Decisão histórica: UnB cria cota racial de 5%, além da cota social
Em uma decisão histórica e por 22 votos a favor e 11 contra, o Cepe decidiu na semana passada (03/04) pela manutenção do programa de cotas para negros no acesso à Universidade
Em uma decisão histórica e por 22 votos a favor e 11 contra, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) - órgão colegiado superior da Universidade de Brasília (UnB) - decidiu na semana passada (03/04) pela manutenção do programa de cotas para negros no acesso à Universidade.
Para o vestibular deste ano, 5% das vagas serão reservadas pelo critério exclusivamente racial, independente da condição econômica e da origem do estudante - se estudou ou não em escola pública.
A decisão rompeu com os limites impostos pela Lei 12.711/2012, do Governo Federal - a chamada Lei das Cotas Sociais - aprovada pelo Congresso e sancionada pela Presidente Dilma Rousseff, e considerada pelo professor José Jorge de Carvalho, do Departamento de Antropologia, coordenador do Instituto de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa do CNPq e criador do Programa de Cotas na Universidade de Brasília "um retrocesso".
Pelo que reza a Lei 50% das vagas nas instituições de ensino superior devem ser reservadas a estudantes de escolas públicas e divididas da seguinte forma: 25% para estudantes de renda per capita de até 1,5 salário mínimo e 25% para aqueles com renda superior a esse teto.
A cota para negros, segundo a lei, deve levar em conta a presença dessa população em cada Estado da Federação de acordo com o Censo do IBGE 2010, mas é condicionada a situação econômica e ao candidato ter estudado em escola pública. Negros que tenham cursado o ensino fundamental e médio em escolas particulares - ainda que por apenas um mês e com bolsa de estudos - estão excluídos, restrições que não existem para os não negros que, em tese, ficam com os outros 50% das vagas, cujo acesso é livre pelo critério universal.
Limitações
No caso de Brasília, por exemplo, em que os negros representam 56%, o percentual da cota negra é aplicado sobre os 25% até 1,5 salário mínimo e outros 25% sobre renda superior a esse patamar e, segundo a seguinte cronologia:
2013 - 7% de cotas para negros de escola pública (3,5% para negros e indígenas de renda até 1,5 salários mínimos e 3,5% para os de renda acima desta)
2014 - 14% (7% para negros e indígenas de renda até 1,5 salários mínimos e 7% para os de renda acima desta)
2015 - 21% (10,5 % para negros e indígenas de renda até 1,5 salários mínimos e 10,5% para os de renda acima desta)
2016 - 28% (14% para negros e indígenas de renda até 1,5 salários mínimos e 14% para negros de renda acima desta)
Como se pode ver, pela cronologia da lei para este ano de 2014, 14% das vagas estão reservadas para negros sendo: 7% para quem ganha até 1,5 salários mínimos e 7% para os de renda acima disso. Esses percentuais de cotas agora serão acrescidos agora de mais 5%, de acordo com a decisão do colegiado da UnB, que poderão ser preenchidos independente da situação econômica e ou da origem escolar do candidato.
De acordo com José Jorge, os critérios adotados pela lei "são excludentes e representam um retrocesso, além de privilegiar o grupo de estudantes não negros".
Com a decisão do Conselho, concluído o calendário da lei, as cotas para estudantes negros atingirão o percentual de 33% - 28% da lei e mais 5% em cumprimento a decisão do CEPE.
Emoção e vaias
A reunião contou com a presença dos conselheiros e diretores de todas as Faculdades e Institutos da UnB e de alunos que lotaram o auditório da Reitoria, e foi antecedida pela votação sobre se a Universidade deveria se limitar ao que prevê a Lei das Cotas. A proposta de limitação às cotas sociais foi rejeitada por 32 votos a favor e uma abstenção. Apenas sete conselheiros votaram a favor.
Ativistas do Afroatitude, da Articulação Negra e Indígena em Defesa das Cotas Étnicorraciais, da Associação dos Acadêmicos Indígenas da UnB, com cartazes reagiram com vaias aos votos contrários.
O reitor Ivan Camargo que dirigiu a reunião do Conselho considerou a decisão "histórica". "Nossa comunidade está madura, foi vanguarda e quer continuar nessa postura. Vamos manter a cota racial na UnB. Vamos cumprir o que determina o nosso colegiado", afirmou.
Na entrevista concedida no salão de atos, em resposta a pergunta da Afropress sobre como se sentia como gestor e se a Universidade está madura para o enfrentamento do problema da desigualdade racial, enfantizou que "a UnB gosta muito da sua autonomia.
"A Lei foi imposta e vamos cumprir, não pode ser diferente. Mas, a UnB gosta de ser vanguarda. A sensação que eu tenho na minha sala de aula é de que a cara da Universidade claramente mudou. Meus estudantes negros são excepcionais. A cara da UnB mudou e mudou prá melhor", frisou.
O colegiado não discutiu por quanto tempo deve ser mantida a cota exclusivamente racial de 5%. A proposta da Comissão de Avaliação do Sistema é de que seja por 10 anos. Segundo o reitor esse é um tema que deverá continuar em debate.
A luta continua
Para José Jorge o resultado da votação, proclamado pelo reitor Ivan Camargo, após mais de uma hora de acalorados debates foi uma grande vitória. "Nós avançamos e declaramos que o retrocesso da lei do Governo não nos contempla. A UnB saiu da camisa de força da lei do Governo. Conseguimos colocar para a UnB que é preciso mais do que a lei do Governo. Não retrocedemos. Precisamos agora, manter esse programa por mais 10 anos. Então a luta continua", afirmou.
Ele tem a expectativa de que o resultado da votação criando 5% de cotas raciais sirva para que as demais instituições federais de ensino superior do país, reflitam para a necessidade de avanços e não fiquem presas aos limites previstos na Lei 12.711/2012.