O Concubinato e a Pensão por morte

Parecer do colunista Bruno Sá Freire Martins.

Fonte: Bruno Sá Freire Martins

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As legislações dos Regimes Próprios afirmam categoricamente o direito à pensão por morte dos cônjuges e companheiros, prevendo, inclusive, que os separados de fato fazem jus ao benefício ante ao não encerramento do vínculo conjugal.


Esse rol taxativo tem levado a uma série de questionamentos quanto à possibilidade de concessão nos casos em que o servidor falecido possua um concubinato, cujo conceito conforme se depreende dos ensinamentos de Flávio Tartuce in DIREITO CIVIL – Direito de Família, Volume 5, 12ª edição, editora Forense, página 296:


Trata-se da convivência estabelecida entre uma pessoa ou pessoas que são impedidas de casar e que não podem ter entre si uma união estável, como é o caso da pessoa casada não separada de fato, extrajudicialmente ou judicialmente, que convive com outra. Imagine-se o caso do sujeito casado que tem uma amante, havendo aqui um concubinato impuro, ou concubinato em sentido estrito (stricto sensu).


Definição essa reproduzida pelo Código Civil:


Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.


E o concubinato por se caracterizar como instituto constituído de relações contrárias às regras que norteiam o casamento e a união estável, é tido como situação jurídica que impede o reconhecimento da existência de direitos entre seu integrantes.


Acerca do dispositivo Maria Berenice Dias in MANUAL DE DIREITO DAS FAMÍLIAS, 11ª edição, editora Revista dos Tribunais, páginas 297 e 298 afirma criticamente que:


Esforça-se o legislador em não emprestar efeitos jurídicos às relações não eventuais entre o homem e a mulher impedidos de casar, insistindo em chamá-las de concubinato (CC 1.727). As famílias paralelas, por afrontarem o dever de fidelidade, não são reconhecidas como geradoras de efeitos jurídicos. Resiste a jurisprudência em reconhecer direitos em favor do parceiro do cônjuge infiel, ainda que isso leve ao enriquecimento ilícito de um em detrimento do outro.


Esta postura dispõe de nítido caráter punitivo com relação à mulher e sempre acaba, é claro, privilegiando o homem.


Restrição que, em sede de direito previdenciário, em razão dos conceitos legais estabelecidos para a definição dos integrantes do rol de dependentes, também está presente.


Afastando-se, em tese, a possibilidade de concessão de pensão por morte nos casos de concubinato, por não se enquadrar nos referidos conceitos jurídicos.


Por outro lado, existem aqueles que afirmam a possibilidade de recebimento de pensão por morte nos casos de concubinato, sob o argumento de que a relação previdenciária não se atrela obrigatoriamente a relação familiar, tendo o intuito de garantir o sustento de todos aqueles que dependiam economicamente do falecido.


E nessa condição seria perfeitamente aceitável a concessão de pensão morte em favor do (a) concubino (a) do (a) segurado (a) do Regime Próprio falecido.


Tanto que Fábio Zambitte Ibrahim afirma in CURSO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO, 22ª edição, editora Impetus, página 534 que:


A proteção social não se subsume a uma concepção idela de vida e família; não visa a impor projetos de vida ou condutas dentro da moral dominante, da mesma forma não se trata de chancelar uniões heterodoxas ou contrárias à moral dominante, mas sim de assegurar os meios mínimos de vida aos segurados e seus dependentes econômicos. Não é, também, benesse estatal ou caridade alheia, mas forma de seguro que não podem ficar ao largo do sistema por contrariar a moralidade dominante da sociedade e mesmo do direito privado sobre o que deve ser uma família.


Admitir, em tais casos, a prevalência de um conceito de família e união estável, ainda que previsto na Constituição, em detrimento do direito à vida e à previdência social (igualmente previstos na Constituição), é chegar a um resultado inadequado de ponderação, afastando aspectos mais relevantes do bem-estar social em favor de uma moralidade dominante.


Os argumentos apresentados, em que pese sua substância, ainda não convencem os Tribunais que vem decidindo:


EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – RECURSOS DE APELAÇÃO CÍVEL – APELO PRINCIPAL PROVIDO – APELO ADESIVO DESPROVIDO – AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL “POST MORTEM” – RELACIONAMENTO DURADOURO NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO VÁLIDO NÃO ATINGIDO POR SEPARAÇÃO DE FATO – SITUAÇÃO DE CONCUBINATO – IMPOSSIBILIDADE – PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE – PRETENSÃO DE REDISCUSSÃO DA MATÉRIA E REIMERSÃO NO CONJUNTO PROBATÓRIO – IMPOSSIBILIDADE – PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA DOS VÍCIOS DO ART. 535 DO CPC – ACÓRDÃO MANTIDO – EMBARGOS REJEITADOS. 1. “Esta Corte Superior consagrou o entendimento de que a relação concubinária, paralela a casamento válido, não pode ser reconhecida como união estável, salvo se configurada separação de fato ou judicial entre os cônjuges. (...) O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça possuem jurisprudência firmada na vertente de ser descabido o compartilhamento da pensão por morte entre a viúva e a concubina, uma vez que a pensão previdenciária somente é devida quando configurada a relação matrimonial ou a união estável, sendo inadmissível quando se tratar de concubinato” (STJ – 3ª Turma – AgRg no Ag 683.975/RS – Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA – j. 18/08/2009, DJe 02/09/2009). 2. “Não se vislumbrando no acórdão o vício que lhe foi atribuído pela embargante - omissão, conforme o artigo 535, inciso II, do Código de Processo Civil - impõe-se a rejeição dos embargos declaratórios, que não se prestam, conforme tranqüila orientação jurisprudencial, à rediscussão da matéria decidida” (TJMT – 1ª Câm. Cível – EDcl 80779/2010 – Rel. DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI – j. 24/08/2010, Data da publicação no DJE 31/08/2010). 3. “Ainda que os embargos de declaração se destinem ao fim prequestionador, é imprescindível que o provimento jurisdicional atacado se apresente inquinado pelo vício da omissão, nos termos do art. 535 do CPC” (TJMT – 4ª Câm. Cível – EDcl 11275/2007 – Rel. DES. MÁRCIO VIDAL – j. 26/02/2007, Data da publicação no DJE 07/03/2007). (TJMT. ED 113618/2016, DES. JOÃO FERREIRA FILHO, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Julgado em 18/04/2017, Publicado no DJE 25/04/2017)


ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCUBINA. PENSÃO. RATEIO COM A VIÚVA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. AGRAVO NÃO PROVIDO.


1. "A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato", sendo certo que a "titularidade da pensão decorrente do falecimento de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina (RE 590.779, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, STF, Primeira Turma, DJe  26/3/09).


2. Hipótese em que o Tribunal de origem reconheceu, com base no conjunto probatório dos autos, que o falecido servidor não era separado de fato, tendo estabelecido dois núcleos familiares concomitantemente, com sua esposa e com a ora agravante.


3. Agravo regimental não provido.


(STJ. AgRg no Ag 1424071/RO, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/08/2012, DJe 30/08/2012)


Até porque o Supremo Tribunal Federal ainda mantém posicionamento no mesmo sentido, senão vejamos:


COMPANHEIRA E CONCUBINA - DISTINÇÃO. Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel. UNIÃO ESTÁVEL - PROTEÇÃO DO ESTADO. A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato. PENSÃO - SERVIDOR PÚBLICO - MULHER - CONCUBINA - DIREITO. A titularidade da pensão decorrente do falecimento de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina. (RE 590779, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 10/02/2009, DJe-059 DIVULG 26-03-2009 PUBLIC 27-03-2009 EMENT VOL-02354-05 PP-01058 RTJ VOL-00210-02 PP-00934 RB v. 21, n. 546, 2009, p. 21-23 LEXSTF v. 31, n. 363, 2009, p. 292-301 RJTJRS v. 46, n. 279, 2011, p. 33-38 RMP n. 42, 2011, p. 213-219)


Agora é fato que tudo isso pode mudar, já que a Corte Suprema reconheceu a existência de repercussão geral no Recurso Extraordinário n.º 669465/ES onde se discute a possibilidade de reconhecimento do direito à pensão por morte da concubina, fazendo com que a decisão tomada nele tenha natureza cogente para todos os demais Tribunais e nesse caso será de aplicação obrigatória.


Motivo pelo qual a definição da possibilidade de concessão de pensão por morte para os concubinos somente ocorrerá com o julgamento do referido Recurso.


Bruno Sá Freire Martins

Bruno Sá Freire Martins

Servidor Público efetivo do Estado de Mato Grosso; advogado; pós-graduado em Direito Público e em Direito Previdenciário; professor da LacConcursos e de pós-graduação na Universidade Federal de Mato Grosso, no ICAP – Instituto de Capacitação e Pós-graduação (Mato Grosso), no Instituto Infoc - Instituto Nacional de Formação Continuada (São Paulo), no Complexo Educacional Damásio de Jesus - curso de Regime Próprio de Previdência Social (São Paulo); fundador do site Previdência do Servidor (www.previdenciadoservidor.com.br); Presidente da Comissão de Regime Próprio de Previdência Social do Instituto dos Advogados Previdenciários – Conselho Federal (IAPE); membro do Cômite Técnico da Revista SÍNTESE Administração de Pessoal e Previdência do Agente Público, publicação do Grupo IOB; escreve todas as terças-feiras para a Coluna Previdência do Servidor no Jornal Jurid Digital (ISSN 1980-4288) endereço www.jornaljurid.com.br/colunas/previdencia-do-servidor, autor dos livros DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO, A PENSÃO POR MORTE e REGIME PRÓPRIO – IMPACTOS DA MP n.º 664/14 ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS, todos da editora LTr e do livro MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO da editora Rede Previdência/Clube dos Autores e de diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.


Palavras-chave: Concubinato Pensão por Morte União Estável CC CPC/2015

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