Em caso de acidente de trânsito com morte, o réu só vai a júri quando ficar caracterizado o dolo eventual

Tribunal concluiu que deve ser aplicada a teoria da culpa consciente em casos de morte no trânsito

Fonte: TJPR

Comentários: (0)




A 1.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná reformou, por unanimidade de votos, a sentença do Juízo da Comarca de Cerro Azul que pronunciou J.R.C. (ou seja, admitiu a acusação contra ele formulada pelo Ministério Público e submeteu-o a julgamento pelo Tribunal do Júri) como incurso nas sanções do art. 121, caput, do Código Penal (homicídio simples) e dos arts. 306 (dirigir embriagado) e 309 (dirigir sem habilitação) da Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro).


Fazendo a distinção entre dolo eventual (caso em que o agente assume o risco de produzir o resultado lesivo) e culpa consciente (caso em que o agente, embora consciente do risco, espera poder evitar o resultado lesivo ou confia na sua não ocorrência), os julgadores da 1ª Câmara Criminal desclassificaram o crime de homicídio doloso (art. 121, caput, do Código Penal) para o crime de homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor (art. 302 do Código Nacional de Trânsito), entendendo, assim, que, no caso, deve ser aplicada a teoria da culpa consciente.


O fato - Segundo os autos, no dia 27 de março de 2008, por volta das 19h30, J.R.C., conduzindo uma motocicleta Honda Titan 125, alcoolizado e sem carteira de habilitação, atropelou uma mulher (T.D.B.M.), causando-lhe os ferimentos que ocasionaram a sua morte.


O relator do recurso de apelação, juiz substituto em 2.º grau Naor R. de Macedo Neto, consignou inicialmente em seu voto: "Nos crimes de trânsito [...] deve-se realizar uma análise acurada na existência de indícios que amparem a configuração do dolo eventual, pois sua configuração é excepcional".


Mais adiante, reportou-se o relator a um julgado do Superior Tribunal de Justiça, de cuja ementa extrai-se o seguinte dispositivo: "IV – O dolo eventual, na prática, não é extraído da mente do autor, mas, isto sim, das circunstâncias. Nele, não se exige que resultado seja aceito como tal, o que seria adequado ao dolo direto, mas isto sim, que a aceitação se mostre no plano do possível, provável".


Depois, o relator citou o ensinamento do professor Juarez Tavares e transcreveu a lição de Nelson Hungria sobre o tema, de onde se extrai o seguinte excerto: "Sensível é a diferença entre essas duas atitudes psíquicas. Há, entre elas, é certo, um traço comum: a previsão do resultado antijurídico: mas, enquanto no dolo eventual o agente presta a anuência ao advento dêsse resultado, preferindo arriscar-se a produzi-lo, ao invés de renunciar à ação, na culpa consciente, ao contrário, o agente repele, embora inconsideradamente, a hipótese de supereminência do resultado e empreende a ação na esperança ou persuasão de que este não ocorrerá. Eis a clara e precisa lição de Logoz, que merece transcrição integral: ‘... a diferença entre estas duas formas de culpabilidade (dolo eventual e culpa consciente) apresenta-se quando se faz a seguinte pergunta: "por que em um e outro caso, a previsão das conseqüências possíveis não impediu o culpado de agir? A esta pergunta uma resposta diferente deve ser dada, segundo haja o dolo eventual ou a culpa consciente. No primeiro caso (dolo eventual), a importância inibitória ou negativa da representação do resultado foi, no espírito do agente, mas fraca do que o valor positivo que este emprestava à prática da ação. Na alternativa entre duas soluções (desistir da ação ou praticá-la, arriscando-se de produzir o evento lesivo), o agente escolheu a segunda, para ele o evento lesivo foi como o menor de dois males, em suma, pode dizer-se, no caso de dolo eventual, foi por egoístico motivo que o inculpado se decidiu a agir, custasse o que custasse. Ao contrário, no caso de culpa consciente, é por leviandade, antes que por egoístico, que o inculpado age, ainda que tivesse tido consciência do resultado maléfico que seu ato poderia acarretar. Nesse caso, com efeito, o valor do resultado possível era, para o agente, mais forte que o valor positivo que atribuía à prática da ação. Se estivesse persuadido de que o resultado sobreviria realmente, teria sem dúvida, desistido do agir. Não estava, porém, persuadido disso. Calculou mal. Confiou em que o resultado não se produziria, de modo que e a eventualidade, inicialmente prevista, não pôde influir plenamente no seu espírito. Em conclusão: não agiu por egoísmo, mas por leviandade; não refletiu suficientemente." (in "Comentários ao Código Penal" Rio de Janeiro: Forense, 1958, v. I, t. II. P. 116)


"Com base na lição de Nelson Hungria a respeito do dolo eventual", disse o relator, "observa-se que na prática do 'racha' o agente age 'por motivo egoístico', pois decide, 'custe o que custar', agir, ou seja, o agente no mento em que se põe a pratica racha, no intuito de comprova a potência do seu carro ou sua destreza no volante, age de modo egoístico, pouco se importando com os desdobramentos de sua conduta."


"Já no caso do homicídio ocasionado pela conduta do motorista que dirige embriagado tal ação se subsume mais à culpa consciente do que ao dolo eventual, ou seja, da referida conduta se extrai que o agente age por imprudência ao dirigir o veículo embriagado ao entender, de forma leviana, que estava em condições de dirigir", ponderou o relator.


E acrescentou: "Dessas duas hipóteses abstratas se observa com segurança a existência de indícios de que se agiu com dolo eventual, o que exige a submissão do autor a julgamento pelo Tribunal do Júri, no primeiro fato, e de sérios indícios de que se agiu com culpa consciente no segundo fato, o que enseja, a competência do juiz togado".


"Por outro lado, esta Corte tem firmado o entendimento de que a conduta do réu que ao dirigir embriagado veículo automotor, em alta velocidade, ocasiona acidente resultando a morte, diante de tais circunstâncias, embriaguez aliada à alta velocidade perpetrada, configura indícios suficientes para ensejar a pronúncia do acusado", aduziu.


Prosseguiu o relator: "O que se está querendo deixar assente é que não basta tão-somente, para a configuração do dolo eventual, que o agente esteja dirigindo bêbado ao ocasionar o acidente e consequentemente à morte, pois tal fato, por si só, configura quebra do dever de cuidado objetivo exigido pela própria lei de trânsitos (art. 165, do CTB), configurando, assim, o crime culposo. É necessário a configuração de um "plus" que demonstre realmente que o agente anuiu com o resultado e não que este tenha apenas confiando, de forma leviana, que ao dirigir bêbado poderia evitar o resultado (culpa consciente)".


E completou: "A alta velocidade que exceda de forma manifesta as normas de trânsito, aliada a embriaguez no volante, demonstra o 'motivo egoístico', a torpeza no comportamento, ou melhor, a imprudência de dirigir embriagado, o que por si só já permite a representação do resultado lesivo, somada com a velocidade manifestamente excessiva no trânsito constitui indícios de fundada suspeita de que o agente anuiu, integrou, o risco de lesar o bem jurídico na realização do seu plano concreto, o que ampara, com certa segurança, a configuração do dolo eventual exigida para submissão do réu a julgamento popular". (Destaques do Redator)


"Desse modo, não havendo outro fator que aliado à embriaguez, que por si só configura quebra do dever de cuidado, permitisse aferir que o réu agiu por motivo egoístico, que possibilitasse amparar um juízo de fundada suspeita de que o réu anuiu com o resultado, ou seja, de que agiu com dolo eventual, deve ser desclassificado o crime de homicídio doloso (art. 121, caput, do CP) para o crime de homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor (art. 302, do CTN)", concluiu o relator.


Sintetizando: em caso de acidente de trânsito com morte, a 1.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná tem entendido que, para configurar o dolo eventual e, assim, caracterizar a possibilidade de ser o réu submetido a júri, além da embriaguez, deve existir um "plus", que pode ser, por exemplo, o excesso de velocidade.

 

Palavras-chave: Trânsito; Morte; Acidente; Intenção

Deixe o seu comentário. Participe!

noticias/em-caso-de-acidente-de-transito-com-morte-o-reu-so-vai-a-juri-quando-ficar-caracterizado-o-dolo-eventual

0 Comentários

Conheça os produtos da Jurid