Ação de reparação de danos morais. Noticiário televisivo. Honra e a moral.

Sentença Civil. Colaboração do Dr. Clésio Rômulo Carrilho Rosa, Juiz de Direito da 17ª Vara Cível da Comarca de Salvador - Bahia.

Fonte: Jornal Jurid

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Clésio Rômulo Carrilho Rosa ( * )

JUÍZO DE DIREITO DA 17.ª VARA CÍVEL

COMARCA DO SALVADOR

PROC. N.º 1025808-0/2006 - AÇÃO ORDINÁRIA DE REPARAÇÃO DE DANOS

AUTOR: JOSÉ REGINALDO COSTA RODRIGUES NOGUEIRA

RÉUS: GERDAN ROSÁRIO E TV ARATU S/A

ADV. AUTOR: Dr. MÁRIO OLIVEIRA DO ROSÁRIO

ADV. RÉ: Dr. MIGUEL VIANA SANTOS NETO E OUTROS

S E N T E N Ç A

Vistos, etc...

JOSÉ REGINALDO COSTA RODRIGUES NOGUEIRA, devidamente qualificado na exordial dos presentes autos, ingressou, neste Juízo, por intermédio de seus advogados, com AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS contra GERDAN ROSÁRIO, igualmente qualificado na vestibunar; e contra a TV ARATU S/A, pessoa jurídica de direito privado, aduzindo, inicialmente, que "A IMAGEM zelosamente construída pelo autor e a REPUTAÇÃO até então inatacável asseguraram-lhe também o respeito de seus pares da Magistratura, o que lhe permitiu exercer cargos como a Assessoria da Presidência do Tribunal de Justiça, a Diretoria do Fórum Rui Barbosa e Anexos, cargos de direção de convênios, Tesouraria e Conselheiro da Associação dos Magistrados da Bahia - AMAB e até concorrer à eleição para a Vice Presidência desta associação no ano de 2005. Nesta esteira de fatos e acontecimentos, (...) atraíram para si responsabilidades e confiança do Tribunal de Justiça que, em face do impedimento do Juiz Titular da Vara de Tóxicos de Salvador, encarregou-o da substituição na condução de um dos mais polêmicos e arriscados julgamentos do crime organizado no Estado da Bahia - o importante processo notabilizado pela imprensa como 'caso RAVENGAR' e sua quadrilha" (sic - fls. 04/05).

Afirmou, mais adiante, que "Em razão da notoriedade destes julgamentos, o requerente também se viu, por via de consequência, exposto à notoriedade midiática, tornando-se pessoa facilmente identificável nesta megalópole e nas cidades interioranas. Mas, justamente à notoriedade, o julgamento destes 'casos' também implica em sérios riscos à vida e à integridade do requerente e de sua família, risco que é real, em face de precedentes, no país e no exterior, de assassinatos de juízes, promotores, agentes públicos e repórteres vinculados ao combate de crimes deste jaez, (...)" (sic - fl. 05).

De outro lado, alegou que "(...) o autor encontrou-se em Junho/2005 participando de festejos juninos no Município de Serrinha (Bahia), a convite dos organizadores do evento e, por mera coincidência, durante aquele evento e por ordem do Delegado da Polícia Civil da Cidade, foi efetuada a prisão do chefe da segurança do evento, um Tenente da Polícia Militar, em razão do crime de porte ilegal de arma" (sic - fl. 05).

Em seguida, afirmou que "(...) por mera coincidência ocorrera anteriormente uma breve altercação entre este Tenente e aqueles policiais destacados para a proteção do requerente, pelo fato da segurança do evento barrar a entrada dos protetores do autor e exigir-lhes despirem-se das armas especialmente autorizados a portar na proteção do suplicante" (sic - fl. 06).

Frente a tal conjuntura, esclareceu que "O episódio anteriormente narrado não teria qualquer repercussão nem vinculação com o autor não o tivesse levianamente distorcido o primeiro réu, que o apresentou escandalosamente em seu Programa de Televisão "Gerdan, Aqui e Agora", transmitido para todo o Estado da Bahia, no dia 14 de Julho de 2005, pela segunda Ré" (sic - fl. 06).

Ponderou o demandante que "(...) o réu, GERDAN ROSÁRIO, durante o diálogo com um dos seus entrevistados, um Promotor de Justiça da Capital, invocou como exemplo de abuso de autoridade o fato retro-citado, identificando nominalmente o requerente, JOSÉ REGINALDO, como o protagonista deste absurdo abuso, dando ênfase ao seu status de Juiz condutor do Caso Ravengar e o gozo de especial 'proteção do Estado'. Ainda maldosamente atribui-lhe a prática de escandaloso crime de abuso de autoridade, afirmando que o requerente: a) apresentou-se embriagado a um evento em Feira de Santana; b) agrediu ferozmente um oficial; c) prendeu o policial militar porque não o deixou entrar embriagado; d) acompanhava-se de seguranças que tinham saído para beber; e) usava um carro do Estado com gasolina do Estado" (sic - fl. 06).

O suplicante afirmou que as considerações tecidas pelo primeiro réu acertaram, violentamente, a honra e a moral do autor, conforme poderia se extrair da íntegra das transcrições que instruíram a peça inicial.

Entendendo restar presente o nexo de causalidade entre a conduta do demandado e o dano moral sofrido pelo demandante, invocou a parte autora o disposto no art. 5º, V e X, da Magna Carta, combinado com a inteligência contida nos arts. 49 e 53 da Lei Federal n. 5.250/67 (Lei de Imprensa), requerendo fosse a empresa ré condenada a arcar com o pagamento de indenização pecuniária para reparação da lesão apontada, em valor a ser definido segundo o critério deste Juízo, juntamente com o próprio apresentador do noticiário televisivo.

Invocou, ainda, dispositivos do Código Civil vigente, bem assim exposições doutrinárias e precedentes jurisprudenciais, tudo a demonstrar a juridicidade do pedido declinado na vestibular.

Requereu, mais, fosse garantido ao autor o direito de resposta às injúrias perpetradas contra a sua pessoa, durante igual tempo, horário e condições, em programa de televisão veiculado pela segunda ré, a qual haveria, ainda, que arcar com as despesas relativas à produção.

Instruiu a peça vestibular com os documentos de fls. 16/43.

Determinada a citação da empresa ré, veio esta, às fls. 50/59, oferecer sua contestação, acompanhada dos documentos de fls. 60/77, suscitando, de início, preliminar relativa à decadência do direito de ação, uma vez que ultrapassado o prazo fixado no art. 56 da Lei de Imprensa.

Alegou, ainda, preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, uma vez que, no entender da empresa ré, os fatos tidos como motivadores da lesão suportada pelo autor foram realizados pelo primeiro suplicado e não pela suplicada.

No mérito, de logo ponderou a demandada que "Como se sabe, quando a imprensa divulga fatos, ou as versões a respeito, limitando-se a narrá-los, sem emitir juízo de valor, não pratica abuso, mas cumpre seu dever, pois o animus narrandi exclui a responsabilidade civil e penal" (sic - fl. 55).

Alertando, ainda, que inexistira eventual violação à intimidade, privacidade ou à vida privada do autor, invocou a demandada a aplicação da norma prevista no art. 220, § 1º, da Carta Política de 1988, em combinação com o comando expresso no art. 54 da Lei Federal n. 5250/67, os quais pregam o princípio da liberdade de imprensa.

Finalmente, ao se manifestar sobre os termos da vestibular, declarou a ré que, ainda que houvesse que ser julgada procedente a ação intentada, o quantum indenizatório deveria ser arbitrado com lastro nos arts. 51 e seguintes da Lei Federal n. 5250/67, que tece parâmetros para a reparação civil em casos que tais.

Para comprovar o quanto por si alegado, invocou a empresa requerida diversas outras exposições doutrinárias, tudo no intuito de ver julgada extinta a ação, sem resolução de mérito, ou, em assim não ocorrendo, que viesse a ser julgada improcedente a demanda intentada.

Já às fls. 79/99, veio o primeiro suplicado oferecer sua defesa, acompanhada do documento de fl. 100, suscitando a preliminar de suspensão do processo, por se fazer necessário, na sua ótica, o aguardo do desenrolar processual da ação penal deflagrada em relação ao próprio requerido, tendo por móvel o mesmo fato classificado pelo Órgão do Ministério Público do Estado da Bahia como crime contra a honra.

Também em preliminar, suscitou a inépcia da inicial, por descumprimento do art. 286 do Código Instrumental, haja vista que, na ótica do réu, o pedido teria sido ilíquido.

Ainda preambularmente, requereu fosse corrigido o valor atribuído à causa, uma vez que tal montante deveria, segundo o primeiro réu, guardar consonância com o provimento econômico a ser suportado pelo autor.

No mérito, esclareceu o réu que não teria ocorrido o nexo de causalidade entre a conduta indicada e eventual lesão suportada pelo suplicado, na medida em que "Não se discute as qualidades do Autor, uma pessoa de notório saber jurídico, cidadão respeitado, equilibrado em seus julgamentos, inclusive em casos de grande repercussão, onde o mesmo tem demonstrado equilíbrio e sensatez na correta aplicação da norma. Entretanto, (...) O episódio não teve absolutamente a repercussão que tenta o Requerente fazer transparecer, não passou de mero comentário no contexto de um debate sobre violência urbana. Não foi 'noticiado' no programa, muito menos no contexto jornalístico, mas um comentário reprovando a situação que, se tivesse efetivamente ocorrido, seria lamentável, quanto mais envolvendo pessoa tão visada como um juiz criminal" (sic - fl. 89).

Buscando elidir a conduta tida como ilícita, o requerido afirmou que, "Corroborando o que realmente aconteceu naquele programa televisivo, o Dr. Nivaldo dos Santos Aquino, Promotor de Justiça, afirmou que 'no final do programa o apresentador Gerdan fez alusão a um comportamento do Juiz José Reginaldo no caso Ravengar, que utilizou um carro do Estado numa festa popular, não se lembrando o depoente se ele mencionou o local, que chegou ao ponto de prender um oficial da PM; que depois dessa afirmação dele não houve nenhum questionamento ou debate em torno do assunto" (sic - fl. 90).

Ao final, o primeiro requerido esclareceu que nada tinha a se opor quanto ao pleito de direito de resposta, consignado na vestibular, haja vista o caráter democrático e plural do programa televisivo por si dirigido perante a segunda requerida.

Também invocando o princípio constitucional da liberdade de imprensa, requereu o demandado fosse extinto o processo, sem resolução de mérito, ou, em contrário, que fosse julgada improcedente a ação manejada,

Em réplica, veio a parte autora, às fls. 102/107 e às fls. 109/114, rebater toda a tese sustentada no âmbito da defesa, pelos demandados, e reiterar os termos da vestibular, enfrentando, especialmente, as preliminares levantadas pelos requeridos.

Às fls. 116/124, este Juízo afastou as preliminares suscitadas pelos suplicados e, após sanear o feito, deferiu a produção de prova pericial, designando, na oportunidade, o Perito a se responsabilizar pelo munus respectivo.

Irresignada, a empresa demandada veio, às fls. 128/131, interpor agravo retido em face da decisão de fls. 116/124, com a intenção de ver acolhida uma das preambulares manejadas em sede de defesa, tendo o demandante exercido o contraditório respectivo às fls. 171/175.

Logo à frente, às fls. 136/169, foi acostado laudo pericial elaborado pelo Perito nomeado por este Juízo, relativo à perícia fonética empreendida sobre a gravação de áudio e vídeo apresentada pelo requerente juntamente com a vestibular, vindo a parte autora se manifestar acerca do opinativo mediante a peça de fls. 177/178 e a parte ré por meio da petição de fls. 180/182.

Este Juízo, às fls. 184/185, rejeitou os argumentos declinados pela empresa ré no bojo do agravo retido de fls. 128/131, mantendo íntegra da decisão de fls. 116/124 e designando audiência de instrução e julgamento, cujo termo seguiu às fls. 199/200.

Na oportunidade, procedeu-se à oitiva dos depoimentos da parte ré e das testemunhas arroladas pelos litigantes, tudo às fls. 201/209.

Designada, finalmente, audiência de entrega de memoriais, veio o demandante acostar sua peça às fls. 214/220 e os demandados às fls. 222/230 e fls. 232/241, reiterando, em todos os termos, os argumentos declinados em anteriores manifestações no processo.

Após, vieram-me os autos conclusos.

TUDO BEM VISTO E DEVIDAMENTE EXAMINADO, É O RELATÓRIO.

PASSO A DECIDIR:


Ultrapassadas as preliminares suscitadas pelos suplicados, impõe-se o enfrentamento, com veemência, da questão de fundo posta em debate.

Inicialmente, antes de se adentrar no próprio mérito da causa, retomada tese já esboçada por este Juízo, em momentos pretéritos e em casos semelhantes, há que se invocar os ensinamentos do eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, quando então dirigia a Escola Nacional da Magistratura, lançados no texto "A Imprensa e o Judiciário", publicado na Revista da Justiça n. 226, de Agosto de 1996, pg. 27:

"1. NAS RELAÇÕES PODER JUDICIÁRIO E IMPRENSA SOBRELEVA, DE INÍCIO, A IMPORTÂNCIA DO JUDICIÁRIO E DA IMPRENSA NO CONTEXTO POLÍTICO-SOCIAL

O primeiro, pela missão que desempenha como Poder e como instituição na efetivação dos direitos, na preservação da democracia, no respeito à ordem jurídica, na garantia das liberdades e no cumprimento da vontade popular assentada na lei maior que é a Constituição.

A Imprensa, por sua vez, tornou-se indispensável à convivência social, com atividades múltiplas, que abrangem noticiário, entretenimento, lazer, informação, cultura, ciência, arte, educação e tecnologia, influindo no comportamento da sociedade, no consumo, no vestuário, na alimentação, na linguagem, no vernáculo, na ética, na política, etc. Representa, em síntese, o mais poderoso instrumento de influência na sociedade dos nossos dias. A propósito, recentemente o Prof. CALMON DE PASSOS assinalou ("Revista de Processo", 73/98 e segs.):

'O Século XX, particularmente, experimentaria, no particular, verdadeira revolução. Nele se consolidou o que vinha paulatinamente se revelando - a progressiva transformação de um público pensador de cultura e formador de opinião em um público consumidor de cultura, deslocando-se a formação da opinião pública para os detentores dos meios de comunicação de massa'.

Nenhum outro tipo de empresa conseguiu somar tanto poder político ao seu poder econômico quanto as empresas da área de comunicação. Por isso mesmo elas se fizeram mais políticas que econômicas, ou melhor dizendo, as que mais eficientemente utilizaram o poder político em favor de seu poder econômico. A imprensa, máxime com sua expansão além da imprensa escrita, se fez um poder e um poder que, por não estar formalmente institucionalizado, escapa de controles sociais, inexistindo controles políticos eficazes. Pode-se subjugar a imprensa, submetê-la ao poder político, estatizando-a ou censurando-a prévia e drasticamente, mas não se sabe como controlá-la eficientemente quando liberada.

UMBERTO ECO, com a sua costumeira acuidade, adverte que, não muito tempo atrás, se alguém desejasse empolgar o poder político num país suficiente seria controlar o exército e a polícia. Hoje, só em países subdesenvolvidos generais fascistas podem dar golpes de Estado, usando seus tanques. Basta, porém, que um país tenha adquirido um certo nível de industrialização para que o panorama mude completamente. E exemplifica. No dia seguinte à queda de KRUSCHEV, os diretores do Pravda e do Izvestia e das cadeias radiotelevisivas foram substituídos; prescindiu-se de qualquer movimentação de tropas. E conclui: "Hoje, um país pertence a quem controla os meios de comunicação". E acrescenta: "Como sugeriu o Prof. MCLUHAN, a informação não é mais um instrumento para produzir bens econômicos; ela própria tornou-se principal dos bens. A informação transformou-se em indústria pesada. Quando o poder econômico passa de quem tem em mãos os meios de produção para os que detêm os meios de informação, que podem determinar o controle dos meios de produção, também o problema da alienação muda de significado. Diante da sombra de uma rede de comunicação que se estende para abraçar o universo, cada cidadão do mundo torna-se membro de um novo proletariado". E incisivo: "Os meios de massa não veiculam uma ideologia; são, eles próprios, uma ideologia".

Seguindo em seu raciocínio, o digno e honrado Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira demarca as identificações e as deficiências principais do Poder Judiciário e da Imprensa:

"2. HÁ, POR OUTRO LADO, VISÍVEL IDENTIFICAÇÃO ENTRE O JUDICIÁRIO E A IMPRENSA

Representam ambos valores democráticos, refletidos especialmente na liberdade de manifestação e nas garantias da cidadania. E sofre, cada um a seu modo, as restrições dos regimes totalitários.

Ademais, convivem ambos, presentemente, com o perfil de massa da sociedade dos nossos dias, ao qual procuram adaptar-se. A Imprensa, diversificando-se. O Judiciário, buscando novos mecanismos e novas técnicas de solução de conflitos, ciente de que o seu modelo liberal-individualista não mais responde aos reclamos dos tempos atuais.

Outrossim, nítida é a busca do aprimoramento que ambos perseguem: a Imprensa, debatendo sua ética e o seu poder de influência, adotando inclusive a figura do ombudsman; o Judiciário, com a criação de escolas judiciais, cursos de formação e aperfeiçoamento do seu pessoal e, ainda, com o debate em torno da adoção de um órgão de controle administrativo-disciplinar e outro de reflexão e planejamento permanentes.

3. NOTÓRIAS, DE OUTRO LADO, SÃO AS SUAS DEFICIÊNCIAS PRINCIPAIS

Assim, em relação ao Judiciário, a impunidade, o formalismo exacerbado, o nepotismo, a morosidade, o corporativismo, muito embora contra esses vícios lute o próprio Judiciário em sua parcela mais expressiva e também se saiba que a correção das falhas exige investimento com recursos materiais e humanos e uma legislação adequada, criativa e moderna.

Em relação à Imprensa, as falhas são sobretudo decorrentes de abuso e irresponsabilidade. Para exemplificar, tomo de empréstimo estudo realizado em Pernambuco, sob a coordenação da Universidade Católica e do Des. NILDO NERY DOS SANTOS. Pesquisa feita com critério científico, tomando por base as programações da televisão em duzentas e sessenta e quatro (264) horas, no período de três (3) semanas, no ano de 1979 (hoje, certamente os dados seriam ainda mais alarmantes), registrou (publicação do TJPE):

'Cenas de agressão: 3.484, sendo que 1.203 de modo verbal, 753 com luta corporal, 620 por meio de arma de fogo e 636 com utilização de outros tipos de arma. Decorreram dessas agressões 608 lesões, 573 mortes, 363 aprisionamentos, 258 torturas, 234 ocorrências de direção perigosa e 316 chantagens.

Foi anotada, no dito período, a prática de 501 crimes de diversas naturezas, dos quais 149 assaltos, detectando-se, como motivação delituosa, 272 por dinheiro, 103 por desvio sexual, 93 por abuso alcoólico e 33 pelo uso indevido de tóxicos. Provocaram ainda os ditos fatores 70 cenas de prostituição, 19 de homossexualismo, 19 suicídios e mais 110 casos de direção perigosa.

O desajuste familiar em novelas e filmes de TV surgiu nas três semanas 543 vezes, com 60 casos de infidelidade masculina e coincidentemente com igual número de infidelidade feminina. Foram registradas 233 brigas de casal, 157 brigas entre pais e filhos, 35 brigas entre irmãs. Em conseqüência destes desajustes, ocorreram 73 separações de casal, 35 roubos, 42 mulheres ingressaram na prostituição, 07 tornaram-se viciadas em drogas, 54 passaram a abusar do álcool, 12 tentaram ou consumaram o suicídio, e foram registradas por essa motivação 20 lesões.

As cenas de erotismo anotadas foram de 874, das quais 89 foram apresentando atos de conjunção carnal, 320 de exibição do corpo feminino, 374 modos sensuais, 38 gestos imorais e foram proferidas 53 pornografias. O crime de estupro registrou-se em 6 ocasiões.

Os sujeitos ativos da violência foram 1.878 homens e 588 mulheres; e como sujeito passivo, 1.716 homens e 506 mulheres, e 116 crianças apareceram como personagens da violência.

Assinale-se que em 95 programas de gênero para crianças, somente 3 não continham episódios violentos'"
(sic).

Finalmente, vem concluindo o competente Ministro Sálvio de Figueiredo:

"4. FREQÜENTE E GENERALIZADO, NÃO SE PODE NEGAR, É O DESCONTENTAMENTO DO JUDICIÁRIO COM O NOTICIÁRIO DA IMPRENSA

Em primeiro lugar, pelo desconhecimento de noções elementares por quem dá a notícia, a começar por confundir o Judiciário com a Polícia, com o Ministério Público, com a Defensoria, com os Ministérios da Justiça e do Trabalho, englobando na expressão "Justiça" todos esses segmentos e passando à sociedade uma imagem distorcida, publicando manchetes apelatórias do tipo "Supremo dá de goleada no Governo", "Polícia prende e Judiciário solta", "Os juízes não querem o controle do Judiciário", etc. Publicando meias verdades e deixando ao relento temas que efetivamente interessariam a todos, até mesmo certas mazelas, como a balbúrdia das remunerações e a anomalia dos classistas da Justiça do Trabalho.

Em segundo lugar, pela carência de boas entrevistas com pessoas qualificadas do Judiciário e pelo descaso com o que nele ocorre, contribuindo para passar à sociedade uma imagem falsa do Poder, sem noticiar decisões que em muito interessariam à comunidade, como, para exemplificar, as relacionadas ao Direito de Família, especialmente em uma fase de tantas mutações nesse campo (...)"
(sic).

Como visto e já propagado por este Juízo ao apreciar outras lides, é reconhecido não só pelas mais altas esferas da Magistratura Nacional, como por toda a sociedade, que a imprensa tem se delineado, em muitos momentos da história contemporânea brasileira, como instrumento de manutenção das garantias individuais, auxiliando a desenhar a feição da versão brasileira de Estado Democrático de Direito, podendo se afirmar, inclusive, que "A imprensa, até mesmo quando manietada, até mesmo quando denunciava a censura através da publicação de poemas de CAMÕES ou de receitas de doce, exerceu um papel fundamental para que nós tentássemos e viéssemos conseguir reconstituir o Estado de Direito, assim com outros segmentos como a Ordem dos Advogados, a Igreja, etc" (DIAS, José Carlos apud D'URSO, Luiz Flávio Borges (Coord.). Advocacia e justiça criminal. São Paulo: Oliveira Mendes, 1997, p. 139).

Contudo, tal função social ou eventuais benefícios decorrentes da atuação, de forma lato sensu, da imprensa, sobre hipótese alguma, podem se sobrepor aos direitos e garantias individuais e da personalidade, especialmente os escorados nos princípios gerais do direito, na inspiração constitucional e apregoados no Estatuto Civil vigente.

Tal consecutivo lógico, de sua parte, é difundido por diversos Tribunais do país, a exemplo do quanto propagado pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

"(...) a imprensa não ostenta uma liberdade absoluta, ampla e irrestrita, eis que encontrará sempre no direito à honra e à dignidade da pessoa humana o seu limite. Ademais, é sabido que o uso de um direito, por mais absoluto que seja, não deve ser feito com um pensamento maledicente. (...)" (TJDF - APC 20030110767212 - 2ª T.Cív. - Rel. Des. J.j. Costa Carvalho - DJU 09.08.2005 - p. 105).

Mais que isto, o posicionamento jurisprudencial emanado do Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná e congregado no Acórdão cuja ementa segue abaixo transcrita sintetiza, com eloqüência, o exato sentido e delimitação da liberdade de imprensa.

AGRAVO DE INSTRUMENTO - MEDIDA CAUTELAR - DIREITO Á INFORMAÇÃO - PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA OFENSIVA À HONRA E MORAL DOS REQUERENTES - LIBERDADE DE IMPRENSA - PROTEÇÃO AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS - CONFLITO APARENTE - HERMENÊUTICA - INTERPRETAÇÃO CONJUNTA, ONDE UM SERVE DE LIMITE AO EXERCÍCIO DO OUTRO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO - Havendo direitos aparentemente antagônicos, mas ao mesmo tempo previstos constitucionalmente, um não possui valoração maior que o outro, apenas, pelo princípio da máxima efetivação das normas, interpretam-se conjuntamente de modo a terem auto-executoriedade imediata, servindo um de limite jurídico ao exercício do outro. (TJPR - Ag Instr 0158172-0 - (4047) - Cascavel - 8ª C.Cív. - Rel. Des. Rafael Augusto Cassetari - DJPR 08.11.2004).

Vistas tais premissas, há que se avaliar se as informações difundidas em programa apresentado pelo primeiro réu e veiculado pela emissora de televisão gerenciada pela segunda ré, em seu contexto, violaram ou não quaisquer das prerrogativas individuais do demandante, quer na condição de cidadão, quer na condição de ocupante de cargo público de alta gradação na esfera estadual (Juiz de Direito).

Pois bem, o Sr. Perito, após a elaboração de seu opinativo, concluiu que:

"A fita magnética, do tipo videocassete VHS, foi encaminhada pelo Juízo de Direito da 17ª Vara Cível e Comercial de Salvador, para que fosse verificada a autenticidade do material audiovisual nela contido.

O material tratava-se de um trecho do programa televisivo denominado 'Gerdan Aqui e Agora', transmitido pela empresa concessionária TV Aratu, tendo como apresentador a pessoa pública e notoriamente conhecida pelo nome 'Gerdan'.

Após a realização dos exames necessários, relatados neste laudo pericial, o perito conclui que não há evidência de qualquer edição ou montagem no material audiovisual registrado na fita VHS"
(sic - fls. 164/165.

Uma vez constatada a autenticidade da fita magnética que instruiu a vestibular, oportuna se apresenta a análise quanto aos comentários veiculados pelo primeiro réu em programa televisivo, a partir da transcrição fonográfica empreendida pelo Sr. Perito:

"Gerdan: Doutor Nivaldo, e quando essa violência, muitas vezes, ela é patrocinada por um preposto ou por um membro da Justiça? Eu tô... não tá aqui no meu cartilete... é... me parece que há cerca de vinte dias aconteceu um episódio envolvendo um juiz de Salvador, num evento em Feira de Santana, com carro do Estado, com segurança do Estado, usando a gasolina do Estado, e agrediu ferozmente um oficial, me parece, um tenente da Polícia Militar. Prendeu, inclusive, esse militar, que até, segundo informações, é um bom policial. A gente não tá aqui pra fazer defesa de ninguém, mas a justiça tem que ser feita. Prendeu esse policial militar, porque não o deixou que adentrasse ao... ao... ao.... embriagado, inclusive, esse juiz, porque os seus seguranças tinham saído pra beber, e, ao ser barrado por esse oficial, ele prendeu o oficial e mandou recolher ao comando.

..................................................................

Gerdan: 'O juiz... não tenho nada pessoal contra ninguém. Eu digo sempre, o meu pessoal fica lá, fora da empresa. Quando eu adentro esta empresa, o meu pessoal acaba. José Reginaldo, me parece, o nome dele, está no caso Ravengar, que, inclusive, tem proteção do Estado, mas que estava numa festa com mais de quatro mil pessoas e os seguranças ficaram do lado de fora. Então, eu não sei que segurança é essa doutor. (...)'"
(sic - fls. 146/148 - grifos do Magistrado)

Ora, a partir de uma análise perfunctória dos comentários declinados pelo primeiro réu, um telespectador desatencioso teria a mera interpretação segundo a qual o autor teria incorrido em franco abuso de autoridade, passível de ser tipificado em norma penal prevista em Lei Especial, não obstante as repercussões negativas nas esferas civil e disciplinar.

Contudo, partindo-se de uma avaliação mais acurada, se observa que acabou o programa televisivo sob testilha por atribuir, diretamente, ao ora suplicante, a prática de evidente improbidade administrativa e faltas funcionais, à luz do que dispõe a Lei Federal n. 8.429/92 e a própria Lei de Organização da Magistratura Nacional - LOMAN.

Neste ponto, ao insinuar que estaria o ora demandante a se locupletar do Erário, utilizando veículo oficial e custeio de despesas pelo Estado para suas atividades de recreação, acabou o suplicado por imputar ao Magistrado suplicante a prática de suposto ato de improbidade previsto, entre outros dispositivos, no art. 11, caput, da Lei Federal n. 8.429/92, assim como a prática de crime de abuso de autoridade.

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:

Afora isto, a conduta empreendida pelo primeiro suplicado imputou, francamente, ao acionante a violação do princípio da manutenção de conduta irrepreensível, previsto no art. 35, VIII, da LOMAN, no momento em que divulgou, textualmente, que estaria o demandante com nível de embriaguez ao praticar o alegado ilícito penal de abuso de autoridade.

Art. 35. São deveres do magistrado:

.......................................................................

VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

Não obstante terem os réus reconhecido, em suas peças de defesa, que o autor se trata de Magistrado probo, competente e zeloso de seus deveres funcionais; do conjunto da matéria noticiosa veiculada pela emissora TV Aratu, se observa, até não mais poder, que assacou-se contra a honra do demandante ao imputar-lhe a prática de conduta ilegal e, até mesmo, criminosa, tanto mais porque o membro do Poder Judiciário, a par do que se extrai da Constituição Federal de 1988 e da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, se trata de homem público incumbido de diversos deveres e obrigações funcionais, as quais, para serem exercidas, invocam respeito por parte dos jurisdicionados.

Em outras palavras, significa dizer que ao se atacar a honra de um Magistrado, está a se violentar a própria imagem do Poder Judiciário, personificado em seus membros, e os princípios constitucionais, uma vez que, para se imprimir efetividade à prestação jurisdicional, é imperioso que os jurisdicionados respeitem as determinações do Estado-Juiz, tendo por base que as decisões prolatadas, como se lei em concreto fossem, se constituiriam na melhor e mais eqüitativa solução que poderia ser oportunizada aos litigantes pelo aparato estatal.

Anote-se, aqui, que em situações outras em que se violentou a moral e bom nome de Magistrados integrantes do Poder Judiciário do Estado da Bahia, este Juízo reproduziu a tese aqui disposta, tendo em mira que em sendo questionada a conduta e a honra do Magistrado, estar-se-ia questionando, propriamente, a própria razoabilidade e integridade das decisões emanadas pelo Poder Judiciário.

Seja como for, o certo é que o teor da matéria veiculada mediante emissora de radiodifusão de sons e imagem, cuja cópia do respectivo programa instruiu a inicial, dilapidou a honra e a imagem do demandante, tanto enquanto cidadão, quanto na condição de ocupante de cargo público de alta gradação, dado o abuso no caso dos autos da prerrogativa prevista no art. 220, § 1º, da Carta Federal.

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º. Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

Vulneradas, desta feita, as disposições contidas no art. 5º, X, da Magna Carta e no art. 187 do Estatuto Civil de 2002.

Art. 5.º..................................................

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Dessa forma, remanesce direito ao suplicante em pleitear, no âmbito judicial, a reparação da lesão moral sofrida, com respaldo no art. 5º, V, da CF c/c o art. 927 do Código Civil vigente.

Art. 5.º....................................................

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Há que se ressaltar, aqui, que em situações que tais, nas quais a honra de Magistrado houvera sido submetida à depredação moral, o Egrégio Tribunal de Justiça da Bahia ordenou a reparação pecuniária da lesão perpetrada.

APELAÇÕES CÍVEIS - RESPONSABILIDADE CIVIL - AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS - APELO DA PRIMEIRA VENCIDA DESERTO, POR INOBSERVADA A REGRA DO ART. 57, 6º, DA LEI DE IMPRENSA - PRELIMINAR DE NULIDADE PROCESSUAL REJEITADA - POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MÉRITO - USO INCONSIDERADO DO NOME E OFENSAS ASSACADAS CONTRA MAGISTRADO EM PROGRAMA DE RÁDIO - Inviolabilidade constitucional do parlamentar que não se confunde com privilégio, a autorizar conduta lesiva de agravamento à honra e à imagem de terceiro - abuso de direito plenamente configurado - art. 5º, V e X, da CF. Obrigação de indenizar - confirmação do decisório - improvimento do apelo. (TJBA - AC 15.978-8/2004 - (80986) - 4ª C.Cív. - Rel. Des. João Pinheiro - J. 23.02.2005).

Por outro lado, no que se refere à sistemática do abuso de direito, o jurista Sílvio de Salvo Venosa, em sua obra Direito Civil: parte geral, São Paulo: Atlas, 2003, pg. 602, é enfático ao lecionar:

"Cada dia mais se torna difícil manter o homem no âmbito de seus próprios direitos. Tendo em vista a pressão social, o exercício de um direito, ainda que dentro de seu próprio limite, pode causar dano a outrem.

.................................................

Na noção de ato ilícito, pugna o jurista segundo os conceitos de dolo e culpa e atinge a noção ampla de culpa civil. Por vezes, ocorre dano obrado por alguém que, aparentemente no exercício de seu direito, causa transtorno a terceiros. Esse extravasamento de conduta, dentro do âmbito do direito, pode gerar dever de indenizar. A temperança no exercício de qualquer ato da vida humana não é apenas virtude moral ou ética. O Direito não pode desconhecer essa realidade. Assim como a conduta do homem deve ser exercida com moderação, para não se sujeitar a uma reprimenda social ou psíquica, também o Direito não pode ser levado ao extremo.

A compreensão inicial do abuso de direito não se situa, nem deve situar-se, em textos de direito positivo. A noção é supra legal. Decorre da própria natureza das coisas e da condição humana. Extrapolar os limites de um direito em prejuízo do próximo merece reprimenda, em virtude de consistir em violação a princípios de finalidade da lei e da equidade.

................................................

No vocábulo abuso encontramos sempre a noção de excesso; o aproveitamento de uma situação contra pessoa ou coisa, de maneira geral. Juridicamente, abuso de direito pode ser entendido como o fato de se usar de um poder, de uma faculdade, de um direito ou mesmo de uma coisa, além do que razoavelmente o Direito e a sociedade permitem.

Ocorre abuso quando se atua aparentemente dentro da esfera jurídica daí ser seu conteúdo aplicável em qualquer esfera jurídica, ainda que isso no direito público possa ter diferente rotulação"

Razoável, portanto, também à luz da doutrina dominante, se atribuir à conduta indicada na exordial a pecha de evidente abuso de direito, a incorrer na lesão moral tantas vezes reportada.

Já na esfera constitucional, o festejado Prof. Alexandre de Moraes, ex-Secretário de Justiça do Estado de São Paulo e, atualmente, integrante do Conselho Nacional de Justiça, em sua obra Constituição do Brasil Interpretada, São Paulo: Editora Atlas, 2005, 5ª edição, pg. 2125, é objetivo ao demarcar o que viria a ser o direito constitucional à liberdade de imprensa:

"A garantia constitucional de liberdade de comunicação social, prevista no art. 220, é verdadeiro corolário da norma prevista no art. 5º, IX, que consagra a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. O que se pretende proteger nesse novo capítulo é o meio pelo qual o direito individual constitucionalmente garantido será difundido, por intermédio dos meios de comunicação de massa. Essas normas, embora não se confundam, completam-se, pois a liberdade de comunicação social refere-se aos meios específicos de comunicação.

..................................................

Apesar da vedação constitucional da censura prévia, há necessidade de compatibilizar a comunicação social com os demais preceitos constitucionais, (...)"
(sic).

Indubitável, portanto, que sob a suposta justificativa de exercício da liberdade de imprensa, os suplicados violaram o preceito constitucional previsto no art. 5º, X, da Magna Carta, a autorizar, sem qualquer sombra de dúvida, o direito de resposta proporcional ao agravo e a indenização pelo dano moral ventilado, na forma do art. 5º, V, da Constituição da República, independentemente da eventual incidência de dispositivos da Lei de Imprensa, conforme preceitua o Colendo Superior Tribunal de Justiça.

LEI DE IMPRENSA E PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À LIVRE MANIFESTAÇÃO DE PENSAMENTO - A Constituição considera livre a manifestação do pensamento, proíbe o anonimato, e assegura o direito de resposta, a inviolabilidade da intimidade, a vida privada, a hora e a imagem das pessoas, o que não derroga a chamada Lei de Imprensa, a qual continua em vigor naquilo em que não contraria a Carta Magna. (STJ - 5ª Turma - RGC 3296-0/SC - rel. Min. Jesus Costa Lima, Ementário STJ n. 9/712).

Ultrapassados os pressupostos até aqui demarcados e verificada a ocorrência de lesão na esfera moral do demandante, bem como o nexo de causalidade entre a divulgação da matéria jornalística e o dano perpetrado, há que se arbitrar a parcela indenizatória, à luz, especialmente, da inteligência contida na Súmula n. 281 da Corte Especial.

Súmula STJ n. 281 - A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa.

Quanto a este ponto, impõe-se a utilização dos critérios da proporcionalidade e da razoabilidade, tendo o Magistrado como pilares de se raciocínio, ainda, a estirpe do dano, o porte social ou econômico dos litigantes e o caráter educativo e pedagógico da medida, uma vez que, segundo a jurisprudência dominante, "(...) Inexistindo critérios determinados e fixos para a quantificação do dano moral, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, atendendo às peculiaridades do caso concreto (...)" (STJ - RESP 200400431645 - (640196 PR) - 3ª T. - Rel. Min. Castro Filho - DJU 01.08.2005 - p. 00448).

A propósito do tema, o Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina tem se posicionado:

APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - RECURSO DA RÉ - PRELIMINARES - CONEXÃO E CERCEAMENTO DE DEFESA - NÃO ACOLHIMENTO - MÉRITO - RESPONSABILIDADE - LINHA TELEFÔNICA - ALEGADO INADIMPLEMENTO DA FATURA MENSAL - PAGAMENTO EFETUADO - SUSPENSÃO DOS SERVIÇOS PRESTADOS - ABUSO DE DIREITO - DANO MORAL PRESUMIDO - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO - INDENIZAÇÃO DEVIDA - QUANTUM INDENIZATÓRIO - CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE OBSERVADOS - VALOR MANTIDO - RECURSO NÃO PROVIDO - A simples identidade de partes não caracteriza conexão, pois seu pressuposto está na coincidência do objeto ou da causa de pedir, ex VI do art. 103 do CPC. Não há cerceamento de defesa se as provas produzidas são suficientes ao deslinde do feito e as por produzir somente têm caracter protelatório. O arbitramento do valor da indenização por dano moral deve ser justo, a ponto de alcançar seu caráter punitivo e proporcionar a correspondente compensação à vítima, atendendo-se aos critérios de proporcionalidade e razoabilidade. Apelação do autor - majoração do quantum indenizatório - não cabimento - honorários advocatícios - manuntenção da verba arbitrada na sentença - recurso não provido. (TJSC - AC 2003.029211-0 - Chapecó - 3ª CDCiv. - Rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento - J. 01.04.2005) JCPC.103

* * *

APELAÇÃO CÍVEL - DÉBITO FISCAL JÁ PAGO - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - CABIMENTO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO - NEXO DE CAUSALIDADE DEMONSTRADO - (...) INDENIZAÇÃO - DANO MORAL - CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DA VERBA - DIREITO COMPARADO - Para aferição dos fatores determinantes do prejuízo moral, deve o juiz, em se valendo da experiência e do bom senso (art. 335, CPC), aplicar o princípio arbitrium boni viri, exteriorizado pela doutrina e pela jurisprudência, nas circunstâncias do caso concreto (case law), na gravidade do dano, nas condições do lesante e do lesado (punitive damages, como no direito da Comonn Law) e nas demais causas eficientes na produção da ofensa, sendo a indenização proporcional ao agravo sofrido (art. 5°, V, CRFB) e apta a servir de elemento de coerção destinado a frear o ânimo do agressor, impedindo, desta forma, a recidiva. (TJSC - AC 2004.006224-9 - Araranguá - 1ª CDPúb. - Rel. Des. Volnei Carlin - J. 26.04.2005) JCF.37 JCF.37.6 JCPC.335

Assinale-se, porque oportuno, que a exposição doutrinária do premiado processualista Humberto Theodoro Jr, ao invocar o entendimento jurisprudencial emanado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em sua obra Dano Moral, fulmina a temática aqui tratada.

"'Se, à falta de critérios objetivos da Lei, o juiz tem de se valer da prudência para atender, em cada caso, às suas peculiaridades assim como à repercussão econômica da indenização pelo dano moral, o certo é que o valor da condenação, como princípio geral, ' não deve ser nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequeno que se torne inexpressivo' (TJMG, AP. 87.244-3, Rel. Des. BADY CURI, AC. 9-4-1992, in Jurisprudência Mineira 118/161)" (THEODORO Jr, Humberto. in Dano Moral. 4ª ED. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 39).

Neste rastro, partindo-se da conjectura aqui traçada, razoável se afigura a condenação da empresa ré, enquanto responsável pela gerência do canal TV ARATU, bem como do próprio profissional de comunicação difusor da mensagem lesiva, no pagamento de indenização, a título de reparação exclusivamente moral, na alçada equivalente a 500 (quinhentos) salários mínimos, a título de reparação pelas ofensas irrogadas em desfavor do demandante, por meio das quais lhe fora imputada a prática de infrações de natureza civil, especificamente a execução de atos de improbidade administrativa.

Acrescido a isto, haverão os acionados que ser condenados no pagamento de indenização equivalente a mais 500 (quinhentos) salários mínimos, ainda a título de reparação pelo dano perpetrado, buscando restituir a lesão decorrente da imputação de suposta prática infracional na órbita disciplinar, por parte do demandante, enquanto Magistrado.

Somar-se-á, ainda, à condenação dos demandados na obrigação no pagamento de indenização equivalente a outros 500 (quinhentos) salários mínimos, objetivando reparar a lesão moral oriunda da imputação imotivada de prática de ilícitos penais, por parte do ora demandante, notadamente a suposta prática de abuso de autoridade.

Por último, é imprescindível reafirmar que o parâmetro indenizatório aqui fixado tem por sustentáculo os critérios estritos emanados do Colendo Superior Tribunal de Justiça, a quem cabe a unidade e interpretação do Direito Federal, sendo relevados os seguintes aspectos: 1) a parte ofendida se trata de integrante da Magistratura baiana, na condição de Juiz de Direito da Comarca da Capital, tendo ocupado diversos cargos no âmbito da Magistratura local; portanto, ocupante de cargos públicos de alta gradação no âmbito estadual; 2) a empresa demandada, administradora do canal TV ARATU, se trata de sociedade integrante de conglomerado econômico portentoso, fato este público e notório; 3) a lesão moral perpetrada, conforme asseverado, assacou contra a honra da parte autora por três ângulos e esferas distintas, a administrativa/disciplinar, a civil e a penal; 4) recomenda-se, na hipótese dos autos, a imposição de condenação dotada de potencial pedagógico tal que os acionados não se sintam motivados, em momento futuro, a incentivar a veiculação de comentários ou adjetivos detrimentosos e acintosos contra a honra de quaisquer integrantes dos Poder Executivo, do Poder Legislativo e do Poder Judiciário baiano.

Alternativa não resta, portanto, senão julgar procedentes os pedidos declinados na vestibular, condenando-se, por via de conseqüência, ambos os requeridos, de forma solidária, no pagamento de indenização total na alçada equivalente a 1.500 (mil e quinhentos salários mínimos), a qual haverá de ser atualizada monetariamente, pelo índice INPC, desde o ajuizamento da ação, e acrescida dos juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês, a contar da data da citação, bem como das custas processuais e respectivos honorários advocatícios estes fixados na alçada de 20% (vinte por cento) sobre o total devido e a ser efetivamente pago.

DO EXPOSTO,

JULGO PROCEDENTES os pedidos declinados na vestibular e, em conseqüência, condeno ambos os réus no pagamento, solidário, de indenização total na alçada equivalente a 1.500 (mil e quinhentos salários mínimos), ou seja, R$ 570.000 (quinhentos e setenta mil reais), a qual haverá de ser atualizada monetariamente, pelo índice INPC, desde a data da propositura da ação, e acrescida dos juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês, a contar da data da citação.

Outrossim, no que concerne ao direito de resposta, fica o autor autorizado a utilizar igual tempo, no mesmo horário e condições, em programa de televisão a ser veiculado pela segunda ré, a qual deverá, ainda, que arcar com as despesas relativas à respectiva produção.

Condeno, ainda, os acionados no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados na base de 20% (vinte por cento) sobre o total da indenização a ser efetivamente pago.

PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE. INTIMEM-SE.
Salvador, 16 de Abril de 2007.

CLÉSIO RÔMULO CARRILHO ROSA
JUIZ DE DIREITO


Notas:

* Colaboração do Dr. Clésio Rômulo Carrilho Rosa, Juiz de Direito da 17ª Vara Cível da Comarca de Salvador - Bahia. [ Voltar ]

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