Do dano existencial na relação de emprego

Para ter uma existência digna, todas as pessoas necessitam exercer uma atividade remunerada, ou seja, precisam ter um trabalho ou emprego

Fonte: Josiane Coelho Duarte

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A relação de emprego é uma das formas de negócio jurídico (contrato) mais comum no âmbito das relações interpessoais, pois as pessoas naturais necessitam exercer atividade remunerada para possibilitar sua existência digna.


Referido contrato é cercado de normas que limitam a autonomia da vontade dos contratantes, sendo a base da legislação trabalhista a Constituição Federal de 1988 (CF/88) e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).


A CF/88 no art. 7º, XIII disciplina a jornada de trabalho máxima de 8 horas diária e 44 semanais, havendo exceções como o banco de horas, os turnos ininterruptos de revezamento, as jornadas 12X36, dentre outras.


A legislação ainda dispõe sobre regras de saúde e segurança do trabalho que são de ordem pública e mesmo por negociação coletiva não podem ser afastadas, conforme súmula 437 do C. Tribunal Superior do Trabalho (TST). Dentre essas regras está o repouso semanal remunerado e os intervalos intra e interjornada.


Assim, a jornada de trabalho, em regra, é de 8 horas com intervalo interjornada (dentro da jornada) de no mínimo uma e no máximo duas horas (art. 71 da CLT), devendo ainda haver o intervalo intrajornada (entre uma jornada e outra) de no mínimo onze horas (art. 66 da CLT) para que o empregado descanse e faça o que melhor lhe aprouver, como estudar, por exemplo.


O excesso de jornada e a não concessão dos intervalos para descanso e alimentação ou o intervalo intrajornada podem gerar dano existencial ao empregado (espécie de dano extrapatrimonial). O dano existencial no Direito do Trabalho ou dano à existência do trabalhador advém da conduta patronal que impede o empregado de conviver em sociedade por privá-lo de atividades que lhe garantam bem-estar físico e psíquico em razão de atribuir, por exemplo, muitas tarefas diárias que lhe força a estender sobremaneira sua jornada de trabalho, o impedindo de iniciar e/ou concluir seus projetos de vida por não possuir tempo hábil fora do local de trabalho.


Nas palavras de Amaro Alves de Almeida Neto:


“(...) toda pessoa tem o direito de não ser molestada por quem quer que seja, em qualquer aspecto da vida, seja físico, psíquico ou social. Submetido ao regramento social, o indivíduo tem o dever de respeitar e o direito de ser respeitado, porque ontologicamente livre, apenas sujeito às normas legais e de conduta. O ser humano tem o direito de programar o transcorrer da sua vida da melhor forma que lhe pareça, sem a interferência nociva de ninguém. Tem a pessoa o direito às suas expectativas, aos seus anseios, aos seus projetos, aos seus ideais, desde os mais singelos até os mais grandiosos: tem o direito a uma infância feliz, a constituir uma família, estudar e adquirir capacitação técnica, obter o seu sustento e o seu lazer, ter saúde física e mental, ler, praticar esporte, divertir-se, conviver com os amigos, praticar sua crença, seu culto, descansar na velhice, enfim, gozar a vida com dignidade. Essa é a agenda do ser humano: caminhar com tranquilidade, no ambiente em que sua vida se manifesta rumo ao seu projeto de vida”. (ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a tutela da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 6, n. 24, mês out/dez, 2005, p. 49).


Assim, certo que todo ato injusto do empregador que impeça que o trabalhador possa buscar sua realização pessoal é geradora do dano existencial, pois afronta seu direito à desconexão de sua atividade laborativa, fazendo com que viva em função de seu trabalho e por isso não consiga realizar suas atividades privadas.


O direito à desconexão possui vínculo com os direitos fundamentais relativos às normas de saúde, higiene e segurança do trabalho descritas na Constituição Federal que limitam a jornada, garantem o direito ao descanso, às férias remuneradas com adicional de 1/3, e à redução de riscos de doenças e acidentes de trabalho (art. 7º, incisos XIII, XV, XVII e XXII, da CF), tendo finalidade de garantir a saúde física e psíquica dos trabalhadores.


Ademais, o dano existencial não se confunde com o dano moral. Conforme leciona Flaviana Rampazzo Soares:


“(...) a distinção entre dano existencial e o dano moral reside no fato de este ser essencialmente um sentir, e aquele um não mais poder fazer, um dever de agir de outra forma, um relacionar-se diversamente em que ocorre uma limitação do desenvolvimento normal da vida da pessoa. Nesse sentido, enquanto o dano moral incide sobre o ofendido, de maneira, muitas vezes, simultânea à consumação do ato lesivo, o dano existencial, geralmente, manifesta-se e é sentido pelo lesado em momento posterior, porque ele é uma sequência de alterações prejudiciais no cotidiano, sequência essa que só o tempo é capaz de caracterizar.” (SOARES, Flaviana Rampazo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 46).


Dessa forma, certo que os trabalhadores devem ter garantidos momentos de desconexão com sua atividade profissional, motivo pelo qual os empregadores necessitam respeitar as normas trabalhistas e, assim, garantir aos empregados momentos de descanso com a família e a possibilidade de se envolver em outras atividades que não sejam relacionadas ao trabalho, sob pena de serem responsabilizados pelos danos existenciais daí advindos.


Autora: Josiane Coelho Duarte Clemente é Advogada Bacharel em Direito pela Anhanguera Educacional S/A, pós graduada em Direito e Processo do Trabalho pela UNIVAG em convênio com a Amatra XXIII, Servidora Pública Estadual perfil Advogado e Professora do Ensino Superior


Josiane Coelho Duarte

Josiane Coelho Duarte

Advogada Bacharel em Direito pela Anhanguera Educacional S/A, pós graduada em Direito e Processo do Trabalho pela UNIVAG em convênio com a Amatra XXIII, Servidora Pública Estadual perfil Advogado e Professora do Ensino Superior.


Palavras-chave: Dano Existencial Relação de Emprego CF CLT

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