Aumento da violência escolar na escola brasileira
Os alarmantes índices apontam para o aumento da violência na escola principalmente no retorno às aulas presenciais. Precisa-se construir uma cultura da paz e de diálogo para debelar essa crise.
A
violência escolar é um fenômeno em franco crescimento e tem assumido as mais
variadas formas, o que nos faz investigar as razões sociais, políticas, culturais
e até psicológicas para se entender e debelar tal crise.
A
escola deve ser referenciada como lugar de acesso ao conhecimento e para formação
intelectual do desenvolvimento e aprendizagem humana, deve ser um locus
de segurança e proteção. Mais, infelizmente, a mídia e a pesquisas apontam um
agudo crescimento da violência, principalmente, depois de longo intervalo promovido
por conta da pandemia de Covid-19.
A
retomada das aulas presenciais produziu cenário preocupante nas unidades de
ensino, apenas em 2022, viralizaram nas redes sociais vídeos de brigas em
escolas brasileiras, especialmente, as públicas. Com a pandemia agravou-se a
crise por diversos problemas o que afetou a presencialidade presencial dos discentes.
E, com a retomada das aulas, as escolas não conseguem evitar confrontos e
espetáculos de violência.
Na
cidade de São Paulo, um aluno agrediu fisicamente a Diretora da escola por
conta da falta de merenda.
A
diretora desmaiou e fora levada para o hospital. De fato, é um veraz equívoco
acreditar que é necessário apenas a retomada do conteúdo, torna-se necessário
refazer o acolhimento de discentes bem como dos meios para agregar a
aprendizagem dos discentes.
De
fato, os índices recentes da violência nas escolas são alarmantes. E, também os
de evasão escolar.
O que
contribuiu para haver uma atmosfera de medo e vulnerabilidade, tanto para os
professores quanto para os discentes. E, as vítimas são propensas a terem
problemas severos de saúdo, sejam de ordem física, quanto mental, propiciando a
evasão e o ensino-aprendizagem negativos.
É
possível, necessário e urgente combater a evasão escolar. Sempre é tempo para
recomeçar, a vida é longa e os benefícios da educação são eternos. Pandemia de
Covid-19 e exclusão digital estão dentre os principais motivos da alta da taxa
de evasão e atraso escolar.
Estudos
divulgados pela FGV em 19.01.2022 apontou a evasão escolar aumentou na faixa de
cinco a nove anos durante a pandemia, passando de 1,41% para 5,51% entre 2019 e
2020, crescimento de 197,8%.[1]
A gratuidade
da violência na escola redunda no medo que é comum nos seus depoimentos e, a
hostilidade é ainda estimulada pelo convívio em ambientes violentos, como as
comunidades mais pobres da cidade, onde chacinas se tornam frugais e
justificada pelo combate à criminalidade.
Segundo
o sociólogo Pierre Bourdieu, os alunos apenas reproduzem a violência e não abrem,
pois para aprender, deve-se abrir espaço para o questionamento, ao qual não
ocorre.
Ademais
a negligência do Estado, dos pais e responsáveis trazem influência no
comportamento do discente, pois, a família é a base da educação e, se não atua em
paralelo com a instituição de ensino, o discente passa a entender que seus atos
não têm consequência real.
Há,
igualmente, os pais que transferem para a escola toda a responsabilidade de
educar e cuidar dos seus filhos, retirando sobre si, a obrigação de formar um
cidadão apto a integrar o convívio social.
Registra-se ainda a existência de pais e responsáveis excessivamente
autoritários e violentos, e que não têm autoridade, e passam a influenciar o
desempenho e o comportamento dos filhos no convívio escolar.
E,
nesses casos a vítima tem grandes probabilidades de vir a se tornar um agressor
na próxima oportunidade, e causar o mesmo enorme sofrimento que lhe é
habitualmente proporcionado. E, tudo isso afeta grandemente o desenvolvimento
do discente.
A
pedagogia tradicional ainda se baseia no modelo onde o ensino é centrado no
professor. E, o docente deposita o conteúdo sem, contudo, abrir espaço para
questionamentos e sugestões dos discentes, que por sua vez não tem voz e
oportunidade de socializar o que pensam, o que sentem e do que precisam.
E,
assim, quando o professor é autoritário e não traduz uma educação reflexiva e
com participação ativa dos aprendentes, tende a criar sentimentos de ódio e
hostilidade pelo professor e, produz ainda a falta de interesse pelas aulas,
gerando oportunidade para conflitos, violências contra os professores e contra
o patrimônio da escola.
Evidentemente
deve-se evitar rotular a vítima ou agressor e, procurar construir sólida política
cultura do diálogo e da paz nas escolas e, ainda promover o devido atendimento
psicossocial para os profissionais de educação, alunos e comunidade.
De
acordo com Debarbieux que recomenda que a família a escola devam trabalhar em
conjunto para acompanhar as mudanças, e manter a realidade familiar junto com a
existente na escola, visto que seja relevante para obtenção da dignidade humana
e desenvolvimento dos aprendentes.
A
instituição de ensino deve atuar juntamente com a comunidade escolar e deve
repensar seus papéis e finalidades para arregimentar estratégias capazes de
minimizar a violência na escola e, ainda buscar a presença do Poder Pública
para aperfeiçoar a infraestrutura e criar novas metodologias para que o
professor possa estimular e auxiliar o discente a construir o conhecimento e
galgar o desenvolvimento.
Portanto,
é relevante haver a parceria dos profissionais psicossociais, como psicólogos,
psicopedagogos, assistentes sociais e até mesmo psiquiatras para que
diagnostiquem e promovam o tratamento e, finalmente, se alcancem a educação por
meio da paz, lastreada no respeito mútuo, onde não há coação e hostilidade,
construindo um ambiente de acolhimento e propício ao desenvolvimento dos
discentes.
De
fato, a violência sempre esteve presente em todos os ambientes e jamais poderá
ser erradicada por completo, mas existem muitas alternativas para mitigação
dessa, seja a médio ou a longo prazo, desde que haja o apoio de todos os segmentos
envolvidos, como a comunidade, a família, o Poder Público e a escola.
Nas
escolas brasileiras as violências mais cotidianas são as asções de depredação
do espaço físico como a ação de vandalismo, pichações, embates físicos, bullying,
o cyberbullying, o que envolve ameaças, xingamentos, insultos,
discriminação, preconceitos, intimidações, agressões físicas, morais, verbais e
psicológicas e, também ocorrem incivilidades, indisciplina, além de uso de
comércio de drogas, furtos e utilização de armas ocasionando possíveis mortes.
A
violência estrutural[2] expressa as formas de
manifestação referente à dominação de classe social, de grupos e até do próprio
Estado e, as formas como certos grupos ou instituições criam as condições para
vida de forma desigual e injusta.
As
escolas públicas brasileiras lidam habitualmente com muitos problemas e
desafios estruturais ao se comparar com as escolas privadas e reflete,
obviamente, as desigualdades sociais[3]. Principalmente as escolas
públicas situadas próximas as comunidades carentes, que muitas vezes são
fechadas quando existem incursões policiais e operações de segurança pública.
Infelizmente,
a violência também existe em escolas destinadas às elites, mas não se torna tão
frequente como nas áreas mais carentes de segurança, saneamento e saúde, pois
que não assegurem as condições de vida digna, e fatores que contribuam para um
controle da situação.
Há a
falta de investimentos e estruturas adequadas na rede pública de ensino, como
também há a falta constante de recursos o que afeta o desenvolvimento escolar
e, portanto, ocasionando os conflitos interpessoais. Afinal, não como tratar
das violências cotidianas na escola sem relacioná-las com o cenário mais amplo
de violências estruturais.
É
preciso reconhecer que os discentes são outros, tendo outras criações e
necessidades, fazendo com que a tradicional figura autoritária do professor e
do ensino não faça mais o mesmo sentido do que antes.
Enfim,
a violência na escola é resultante de microviolências diárias, como o de
empurrar, cutucar, andar pela sala, falar enquanto o professor está falando,
gritar, sujar a sala de aula, dar risadas ou vaias, entre outros episódios e
comportamentos recorrentes em sala de aula e que promovem a desordem e, que sem intervenções podem evoluir para as
agressões mais perigosas.
Atente-se
ainda que a violência verbal, moral e psicológica pode ser tão nociva quanto a
física visto que demore mais a apresentar seus sinais, dificultando que se
identifique o problema e, por vezes, é até visto como mera brincadeira.
Em
geral, as vítimas de bullying[4]
acumula carga emocional negativa, em face da sucessiva violência sofrida e
presenciada, e ainda acarretam problemas emocionais que são capazes de
acarretar a reclusão e até o suicídio das vítimas.
A fim de minimizar e controlar o impacto da violência na escola, deve-se adotar atividades e projetos que envolvam artes em geral, esporte e lazer, a fim de trazer para a escola a arte-educação, como uma das estratégias para que o discente e a comunidade escolar obtenha um desenvolvimento integral e um salutar diálogo.
Referências
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Notas:
[1]
Abandono escolar é um dos indicadores que, junto com a reprovação e a
aprovação, compõe o que se denomina de rendimento escolar. Esses dados são
gerados por cada escola ao final do ano letivo.
Evasão escolar é a situação
do estudante que abandonou a escola em determinado ano letivo e que não efetuou
a matrícula no ano seguinte. Neste caso, portanto, evade-se do sistema de
ensino. Para combater a evasão escolar deve-se promover a Busca Ativa Escolar.
[2]
O conceito de violência estrutural se aplica tanto às estruturas organizadas e
institucionalizadas da família como aos sistemas econômicos, culturais e
políticos que conduzem à opressão determinadas pessoas a quem se negam
vantagens da sociedade, tornando-as mais vulneráveis ao sofrimento e à morte.
[3]
A desigualdade social é um fenômeno histórico e possível de ser revertido. Suas
várias formas (de classe, racial, sexo etc.) "são diferenças hierárquicas
evitáveis e moralmente injustificadas ...
A desigualdade é uma violação aos direitos humanos". As relações
sociais, em tal contexto, são permeadas por relações de dominação de classes
sociais. Diversas categorias de indivíduos encontram-se, por vários fatores,
compreendidos como excluídos: idosos, homossexuais, mulheres, pessoas com
deficiências, índios, população de rua etc. É inegável que os processos de
segregação desumanizam esses "desfiliados". As metamorfoses da questão social: uma
crônica do salário. Petrópolis: Vozes.) e que as camadas segregadas se tornam
invisíveis para a sociedade e/ou são percebidas como inferiores e como objetos
de temor. Contudo, pode-se entender que um conceito o qual aborda tantos grupos
sociais e tantos fenômenos diferentes é demasiado abrangente e precisa ser
utilizado de forma crítica. O conceito
de desigualdade social é aqui utilizado por marcar o caráter concreto,
histórico e estrutural das sociedades capitalistas contemporâneas. Isso não significa deixar de considerar os
autores citados, mas articular analiticamente os conceitos de desigualdade e
exclusão.
[4] Bullying
é a prática de atos violentos, intencionais e repetidos contra uma pessoa
indefesa, que podem causar danos físicos e psicológicos às vítimas. O termo
surgiu a partir do inglês bully, palavra que significa tirano, brigão ou
valentão, na tradução para o português.