Febem limita acesso de juízes e volta atrás
Oito meses depois de o governo de Geraldo Alckmin (PSDB) prometer a abertura da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) à sociedade, a fundação publicou ontem, no "Diário Oficial" do Estado, uma portaria que restringe o acesso às unidades, inclusive de juízes e promotores que fiscalizam a instituição.
A reação foi imediata. Ainda ontem, a Febem recuou em relação aos juízes e promotores, mas manteve a decisão sobre a restrição de acesso de entidades de direitos humanos e da associação de mães de internos, por exemplo.
Pela portaria, até mesmo o registro de imagens do interior das unidades, usadas em denúncias de irregularidades, passaria a ser controlado pela instituição.
Segundo o mesmo texto, ficaria a critério do diretor da unidade a entrada de promotores, juízes, parlamentares, conselheiros tutelares e membros de conselhos estaduais e nacionais como o Conanda (direitos da criança e adolescente) e o Condepe (direitos da pessoa humana).
O diretor levaria em conta a "conveniência e oportunidade do ingresso nas unidades, considerando a segurança, o perfil e a rotina dos adolescentes em decorrência das atividades socioeducativas, bem como situações de intranqüilidade ou tensão".
O primeiro a reagir à portaria foi o chefe do Ministério Público Estadual, o procurador-geral de Justiça Rodrigo Cesar Rebello Pinho. Ele telefonou para a presidente da Febem, Berenice Maria Gianella. "Liguei para dizer que a portaria criaria embaraços para o trabalho dos promotores, que a medida contrariava os dispositivos do ECA. Ela [Berenice] me disse que houve um equívoco e que iria mudar o texto, voltando ao que era antes", disse Pinho.
A assessoria da Febem anunciou que a mudança vai ser publicada no "Diário Oficial" de hoje. Em setembro de 2000, a Febem também publicou uma portaria com o mesmo texto, mas voltou atrás depois da repercussão negativa.
Apesar de ter sobrevivido menos de 24 horas, o texto original da portaria revela uma mudança drástica de posição do governo em relação ao projeto anunciado, no começo do ano, para resolver a crise na instituição.
Em janeiro, o então secretário da Justiça e presidente da Febem Alexandre de Moraes anunciou a abertura para entidades da sociedade. O projeto Mães da Febem --mães entravam para controlar internos e encaminhar à Febem denúncias de irregularidades-- foi incentivado por Moraes.
Ele iniciou uma campanha para expulsar todos os supostos torturadores. Mas rebeliões e fugas aumentaram a crise. Na saída de Moraes --que foi para o Conselho Nacional de Justiça--, assumiu Berenice Gianella, ex-secretária-adjunta da Secretaria da Administração Penitenciária.
Com ela, foi criado o GIR (Grupo de Intervenção Rápida), formado por agentes penitenciários. Eles passaram a ser os principais alvos de denúncias de maus-tratos e espancamentos. O projeto Mães da Febem acabou.
Para as entidades, o tratamento recebido da Febem mudou drasticamente. "É um retrocesso. A Febem não quer uma sociedade civil, mas uma sociedade servil", disse Ariel de Castro Alves, do Movimento Nacional dos Direitos Humanos. Segundo ele, a portaria --na parte mantida-- veda o acesso de entidades que não têm convênios ou parcerias em atividades socioeducativas com a Febem. "A função das entidades de direitos humanos é fiscalizar o cumprimento do ECA, e não fazer atividades socioeducativas."
Outro lado
A assessoria da Febem disse que a portaria sobre o acesso às unidades tinha apenas "caráter preventivo" para momentos de insegurança. A instituição negou que o objetivo seja restringir o trabalho de fiscalização.
Segundo a assessoria, o texto foi refeito porque o procurador-geral de Justiça, Roberto Pinho, sustentou que a medida iria criar embaraços ao trabalho dos promotores. Mas a assessoria nega que tenha havido "equívoco" por parte da fundação --Pinho disse que ouviu essa justificativa da Febem.
Segundo a fundação, o artigo 4 da portaria será modificado para retirar as restrições ao acesso de promotores, juízes, parlamentares e conselhos estaduais e nacionais.
Mas a instituição confirma a permanência da restrição de acesso para outras entidades não previstas no texto --para esses casos, exige que tenham convênios ou contratos com a Febem para atividades socioeducativas. A fundação diz que já é fiscalizada por órgãos citados na portaria e não haveria motivo para permitir a entrada de outras entidades com o mesmo objetivo.
A assessoria do governador Geraldo Alckmin informou ontem que ele não iria falar sobre o assunto. No começo do ano, o governador paulista anunciou que iria abrir a Febem para a sociedade.