário mínimo, pela prática do delito insculpido no artigo 312, parágrafo primeiro, do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, nos termos do artigo 44 do CP.


Inconformados, apelaram acusação e defesa.


O Parquet alega, em síntese, estarem configurados os crimes contra o sistema financeiro nacional e o estelionato, tal como capitulados na inicial. Pleiteia, pois, a reforma da decisão monocrática para a reversão da emendatio libelli operada, com a condenação do réu nas sanções do artigo 4º, caput, da Lei 7.492/86, e artigo 171, parágrafo terceiro, do Estatuto Repressivo.


Contra-arrazoado o recurso ministerial, vieram os autos a esta Corte, onde a defesa optou por apresentar suas razões, valendo-se da faculdade do artigo 600, parágrafo quarto, do CPP.


Preliminarmente, o acusado reafirma a capitulação jurídica dada aos fatos pela julgadora singular. No que tange à fixação da reprimenda, pleiteia o reconhecimento de erro material, uma vez que a decisão mencionou que a pena-base seria arbitrada no mínimo legal, mas foi estabelecida em 03 (três) anos, sendo que o mínimo cominado pelo artigo 312 do CP é de 02 (dois) anos. A partir da correção do quantum, para adaptá-lo à fundamentação, requer seja decretada a prescrição retroativa em concreto.


A douta Procuradoria Regional da República, oficiando no feito, manifestou-se pelo parcial provimento ao recurso ministerial, com a condenação pelo crime contra o sistema financeiro, restando prejudicado o recurso da defesa. Caso não seja acatada a tese, pugna pelo desprovimento do apelo do réu.


É o relatório.


À revisão.


Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro


Relator


VOTO


DES. ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO: - Ab initio, esclareço que, embora não constituam objeto do recurso, vale destacar que a materialidade e autoria foram cabalmente comprovadas. Conforme bem analisado pela ilustre magistrada a quo na sentença (fls. 429-433):


"A materialidade do delito veio respaldada em peças produzidas no inquérito policial nº 199/99, documentos encartados no processo administrativo instaurado no âmbito da Caixa Econômica Federal, teor do interrogatório do acusado, depoimentos testemunhais e laudos de exame contábil. A autoria também restou evidenciada a partir da confissão efetuada pelo réu em Juízo, onde admitiu ter realizado transferências irregulares de valores de contas correntes de clientes da agência Tristeza, da qual era Gerente-geral, para contas em seu nome e de parentes. Segundo revelou, tinha vinculação direta com os titulares das contas beneficiadas, dentre estas uma farmácia de propriedade da esposa, cujas dívidas se avolumavam, tendo assim procedido a fim de adimplir a dívida, concedendo cheque especial no valor de quarenta mil reais ao estabelecimento. Disse que a partir deste momento ficou administrando o débito com a CEF, realizando pagamentos com juros. 'Mensalmente, pagava juros ou fazia empréstimos no meu nome, ou pegava dinheiro fora com os amigos e fui levando essa situação durante todo o ano de 1997 e 1998. Quando já não tinha mais como honrar esse pagamento de juros - e aí eu acho que está o grande problema da denúncia - eu comecei a fazer movimentações nas contas de ********, Jackeline, da Drogaria, mas no meu entender nunca em prejuízo da Caixa.' O modus operandi consistia em deixar a conta negativa em cinco mil reais, por exemplo, passando para a minha conta, porque eu precisava honrar algum compromisso. E essa conta ficava negativa cinco, dez, quinze dias, que era o limite permitido administrativamente pela Caixa (...). Quando estourava esse prazo, eu cobria a conta dele com a de Jackeline ou da Drogaria. Então, sempre tinha uma conta dessas com saldo negativo por um determinado período (...) De fato, a Caixa foi prejudicada em função disso, porque as contas ficavam negativas e pagavam juros por isso. O que havia era um rodízio de contas negativas, mas nenhuma delas, em nenhum momento, deixou de pagar juros.' Contou que para liquidar o débito, se desfez de patrimônio pessoal, tendo consciência de que as operações que efetuava eram irregulares, negando a realização de saque das contas pertencentes a alguns correntistas citados na denúncia (Associação dos Moradores Condomínio Mariante, Viação Belém Novo, Sueli Maria Subaran de Souza, Celita Braga Ribeiro e/ou Antônio Mendes Ribeiro, Izabel de Farias Oliveira). Confirmou que os valores eram transferidos por meio de terminais de vídeo aos quais tinha amplo acesso, assumindo a autoria de dívida no valor de R$ 60.000,00, tão-somente, inadmitindo que tivesse movimentado importâncias superiores a essa quantia. O fato foi corroborado pelos depoimentos de José Varlei de Souza, Décio Luiz Neves e Izabel Farias de Oliveira. José Varlei de Souza, que participou da apuração sumária instaurada pela Caixa Econômica Federal, esclareceu que o processo administrativo teve início a partir de reclamação formalizada por cliente da agência Tristeza, dando conta da existência de créditos e débitos não autorizados: ''Nesse momento foi decretado que existiam movimentações irregulares. Eu e outro colega, o gerente Carlos, informamos ao escritório de negócios, pedindo o afastamento do gerente-geral e a instalação de um processo para averiguar toda a movimentação que teria ocorrido.' Explicou que 'as contas que deram origem aos primeiros lançamentos eram contas que não tinham movimentação há muito tempo. Foram transferidos para a conta de um único cliente, e dessa conta para outras (...) Toda a movimentação é logada com a matrícula profissional. Isso consta em relatórios internos da agência, são relatórios de controle.' Recordou que as operações irregulares envolviam contas da farmácia pertencente à esposa do réu e de outras pessoas com as quais ele tinha parentesco, tendo a CEF ressarcido os clientes prejudicados. Izabel de Farias Oliveira disse ter constatado diferença de valores em sua poupança na ocasião em que examinou o extrato da conta, deparando-se com a falta de nove mil reais. 'Esse dinheiro eu coloquei há muitos anos, nunca coloquei mais nem retirei. Ficou naquilo mesmo e foi crescendo. De maneira que aí eu fiquei nervosa.' Reconheceu o acusado como a pessoa que atendeu seu esposo quando este foi até a agência reclamar a divergência, recordando que este teria resolvido o problema por meio da entrega de cheque assinado por ele, réu, e pelo sub-gerente. Décio Luiz Cruz das Neves confirmou ter presidido a apuração sumária realizada pela CEF, a fim de averiguar a responsabilidade de ********, ficando constatado, à época, a movimentação fraudulenta entre contas correntes, por meio da qual o gerente se apropriava dos valores, lembrando que ela operava mais de dez contas, esclarecendo que os gerentes tinham acesso a transferências utilizando-se de suas respectivas senhas e matrículas. Comentou que as importâncias eram oriundas, quase todas, de contas poupança, escolhidas dentre aquelas que não eram movimentadas. Acrescentou que 'as quantias eram transferidas para a conta do réu e da farmácia da qual era sócio, também para a conta de um cunhado. As operações se davam via terminal de vídeo, através do acesso que tinha como gerente (...). Posteriormente, a Caixa cobriu as contas movimentadas de forma irregular'. A partir do teor do interrogatório e dos depoimentos testemunhais não remanescem dúvidas acerca da responsabilidade penal do acusado, tanto que ele próprio confessou em Juízo a autoria do ilícito, irresignando-se tão-somente quanto aos valores descritos na sindicância, os quais entende excessivos. Com efeito, a perícia contábil realizada pelo Instituto de Criminalística da Polícia Federal concluiu que 'as operações que envolveram as contas de poupança de clientes, com subtração de valores de tais contas bem como a criação fictícia e aleatória de lançamentos de juros e correção monetária, foram todos sem suporte em documento gerado em operações normais, portanto, todos eles revestidos de irregularidades. (...) Restou claro que tais lançamentos, realizados irregularmente, apontados no Laudo de Exame Contábil número 1.646/02 SR/R5, foram de responsabilidade do gerente geral à época, ***********************, pois, todos os valores envolvidos foram desaguar em sua conta corrente, de familiares e empresas de familiares que tinham sua participação.' Enfatizam ainda os laudos que 'várias contas de clientes tiveram valores de seus saldos subtraídos por lançamentos indevidos, realizados por ************, sem reposição (...). Todas as contas que tiveram saques indevidos, feitos por ********, a CEF regularizou com a recomposição dos valores. Nesta regularização, a CEF assumiu a responsabilidade de arcar com o prejuízo (...). Quando ocorrem casos de saques indevidos da conta de clientes, sempre as instituições financeiras assumem a responsabilidade e não deixam o cliente com prejuízo. Foi esta a medida tomada pela CEF para solucionar as operações ilícitas (...). A única exceção de cliente ressarcido por ******** foi a conta de Isabel de Farias Oliveira - nº 013.00020493.6, nos valores R$ 8.905,80 e R$ 20,00; com débito em sua própria conta. Este ressarcimento se deu no dia 19/01/99, por insistência da cliente, tendo, também, nessa ocasião iniciado o processo de conhecimento por parte dos outros funcionários da CEF acerca das operações fraudulentas concretizadas por ********.'


Diante disso, não há dúvidas de que o acusado agiu dolosamente, consciente da ilicitude de sua conduta.


Centram-se os apelos na questão da capitulação jurídica dada aos fatos delituosos praticados pelo recorrente.


Primeiro, cumpre distinguir os crimes de estelionato e peculato.


A propósito, vale trazer à colação o teor do artigo 171 do Estatuto Repressivo:


Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.


Com efeito, nessas hipóteses, o agente, para obter a posse da coisa, utiliza-se de mecanismos inidôneos.


Sobre o tema, assim restou consignado no julgamento da ACr nº 2002.04.01.022458-8/PR por esta Turma (Acórdão de 10.12.2003, publicado no DJU em 21.01.2004) "se o funcionário não detinha previamente a posse das quantias, que não estavam disponíveis antes de terem sido forjados os documentos, sendo necessário o emprego de meio fraudulento para tornar possível a prática do ilícito, este caracteriza-se como estelionato e não peculato."


Por outro lado, para configuração do delito inscrito no artigo 312 do CP é necessário que o funcionário público, valendo-se dessa condição, se aproprie ou desvie bem determinado, com existência concreta. Se não detiver a posse anterior do objeto e o subtrair, ou possibilitar que terceiro o faça, restará caracterizado o crime descrito no parágrafo primeiro do referido dispositivo (peculato-furto), consoante se depreende da sua própria redação, verbis:


Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio. parágrafo primeiro. Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.


Como se vê, na hipótese dos autos, trata-se de peculato e não de estelionato, uma vez que a vantagem ilícita não foi auferida mediante a utilização de fraude, mas sim da senha de acesso que detinha o servidor em virtude da função exercida, qual seja, gerente-geral da agência Tristeza da Caixa Econômica Federal.


Ainda em razão da inexistência de operações precisamente fraudulentas, resta elidida a possibilidade de ocorrência do crime previsto no artigo 4º da Lei 7.492/86. In casu, poder-se-ia cogitar da incidência do artigo 5º do mesmo diploma legal, redigido nos seguintes termos:


Apropriar-se, quaisquer das pessoas mencionadas no artigo 25 desta lei, de dinheiro, título, valor ou qualquer outro bem móvel de que tem a posse, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio. Pena - reclusão, de 02 (dois) a 06 (seis) anos, e multa.


Esse tipo penal, que praticamente repete todos os elementos normativos do delito insculpido no artigo 312 do CP, distingue-se daquele pela especificidade do sujeito ativo, o qual deverá, necessariamente, estar incluído no rol do artigo 25 da Lei que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.


No ponto, cumpre mencionar que a Quarta Seção desta Corte firmou o entendimento de que as condutas típicas descritas na referida Lei abrangem também os gerentes de agências bancárias, prepostos designados para administrar os investimentos existentes nas sucursais das instituições financeiras.


Entretanto, a figura delitiva em comento equivale ao peculato-apropriação, caput da norma incriminadora do Estatuto Repressivo, o qual se diferencia do tipo previsto no parágrafo primeiro pela posse prévia do bem subtraído/desviado.


No caso em tela, estão ausentes tanto a posse lícita do bem quanto o emprego de fraude na apropriação da coisa. Para tanto, como salientado, o agente valeu-se da utilização de sua senha funcional, facilidade proporcionada pelo cargo exercido, equiparado ao de funcionário público (artigo 327 do CP). Assim, configurou-se, pelo princípio da adequação típica, o ilícito do artigo 312, parágrafo primeiro, do CP. Sobre esse tópico, confiram-se os seguintes arestos deste Regional:


PENAL. PECULATO-FURTO. AUTORIA E MATERIALIDADE PROVADAS. CAIXA EXECUTIVO DA CEF. SUBTRAÇÃO DE VALORES. CONTABILIZAÇÃO FICTÍCIA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. ATENUANTE DA CONFISSÃO (artigo 65, III, D, DO CP).


REDUÇÃO DA PENA. - Pratica o delito de peculato-furto (artigo 312, parágrafo primeiro, do CP) o agente que, aproveitando-se de sua condição de funcionário da Caixa Econômica Federal, "subtrai para si valores oriundos de contabilizações fictícias" (denúncia). - Não é possível a aplicação da suspensão condicional do processo se a soma da reprimenda mínima atinge dois anos de reclusão, porque supera o requisito objetivo previsto no artigo 89 da Lei nº 9.099/95, qual seja, pena mínima cominada ao delito igual ou inferior a um ano (nesse sentido: STJ, 5ª Turma, RHC 14422, Rel. Min. José Arnaldo, DJ de 25/08/2003, p. 330). - A confissão no processo administrativo e na fase inquisitorial que, embora retratada em juízo, influenciou decisivamente na condenação do réu, enseja a aplicação da atenuante inscrita no artigo 65, III, "d", do CP. Precedentes. (TRF 4ª Região, ACR 200304010430521/SC, Rel. Paulo Afonso Brum Vaz, Oitava Turma, public. no DJU de 24/03/2004; pág. 616).


PENAL E PROCESSUAL. PECULATO. artigo 312 parágrafo primeiro DO CP. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA. - Para consumar o crime de peculato-furto, previsto no parágrafo primeiro do artigo 312 do Código Penal, o funcionário público vale-se da facilidade oferecida pelo cargo para praticar o delito, embora não seja possuidor justo do bem, dinheiro ou valor, tendo apenas acesso ao mesmo em razão da função. Tem-se por consumado o delito com a efetiva subtração, independentemente da obtenção de lucro em decorrência dela. (TRF - 4ª Região. ACR - 200104010040011/ PR. Rel. Vladimir Freitas, Sétima Turma, public. no DJU de 02/10/2002; pág. 915).


Logo, deve ser mantida a sentença por seus próprios fundamentos.


Passo ao exame da reprimenda.


Quanto à alegação de erro material, assiste razão à defesa. Com efeito, toda a motivação do decisum monocrático foi pela fixação da pena no mínimo legal. Observe-se, nesse sentido, o seguinte excerto (fls. 434-435):


"(...) Tendo em vista as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, fixo a pena-base no mínimo legal (...). Não obstante ter o acusado confessado espontaneamente o crime, não o favorece a atenuante prevista no artigo 65, III, d, do CP, já que inadmitido pela jurisprudência pátria o rebaixamento da pena a quantum inferior ao mínimo legal cominado. Assim, não havendo atenuantes ou agravantes a considerar, tampouco causas de aumento ou diminuição, torno definitiva a pena antes aplicada."


Todavia, a despeito da fundamentação acima transcrita, a pena foi arbitrada em 03 (três) anos de reclusão, sendo que o mínimo previsto pelo artigo 312 do CP é de 02 (dois) anos. Retifico, portanto, a reprimenda final que passa a ser de 02 (dois) anos de reclusão.


Considerando a sanção ora estabelecida, constata-se estar extinta a punibilidade do acusado (artigo 109, V, CP) visto que transcorreram mais de 04 (quatro) anos entre o recebimento da denúncia (13/10/1999 - fl. 02) e a publicação da sentença (25/03/2004 - fl. 437).


Frente ao exposto, nego provimento ao apelo do Ministério Público Federal e dou provimento ao recurso do réu para, retificando o erro material ocorrido na dosimetria da pena, reduzi-la a 02 (dois) anos de reclusão e reconhecer a extinção da punibilidade pela prescrição.


VOTO REVISÃO


Com todo o respeito, divirjo da solução dada ao caso pelo eminente Relator.


O réu restou condenado pela prática do delito previsto no artigo 312, parágrafo primeiro, do CP, tendo o agente ministerial apelado para o fim de dar aos fatos capitulação jurídica diversa. Entende que o réu deve ser condenado pelos delitos previstos nos artigos 4º da Lei 7.492/86 e 171, parágrafo terceiro, do Código Penal. O nobre Relator negou provimento ao recurso e manteve a capitulação jurídica estatuída na sentença (peculato-furto). No ponto, apresento a minha divergência.


A conduta imputada ao réu contém, a priori, os elementos que caracterizam o crime de gestão fraudulenta. É que a egrégia 4ª Seção desta Corte, ao apreciar a ACR nº 2001.04.01.004003-5/PR, acolheu a tese de que o gerente de agência bancária pode ser (fora das hipóteses do concurso de agentes) sujeito ativo dos delitos previstos no artigo 4º da Lei nº 7.492/86. Todavia, por ocasião do referido julgamento, não ficou afastada a possibilidade de que se fizesse interpretação, caso a caso, a respeito da incidência do dispositivo penal em questão, levando-se em consideração, para tanto, a gravidade da lesão e sua aptidão para afetar, ou não, o bem jurídico tutelado - a regularidade e higidez do Sistema Financeiro Nacional.


Os delitos capitulados no artigo 4º da Lei nº 7.492/86, como é sabido, têm por finalidade garantir "a boa execução da política econômica do Governo" (PIMENTEL, Manoel Pedro. Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. p. 50), penalizando, assim, quem expõe o Sistema Financeiro Nacional (mediante a utilização de manobras ilícitas ou a realização de transações perdulárias ou de elevado risco sem a cautela necessária) a prejuízos (ou possibilidade de danos) extraordinários.


Ora, por mais que se queira, não há como, na espécie, encontrar argumento legítimo que fundamente a tese de que o montante do prejuízo causado ( R$ 399.128,01) tenha afetado, ainda que minimamente, a higidez do Sistema Financeiro Nacional.


Desse modo, não obstante a relevância penal da conduta atribuída ao réu seja indiscutível, não pode ela ser elevada à categoria de gestão fraudulenta e/ou temerária, pois que lhe falta, indiscutivelmente, o requisito da lesão objetiva ao bem jurídico tutelado pela norma penal, qual seja, o de pôr em risco a execução da política econômica do país, não se subsumindo, pois, os fatos na moldura normativa do artigo 4º da Lei nº 7.492/86.


Pois bem. Poder-se-ia cogitar, na hipótese, de os acontecimentos descritos no libelo subsumirem-se ao delito de peculato, na modalidade prevista no caput do artigo 312 do Codex Criminal (peculato-apropriação). Entretanto, como é cediço, que para a ocorrência de tal figura típica é imprescindível que o autor do fato, em razão do cargo público por ele titularizado, tenha a posse lícita do bem apropriado. Efetivamente, para a configuração do peculato-apropriação, faz-se necessário que preexista a posse ou detenção justas, lícitas, devendo a coisa ter sido entregue anteriormente ao agente, sem fraude nem violência. Isto equivale a dizer que ele primeiro tem, em razão do cargo, a posse legal da coisa, destituída de qualquer vício ou fraude. Em um momento posterior é que surge o dolo e o agente decide inverter a posse.


Não é esse o caso dos autos, porquanto a posse do numerário por Silvio José Baptista Centeno encontra-se viciada em sua origem, já que obtida mediante a realização de operações bancárias indevidas e transferências irregulares entre contas-correntes. O crime perpetrado poderá ser, assim, o de peculato-furto (CP, artigo 312, parágrafo primeiro) e/ou o de estelionato (artigo 171 do CP).


A propósito, cumpre destacar que se distingue o estelionato da modalidade imprópria do peculato (peculato-furto) em razão do intuito com que praticada a conduta. Enquanto no crime de estelionato o agente, mediante fraude ou ardil, tem o objetivo de enganar o ofendido para que este consinta em entregar-lhe a coisa (incidindo em erro a vítima), no delito de peculato-furto, o autor do fato utiliza de alguma facilidade que lhe é inerente para iludir a atenção ou vigilância da vítima, de modo a facilitar a subtração.


Dessarte, no caso em testilha, em relação ao acusado, resta perfectibilizado o estelionato, visto ter obtido vantagem ilícita, para si, mediante fraudes, consistentes em: 1- realização de lançamentos de créditos e débitos indevidos, utilizando contas correntes e de poupanças dos clientes da agência; 2- forjamento de débitos fictícios nessas contas, sendo os valores descontados depositados em contas de terceiros e, posteriormente, repassados para sua conta particular.


Passo, assim, à análise da dosimetria da pena.


Analisando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, observa-se, consoante estabelecido na sentença, que todas as vetoriais são favoráveis ao réu, motivo pelo qual a pena-base deve ser fixada no mínimo legal.


Incide a agravante prevista no artigo 61, II, letra 'g', do Código Penal, motivo pelo qual a pena deve ser aumentada em 07 (sete) meses. Com efeito, o réu era o gerente geral da agência da CEF e praticou o ato com violação ao dever que de ofício que lhe era inerente.


O réu confessou o delito o que autoriza a redução a pena em 04 (quatro) meses.


Por fim, incide a causa de aumento prevista no parágrafo terceiro do artigo 171 do CP, o que deixa a pena definitiva no patamar de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão, a ser cumprida em regime aberto.


A pena de multa, a fim de guardar simetria com privativa de liberdade resta arbitrada em 25 (vinte e cinco) dias-multa, ao valor unitário de 1/2 salário mínimo vigente à época dos fatos.


Presentes os requisitos do artigo 44 do Código Penal, impõe-se a substituição da pena de reclusão. As penas substitutivas que melhor atingem, no caso vertente, a finalidade da persecução criminal consistem na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e na prestação pecuniária. A primeira em razão de exigir do condenado um esforço no sentido de contribuir com o interesse público. A segunda, porque, ao contrário da multa que reverte sempre ao Estado, converte-se em prol da vítima, seus dependentes ou entidade pública ou privada com destinação social.


Forçoso, no entanto, quanto a ambos os réus, reconhecer, de ofício, a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva pela pena em concreto (artigo 110, parágrafo primeiro, do CP), pois entre a data do recebimento da denúncia e a data da publicação da sentença condenatória decorreram mais de 04 anos, prazo prescricional definido para os casos em que a pena aplicada é igual a 1 (um) ano ou, sendo superior, não exceda a 02 (dois) anos, em conformidade com o artigo 109, V, do Código Penal.


Sendo assim, concessa maxima venia, voto por negar provimento ao recurso do Ministério Público Federal e dar provimento ao recurso da defesa para, desclassificando a conduta descrita na denúncia para o delito capitulado no artigo 171, parágrafo terceiro, do CP, reconhecer extinta a punibilidade dos acusados pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva.


Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ


Revisor

 

 

Palavras-chave: Estelionato; Crime; Sistema Financeiro

Deixe o seu comentário. Participe!

noticias/estelionato-peculato-furto-crime-contra-o-sistema-financeiro

0 Comentários

Conheça os produtos da Jurid