Servidor público não concursado. Contrato nulo. Desvio de função. Diferenças salariais devidas.
De acordo com a Súmula nº 363 do C. TST são devidos ao servidor não concursado apenas a contraprestação salarial. Se comprovadamente o servidor laborou em desvio de função, são devidas as diferenças salariais, mas, por conta da nulidade do contrato, sem os reflexos, excetuados os referentes ao FGTS.
Tribunal Regional do Trabalho - TRT15ªR.
PROCESSO TRT/15ª REG. Nº 03588-2007-010-15-00-3 RO
RECURSO ORDINÁRIO
2ª TURMA - 4 ª CÂMARA
RECORRENTE: LILIANA REGINA SECCO DE FARIA
RECORRIDO: MUNICÍPIO DE RIO CLARO
ORIGEM: VARA DO TRABALHO DE RIO CLARO
JUIZ SENTENCIANTE: PATRÍCIA GLUGOVSKIS PENNA MARTINS
EMENTA: SERVIDOR PÚBLICO NÃO CONCURSADO. CONTRATO NULO. DESVIO DE FUNÇÃO. DIFERENÇAS SALARIAIS DEVIDAS. De acordo com a Súmula nº 363 do C. TST são devidos ao servidor não concursado apenas a contraprestação salarial. Se comprovadamente o servidor laborou em desvio de função, são devidas as diferenças salariais, mas, por conta da nulidade do contrato, sem os reflexos, excetuados os referentes ao FGTS.
Vistos etc...
Trata-se de recurso ordinário interposto pela reclamante, às fls. 194/204, contra a r. sentença de fls. 191/192, que julgou improcedentes os pedidos, cujo relatório adoto. A autora postula as diferenças salariais pelo desvio funcional e reflexos, inclusive depósitos de FGTS.
Contra-razões, às fls. 209/211.
A D. Procuradoria opina pelo conhecimento e provimento do apelo (fls. 215/216).
É o relatório.
V O T O
Conheço do recurso ordinário interposto, pois cumpridos os pressupostos para sua admissibilidade.
A reclamante foi contratada como servente, mediante contrato a prazo determinado em 06/05/96, laborando até 18/10/07, sob regime celetista (fl. 24). Aduz que, a partir de meados de 1997, passou a exercer a função de auxiliar de biblioteca junto à biblioteca municipal, pretendendo diferenças salariais.
Pois bem. A ação civil pública nº 1764/99 promovida pelo Ministério Público do Trabalho teve por objetivo a declaração de nulidade dos contratos de trabalho dos servidores celetistas admitidos sem concurso pelo Município de Rio Claro, bem como a abstenção do ente público de praticar novas contratações irregulares. Essas pretensões foram julgadas procedentes, em decisão já transitada em julgado (fls. 79/84).
Por outro lado, os documentos de fls. 26/28 revelam que a reclamante não foi contratada após aprovação em concurso público, sendo que em razão da nulidade da contratação é que houve o rompimento contratual (fl. 24). Registre-se que tal nulidade não é debatida no apelo.
De fato, em face da exigência preconizada pelo artigo 37, inciso II da Constituição Federal, a investidura em cargo ou emprego público depende da aprovação em concurso público, sendo imperioso o reconhecimento da nulidade da contratação. Todavia, prende-se a autora no fato de que, mesmo sendo nulo o contrato, haveria diferenças salariais pelo desvio de função ocorrido.
Nesse ponto, com a devida vênia da origem, tem razão a autora.
Com efeito, dispõe a Súmula 363 do C. TST:
"A contratação de servidor público, após a CF/88, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS"
Sendo assim, como bem asseverado pelo D. Procurador do Trabalho em seu parecer, a nulidade da contratação não constitui óbice para eventual reconhecimento das diferenças, desde que não se defira novo enquadramento (fls. 215/216). E assim deve ser entendido porque a referida súmula garante como pagamento mínimo a contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, de modo que, não sendo possível devolver ao trabalhador a força de trabalho despendida ao ente público, seria moralmente reprovável que não recebesse ao menos o salário "stricto sensu".
Portanto, se a autora foi contratada como servente, mas exerceu, na prática, função de maior responsabilidade e melhor remunerada, é evidente que esta é a contraprestação mínima que deve receber em função da nulidade reconhecida, nos moldes da Súmula n. 363 do C. TST.
No mesmo caminho restou decidido no proc. 00164-2004-010-15-00-4, sob a relatoria do Desembargador Federal do Trabalho Fernando da Silva Borges (5ª Turma, DOE 01/06/07). Também não se pode olvidar do entendimento consubstanciado na OJ 125 da SDI-1 do C. TST:
"DESVIO DE FUNÇÃO. QUADRO DE CARREIRA. O simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas às diferenças salariais respectivas, mesmo que o desvio de função haja iniciado antes da vigência da CF/1988."
Vejamos, pois, se a autora efetivamente cumpriu função diversa da qual foi admitida.
Antes, porém, diante do entendimento contido na Súmula n. 393 do C. TST e da prescrição argüída em defesa, necessário declarar prescritos os créditos anteriores a 04/12/02.
Retornando ao cerne da questão, disse a única testemunha ouvida que
"trabalha para a reclamada desde 1986, na função de técnica em biblioteca e exerce a função de coordenadora da biblioteca; que trabalhou com a reclamante e ela fazia o serviços de auxiliar de biblioteca atendendo ao publico, pesquisa e parte técnica; que desde que a reclamante passou a trabalhar na biblioteca sempre fez essa função; que a depoente acha que isso foi em 1996 ou 1997."
No mais, os documentos dos autos permitem identificar as seguintes alterações funcionais:
- até 22/01/02 a reclamante era lotada na Secretaria Municipal de Cultura e, após demonstrar interesse em laborar na Secretaria de Esportes, lá prestou serviços a partir de 23/01/02 (fl. 24 e 31). Note-se que tais documentos não foram impugnados e no de fl. 31 consta a anuência expressa da autora;
- a partir de 22/03/02 a recorrente passou a prestar serviços junto à Divisão de Cemitério e Velório, conforme documento de fl. 32, assinado pela reclamante. Da mesma forma a ata de reunião de fl. 34;
- posteriormente, a autora retornou à Secretaria de Cultura (fl. 24), sendo que o holerite de janeiro/07 já consta a lotação no setor da biblioteca (fl. 37).
Portanto, segundo se infere da conjugação da prova oral com a documental, temos que a reclamante realmente laborou no setor de biblioteca, como auxiliar, a partir de 1997 e até janeiro/02, o que se refere ao período já prescrito.
Após trabalhar em outros setores, apenas mais ao final do contrato de trabalho é que a autora retornou ao setor da biblioteca, não se podendo precisar com exatidão qual a data em que a reclamante voltou a laborar na biblioteca, já que o reclamado não trouxe aos autos documentos nesse sentido, nem mesmo todos os recibos de pagamento. A única certeza que se tem é que, ao menos a partir de janeiro de 2007, a autora já estava na biblioteca, sendo devidas as diferenças postuladas no mínimo a partir daí.
Dessa forma, deferindo-se as diferenças decorrentes da função equivalente (auxiliar de biblioteca), conforme se apurar em liquidação, deverá o reclamado apresentar os recibos de pagamento faltantes (até para possibilitar a apuração das diferenças) e outros documentos idôneos que permitam fixar a data exata do retorno à biblioteca, sob pena de, na omissão, ser fixada por arbitramento pelo juízo da execução.
Quanto aos reflexos, estes não são devidos, a não ser no FGTS, ante a ressalva expressa da Súmula n. 363 do C. TST, com base na Lei n. 8.036/90.
Os recolhimentos previdenciários e fiscais deverão ser efetuados na forma da Súmula n.º 368 do C. TST. Os juros e correção monetária são devidos na forma da Lei, sendo a última exigida a partir do inadimplemento da obrigação (Súmula n.º 381 do C. TST) e o primeiro a partir do ajuizamento da ação (art. 883 da CLT).
Com relação aos ofícios pretendidos, ressalte-se que inúmeros já foram expedidos em outras reclamatórias idênticas, como se infere das decisões juntadas aos autos (fl. 119, por exemplo), lembrando que o Ministério Público do Trabalho já promoveu ação civil pública diante das irregularidades (fls. 79/84).
DISPOSITIVO
Diante do exposto, decido conhecer do recurso de Liliana Regina Secco de Faria e o prover em parte para deferir as diferenças salariais e reflexos no FGTS, nos estritos limites da fundamentação. Custas pelo reclamado, no importe de R$ 40,00, calculadas sobre o valor da condenação, ora arbitrado em R$ 2.000,00, isento na forma do art. 790-A da CLT.
SAMUEL HUGO LIMA - Des. Relator