Afinal, copiar trechos de livros é certo ou errado?

Questão bastante sensível, principalmente em um país que há apenas alguns anos começou dar a atenção devida a ela, a discussão sobre o respeito ao direito autoral envolve de forma muito direta a academia.

Fonte: Portal Universia, Carlos Brazil

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Questão bastante sensível, principalmente em um país que há apenas alguns anos começou dar a atenção devida a ela, a discussão sobre o respeito ao direito autoral envolve de forma muito direta a academia. Por um lado, há aqueles que defendem que a produção intelectual tem de ser protegida e que o acesso e uso dela devem ser sempre remunerados. Por outro, alega-se que o direito de acesso ao conhecimento deve ser garantido para que haja o acesso à Educação, principalmente em um país em vias de desenvolvimento como o nosso. No meio desta discussão, surge o problema das cópias reprográficas de livros que são usadas tradicionalmente como forma mais fácil e barata de acesso aos conteúdos e conhecimento disseminados pelas instituições de ensino brasileiras, em especial nos cursos de graduação. Mas afinal, é correto que professores indiquem trechos ou capítulos de livros para leitura de seus alunos e que estes simplesmente os usem a partir de cópias reprográficas que não pagam direitos ao autor ou aos editores que publicaram a obra?

A lei que regula a questão dos direitos autorais é a de nº 9.610/98. O problema é que o próprio texto da lei não é conclusivo, abrindo espaço para interpretações díspares. Em seu artigo 46, a lei indica que não constitui ofensa aos direitos autorais "a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro".

Múltiplos entendimentos

Afinal, o que pode ser entendido por "pequenos trechos"?

Para o Conselho Universitário da USP (Universidade de São Paulo), que adotou medida que autoriza a cópia reprográfica de partes de livros, o limite estabelecido pela lei equivale a um capítulo por obra. Critério semelhante para a reprodução de obras foi adotado pelo Conselho Universitário da PUC-SP (Pontíficia Universidade Católica de São Paulo) neste mês de setembro. Definitivamente, esta não é a opinião da ABDR (Associação Brasileira dos Direitos Reprográficos), entidade que protege os direitos dos autores. Para Enoch Bruder, presidente da associação, o limite deve ser fixado muito aquém da referência de capítulos. "O que é permitido? A lei diz o seguinte, claramente. O que é permitido é (copiar) o pequeno trecho para uso próprio, sem fins lucrativos. Aí a polêmica se instalou. O que é pequeno trecho? A lei não define o que é pequeno trecho de uma obra. Tampouco ela versa sobre porcentagens quando se trata de pequeno trecho. Por exemplo, o que está acontecendo agora com a PUC-SP, com a USP e outras aí: eles defendem que um capítulo é um pequeno trecho. Nós discordamos frontalmente, porque, no entender da rogatio legis (propositura da lei) de quem fez essa lei no passado, essa definição se refere a um fragmento da obra que não contempla uma substância, ou seja, não se refere à extensão de uma reprodução, mas, sim, ao conteúdo reproduzido. Desta forma, nós entendemos que o pequeno trecho é uma referência, é uma citação, é um ponto de vista sobre uma idéia, não o contexto da obra, não a essência da obra. Um capítulo, ora, é essência de obra", avalia o presidente da ABDR. "A posição da ABDR é o que está na lei: a reprodução de qualquer coisa tem de ser autorizada. O direito autoral, como reza na lei 9.610, é direito do autor, do criador, do tradutor, do pesquisador, do artista, enfim, é um direito moral e patrimonial de quem criou a obra. A reprodução é a cópia em um ou mais exemplares de uma obra literária. Isso é contrafação, ou seja, sem autorização, fere preceitos legais. É um ato ilícito Civil e Penal", a firma Bruder. Para Bruder, "a comunidade universitária, hoje protegida por um grande número de professores e donos de escolas, acha que o vilão da história é o autor e a editora. Eu retruco: o vilão da história é quem oferece, que se propõe a oferecer um pacote chamado Educação e não o faz de forma completa. Ou seja, quem oferece Educação no mercado tem de oferecer prédios, instalações, laboratórios, internet, outros suportes para informação e conhecimento e os livros e bibliotecas".

Outra avaliação parte da advogada especialista em direitos autorais e presidente da Comissão Especial de Propriedade Imaterial da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil, secção São Paulo), Eliane Abrão. "Algumas decisões judiciais consideram que 10%, 20% ou até 30% da obra seriam considerados pequeno trecho. No entanto, entendo que um número que tem ganho mais consenso é de 10% da obra", diz a Eliane Abrão. Ela considera que a restrição do entendimento de que "pequeno trecho" limita a uma ou duas páginas no máximo - como defenderiam os representantes de autores e editoras - não seria a mais correta. Por outro lado, prefere que o critério de porcentagem máxima seja preferido em detrimento do padrão fixado em capítulos, muito mais subjetivo, segundo ela. A advogada lembra que em abril deste ano a OAB-SP promoveu um debate no intuito de buscar soluções para a questão. "Na OAB-SP a gente tentou um acordo, juntando representantes dos autores, editores, bibliotecas, reprodutores e universitários. O problema é que não se chegou a acordo por causa dos representantes de editores, que decidiram não suspender as ações que faziam nas universidades para reprimir as cópias de livros", lembra.

Eliane Abrão explica também que fazer cópias não autorizadas de material protegido pelos direitos autorais não é um crime, mas, sim, um ilícito civil. Ela considera que os alunos que fazem cópias de pequenos trechos dos livros estão agindo legalmente, enquanto os editores, estimulando ações para impedir esta prática, estão agindo com abuso de direito. Já os estudantes que copiam obras inteiras, por exemplo, agem ilegalmente, enquanto os editores têm o direito de exigir seus direitos neste caso. Para ela, desde que não se caracterize concorrência desleal, é importante agir com grande parcimônia e sensibilidade para que não se impeça o acesso ao conhecimento e à cultura. "Deve haver exceções, senão o impedimento (da divulgação de obras pelas cópias reprográficas) prejudicaria o desenvolvimento da Ciência, da Cultura, da Educação e da difusão do conhecimento."

"Acredito que não é concorrência nenhuma você pegar pequenos trechos de um livro para fazer uso em seus estudos, para seus artigos, para produzir seu trabalho escolar", avalia. Sobre o argumento de que os donos de empresas que produzem as cópias reprográficas têm lucros com o comércio desse material, Eliane Abrão diz que este personagem é apenas um prestador de serviço. Quem usufrui do material copiado, no final, é o "copista", ou seja, o estudante que paga para que determinado trecho de um livro seja reproduzido para que possa fazer uso pessoal dele, e isto estaria em acordo com o que prevê a legislação.

Proposta da ABDR

Buscando resolver a questão, a ABDR propõe que as bibliotecas públicas e universitárias se atualizem e criem condições de prestar serviços mais eficientes para os estudantes. "Os livros estão ficando cada vez mais caros porque vendem pouco, e vendem pouco porque estão caros. Isso é uma engrenagem perversa e precismos reverter isso. Agora, precisamos reverter isso de mãos dadas com o setor universitário. Nós não queremos pôr algum professor, algum aluno na cadeia, não absolutamente. Achamos que, para garantir, entre outras tecnologias, um processo saudável de aprendizado, de desenvolvimento de novas idéias e de publicação de novas idéias, nós precisamos prestigiar o livro, a biblioteca. Não a cópia, simplesmente", defende. Para que estas bibliotecas possam se atualizar, a ABDR informa que irá promover uma campanha que vai baratear o acesso das bibliotecas aos livros. "Nós queremos resolver esse problema com acesso ao livro. Acabamos de lançar uma campanha que vai ao ar provavelmente na semana que vem (nesta semana). Vamos fazer uma coletiva de imprensa e vamos mostrar que as editoras universitárias querem vender livros para a atualização das bibliotecas a preços de fábrica por um período de tempo. Isso, sim, acesso ao livro, cria a condição para aluno que precisa de leitura. E leitura se faz em bibliotecas, em livros, não em clones de livros, em partes de livros", indica.

Bruder diz também que a ABDR estuda criar uma plataforma eletrônica que reuniria alguns livros. Assim, o aluno que não quiser ou não precisar ler um texto completo, poderá adquirir trechos de um livro via Internet, pelo computador. Segundo ele, esse sistema está em gestão e as editoras universitárias vão entrar com esta oferta, sendo que algumas delas já o fazem. O professor Guilherme Simões, chefe de gabinete da reitoria da PUC-SP e um dos gestores da liberação do uso de cópias reprográficas parciais na instituição. considera que a ABDR está tendo uma compreensão equivocada do problema. "Acho que ela tem todo direito de continuar na sua orientação, na sua linha de defesa. Mas, me parece que a ABDR está operando em um limite muito restrito. Ela não está enxergando a dimensão real do problema, que eu acho que são problemas que dizem respeito à Educação no país. E acho que a solução que eles propõem é extremamente limitada. Nós sabemos que mesmo se tivéssemos bibliotecas públicas e universitárias no padrão dos países europeus desenvolvidos ou dos Estados Unidos, o xerox (como é comumente conhecida a cópia reprográfica) continuaria sendo uma necessidade", avalia.

"A presença do xerox nesses países (desenvolvidos) não é inibidora do mercado editorial. Pelo contrário. O que acho é que à ABDR seria importante enxergar que o estudante universitário é o futuro consumidor de livros. É alguém que, com muita probabilidade, vai ter uma biblioteca pessoal, porque ele entra em uma rotina. No mundo de hoje, no qual a idéia da educação continuada é absolutamentes essencial, a idéia da biblioteca pessoal, que parece uma coisa antiga, é muito importante... É uma dinâmica mais complexa que a ABDR, no meu modo de entender, não está encarando", considera Simões. Além disso, Simões lembra que a própria PUC-SP propôs à ABDR a criação de uma coleção didática digital, em uma espécie de intranet, na qual poderiam ser acessados os textos indicados pelos professores da instituição. "Nesta proposta nós teríamos, inclusive, a possibilidade do recolhimento do direito autoral dos textos protegidos. Mas, infelizmente, a ABDR não aceitou essa proposta e, no momento, não temos as bases tecnológicas para fazê-la vigorar. Mas, assim que tivermos, caminharemos neste sentido para substituir a pasta física de xerox por um sistema digital", diz. Falando como autor de dois livros, Simões diz que o mais importante é a divulgação das idéias. "Para nós, é importante que os livros sejam lidos, que as idéias circulem, muito mais do que o eventual negócio do livro. Evidentemente que estou falando do ponto de vista de um autor de textos universitários, que é muito diferente de um autor de livros didáticos, de livros de grande circulação, cujas edições têm 20 mil, 30 mil, 60 mil exemplares, como me parece ser o padrão das editoras associadas à ABDR. O que me parece é que o autor universitário típico de Ciências Humanas tem interesse no seu direito, mas tem interesse, sobretudo, na circulação das idéias. Para nós, obviamente, acho que a divulgação é mais importante do que o eventual lucro auferido pela operação intelectual. É uma outra forma de capital", pondera.

Simões afirma ainda que a decisão da PUC-SP de liberar as cópias de partes de livros está baseada em avaliações jurídicas que garantem a legalidade da medida. "Eu acho que não estamos fazendo nada que fira a lei. Estamos trabalhando dentro de uma interpretação da lei. Evidentemente que ela pode ser questionada, sabemos que a ABDR pode questionar essa interpretação da lei. Mas sabemos também que temos argumentos não somente na própria lei do direito autoral, como em outras leis e na própria Constituição. Nossa República tem instrumentos jurídicos para defender o ensino, a circulação das idéias, o direito à Educação", conclui professor.

A questão segue em discussão. Mudar uma cultura que foi criada e institucionalizada nas universidades há anos não é tarefa simples, ainda mais diante do fato de que grande parte dos estudantes não têm realmente condições financeiras de comprar todos os livros que são necessários para uma adequada formação universitária. O certo é que as partes devem agir sempre com bom senso e encontrar formas o mais consensuais possíveis para que o problema seja tratado com ponderação e sem atitudes passionais.

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2 Comentários

Edder Sidney P.V. de Moraes Policial militar e professor universitário.12/09/2005 23:30 Responder

Afora as questões de direito autoral e de acesso à educação, que são por demais pertinentes, acredito ser primordial discutir-se o papel do poder público no caso. Penso que o meio termo seria alcançado com o Estado dando suporte técnico e financeiro, de modo a minimizar os prejuízos sofridos por ambos os polos dessa questão.

Franklin Ramos de Carvalho Eng.º Eletrônico, Estudante de Direito15/09/2005 11:41 Responder

Acho que, se temos como estudantes condições de arcar com a compra de um livro por cadeira por semestre, somos privilegiados! E as editoras/autores também, pois já venderam! Qual o problema de se ter uma cópia de um capítulo ou dois de outra obra mais específica naquele caso? Não existe uma obra perfeita nem condições de termos todas. Qualquer estudante quer ter seus livros mas onde estão as condições para isto?

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